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文章基本信息

  • 标题:Do medo a emocao em O Bazar Alemao de Helena Marques.
  • 作者:Rector, Monica
  • 期刊名称:Romance Notes
  • 印刷版ISSN:0035-7995
  • 出版年度:2013
  • 期号:May
  • 语种:English
  • 出版社:University of North Carolina at Chapel Hill, Department of Romance Languages
  • 摘要:Funchal, a terra natal de Helena Marques, faz-se presente em varios de seus romances a comecar com a primeira de suas obras, O ultimo cais (1992) ate a presente obra, O Bazar Alemao (2010). Neste periodo de quase vinte anos, as raizes de sua identidade tornaram-se mais fortes e precisas, mostrando que a identidade e parte integrante do ser humano e que a historia e as memorias nao se constroem somente a partir da terra firme, do continente, mas tambem da periferia, da geografia da ilha--um microcosmo que representa toda a grandeza de uma patria. Se em O ultimo cais, Funchal estava isolado no seculo xix quanto a comunicacao e as ultimas noticias que so chegavam quando um navio aportava no cais, em O Bazar Alemao, as noticias chegam por vias intrincadas, desde o radio por meio da BBC de Londres, dos jornais locais, mas sobretudo por meio do diz-que-diz-que, circulando entre as pessoas por meio de cochichos e silencios. Funchal, que sempre servira como um elo unificador, manifesta-se nesta obra como um potencial destruidor de sonhos e realidades desencadeado por um poder europeu distante.

Do medo a emocao em O Bazar Alemao de Helena Marques.


Rector, Monica


E que ha nodoas na consciencia pessoal ou colectiva que jamais poderao ser branqueadas. O Bazar Alemao

Funchal, a terra natal de Helena Marques, faz-se presente em varios de seus romances a comecar com a primeira de suas obras, O ultimo cais (1992) ate a presente obra, O Bazar Alemao (2010). Neste periodo de quase vinte anos, as raizes de sua identidade tornaram-se mais fortes e precisas, mostrando que a identidade e parte integrante do ser humano e que a historia e as memorias nao se constroem somente a partir da terra firme, do continente, mas tambem da periferia, da geografia da ilha--um microcosmo que representa toda a grandeza de uma patria. Se em O ultimo cais, Funchal estava isolado no seculo xix quanto a comunicacao e as ultimas noticias que so chegavam quando um navio aportava no cais, em O Bazar Alemao, as noticias chegam por vias intrincadas, desde o radio por meio da BBC de Londres, dos jornais locais, mas sobretudo por meio do diz-que-diz-que, circulando entre as pessoas por meio de cochichos e silencios. Funchal, que sempre servira como um elo unificador, manifesta-se nesta obra como um potencial destruidor de sonhos e realidades desencadeado por um poder europeu distante.

A obra inicia-se em junho de 1936 e a narrativa desenvolve-se entre esta data e 1939. O governo do Ill Reich de Adolf Hitler promulga, em setembro de 1935, a Lei da Protecao do Sangue Alemao e da Honra Alema, em defesa do anti-semitismo--uma ideologia de aversao cultural, etnica e social aos judeus. Esta lei desencadeou uma perseguicao sistematica contra os judeus, alem de outras minorias como Marques aponta, ultrapassando as fronteiras alemaes e infitrando-se em paises estrangeiros: "as perseguicoes nao atingem apenas judeus, mas igualmente ciganos, socialistas, homossexuais ..." (102-3). Na ilha da Madeira, muitos alemaes-judaicos, residentes e estabelecidos na comunidade ha muito tempo, de repente veem-se diante de um problema inusitado, questionados quanto aos seus antecedentes "religiosos", para nao dizer "raciais". Alemaes eram muitas vezes confundidos com nazistas. Sem que sua cidadania portuguesa fosse levada em consideracao, passam a ser discriminados e intimidados por compatriotas seus, por meio de pressoes, chantagens e ameacas, mas sobretudo por meio de denuncias em forma de cartas enviadas diretamente as fontes em Berlim. Ha uma reviravolta na vida pessoal e profissional destes individuos, que precisam repensar suas vidas sem terem nada de concreto em que se calcar, a nao ser o medo, a incerteza e a ameaca de um futuro desconhecido e incerto, mas certamente sinistro. Marques tenta recuperar, por meio dos arquivos escritos e orais, uma fase da historia portuguesa, pouco abordada ate agora e reavivar a memoria adormecida.

O objetivo deste artigo e mostrar como Helena Marques "mexe" com os sentimentos do leitor, transmitindo a angustia das personagens, o que vai se transformando em medo, terror para alguns, e suscita um mal-estar no leitor que o acompanha pelo menos atraves de tres quartos da obra a dentro (sao dez capitulos), diluindo-se no final em emocao transmitida pelas duas personagens principais, Lisbeth e Katherine, e dando uma esperanca com uma saida positiva ou uma neutralidade aos impasses por meio do amor. Nesta trajetoria, a palavra "silencio" predomina (27, 29, 46, 181). Contem o "pressagio" e a "premonicao". Esta "angustia" da lugar ao "medo calado", tomando a proporcao de "temor" e "terror".

