首页    期刊浏览 2025年12月31日 星期三
登录注册

文章基本信息

  • 标题:A insularidade real e imaginaria em Ilhas Contadas de Helena Marques.
  • 作者:Rector, Monica
  • 期刊名称:Hispanofila
  • 印刷版ISSN:0018-2206
  • 出版年度:2014
  • 期号:December
  • 语种:English
  • 出版社:University of North Carolina at Chapel Hill, Department of Romance Languages
  • 摘要:Gabriel Garcia Marquez (frase citada pela autora)

A insularidade real e imaginaria em Ilhas Contadas de Helena Marques.


Rector, Monica


A vida nao e a que nos vivemos, mas a que nos recordamos quando queremos conta-la.

Gabriel Garcia Marquez (frase citada pela autora)

Helena Marques e autora de cinco romances e de um livro de contos. Ilhas contadas (2007) contem dez contos que se passam entre o ir e o estar em ilhas diversas. A maioria dos contos sao narrativas memorialistas, sobre um passado e suas consequencias no presente, ou o gosto de mel ou de fel numa permanencia temporaria voluntaria ou obrigatoria numa ilha. As protagonistas sao mulheres maduras e com a maturidade vem a sabeduria, a minimizacao dos conflitos e a saudades do tempo passado ou perdido. Os sentimentos e as emocoes permeiam a narrativa e o desfecho e quase sempre premeditado, estudado ou analisado pelas personagens. Segundo entrevista que foi feita a autora (Correio da Manha), ha um amadurecimento ficcional que imita a realidade. "Era muito mais intransigente e exigente quando era mais nova. A idade tem essa grande vantagem de desvalorizacao de umas coisas e valorizacao de outras. Quanto mais vivemos mais sentimos que os afectos sao as balizas das nossas vidas. Afectos e valores sao as coisas mais basicas da vida, da familia, da sociedade, do pais e do mundo, isto funciona assim, como circulos concentricos".

Viagens a ilhas

Como area fechada de dificil acesso, em geral, a ilha e simbolo para algo especial ou perfeito. Ir ou sair de uma ilha implica uma viagem. Muitas sao as formas e as razoes que impulsionam um deslocamento, por isso "viagem" e uma termo polissemico, que pode abranger varias significacoes. As viagens podem ser reais ou imaginarias, mas convergem num ponto: "a busca pelo desconhecido, a surpresa da novidade, sejam as tensoes originadas nas confrontacoes/defrontacoes de outras formas diferentes de ser, pensar, sentir, agir, realizar, imaginar" (Sousa 2).

As viagens em Ilhas contadas tem origens diversas. A recordacao do passado, o reavivamento da memoria, o desejo da auto-descoberta, o esclarecimento de fato pressentidos, mas nao sabidos, sao algumas das motivacoes para os deslocamentos.

A questao do imaginario das aguas tem um valor simbolico. Ajudam a descobrir-se a si mesmo, buscando um sentido para a propria existencia. O mundo insular nesta obra e simbolizado pelo casulo. A ilha e um casulo magico, pois e o lugar de refugio. A morte e a dor da separacao ai se fazem presentes mais intensamente, devido a condensacao dos sentimentos num lugar tao diminuto. Ai a essencia pode revelar-se.

A ilha tambem propicia o confronto entre dois espacos geograficos e traca a diferenca entre o aspecto psicanalitico interno e o externo do individuo, mostrando uma nova dimensao do ser. E a "eterna busca de si mesmo, de modo que a propria inquietacao do homem o impulsiona para o novo, para melhor compreender a vida em todos seus misterios, na tentativa de ser mais feliz", diz Mari Guimaraes Sousa ao analisar O conto da ilha desconhecida de Jose Saramago (6).

Ja Maria Luisa Baptista, ao examinar a insularidade na novelistica de Manuel Lopes, divide a insularidade em tres aspectos: 1. a insularidade geo-historica, 2. a insularidade socio-cultural, e 3. a insularidade vivencial. A insularidade geo-historica propicia uma insularidade socio-cultural e uma insularidade existencial, isto e, vivencial. Ja a insularidade socio-cultural implica o afastamento da patria, o esquecimento, e a necessidade de agir em dificeis circunstancias enquadradoras (22). As tres insularidades podem ser encontradas em Ilhas contadas. De todas estas insularidades, o isolamento faz parte integral e delineia uma consciencia de identidade. Relacionar-se com a ilha e dentro da ilha exige uma adequacao as condicoes ambientais.

