Uma nova linguagem para um novo seculo: 1808 de Laurentino Gomes.
Rector, Monica
Foi a seguinte anedota que me levou a escrever este artigo. Todos
os anos visito minha neta, de quatro anos, no Rio de Janeiro. Da ultima
vez, a mae dela me disse que agora Laura estava aprendendo Historia na
escola (Aprendiz). Qual a minha surpresa quando ela comeca a contar que
o Brasil tinha um rei medroso que nao tomava banho, e quando tomava, era
levado numa tina pelos empregados e que guardava coxinha de galinha no
bolso porque era guloso. [Entre risos e sorrisos continua ...] A rainha
era feia e teve que cortar o cabelo porque estava cheio de piolhos. As
pessoas nao tinham modos e comiam com a mao ... Olhei estupefata para
minha filha e ela me disse que a vinda da familia real era o projeto que
estava sendo estudado na escolinha--as criancas ainda nao estao
alfabetizadas. O interesse pela Historia de uma menina de tao pouca
idade me chamou a atencao e, em seguida, fui comprar a obra. Duvido que
Laurentino Gomes saiba que 1808 tambem desperta o interesse da faixa
etaria infantil.
O objetivo deste artigo e mostrar como numa nova era, em que a
tecnologia predomina e os interesses sao cada vez mais dispersos, a
repeticao de formas ja conhecidas nao consegue mais atrair o publico
comum. Uma nova linguagem tem que ser usada para atrair o leitor, nao
importa qual seja o campo de conhecimento. Por linguagem, entendemos
qualquer forma de comunicacao, seja verbal ou nao, como e o caso da obra
em pauta, que passaremos a analisar.
Ha anos a revista Harvard Business Review publica artigos densos e
analiticos, mas ao alcance de qualquer leitor, quer quanto ao conteudo,
quer quanto a forma usada. Este e o caso de 1808, de Laurentino Gomes.
Por meio da acessibilidade e da dessacralizacao da linguagem, o autor
conseguiu vender milhares de exemplares de um livro de Historia. Veremos
os meios e a estrutura utilizada para tal exito, deixando de lado os
meritos do Marketing e o acesso que Gomes tem aos meios de comunicacao.
O AUTOR
Laurentino Gomes e brasileiro, natural do Parana (Maringa), e
membro do Instituto Historico e Geografico de Sao Paulo. Formado em
Jornalismo pela Universidade Federal do Parana, fez pos-graduacao em
Administracao pela Universidade de Sao Paulo e cursos de especializacao
na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em 31 anos de profissao trabalhou
como reporter e editor para alguns dos principais veiculos de
comunicacao do Brasil, incluindo o jornal O Estado de Sao Paulo e a
revista Veja. Com o livro 1808 ganhou o Jabuti, considerado o mais
tradicional premio de literatura do Brasil, em duas categorias: de
melhor livro-reportagem e de Livro do Ano de nao ficcao. A obra recebeu
tambem o premio de Melhor Ensaio, Critica ou Historia Literaria de 2008
da Academia Brasileira de Letras.
Experiencia e paixao pela escrita nao lhe faltam, pondo seus
conhecimentos para reavivar a Historia do Brasil, dando a ela seu devido
lugar. De jornalista, o autor passou a historiador.
O HISTORIADOR
Um titulo universitario concede a qualquer individuo, como e o caso
de Gomes, o status de pesquisador, inicialmente em uma determinada area
de conhecimento. No caso de Gomes, a pesquisa pode ser extrapolada uma
vez que o jornalista nao trata de um tema especifico. Em entrevista a
Nahima Maciel, perguntado se Gomes se sentia como jornalista ou
historiador diante de sua obra, o autor respondeu:
A unica diferenca entre fazer um livro e uma materia para um jornal
ou para uma revista e a extensao e a profundidade da pesquisa. O livro e
muito mais profundo, extenso e detalhado. Mas a tecnica de apuracao e
edicao e mais ou menos a mesma. Considero [1808] a maior reportagem que
fiz na vida. O segredo foi o planejamento previo. Quando li uns tres ou
quatro livros de referencia sobre o assunto, ja planejei os 29
capitulos. Ou seja, tinha quem era Dom Joao, Carlota Joaquina, como era
o Rio de Janeiro, como foi a viagem, como era Napoleao, a colonia, a
escravidao. (Maciel)
Ao que foi dito acima, acrescentamos que, na realidade, um
ficcionista poderia recorrer a um planejamento identico, alias, 1808
poderia ser lido como uma obra de ficcao, como uma estoria, se nao fosse
um fato historico. O rigor cientifico na consulta de aproximadamente 150
obras que Gomes pesquisou e seu compromisso com a veracidade, fazem dele um "verdadeiro" historiador. Mas se 1808 fosse uma obra de
ficcao teriamos os mesmos elementos narratologicos:
1. Personagens principais: D. Joao e D. Carlota e uma personagem
secundaria importante, o arquivista real Santos Marrecos;
2. Enredo: uma narrativa linear, com comeco meio e fim: a partida
(fuga) de Portugal, a viagem, a chegada ao Brasil, os feitos, e o
retorno a patria-mae;
3. Lugar: Portugal (Lisboa) e Brasil (Bahia e Rio de Janeiro);
4. Tempo: 13 anos de estadia no Brasil;
5. Foco narrativo: 3a pessoa do singular, proprio de um
livro-reportagem, como veremos mais adiante.
