摘要:EditorialEsta edição da revistaInter-Ação aborda uma temática essencialpara os educadores: a infância e sua educação. Hoje se reconhece anecessidade de se debater a constituição das infâncias, de modo a nãoapenas descrevê-la, mas historicizá-la. Isso significa desvelar os váriosdeterminantes – social, cultural, ideológica, político-econômica, dasrelações interindividuais e coletivas, das concepções sobre os processosbiopsicossociais do desenvolvimento infantil – que atuam no sentido depromover a educação de crianças desde a mais tenra idade. Aqui cabedestacar a forma contraditória como a educação infantil ganhou espaçonas reformas educacionais que ora se impõem ao Brasil e a todos osoutros países nos mais diversos continentes. Reconhecida como direitoconstitucional desde 1988, a educação infantil foi reafirmada na formulaçãodo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e nos pressupostosque sustentam o Plano Nacional de Educação (2001) Na Lei de Diretrizese Bases da Educação Nacional (1996), passou a ser consideradaoficialmente como primeira etapa educativa. Persiste, no entanto, umtratamento desigual a este direito da criança, quer em nível regional,quer entre as faixas etárias. Isso se revela na construção dos diferentesespaços institucionais de atendimento, sendo observados o preconceitoe a marginalização com que são tratadas as pre-escolas e, sobretudo, ascreches brasileiras. Uma articulação necessária para superação dessasecundarização da infância e sua educação, aparece no perfil dos váriosartigos selecionados para nosso Dossiê, abrangendo desde a criança e seudesenvolvimento até o campo das políticas sociais e educacionais.É com a intenção de provocar uma discussão de muitas facetasque o Dossiê “Infância” abre espaço para diferentes estudiosos e pesquisadoresbrasileiros elegerem e tratarem de questões que consideremfundamentais no campo da infância e de sua educação. A discussão sobrea educação infantil ganha contornos mais amplos ou mais particularesnos vários artigos da revista. Estes mostram a urgência e a exigência deconhecermos as políticas nacionais e internacionais que se voltaram e sevoltam ao atendimento das crianças e sua educação nos diferentes contextos.Ademais, é preciso reconhecer os diversos conceitos que inaugurame sustentam os diferentes projetos educativos para a infância.No artigo “A educação das crianças pequenas como estratégiapara o “alívio” da pobreza”, de Rosânia Campos, pode-se compreenderatravés da análise documental sistemática as indicações dos organismosinternacionais – Banco Mundial, Unesco, Unicef, entre outros – àsações a serem desenvolvidas nos países da América Latina, notando seas concepções e a lógica com que se interseccionam as políticas e açõesde baixo custo dirigidas à criança e a família de baixa renda. Esse estudode Campos é reforçado pelas discussões de Lenildes Ribeiro Silvano artigo “Unesco: Os quatro pilares da “educação pós-moderna”, quetrata criticamente das reformas no âmbito da educação básica à luz doprocesso de reestruturação do capitalismo e do fenômeno da globalização,mostrando os riscos de se promover a alienação e o pauperismo,quando somente o discurso é libertador, enquanto as ações se voltam àmanutenção e ampliação da exploração e da desigualdade.É justamente nesse campo que contribuem as reflexões de WellingtonFerreira de Jesus no artigo “O financiamento da educação infantilnão é brincadeira de criança: entre ausência no Fundef e a insuficiênciado Fundeb?”. Realizando análise dos investimentos em educação infantilno período 1996, o autor responde a algumas questões sobre o financiamentoda educação brasileira e a realidade do financiamento da educaçãoinfantil com a aprovação do Fundeb. Considera, então, o distanciamentoentre o discurso e a realidade, reforçando a denúncia de diversos autores,educadores e movimentos sociais quanto à exclusão da educação infantilda divisão dos recursos educacionais ou da insuficiência dos recursosquando esta divisão ocorre.A defesa de uma política de Estado, e não unicamente de governosisolados, que defenda a criança como um cidadão de direito plenos,caracterizando a educação infantil como um bem público e não comoum mero serviço, encontra-se registrada no artigo “Das