A insularidade vivencial e a mais acentuada em Ilhas contadas, apesar de nao assemelhar-se a viajar sem sair da habitacao, como Xavier de Maistre o fez em Voyage autour de ma chambre e Almeida Garrett em Viagens na minha terra. Mas as viagens de Garrett sao multiplas, viagem sem sair do quarto para escrever, viagem com deslocamento a Santarem, e viagem pela Historia de Portugal. Helena Marques viaja ao passado das personagens para que estas possam resgatar o presente. A viagem e um desbravamento dos conflitos intimos em busca de uma explicacao para as duvidas atraves da memoria. Nao ha o dilema do "querer bipartido", ou seja, do "ter de partir querendo ficar" e "ter de ficar querendo partir", num o jogo das forcas centripeta e centrifuga (Baptista 27), esta ambiguidade so se faz sutilmente presente.

A ilha, em Helena Marques, serve de contexto para a narrativa se desenvolver. E um lugar unitario onde a emocao das personagens tem um livre fluir e uma tranqulidade que lhe da acesso a particulas do passado, escondidas na rede relacional das preocupacoes, dos desejos e interesses. Ha a expectativa, mas tambem as surpresas do inesperado e da descoberta e, em alguns casos, da contra-surpresa.

As ilhas desde sempre deslumbraram e estimularam o imaginario dos povos. Sao fragmentos de terra, que despontam a intimidade e plasmam a solidao. As esto rias de Ilhas contadas descrevem a natureza de cada uma das ilhas, com sua aridez e vegetacao, com as ondas apaziguadoras e revoltas, envolvendo personagens com seus sentimentos de prazer e de dor. "Estar de passagem ou permanentemente marcar a indole do individuo, sao dois tempos marcados pela presenca da ilha ou distancia dela" (Correio).

Vejamos os contos. Helena Marques comeca cada conto com uma epigrafe, algumas em portugues, outras em ingles. Vamos nos deter nas em portugues. Uma leitura de todos estes paratextos nos permitiria uma compreensao de toda a obra, e certamente nos da um vislumbre de cada conto, como Joao Guimaraes Rosa o fez em Corpo de baile.

A funcao principal do paratexto e um comentario ao texto, indicando de forma indireta o significado do mesmo. Desta forma, a autora estimula o leitor a elaborar uma hipotese antecipada sobre o conteudo do conto. Tomamos a liberdade de, para alguns contos, escolher uma frase do proprio texto como epigrafe.

Regresso a Iona

Ha um tempo para cada coisa e um ritmo para cada tempo (21).

Iona e uma ilha escocesa, do arquipelago das Hebridas. Seus primeiros habitantes foram nomades, que la chegaram entre 5.000 a 6.000 a.C. Nela, Camila e Daniel estao em sua segunda viagem depois de quinze anos. Naquela epoca--a da primeira viagem a "verdade quotidiana consistia apenas em duvidas e temor" (13). Ambos haviam tido multiplos casamentos. No presente, queriam "soltar toda a verdade", numa tentativa de apagamento da inseguranca da juventude e numa busca do autoconhecimento.

Para eles, Iona era uma pureza primordial (15). O mar mais parecia um lago. Vagueavam e caminhavam pelos campos com o mar no horizonte, "sentindo a insubstituivel companhia do outro" (17). O mar representava a incerteza, a duvida interior das pessoas, mas "a fe move montanhas". O casal avista o mar por todos os lados, permeado pelo silencio. Este silencio imperturbado faz com que o tempo e as horas estejam suspensas. A contemplacao leva os dois "a outra dimensao de vida, a um outro plano de qualidade" (19).

"Se tivessemos vinte anos, amariamos assim este lugar?". Nao souberam responder. "Mas concordamos quanto a sabedoria da maturidade" (20). A primeira visita a ilha foi "no tempo da esperanca", a volta e "no tempo das certezas" (21).

A ilha, neste conto, ocupa o lugar de memoria, do compromisso com a verdade. A mesma ilha e vivida e sentida de forma diferente, segundo a idade e a experiencia das pessoas. O tempo fica suspenso na visita temporaria, simbolizando a incerteza na juventude e a certeza na sabiduria da maturidade.