Esta estrutura basica e recheada de fatos historicos, costumes e
curiosidades que dao andamento a acao da obra.
O MOMENTO HISTORICO DA HISTORIA
Gomes soube usar sabiamente a data historica, os 200 anos da
criacao de uma nacao, para recriar uma passagem da historia do Brasil,
que nao passa de uma vaga lembranca na memoria da maioria dos
brasileiros. As datas 18082008, por si so, grafica e visualmente ja
chamam a atencao e, apos o meio-fracasso das comemoracoes dos 500 anos
de existencia do Brasil, nada como outro fato historico com cunho
positivo--para alegrar o coracao sofrido dos brasileiros.
Na mesma entrevista, acima citada, de Maciel, a entrevistadora
pergunta: "[Por que] Esse periodo da historia atrai particularmente
a curiosidade das pessoas.'?" Gomes contesta:
Ha tres razoes. Primeiro, porque historia virou uma coisa
importante no mundo dos livros e das revistas. Nao e a toa que tem
tanto documentario em canais como National Geographic, History
Channel, Discovery, BBC. As pessoas estao fascinadas pelo passado.
[...] A segunda razao e o periodo especifico em que o Brasil passou
a existir. O Brasil nao existiria sem a corte no Rio de Janeiro.
[...] Nao existia um pais, e, se a corte nao tivesse vindo, ele
provavelmente teria se pulverizado em pequenas republicas, como
aconteceu com a America espanhola. [...] Entao, o Brasil que a
gente conhece hoje,so existe porque Dom Joao veio para ca. Para o
bem e para o mal. E um pais grande, integrado.
A OBRA 1808
Aproveitando para lancar sua obra na data comemorativa dos 200 anos
da vinda da familia real, o autor diversificou seu produto. Lancou um
livro para adultos em 2007, o mesmo para um publico juvenil em 2008, e
uma embalagem especial, uma caixa imitando uma mala de viagem antiga, na
qual esta escrita a palavra Bagagem, contendo os dois livros mais um
DVD, apresentado pelo proprio autor.
O DVD contem um elemento que esta tambem presente nos dois livros:
a atualizacao dos acontecimentos. Com isso queremos dizer que a Historia
nao existe apenas no passado, mas no presente, pois os lugares em que os
acontecimentos se desenvolveram continuam intactos, com os castelos e
palacios de outrora, alguns transformados em museus ou em outros
edificios de utilidade publica. Alem disso, diz Gomes, "O Brasil de
200 anos atras ajuda a explicar muito do que acontece hoje em Brasilia.
Naquela epoca ja havia corrupcao, troca de favores e maracutaia nos
negocios publicos" (Costa e Silva). Neste DVD, Gomes narra
(oralmente) a Historia, escrita por ele mesmo, em diversos locais. Por
exemplo, em Portugal, conta a Historia diante do Palacio de Queluz e as
margens do Tejo, onde as naus sairam em fuga levando a corte portuguesa
ao Brasil. O Tejo agora detem um elemento tangivel, o Monumento aos
Descobridores, que apenas corrobora a Historia. O mar esta presente na
costa brasileira, em Salvador, onde D. Joao primeiro se deteve, segundo
Gomes, para melhorar as relacoes publicas com os habitantes desgostosos
de que o rei havia escolhido o Rio de Janeiro como sede de seu governo.
D. Joao termina ficando no Rio, onde a corte se instala definitivamente,
deixando multas construcoes do passado, como o Paco, hoje museu e sala
de exibicoes.
OBJETIVO
Gomes teve dois objetivos principais ao realizar esta obra:
1. "resgatar a historia da corte portuguesa no Brasil do
relativo esquecimento a que foi confinada e tentar devolver seus
protagonistas a dimensao mais correta possivel dos papeis que
desempenharam duzentos anos atras" (Gomes 2007: 20);
2. "tornar esse pedaco da historia brasileira mais accessivel
para leitores que se interessam pelos acontecimentos do passado
..." (20-21). A estes dois objetivos acrescentariamos:
a. reabilitar personagens da Historia esquecidos e que determinaram
a identidade de uma nacao;
b. dar um lugar privilegiado a D. Joao, unico monarca europeu a
governar desde o estrangeiro e o unico que conseguiu "enganar"
Napoleao; e
c. permitir que os brasileiros sintam-se orgulhosos de sua propria Historia.
GENERO
Qual o genero desta narrativa? Segundo Gomes trata-se de um
livro-reportagem. Com esta denominacao, o autor fica entre duas formas
de expressao, a academica, da qual tenta fugir para facilitar a leitura
ao grande publico, e a jornalistica.
Para Freitas trata-se de uma especie de diario de bordo. Explica:
Tendo em maos a transcricao integral dos diarios de bordo dos
navios britanicos, que acompanharam a corte ate aqui, feita pelo
historiador Kenneth Light, em 1995, Laurentino chegou a conclusao
de que a vinda para Salvador, que havia sido a primeira capital da
colonia, nao teve nada a ver com mudancas de rotas emergenciais por
causa de tempestades em alto-mar, mas com uma estrategia politica
do principe e seus assessores para angariar apoio financeiro e
politico para a Coroa Portuguesa no Brasil.