políticas contraditóriasde flexibilização e de centralização: reflexões sobre a história eas políticas da educação infantil em Goiás”, de Ivone Garcia Barbosa.Tendo por referência um conjunto de investigações realizadas no Estadode Goiás, com o apoio do GEPIED/FE/UFG, a autora busca apreendervários elementos históricos constitutivos da configuração das políticaseducacionais, que articula diretamente a educação de crianças menores deseis anos em nível municipal às políticas sociais mais amplas. Apresentauma análise do paradoxo que se estabelece entre as práticas sociais e osdiscursos políticos, no qual se observam contradições e antagonismos dediversas ordens. Na promoção de políticas de descentralização, ocorreuma redefinição das funções do Estado e a privatização das relações sociaisno interior do sistema público de ensino. Assim, a educação infantilé propalada como forma de efetivação de uma política voltada para odesenvolvimento político-social, mas, ao mesmo tempo, é classificadacomo “problema”, havendo um movimento crescente de privatização efilantropização do público na educação infantil.Esse processo de reconhecimento da importância da educaçãoda infância é também marcada por disputas conceituais. Por essa razão,queremos destacar as contribuições dos artigos “A afetividade no desenvolvimentoda criança: contribuições de Henri Wallon”, de Ana Rita SilvaAlmeida; “A criatividade infantil na perspectiva de Lev Vigotski”, deGeisa Nunes de Souza Mozzer e Fabrícia Teixeira Borges; “Letramento naeducação infantil: “Quem tem medo do lobo mau...”, de Regina AparecidaMarques de Souza; “Pedagogização da infância: refletindo sobre podere regulação, de Aliandra Cristina Mesomo Lira. As cinco autoras, querecortam seus artigos nos mais diferentes vieses conceituais, contribuemno sentido de resgatarmos para o debate sobre a infância e sua educaçãouma concepção de criança em pleno desenvolvimento e que precisa serrespeitada como tal. Ademais, apontam para o debate sobre a formaçãodos professores de educação infantil. Ao tratar do conceito de afetividadeno desenvolvimento da criança, segundo os pressupostos de Wallon,Ana Almeida explicita sistematicamente a necessidade de novos estudossobre essa temática e enfatiza a importância do estudo da afetividade esuas relações com a atividade intelectual para a formação do professor.Esta aposta em uma revisão conceitual também pode ser observada nosescritos de Geiza Mozzer e Fabrícia Borges, que abordam o processode desenvolvimento da criança pelo recorte da criatividade. Apontampara a necessidade de estudar a criatividade infantil, numa perspectivahistórico-cultural, superando a polarização entre as concepção inatistae ambientalista da psicologia. Desse modo. conceituam a criatividadecom base na concepção vigotskiana e destacam a brincadeira como atividadeaprivilegiada em que podem se manifestar múltiplas formas deexpressão relacionadas com o caráter único e singular da criança, vistacomo sujeito da ação criativa.Estabelecendo, com apoio da leitura que faz da obra de Vigotski,uma diferenciação entre alfabetização e letramento, Regina Souza retomaa defesa de uma educação infantil em que se considere a criança comovalor sócio-histórico, que tem direitos, entre os quais está o de ler e seexpressar no mundo nas mais diversas formas de expressão e linguagens.A autora traça, nessa direção, uma abordagem didático-pedagógica naeducação infantil, de modo a resgatar a dialeticidade do processo. Talcompreensão do processo é, ainda que apoiada em outro referencialteórico, manifesta por Aliandra Lira, cujo foco central está na práticaseducativas com crianças na educação infantil pública, em que a autorareconhece investidas de pedagogização marcadas por prescrições disciplinarese regulatórias, que se materializam por meio de técnicas quetomam o corpo infantil como objeto.O conjunto desse artigos se somam ao restante daqueles publicadosnas outras seções da revista, que nos convidam aos diversosolhares sobre o processo educacional. Como se pode ver, este númerodaInter-ação é muito especial. Convido a todos a partilhar dessa leiturae a somar com aqueles que querem uma educação infantil de qualidadee democrática. Dra. Ivone Garcia Barbosa Coordenadora do Dossiê