Os despojos

Nao se deve exigir de uma pessoa aquilo que ela nao tem para dar (33).

Esta frase do conto de Helena Marques explica a escolha da epigrafe de Sophia de Mello Breyner, que abre este conto:
   Peco-te que venha e me des
   Um pouco de ti mesmo onde eu habite.


Horta e uma cidade portuguesa com cerca de 8.800 habitantes na regiao dos Acores. E chamada de ilha azul pelo poeta Raul Brandao, devido as hortencias nos meses de verao.

La vive uma senhora idosa, Maria da Luz, sem mobilidade nas pernas, quase nao fala e se comunica por meio de caneta e papel. Lucia, filha do irmao mais velho dela, viuva, viaja a ilha quando pode. Ambas sao "mulheres solares" (26). Lucia deriva de luz, e o sol, a verdade. As noras, que cuidam de Maria da Luz, mais parecem abutres da morte. Lucia lembra-se da tia no passado, como sendo uma mulher bonita, generosa, sensivel e inteligente, interessada por tudo e por todos. O narrador (omnisciente em 3a pessoa) poe a atencao nos pequenos detalhes, na estrutura ossea, como que captando o momento presente, que esta se extinguindo. Recorda os pormenores, mostrando que a memoria se faz de fragmentos minimos, de intersticios da memoria. Narra a importancia do afeto que a velha senhora havia dado para auxiliar Lucia a refazer sua vida, para reaprender a viver: "tinha-a resgatado do apagamento e da desistencia" (30).

Toda a narrativa e configurada a partir de flashbacks do passado. A tia a ensinara a ler: "foi com a tia que Lucia aprendeu a entrar num livro e a entende-lo, substituindo a leitura impaciente e voraz que lhe era natural, por uma caminhada mais lenta, atenta e abrangente, muito mais compensadora" (31).

Salvador, o marido de Maria da Luz, olha a esposa com desafeto. Nao sobrara "a menor centelha de afecto, nem de compreensao, nem da mais espontanea simpatia humana, o olhar daquele homem parece protestar contra o dever que o leva, quotidianamente, aquele quarto ..." (32). O marido so ve o lado externo fisico, o interno lhe e desconhecido, mas Lucia o apreende com sua intuicao feminina. A tia da a ela um papel onde escrevera: "Nao se deve exigir de uma pessoa aquilo que ela nao tem para dar" (33). Lucia sente raiva, mas entende e repete a frase. Depois sente pena de Salvador, que considera Maria da Luz apenas como ela, um pronome e nao um ser humano. Cabe a Lucia, filha da luz, iluminar Salvador, para que ele entenda que a esposa nao o havia abandonado.

As duas mulheres mostram um instinto de autopreservacao mutua, iluminandose e irradiando luz a outros. Novamente, Marques mostra ao leitor a sabedoria da maturidade e a compreensao da velhice contra a falta de entendimento dos mais jovens e, nesse caso, do sexo masculino, seres apressados para quem a vida e o aqui e o agora. A pressa e o consumo do tempo na juventude da lugar a quietude e ao apreco do tempo na maturidade.

O rapto segundo Teodora

E de Maria Teresa Horta a epigrafe que inicia este conto:
   Desde o comeco que conheco
   Que es o porto--a gare
   Onde se chega--onde se parte.


Carlota e a sobrinha que viera do Brasil, de Araraquara, no interior de Sao Paulo, depois de uns 24 anos de ausencia. Memorias lhe veem a mente. O marido de Carlota havia falecido fazia cinco anos. Ela tinha uns 35 anos de idade.

Bruno, filho da tia Teodora, a acompanhou ao hotel. Nesta ilha, Funchal na Madeira, havia crepusculos como nao havia no Brasil. Carlota tinha saudades da ilha. Funchal foi o lugar de chegada para o encontro de si mesma para logo tornar-se o lugar de partida para uma nova vida. Surge um romance entre Carlota e Bruno, que decide ir ao Brasil e, por isso, passou a ser considerado o Desaparecido, A Vitima, o Raptado (45). Carlota, uma mulher, era a responsavel pelo rapto. O par havia chegado "demasiado cedo a uma sociedade preconceituosa e castradora" (46).