Isto e corroborado por Gomes (em entrevista telefonica a Freitas):
"Os transcritos da Marinha Britanica, que era muito organizada e
fazia registros da viagem de hora em hora, deixam bem claro que a ida a
Salvador foi uma atitude premeditada por D. Joao VI".
Sandes compara a obra com um diario de viajante: "Laurentino
passou 10 anos para escrever '1808'. [...] Melhores do que a
interpretacao dos historiadores sao os diarios de viajantes que aqui
aportaram na epoca. Sao relatos deliciosos de um Brasil e uma corte que
lancou mao de praticas nada convencionais ate hoje presentes no nosso
Pais".
Gomes usou documentos para validar sua narrativa, mas 1808 nao e
nem um diario de bordo, nem um diario de viajante, porque poucos
detalhes conhecemos do que realmente se passou a bordo. O que o autor
faz e historiografia, ou seja, realiza o registro escrito da historia, a
memoria ja estabelecida por meio de documentos escritos sobre o passado
e da-lhe uma nova roupagem. Se a historia sao os feitos do passado, a
historiografia e uma ciencia da historia, uma metalinguagem historica. O
autor, como veremos, submete seus dados, como toda ciencia o faz, a um
metodo cientifico.
METODOLOGIA
Gomes tem um compromisso com a veracidade da Historia, por isso
passou uns dez anos pesquisando mais do que 150 obras. 1808 (2007)
contem aproximadamente quarenta paginas de notas. Cada dado e comprovado
no desenvolvimento da narrativa (pp. 352-390) e mais de dez paginas de
bibliografia contem fontes impressas e eletronicas, Internet (pp.
391-403). Este esforco serve para calar qualquer critico que desafie a
autenticidade do conteudo de sua obra.
Consultado sobre as fontes primarias que usou durante a pesquisa
(entrevista a Maciel), o autor respondeu:
Diria que 90% das informacoes do livro sao baseadas em pesquisas
feitas por outros historiadores. Mas ha coisas novas sim. Por exemplo,
as informacoes sobre a filha do (Luiz Joaquim dos Santos) Marrocos, o
arquivista. E uma filha que ele teve antes do casamento. O Marrocos e
importante por ser uma testemunha privilegiada e muito especial dos
acontecimentos. Era um cidadao comum, um arquivista da biblioteca do Dom
Joao. Veio ao Brasil e durante os 10 anos em que morou aqui, entre 1811
e 1821, escreveu 180 cartas para a familia, que tinha ficado em Lisboa.
Milagrosamente, essas cartas foram preservadas pelo pai, que tambem era
bibliotecario em Portugal. Trata-se do olhar do cidadao comum. Nao e
texto oficial, nao e correspondencia diplomatica. [...] Descobri que o
Marrocos tinha uma filha e isso explica alguns enigmas nas cartas. E
apurei isso com fontes primarias, com ajuda de alguns pesquisadores, nos
arquivos da Catedral da Se e nos arquivos dos mormons. (Maciel)
A intercalacao deste novo personagem, Santos Marrocos, traz
inovacao nao apenas historica, mas acrescenta uma pitada de curiosidade,
um episodio romantico oculto, devido aos costumes da epoca, e que da o
titulo ao ultimo capitulo: "O segredo" (2007:350-351).
A propria palavra "segredo" e uma abstracao que substitui
um certo misterio e mal-estar entre Santos Marrocos e sua familia em
Portugal, a partir do desconhecimento de certos fatos pessoais. O
segredo e um substituto para a realidade, e, por isso mesmo, torna-a
mais real. Na historiografia tudo precisa assemelhar-se a realidade
mesmo se, em alguns casos, a realidade e ate mesmo fantasiosa, como
neste caso, em que a magia do amor proibido determina a historia.
Relatando o episodio de Santos Marrocos, a reproducao de Gomes faz
com que o leitor queira voltar ao passado para reviver o momento
original. Penetra-se as palavras para chegar a realidade, satisfazendo o
desejo de tornar o passado tangivel.
Na versao juvenil de 1808, o passado e revisitado por meio de
imagens, aproximando o leitor aquela epoca. Na reconstrucao por via
visual temos "a coisa real" mesmo que inautentica, porque a
realidade esta substituida pela representacao imaginada. Ha uma
amalgamacao entre o "falso" e o "autentico", o falso
assemelha-se a verdade e assim atinge a imortalidade (vide Eco: 36,
56-58).
Por outro lado, o leitor quer ter a garantia de receber o
"bom" material historico, mas tambem de se chocar e de se
divertir com o que de "ruim" a corte portuguesa nos trouxe.
Ambos tem o mesmo nivel de credibilidade. Segundo Eco, ambos estao no
mesmo nivel de "falsificacoes" (fakeness) (58)ja que sao
apenas representacoes, quer escritas, quer visuais--bom e ruim se
anulam.
Flora Sussekind em "Literatura com certidao de verdade"
analisa a representacao da Historia de Portugal na epoca de Fernao
Lopes, no seculo XV. Gomes conserva algo do conceito daquela epoca, mas
inova. Para Lopes "narrar a historia" era "ordenar a sua
verdade". Verdade se opunha a "deleite" e veracidade a
tradicao (Sussekind 8). Excluir a "fremosura", a
subjetividade, na Idade Media era essencial para a producao
historiografica. Ja o contemporaneo de Lopes, Garcia de Resende,
apresenta o Principe de forma "afremoseada", no prologo a D.
