摘要:Um assombroso exercício narrativo é proposto em Não se pode morar nos olhos de um gato, de Ana Margarida de Carvalho, texto que mergulha num Brasil do final do século XIX, em meio a suas contradições sociais, pós-abolição da escravatura. A obra apresenta um projeto narrativo com duas construções bastante distintas, ainda que complementares, imbricadas ao espaço diegético que ocupam: uma nau clandestina que naufraga na costa do Brasil e uma minúscula praia, que desaparece conforme o movimento das marés, espaço de sobrevivência dos poucos que se salvam no acidente. Neste artigo, investigo o pendor ao excesso – aliás, uma das marcas da literatura portuguesa – edificado pelas vozes narrativas e seu processo gradual de desvelamento, num intrincado jogo textual de recuos e avanços, que mostra e esconde, tal qual o mar, elemento onipresente do texto, a partir do capítulo inicial, dentro da nau, e do segundo capítulo, que já mergulha nas consequências do naufrágio e apresenta a personagem Nunzio. Os dois capítulos são exemplares numa configuração que extrapola as tipologias narrativas clássicas e exigem novos olhares da narratologia. Contrariando as máximas da economia narrativa e do menos é mais, Não se pode morar nos olhos de um gato, de Ana Margarida de Carvalho, é um exercício do excesso e do abundante.