Ha um hiato temporal na narrativa, que agora se volta para Margarida, bisneta de Teodora. Esta e convidada para ir de Sao Paulo, a Araraquara especificamente. Margarida pensa, em retrospectiva, que Carlota e Bruno deveriam ter feito este mesmo percurso. Ha flashbacks de um imaginario de Margarida, visualizando o carro em que viajaram, os campos e o caminho que percorrreram. Depois imagina que deveriam ter consultado um advogado, ja que ela era uma viuva rica e ele solteiro. Ao chegar ao seu destino, com sua amiga Rosa Linda, ambas ficaram hospedadas em casa da mae da amiga, Abigail. Esta discorre sobre a geografia das refeicoes, a visita a fazenda tombada. Recorda a historia da cidade e relembra--ja que Margarida era portuguesa--um medico portugues, que falecera ja com idade avancada, logo apos a esposa, "como se ja nao soubesse--ou nao quisesse--viver sem ela" (50). Formarase medico pela Universidade de Sao Paulo. Fora um happy-end, Margarida pensou.

Os olhos azuis de Margarida lembravam os de Bruno--a sua identidade e relevada de repente: Margarida era uma sobrinha-neta de Bruno. E entao foi a vez dela, da narradora em terceira pessoa, contar a sua versao do "rapto", um rapto feminino onde a memoria de um amor feliz e de recordacoes reconstroi um passado, segundo uma outra visao composta a partir do ouvir dizer e do imaginar.

A guia de Patmos

O Livro do Apocalipse guia os passos pela ilha, assim como a epigrafe do apostolo Joao. Patmos e uma pequena ilha da Grecia a 55 km da costa da Turquia, no mar Egeu. E uma das ilhas do Dodecaneso, e possui uma populacao de uns 3.000 habitantes, com capital em Hora (ou Chora), as vezes erroneamente chamada Patmos. A ilha e dividida em duas partes quase iguais, uma do norte e outra do sul, unidas por um estreito istmo.

Despina, Maria em grego, e a guia da excursao. Lucas e de Coimbra e esta apenas fazendo turismo. Preferiu viajar com desconhecidos do que com uma companhia desagradavel, pois havia acabado de desfazer-se de uma relacao. As religioes o fascinavam, as existentes, "reveladas" (56) e as construidas sobre "ilusoes consentidas" ou por "uma iluminada fe". As marcas do passado prendiam-no a ilha, assim como outrora acontecera com o apostolo Joao. Este havia sido condenado em Patmos e fora ai, numa gruta que escreveu o Livro do Apocalipse. Seu desejo de visitar o Mosteiro de Sao Joao--que estaria fechado por tres dias--produziu raiva em Despina. Nao era um local turistico. Mas, devido a calma que Lucas exalava, propos leva-lo a um convento de freiras do seculo xvii. O mal-estar se desfez, ela abriu-se e comecou a revelar o passado da ilha e ate mesmo chegou a rir. Um ar de enlevo os uniu e ela pediu que voltasse um dia para ver o mosteiro. Ele reagiu positivamente e o desfecho ficou no ar, em aberto, restando o mosteiro como pretexto de ligacao entre ambos e de reavivar uma memoria enraigada no passado distante.

Mais do que a memoria, este conto e sobre o momento epifanico, a dissolucao do conflito, que se da pela serenidade e permite a relacao, a comunicabilidade.

A segunda mulher do Coronel Miller

Porto Santo e um municipio que ocupa toda a ilha de Porto Santo, na regiao da Madeira, com seus 5000 habitantes. Nesta ilha ha um hotel com excesiva tranquilidade. Tome, seu hospede, ali se encontrava porque sua avo lhe pagara a viagem para escrever um relatorio, que precisava ter caracteristicas vencedoras para sua promocao no banco. Ele luta diariamente "contra a opacidade do seu cerebro" (68). O papel em branco diante dele equivale a espuma das vagas do Atlantico que se desfazem sem deixar marcas. Luta tambem contra a maquina de escrever. Este silencio se interrompe com a visao de uma mulher em negro. Logo foi informado tratar-se de Mrs. Miller, segunda esposa e viuva do Coronel Miller. Elsa Miller ama a beleza de Porto Santo, com sua dimensao tao reduzida. Sua "vida se resume a uma sufocante solidao, a uma cama vazia, a uma mesa quase sempre solitaria, a uma par de maos sem nada para agarrar" (71).