Manuel (10). Mas o proprio Lopes teve que aformosear o rei, porque era
seu vassalo. Justifica esta atitude dizendo que pretendia legitimar a
Casa de Avis, tendo em vista que as cronicas eram "instrumentos de
legitimacao da dinastia real perante seus subditos" (19). Lopes ao
narrar "nuamente", sem "feicom", legitima sua
escrita.
Ja Gomes, nao tendo compromisso com a monarquia portuguesa do
passado, mas sim com a veracidade dos fatos, pode no seculo XXI
reescrever a historia com verdade e "afremosear" o texto com
adjetivos ou "enfea-lo" para ser mais autentico com o
original.
A ESTRUTURA
O livro 1808 (2007) esta divido em 29 capitulos, obedecendo uma
linha cronologica do tempo, de 1807 ate 1821 : A fuga (1807), A partida,
A viagem, Salvador, Rio de Janeiro, O retorno (1821). Estes tempos e
lugares sao intercalados com personagens: Os reis enlouquecidos, O
arquivista real, O reporter Perereca, Carlota Joaquina, O chefe da
policia, Os viajantes e A conversao de Marrocos. A apresentacao das duas
personagens principais, o principe regente e sua consorte, e permeada
por personagens secundarias, praticamente desconhecidas do leitor e que
acrescentam muito a cultura da epoca.
Estes capitulos sao reduzidos na versao juvenil a apenas 5 com
sub-titulos em forma de paragrafos, que resumem o capitulo, como se
costumava fazer antigamente. Por exemplo, "1. Ameacado por
Napoleao, D. Joao abandona Portugal e foge para o Brasil. Antes de
embarcar, raspa os cofres do governo. O povo, traido, chora no
cais" (2008: 17).
Vejamos parte de um texto:
Por que o rei fugia?
Antes de explicar a fuga, e importante
esclarecer que, nessa epoca, o trono de Portugal nao era ocupado
por um rei, mas por um principe regente. D. Joao reinava em nome de
sua mae, D. Maria I [--que era chamada de "a Rainha Louca"].
Declarada [[activar tachado]insana e[desactivar tachado]]
incapaz de governar [por insanidade mental], a rainha vivia
trancafiada no Palacio de Queluz, a cerca de dez quilometros de
Lisboa [, a capital portuguesa]. [activar tachado]Segundo o
filho da rainha louea,[desactivar tachado] D. Joao nao tinha sido
educado para dirigir os destinos do pais. [Era o segundo filho de
D. Maria I]. Seu irmao mais velho e herdeiro natural do trono, D.
Jose, havia morrido de variola em 1788, aos 27 anos. Alem de
despreparado para reinar, D. Joao era um homem solitario [activar
tachado]as voltas com serios problemas conjugais[desactivar
tachado] [muito malcasado]. (2007:31-32)
Na versao juvenil (2008): Por que o rei fugia? aparece como
sub-titulo em negrito. O texto e parecido com o original de 2007. As
palavras e frases riscadas correspondem a versao juvenil. Gomes
substituiu o vocabulario por um mais facil para esta faixa etaria e para
simplificar a estrutura frasal. As palavras e frases acrescentadas,
entre colchetes, sao principalmente explicativas ou substituem um termo
de compreensao mais dificil. Ha sub-capitulos de 2 a 3 paginas para
facilitar a leitura. Alguns sao apresentados com titulos humoristicos,
que chamam a atencao do leitor adolescente: Enrolando Napoleao (2008:
28), O penico do rei (132).
E interessante notar que o procedimento usado por Gomes e o de
reducao dos capitulos, do conteudo do mesmo, e de usar da liberdade
linguistica com expressoes coloquiais e ate giria. Mudou a forma de
comunicacao, mas a linguagem do texto original (2007) continuou a mesma.
No entanto, o resultado final faz com que o leitor pense que se trata de
uma nova reescritura do texto adulto, sobretudo pela disposicao do texto
na pagina, intercalado por desenhos que ilustram as palavras escritas.
Por exemplo, nas paginas 65-66 (2008), o leitor tem uma visao da
aparencia e da vida dos escravos. O texto pode ser lido com os olhos.
O TEMA POLEMICO
Ubiratan Brasil comenta que "se a certidao de nascimento do
Brasil e datada de 22 de abril de 1500, a de formatura poderia trazer
grafada 7 de marco de 1808, quando a esquadra do principe real, D. Joao,
aportou na Baia de Guanabara".
Segundo Freitas, ao entrevistar Gomes, o autor explicou que "o
tema despertou o fascinio nele por gerar polemica mesmo 200 anos depois.
Isso tem a ver, na sua avaliacao, com o contexto em que se deu a partida
de D. Joao VI para o Brasil, diante das ameacas de invasao feitas por
Napoleao Bonaparte'. E Gomes justifica: "Trata-se de um
periodo muito decisivo, quando se discutia monarquia x republica,
colonizacao x independencia, escravidao x abolicao e, por isso, gerou
relatos contaminados".
A polemica esta no tema: uma familia real "fugindo", um
governo alemmar, um desafio--pela fuga--a Napoleao, mas sobretudo na
forma como D. Joao VI e D. Carlota tem sido retratados. Um rei bobalhao,
glutao e solitario; uma esposa feia, mandona e malquerida, retratados em
forma de caricaturas maldosas, em Portugal. Ja os brasileiros foram mais
condescendentes em sua visao destas personagens.
O por que do tema e explicado por Gomes: "Ja estava mais do
que na hora de se conseguir chegar a uma versao mais isenta dos
fatos" (Freitas).
UM CASAL NADA CONVENCIONAL
Se D. Joao e D. Carlota Joaquina acabaram sendo um casal pela forca
das circunstancias, a convivencia deu-se por isolamento, cada um em seu
proprio palacio em Portugal, cada um tratando de seus interesses
individuais, no Brasil. D. Joao teve sorte de ter voltado a Portugal,
sem perder o direito a monarquia, porque se fosse por ela, o desfecho
final teria sido bem diferente.
Como casal, eram o oposto; ele: gordo, parado, bonachao, gostava de
cerimonias e cantos gregorianos, convivia com padres e monges; ela:
vivaz, hiperativa, falante, adorava festas (98-99).
D. JOAO
O principe regente nao tinha sido preparado para reinar. Era um
solitario e malcasado (2008: 22). Timido, supersticioso e feio,
destacava-se por sua indecisao e mostrava-se inseguro e medroso (23).
Talvez, por isso, tivesse preferido fugir do que enfrentar Napoleao. Mas
o Brasil recebeu-o de bracos abertos, sua imagem era a de um "rei
benigno, que tudo prove, que cuida de todos e todos protege. D. Joao
passaria a historia como um monarca bonachao, sossegado e paternal, que
rodas as noites recebia pacientemente seus suditos no Palacio de Sao
Cristovao para o ritual do beija-mao" (74).
O historiador Pedro Calmon o retrata como "um homem muito
gordo, muito fatigado, muito simples, de suicas castanhas escorridas ao
longo da face vermelha, de passo moroso em virtude da erisipela
hereditaria, e uma velha casaca condecorada de nodoas" (78).
Manias eram muitas: tinha medo da natureza e da fauna brasileira.
Os siris, caranguejos e as trovoadas o amedrontavam (92). Tinha o habito
chamado "toma largas" (2007: 302). Ao fazer seus passeios, o
principe regente parava para fazer suas necessidades em publico: "o
rei descia da carruagem e dele aproximava-se o camarista, que lhe
desabotoava e arriava os calcoes". Depois prosseguia o passeio. As
necessidades fisiologicas dentro do palacio eram feitas em penicos.
Estes eram posteriormente esvaziados pelos empregados, que carregavam o
dito objeto atraves de salas de governo, "nem tudo cheirava bem na
corte do Rio de Janeiro" (303).
Mas apesar dos pesares, o veredicto final sobre o principe regente
e positivo: a imagem de um avo cordial e simpatico, o avo da nacao, fica
plasmado na mente do povo. Seu legado foi um Brasil novo, uma nacao
"preservada da integridade territorial", "um pais com
dimensoes continentais" (2008: 144) e com uma so lingua unificada.
Morre o homem, ficam seus feitos como estrategista politico, e uma nacao
com identidade propria, um "Brasil maior e melhor" do que o de
outrora. D. Joao volta a Portugal decadente fisicamente, "uma
aparicao burlesca" (142), deixando para tras seu grande feito: a
"preservacao da integridade territorial" (2008: 330).
D. CARLOTA JOAQUINA
Carla Camurati em seu filme Carlota Joaquina, princesa do Brasil,
retrata "uma rainha devassa e promiscua" (2008: 94). Mas o
retrato historico mais fidedigno e o de uma mulher carola e
ultraconservadora" (97). Ambiciosa pelo poder, nao poupava esforcos
para conseguir o que queria, nem que tivesse que recorrer a conspiracoes
e golpes.
Carlota Joaquina tinha os olhos negros e graudos, a boca larga e
voluntariosa, de labios finos, sobre os quais se destacava o buco
escuro e pronunciado. Os angulos do rosto eram retos e viris.
Magra, de estatura baixa e cabelos escuros, tinha a pele morena
marcada pelas cicatrizes de variola, contraida quando ainda era
crianca. (97)
Detestava o Brasil e existe o fato curioso de que ao desembarcar em
Portugal, "tirou as sandalias e bateu contra um dos canhoes da
amurada do navio. 'Tirei o ultimo grao de poeira do Brasil dos meus
pes', teria dito" (97).
Gomes lhe atribui os seguintes adjetivos: teimosa, dura, turrona,
irredutivel (98). Como ve-se, elogios nao os ha, mas como mulher se
destacou por ter um papel forte na corte, quando geralmente as consortes
eram objetos apagados ou de enfeite.
D. Joao e D. Carlota Joaquina eram um casal que dava o que falar.
Gomes os caracteriza muito mais com adjetivos do que com feitos. O
adjetivo e uma classe de palavra que funciona adjacente ao substantivo
e, portanto, no caso do adjetivo qualificativo pode assinalar uma
qualidade abstrata ou concreta. No caso do casal real, ambos sao usados
com abundancia e reiteradamente. A vantagem dos adjetivos e de que nao
necessitam um apoio de documentos, apesar de serem usados esparsamente
pelos historiadores.