Sybill e Andrew Miller foram os amigos mais proximos de Mrs. Miller. Ao recordar e repensar, ela da-se conta que amava Andrew, sem percebe-lo quando ele estava ao seu lado. "Viver sem reconhecer o que se viveu nao sera o pior dos castigos?" (71). Julga que ele sabia de seus sentimentos, pois ela tinha estado casada por afeto e companheirisimo, mas nao conhecera o grande amor. Tenta recuperar o tempo perdido na imaginacao, enquanto le os Apontamentos de guerra do falecido marido. Tome a percebe nos minimos detalhes, adivinhando a maciez de sua pele. Entre o nao-relatorio e a presenca de Mrs. Miller opta pela segunda. "Tome pensa que ela e a personificacao da harmonia e fica a ve-la afastar-se sobre a areia molhada" (73) em seu maillot e chapeu lilas. Ela percebe Tome e decide que nao valeria a pena dar-lhe atencao, talvez apenas por uns minutos. Logo, em seguida, ela partira para a Inglaterra para encontrar-se com o editor para uma possivel publicacao dos Apontamentos, enquanto Tome continua com seu "bloqueio criativo, nao consegue pensar, e melhor nao insistir, nao vale a pena, nao vale mesmo a pena ..." (79).

A solidao e o vazio da vida continuam sistematicamente. O conto mostra a inconsciencia dos sentimentos no presente em que se esta vivendo. A angustia da solidao de estar so e a mesma angustia da solidao do processo da escrita. Para Tome, o fracasso de nao escrever o relatorio seria recompensado se pudesse voltar com uma mulher, sua mulher. O processo tanto da conquista como da escrita fica no imaginario. Ha apenas a ilusao, ja que ela parte, sem que ele se apercebesse que tal fato fosse ocorrer. Nunca se comunicaram, o pensamento so tem sentido quando posto em acao e para isto palavras sao necessarias. As palavras sao a unica forma de comunicabilidade ja que o pensamento nao se materializa quando nao ha um receptor e um canal para transmitir a mensagem. Os pensamentos precisam ser transformados em signos.

Morte em Mdina

Mdina e a antiga capital de Malta. E uma cidade medieval cercada de muralhas no topo de uma colina no centro da ilha. E chamada de "cidade silenciosa", com uma populacao diminuta. Num hotel neste topo esta hospedada Filipa Novais, que acorda no meio da noite com um medo e uma ansiedade imensa, a ponto de telefonar para Koli em Lisboa para reanima-la. Este sugere que verifique o trinco da porta e se a janela esta fechada. Koli, Nicholas Gaudi, e Filipa mantinham um sentimento de empatia um pelo outro. Ele lhe mostrara Creta pela primeira vez.

Filipa tem uns trinta anos, cabelos quase brancos e arritmia. Koli lhe tinha sugerido ir a Malta, onde ele ja estivera varias vezes. Filipa tenta adormecer de novo lendo um livro sobre as deusas, que lembra o romance A deusa sentada de Helena Marques, com suas "deusas fecundas, maternais e inspiradoras" (88). Ao descer ao saguao do hotel de manha encontra-se com Koli e dois policiais. Estupefata, e informada que o tiro que a acordara de madrugada tinha sido real, haviam matado um homem no quarto vizinho ao dela, que estava envolvido em drogas. De noite, quando ela havia telefonado a Koli dizendo-lhe de sua inquietacao e de achar que um homem na rua estava olhando para sua janela, Koli telefonou para o inspetor de policia, relatando o fato, o que permitiu que prendessem o assassino ao fazer o check-out. Agora havia o pretexto de Koli seguir na ilha--havia trazido uma mala--e assim ambos puderam ter a "capacidade de se deslumbrar e comover perante a beleza unica desta ilha" (92). Os dois que antes haviam sido compagnons de route, agora tinham o seu destino modificado e selado pela necessidade da companhia mutua constante.

Este conto relata um outro momento epifanico em que o acaso modifica o destino. Ao contrario dos contos anteriores, onde a imaginacao impera, em "Morte em Mdina", a suposta imaginacao e a propria realidade.

O retrato

A epigrafe de Eugenio de Andrade abre este conto:
   Estes mortos dificeis
   Que nao acabam de morrer
   Dentro de nos.


Este morto e o pai de Maria Amelia. Em que ilha a narrativa se desenrola? Este conto e "Prima Frederica" nao mencionam o nome da ilha. Perguntando a Helena Marques se a omissao fora intencional, a autora responde: "Antes do livro ter nome definitivo, achei que repetia muito as referencias a Madeira. Quando me decidi quanto ao titulo, nao me lembrei deste facto" (email de 08/08/2010).