OS COSTUMES E AS MUDANCAS DE COSTUMES
Deixando de lado a motivacao que leva o leitor a apreciar
personalidades historicas, o que mais chama atencao na obra de Gomes e o
destaque que da aos costumes da epoca, inusitados nos dias atuais quer
pela distancia no tempo, quer pelos ditames da etiqueta social. Sao
estes costumes que despertam a curiosidade de criancas, numa idade em
que estao aprendendo o que e certo e o que e errado, e se confrontam com
comportamentos que usualmente nao seriam permitidos. Gomes teve a
felicidade de saber escolher aspectos que seriam comumente abordados
pela Sociologia ou Antropologia e que se encontram espalhados pelos
livros consultados pelo autor. Pincamos alguns deles:
1. Higiene
A falta de higiene e o calor elevado foram condicoes propicias para
a infestacao de piolhos nas cabecas e nas perucas das mulheres. Tendo
que raspar a cabeca, as damas passaram a usar turbantes. Ao chegarem ao
Brasil, estes foram adotados como se fossem parte da moda europeia
(2007: 84, 94). A moda era determinada pela doxa, pela opiniao do que se
diz e pensa, no aqui e agora. Alem disso, havia a falta de higiene, que
produzia inumeras doencas (164).
2. Navegacao
Os navios se assemelhavam a "capsulas de madeira", eram
"autenticas saunas flutuantes". As necessidades fisiologicas
eram feitas em cloacas, e os dejetos lancados ao mar. Ratos, baratas e
carunchos infestavam os mantimentos. A agua apodrecia devido a bacterias
e fungos. Cerveja era a bebida regular (88-89, 103).
3. Sujeira e prostituicao
"A limpeza da cidade estava toda confiada aos urubus"
(Oliveira Lima) (157). A sujeira tambem imperava nas casas. As escravas
serviam a senhora e ao senhor, a senhora dentro e fora da casa, pois as
escravas eram incentivadas pelas senhoras a "ganhos imorais"
(115-116).
4. Tigres
A urina e as fezes eram despejadas por escravos no mar. Ao
carregarem os toneis, a amonia e ureia caia nas costas negras
manchando-as com estrias brancas, por isso eram chamados
"tigres" (158).
5. Falta de cuidados medicos
Cabia aos barbeiros sangrar individuos; a autorizacao para cirurgia
era dada aqueles que tivessem praticado durante quatro anos em uma
farmacia ou hospital e se submetiam a um exame. A precariedade dos
conhecimentos era atroz (124). Alguns barbeiros acumulavam tres
profissoes, as de dentista, cirurgiao e barbeiro--profissoes que tinham
em comum a bacia (165).
6. Alimentacao
Os costumes alimentares dos viajantes se assemelham a forma de
comer no Brasil atual: feijao cozido com toucinho, carne-seca assada, e
banana com queijo de sobremesa (130-131).
7. Contrabando e corrupcao
O contrabando existia em abundancia, 40% do ouro era desviado
(132). A "caixinha" foi instituida para ganhar concorrencias
em servicos publicos (17%). A maracutaia vem desde aquela epoca
(192-193).
8. Aposentadoria
A aposentadoria tinha um significado diverso do atual. Quando a
corte portuguesa chegou ao Rio de Janeiro, a comitiva necessitava de
alojamento. As casas eram marcadas com PR (Principe Regente), o que
queria dizer que os moradores tinham que esvaziar as casas para os novos
moradores. Estes deveriam pagar aluguel, o que muitas vezes nao
acontecia (148-149).
9. Comportamento feminino
As mulheres cariocas cuspiam em publico a qualquer hora e lugar
(158-159).
10. Talheres
Os homens usavam faca, as mulheres e criancas comiam com os dedos.
Em jantares, os homens traziam sua propria faca. Depois de usada era
limpa na toalha da mesa. Alguns convidados se serviam do prato alheio
com os dedos, o que era sinal de amizade (159-160).
11. Nao tao boas maneiras
O pintor Jean Baptiste Debret escandalizou-se com os maus costumes:
"O dono da casa come com os cotovelos fincados na mesa; a mulher,
com o prato sobre os joelhos, sentada na sua marquesa ..." (160).
12. Barulho e desordem
As atividades dos escravos eram continuo, o ruido nunca cessava.
Certos criminosos eram usados em trabalhos publicos e acorrentados uns
aos outros (163). No fim de semana jogavam capoeira, alem de se
distrairem com brigas, bebedeiras e jogos proibidos (231-232).
13. Condecoracoes e o beija-mao
Condecoracoes eram distribuidas ao bel-prazer quando a corte nao
podia compensar o cidadao com dinheiro. A benevolencia do
principe-regente fazia-se presente para agradar seus suditos, que tinham
o privilegio de achegar-se a ele por meio do beija-mao, oportunidade
tambem usada para fazer pedidos (200-201). "Reforcava-se nela a
autoridade paternal do soberano protetor da nacao" (202).
14. Revolucao industrial
Com o advento da revolucao industrial, os ingleses despejavam
mercadoria no Brasil. Entre os produtos estavam patins de gelo, mantas
de la e fogoes de calefacao para aquecer as camas, "proprios"
para o clima tropical brasileiro (204, 211).
15. Malandragem e roubalheira
A malandragem se fazia sentir no comercio daquela epoca: turmalinas
eram vendidas por esmeraldas, cristais por topazios, vidros por
diamantes, madeira avermelhada por pau-brasil (212).
A roubalheira estava presente ate em versos populares:
Quem furta pouco e ladrao
Quem furta muito e barao
Quem mais furta e esconde
Passa de barao a visconde. (194)
Esta enumeracao de habitos e costumes se caracteriza pela falta de
modos, de higiene e de recursos medicos e sanitarios. Quanto ao
comportamento, vese que o ser humano--como em muitas partes do mundo--ja
aprendia a sobreviver mediante a corrupcao, a malandragem e a explotacao
do semelhante.
Em entrevista a Maciel, Gomes diz que a corte deixou um Brasil
novo, porem tambem uma serie de mazelas: "Mas, ao mesmo tempo, ha
uma serie de vicios da epoca que continuam presentes aqui mais do que
nunca, como corrupcao, ineficiencia na administracao publica,
desigualdade e injustica social".
MUDANCA DE COSTUMES
Houve uma aculturacao de costumes e uma tentativa de modernizar o
Brasil, importando tudo o que era novidade da Europa: anuncios eram
colocados para vender certos objetos, cheiros e agua de Cologne
sofisticavam as mulheres, a rua do Ouvidor passou a ser o centro da
elegancia e os homens aderiram a elegancia aos domingos com seus sapatos
de fivela e bengalas douradas (225-226). Ate o recolhimento fora
interrompido com um espetaculo teatral durante a Quaresma (233) e,
finalmente, um Rio mais civilizado passou a ter cemiterios (236). O
Imperio Tropical fazia-se presente, mas com sabor estranho. Havia ate
mesmo um orientalismo nos uniformes dos empregados (297). D. Carlota,
por sua vez, inovou usando uma especie de camisola pregada com alfinetes
e os cabelos despenteados. Nao se sabe que moda era esta, digo que
talvez ja era alguma carioquice (297).
LINGUAGEM: ACESSIBILIDADE, DESSACRALIZACAO E DIDATISMO
Com 1808, Gomes criou uma nova linguagem para os nossos tempos, e o
fez intencionalmente. Sua intencao era a de fazer um trabalho de acesso
ao grande publico e que nao ficasse restrito ao ambito academico, onde
muitas teses e dissertacoes sao lidas apenas pela banca examinadora e,
posteriormente, alguns capitulos chegam ao leitor em forma de artigos.
Poucos trabalhos sao publicados como livro, e, quando o sao, a tiragem e
baixa.
Segundo Sandes: "Em contraste com a linguagem excessivamente
academica dos nossos livros de historia, a obra de Laurentino e clara,
despojada, direta e objetiva. Responde de forma direta, baseada em
documentos, livros e relatos de viagens, a muitas lacunas daquele
periodo".
Del Priore confirma este despojamento: [Gomes conseguiu]
"despi-lo [o livro] da rebuscada linguagem academica", [com]
"29 capitulos curtos cinematograficos".
Freitas se expressa da seguinte maneira:
O fato e que o livro dele consegue contar, com detalhes, o
desenrolar dos fatos que levaram um soberano europeu a abandonar seu
pais e ir morar--e governar--em um territorio colonizado, numa passagem
historica sem precedentes. E mais: faz isso de uma forma atraente, a
ponto de conquistar milhares de leitores e se transformar num best
seller brasileiro em 2007, permanecendo na lista dos dez mais vendidos
nas ultimas nove semanas. (Del Priore)
Mas o mundo academico nem sempre concorda com o "texto
facil". Franca tem a seguinte opiniao:
Gomes [...] explica que seu proposito foi compor um livro que
tornasse esse pedaco da historia brasileira mais acessivel para leitores
que se interessam pelos acontecimentos do passado, mas nao estao
habituados nem dispostos a decifrar a rebuscada linguagem academica
[...].
Legitima pretensao, por certo, mas, infelizmente, construida sobre
um falso pressuposto: o de que a historia academica se distingue da
jornalistica pela sua linguagem rebuscada e hermetica. A que
"historia academica" se refere Gomes? Certamente aquela feita
ha duas ou tres decadas, com aqueles sofriveis--estetica e
epistemologicamente falando--primeiros capitulos teoricos. E, mesmo ai,
nesse territorio arido, e necessario matizar o juizo do
jornalista-historiador. (Franca)
Nao ha duvida de que a linguagem academica foi rebuscada e
hermetica no passado e de que ha uma tendencia de torna-la mais
atualizada e de compreensao mais facil. Nem por isso o material
produzido nas universidades tem sido de maior acesso ao publico. Ao
formular a questao: "A que 'historia academica' se refere
Gomes?" fica dificil responder uma pergunta lancada ao ar, sem
resposta. O fato e de que mesmo as obras literarias que caem no gosto
popular, como a de Jorge Amado, nao eram analisadas ou so esparsamente
no mundo academico entre 1950 (e antes) a 1990. So quando o conceito de
alta e baixa cultura entrou no "mainstream" e que
"best-sellers" e obras mais populares comecaram a chamar a
atencao da "intelligentzia" brasileira.