A mae de Maria Amelia lhe havia dado um retrato de carvao para guardar quando tinha quatro anos. O retrato era de uma figura masculina. Desde cedo se viu sem pai. A mae recasara passados apenas dois anos de viuvez. Maria Amelia era melancolica, mas havia algo de rebelde nela, como em Jane Austen, que se tornara independente como escritora, e que acreditava que para ser livre, a mulher precisa de "independencia economica". Maria Amelia casara-se, nao era feliz, mas nao se queixava. O marido nao havia permitido que pendurasse o retrato que era o de seu pai. As tias tinham pena da menina triste que perdera o pai em tao tenra idade. Mas as tias, apesar de infecundas, tinham a alegria de viver. Maria Amelia imaginara que o pai havia sido um homem triste, quando lhe disseram que morrera de emocao, festejando a vida. Este foi o turning point, o momento de epifania, que permitiu que reconstruisse o seu interior (104). O sorriso voltou a sua face, as modas inspiradas por Paris deram leveza e sensualidade ao seu corpo. Achou-se bonita. Voltou a aceitar convites, a frequentar a roda social e artistica. Sua tia mais velha, Ana, falece e lhe deixa quase todos os bens. Sentindo-se financeiramente segura, procede ao divorcio. Lagrimas purificadoras dao leveza a uma vida sacrificada. A melancolia dissipa-se. Maria Amelia se instala na casa que era de sua tia Ana com os filhos. Tem autonomia agora. Duas pessoas permitiram que tal acontecesse: o pai e a tia. E o retrato do pai ganhou o lugar que lhe pertence, exposto na sala, com nova moldura dourada.

Este conto permite uma leitura feminista. Relata a dificuldade da mulher que sem apoio e autonomia financeira perde sua liberdade. Para a emancipacao da mulher, ha a necessidade de seguranca financeira para ganhar-se autonomia. Marques tambem enfatiza neste, como em outros contos, as importancia da familia, de seu apoio e da presenca paterna na infancia.

O casulo

Uma epigrafe de David Mourao Ferreira inicia este conto na ilha de Hydra, no mar Egeu. O nome desta ilha grega significa agua. Seu porto, com suas ruas ingremes de pedra, sao convidativas ao dolce far niente.
   A nossa noite ontem a tarde
   Foi a manha por que esperavamos.


Esta epigrafe lembra a "Modinha" de Vinicius de Morais:
   De manha escureco
   De dia tardo
   De tarde anoiteco
   De noite ardo.


Valentina aprendera que "ha sempre tempo util para dizer o que se quer. Mas nunca e possivel retirar o que ja se disse" (112). Vivia numa casa com a mae e a avo depois que o pai falecera. Da avo aprendera o perfeccionismo e que "orgulho e aprumo nao sao defeitos" (112-3), se houver bom-senso.

Ela esta no conves do navio a caminho de Hydra. Casara-se e o sonho se desfez em tres anos. Apos o divorcio voltou a antiga casa. "Valentina acreditava, cada vez mais, que o excesso de intimidade arruina as relacoes humanas" (114). E uma mulher "acolhedora", mas "magoa-se e sofre" (117) com as aparencias, que desilusionam. "A sua vida nao foi facil, com a morte prematura do pai e o descalabro do casamento" (117). Novamente temos a morte prematura de um pai, que tanta influencia a vida de uma jovem. Valentina viaja junto com duas amigas: Ema e Rosa. Estao fascinadas pela ilha, que parecia ser so pedra, mas logo revela una natureza fascinante. O silencio so e perturbado com o som da chavena de cha.

Valentina recorda o passado, a morte da avo e que esta experiencia lhe trouxera o terror da impotencia e da inevitabilidade dos fatos. Nao tivera filhos e agora defronta-se com a futura morte da mae, um flashforward nada agradavel. Pensa em Xavier, uma nova relacao, e como este a necessita. Telefona-lhe e diz um "ate amanha". A ilha, o casulo magico, lhe deu a tranquilidade para pensar no passado e no futuro e sentir-se agora numa posicao de equilibrio para enfrentar a vida.

A ilha e o lugar de reflexao e paz, longe do cotidiano, um parentese com poder transformador.