Cremos que o exito da obra, alem do fato de estar muito bem escrita
e pesquisada, reside nos seguintes fatores:
1. Acessibilidade, o que significa incluir os leitores com menos
preparacao intelectual, conhecimento e informacao. Adequar a linguagem
as necessidades da populacao, de forma nenhuma, significa uma diminuicao
de qualidade. Incluir outras fontes de informacao, como paginas ou
paragrafos da Internet, desde que a fonte seja verificada, so serve para
atrair um usuario mais jovem, interessado em tecnologia. Na Internet, o
termo acessibilidade referese a ter acesso aos "websites".
2. Dessacralizacao. E um termo positivo, que consiste em devolver a
realidade temporal a sua capacidade original, reconhecendo-lhe a sua
autonomia. Em outras palavras, o principe regente e tratado
caricaturescamente, mas sua imagem nao e denegrida. O autor o retrata,
dentro do possivel, de forma fidedigna. O fato de ser um monarca nao
exige que ele seja aformoseado.
3. Didatismo. Gomes obviamente tem uma preocupacao didatica. Em
entrevista a Maciel, diz: "Procurei ser o mais didatico possivel, o
tempo todo, mesmo correndo o risco da repeticao. Faco isso para nao
deixar o leitor perdido, porque e uma historia dificil, sao muitos
elementos interagindo o tempo todo. Posso ate ser criticado por esse
motivo, mas prefiro assim".
Parte deste didatismo e tambem o seu cuidado em apresentar a
veracidade, mas so quando o autor tinha fontes que comprovavam os fatos.
Assim, apesar de dois livros falarem da homossexualidade de D. Joao com
um de seus camareiros, Gomes nao inclui este episodio por falta de maior
comprovacao.
A linguagem e a grande arma de Laurentino Gomes. Com esta
ferramenta conquistou o publico. Com uma linguagem atualizada, simples,
direta, com pitadas de humor, entre a seriedade do assunto, as
caricaturas das personagens, e um sorriso ao verificar estranhos
costumes, o leitor se identifica com o texto talvez seja esta a formula
do sucesso.
Laurentino Gomes reconstituiu a vida de outrora, com seus
acontecimentos, seu sistema de organizacao e forma de viver em
sociedade, usando vestigios materiais e fontes escritas para a
reconstituicao da Historia.
Compilou dados, pesquisou aproximadamente 150 obras, avaliou o
merito das mesmas, investigou retrospectivamente a informacao e
transformou a linguagem documental em linguagem narrativa.
Obedeceu a uma logica, que envolveu descricao e apresentacao do
material por comparacao a epoca atual, mostrando analogias e diferencas.
O material apresentado foi selecionado, justificado e validado. Todas
estas informacoes foram sintetizadas e reescritas de forma acessivel e
didatica para o leitor. Claude Levi-Strauss ja afirmara que a prova da
analise reside na sintese ("la preuve de l'analyse est dans la
synthese", Gardin 27). A analise de Gomes e apresentada em um
produto final util, mostrando o saber em nova reeescritura.
REFERENCIAS
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ser colonia", http://txt.estado.com.br/editorias/2007/09/30/cad-1.93.2.20070930.32.1.xml (Acesso 27/3/2009).
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Gomes, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um principe medroso
e uma corte corrupta enganaram Napoleao e mudaram a historia de Portugal
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Gomes, Laurentino. Gomes, Laurentino. 1808. Como uma rainha louca,
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historia de Portugal e do Brasil. Ilustr. Rita Bromberg Brugger. 3a.
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Landowski, Eric. Preseneias del otro. Trad. Desiderio Blanco. Lima:
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Maciel, Nahima. "Em 1808, o jornalista mostra como a vinda da
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Sussekind, Flora. "Fernao Lopez: Literatura mas com certidao
de verdade". Coloquio. Letras 81 (set. 1984): 5-15.
por Monica Rector
University of North Carolina at Chapel Hill
Monica Rector is a professor at the University of North Carolina at
Chapel Hill, where she has been teaching since 1990. She is editor of
Romance Notes. Formerly she was a professor at the Universidade Federal
do Rio de Janeiro and the Universidade Federal Fluminense, in Brazil.
Prof. Rector has published extensively in national and international
journals. Her most recent books are: O fraco da baronesa by Guiomar
Torresao (co-author Luciana Namorato) (Oporto: Edicoes Universidade
Fernando Pessoa, 2005); Dictionary of Literary Biography. Brazilian
Writers 307 (co-editor Fred Clark) (Farmington Hills, MI: The Gale
Group, 2005); Dictionary of Literary Biography. Portuguese Writers 287
(co-editor Fred Clark) (Farmington Hills, MI: The Gale Group, 2004);
Gestures: Meaning and Use (co-editor) (Oporto: Edicoes Universidade
Fernando Pessoa, 2003); Gestos: uso e significado (co-editor Isabella
Poggi) (Oporto: Ed. Fernando Pessoa, 2003); Working Portuguese
(co-authors Regina Santos and Marco Silva) (Chapel Hill: North Carolina Global Center, 2003); and Comunicacao do corpo (co-author Aluizio R.
Trinta) (Sao Paulo: Atica, 1990, 4th ed. 2003).