Prima Frederica de arma na mao

Historias de amor eram comuns no seculo xix. Frederica teve a felicidade ou infelicidade de viver um romance destes. A outra personagem, Jose Arcanjo, tem um nome angelical, que bem poderia estar ocultando algo demoniaco pela sua preferencia por mulheres ricas. Foi numa festa que se encontraram, mas ela dao lhe deu acesso, apenas aceitou o convite para o dia seguinte. E naquela noite, "Frederica, numa espontaineidade que o arrebatou, desenfiou os bracos das mangas compridas em gestos leves de bailado, e logo toda a ascetica, hermetica camisa de dormir se transformou num cachecol ..." (127). Engravidou. Mas Jose Arcanjo nao tomou a iniciativa de uma casamento, porque uma alcoviteira lhe havia insinuado uma senhora de quarenta anos. Valentina, vestida de negra, saiu de arma em punho, mas a criada impediu que atirasse nele.

Ha um corte na narrativa, que se volta para a lembranca da prima Frederica aos 70 anos. Diziam ter sido bela. Jose Arcanjo ja morrera, a mulher com quem casara nunca lhe deu filhos. Nem Frederica o tinha perdoado, se era isto o que esperava. Trata-se de recompor o passado, com fatos e imaginacao. O que resta de uma vida e apenas uma lenbranca e a mensagem do conto.

Uma pista em Jersey
   E de Maria Telles a epigrafe do ultimo conto do livro:
   Na maca a simbiose
   Da docura a acidez
   Na justa dose


Saint Helier e uma das doze paroquias de Jersey, a maior ilha do Canal da Mancha, com uma populacao de 28.000 habitantes. Ao sobrevoar o Canal, a narradoraprotagonista se lembra de Derek e a memoria comeca a trabalhar. Fora a Jersey em busca de uma escritora britanica. O romance dela "tinha sido construido a partir das memorias de uma familia rural e insular, das suas privacoes e ambicoes emigratorias, das suas lutas, persistencias e sonhos, da presenca obsessiva e constrangedora do mar em volta da pequena ilha matricial, dia apos dia, geracao apos geracao, despertando desejos compulsivos de novos rumos, novos horizontes, novas ilhas pelo vasto mundo, mas contrapondo-lhes, tambem a forca dos afectos, a resistencia a laceracao das partidas e as ferreas lealdades a raizes inabalaveis" (134). Este trecho tem um cunho autobiografico, a escritora britanica bem pode ser a escritora portuguesa Helena Marques e este resumo tem a forca de sintetizar o contexto das varias historias de Ilhas Contadas. A descricao que segue, apresenta os detalhes da natureza nas quais a escritora se fixa e os nomes de lugares sao aqueles que se sedimentaram na mente.

A narradora, que e uma jornalista, solicitou que a enviassem aquela ilha onde manteve contato com pessoas da colonia portuguesa. Tomando whisky ou jantando no Hotel de France, perguntara por Miguel Fernandes, que falecera ha dois anos; sua filha Micaela ainda la vivia. Caminhando, deambulando, voltava a pensar no passado e a recordar a vida de Miguel Fernandes. Foi ao Little House, um guesthouse. Fotografias revelaram a imagem de Monica, uma neta de Miguel Fernandes, que agora residia nos Estados Unidos. Sua intuicao lhe revela que Monica era Monica Wood Carter, a escritora que buscava, e que tinha escrito "sobre a ilha-mae dos seus antepassados, a ilha que ela escondera nesse middle-name Wood" (140). Agora a narradora-protagonista podia "escrever a cronica de uma pista falhada" (141).

A busca a leva a ilha, e um ir que exige um voltar, ja que o que buscava estava aonde tinha saido. A partida e a volta sao necessarias para descobrir a pista que estava ai, diante dos proprios olhos. O destino reserva contra-surpresas se uma pista adequada for seguida.

O SIGNIFICADO DAS ILHAS EM ILHAS CONTADAS

Varias das ilhas tem um significado psicologico: o desejo de solidao para isolar-se dos problemas ou a necessidade de um pequeno espaco para si mesmo. O mar muitas vezes simboliza a mente inconsciente, entao ir ou ficar numa ilha pode significar permanecer com o ego consciente para nao ter que enfrentar a parte desconhecida de si mesmo. Segundo Freud, o mar tambem pode ser um simbolo-mae, ou seja, pode simbolizar relacoes com a mae, apesar de que nos contos a ausencia do pai e mais forte do que qualquer presenca materna. A ilha circundada pelo mar pode ainda representar o temor de ser dominado por forcas inconscientes e, por isso, perder o controle.

Todo simbolo e uma relacao de referencia entre o signo e a realidade. Para Cassirer, o simbolo e uma invencao humana que mediatiza nossa relacao com a realidade criando uma nova realidade Uma ilha pode ser uma metafora do ceu na terra. E o outro lugar e, por isso, magico. Como metafora de ceu, a ilha e um lugar dificil de ser alcancado e reservado para poucos. Nenhum mortal e capaz de alcancar o ceu e, portanto, precisa do auxilio de outros para ser o lugar divino possa ser atingido.

E ainda um refugio, um lugar distante das multidoes e da civilizacao ruidosa. E um espaco de isolamento e de solidao. Mas a solidao propicia a estabilidade para descobrir o desconhecido. Para Aldous Huxley, por exemplo, em The Doors of Perception (1954) significa uma caminho para perceber as conexoes humanas.

Em Helena Marques, o significado das ilhas sao as ideias que se formam sobre as impressoes e sensacoes captadas e que dao a dimensao real da existencia. O ego das personagens e uma resposta aos estimulos externos, da natureza das ilhas e as impressoes subjetivas dos processos mentais, por isso a diversidade de significados segundo o contexto e a situacao.

Se tentarmos sintetizar os contos de Ilhas contadas veremos que Helena Marques centraliza sua narrativa em personagens femininas, em idade madura. A maturidade traz a sabedoria, e uma momento em que a calma e a tranqulidade permitem a reflexao. As ilhas, com seu isolamento geografico, permitem a insularidade vivencial, espaco para pensar e sentir o passado. Com o afloramento da memoria, feridas passadas sao esclarecidas, apagadas e transformadas em momentos epifanicos nunca antes alcancados. As ilhas sao o "casulo magico" que permitem o aflorar das emocoes e dar significado a fatos do passado, esquecidos no bau da memoria e que agora podem ser expostos sem medo e temor, permitindo uma transformacao existencial.

REFERENCIAS

Baptista, Maria Luisa. 'Vertentes da insularidade na novelistica de Manuel Lopes. Porto: Edicoes Afrontamento, 1993.

Cassirer, Ernest. Antropologia filosofica. Introduccion a una filosofia de la cultura. Mexico: FCE, 1968.

"Ilhas Contadas de Helena Marques". Correio da Manha, Clube de leiturasa 06-04-2007.

Marques, Helena. Ilhas contadas. Lisboa: Publicacoes Dom Quixote, 2007.

Sousa, Mari Guimaraes. Em busca da ilha desconhecida de Jose saramago: um pequeno roteiro turistico-literario. www.omarrare.uerj.br/numero8/pdfs/Mari.pdf, 03/08/2010.

Monica Rector

University of North Carolina at Chapel Hill
QUADRO-SINTESE

      Conto                Ilha                  Tema/Mensagem

Regresso a lona     Iona, ilha escocesa   Busca da verdade, na
                                          maturidade

Os despojos         Horta, nos Acores     Memoria do passado,
                                          sabedoria da maturidade

O rapto segundo     Funchal, na Madeira   Memoria e reconstruido do
Teodora                                   passado

A guia de Patmos    Patmos, na Grecia     Memoria da antiguidade,
                                          transformacao epifanica

A segunda mulher    Porto Seguro, na      Solidao, impotencia da
do coronel Miller   Madeira               escrita, recuperacao do
                                          tempo perdido no imaginario

Morte em Mdina      Mdina, em Malta       A imaginacao como realidade,
                                          momento epifanico

O retrato           ilha                  Emancipacao financeira da
                                          mulher, revelacao epifanica

O casulo            Hydra, na Grecia      Reflexao sobre o passado,
                                          tranquilidade dada pela ilha

Prima Frederica     ilha                  Recordacao do passado, so a
de arma na mao                            lembranca resta, paz que
                                          propicia transformacao

Uma pista em        Saint Helier, perto   Ir para encontrar a verdade
Jersey              do Canal da Mancha    no ponto inicial
联系我们|关于我们|网站声明
国家哲学社会科学文献中心版权所有