Talvez este mal-estar tenha se manifestado de forma mais aguda em mim, como leitora, por ter vivido uma situacao analoga. Filha de alemaes, pai judeu e mae protestante, meus pais presssentiram o porvir do desencadeamento das acoes de Hitler e resolveram emigrar. A Africa do Sul e o Brasil eram os paises mais baratos por volta de 1936 e, entao, optaram pelo Brasil, em especial Sao Paulo, para onde naquela epoca milhares de alemaes-judeus se deslocaram. Soube que a madrasta de meu pai, ja com uma doenca incuravel em estado avancado, fora fuzilada em sua cama. Mas alem de estorias longinquas, o que restou foi este intenso mal-estar, reavivado ate hoje sempre que as atrocidades nazistas sao recontadas. Na pele so senti a proibicao de falar o alemao durante uma certa epoca e de amanhecer uma manha com o canhao de um tanque apontando para nosso sobrado. Viviamos na Rua Abilio Soares, defronte ao quartel, onde anos mais tarde, durante a ditadura militar dos anos 60, brasileiros foram torturados e perderam suas vidas. Lembro-me de que meus pais me entregaram a vizinhos por cima do muro do quintal. O bom e que a memoria nao retem detalhes de acontecimentos ja remotos, so a sensacao de mal-estar.

Esta sensacao generalizada de desconforto, desassossego e falta de bem-estar espraia-se pela comunidade alema-judaica da ilha da Madeira, transformando-se em medo. O medo em si e um sentimento que produz um estado de alerta pelo receio de algo, um sentir-se ameacado por rumores, que se manifestam sobretudo psicologicamente. Mas em O Bazar Alemao, a autora prefere dar continuidade a sensacao de medo, sem leva-lo ao ponto de pavor ou panico. O medo e criado a partir de estimulos mentais provocados pela interpretacao, imaginacao e ate crenca de certas personagens, sobretudo das femininas. O medo provoca um constante estado de ansiedade, porque as personagens temem antecipadamente o encontro com uma determinada situacao ou pessoa que lhe causa medo. Esta ansiedade vai num crescendo ate diluir-se em emocao pura quando uma solucao, mesmo que provisoria, e encontrada ou um conformismo se instala.

Voltemos ao Funchal, uma cidade cosmopolita de turismo, onde as vesperas da Segunda Guerra Mundial, a comunidade desfrutava de seus lazeres de influencia anglofila como os garden-parties e os cocktailparties, as quadras de tenis (courts) e as conversas ao reador das mesas de bridge. Este "calendario social" (149) mantinha o ritmo da cidade, entremeado por idas ao cinema, que forneciam assunto para os encontros sociais. Nesta cidade, uma multiplicidade de raizes e de linguas se entrelacam e convivem amistosamente na sua vida social. Marques nos presenteia com a descricao da simplicidade cotidiana de seus habitantes, perambulando por ruas e espacos ainda hoje existentes, situando o leitor e contextualizando o entorno das personagens. A convivencia de cidadaos de varias nacionalidades, incluindo a alema, decorria num clima de cordialidade, apesar de uma tensao contida em face ao conflito que se aproximava. Talvez tivesse continuado assim se nao fora uma epoca em que um Portugal fascista, fazia com que Salazar se associasse a lideres como Hitler, Mussolini e Franco, apesar de cultivar uma antiga alianca com a Gra-Bretanha. Por que este interesse da Alemanha pela ilha da Madeira? Talvez, e certamente, a paisagem amena e ensolarada poderia ser um excelente destino para futuras ferias das elites nazis, apos o termino da guerra. No presente da obra, a autora descreve os alemaes "desembarcando com a bandeirinha da cruz suastica na mao, em excursoes dirigidas pela organizacao 'A Forca pela Alegria'" (Rocha).

Helena Marques aproveita este local para criar suas personagens, reais ou ficticias. Fez uma pesquisa a partir das informacoes apresentadas por Anne Martina Emonts, encontradas no espolio do Consulado Alemao no Funchal, em 1999, publicado na revista Islenha. (1) Apos a leitura, Marques decidiu "recriar a epoca, os locais e as circunstancias, ... e procurar reconstituir a historia de algumas dessas mulheres e desses homens confrontados com uma perseguicao politica aberrante ... (12)". Como esta obra e de ficcao, mas a partir de acontecimentos e pessoas veridicas, Marques manteve a privacidade das personagens. Portanto, ha nomes verdadeiros e outros total ou parcialmente ficticios. Marques utilizou-se de fatos veridicos, de muita pesquisa e de sua memoria, atualizada com conversas mantidas com descendentes de pessoas da epoca, reconstituindo personagens, fatos e lugares situados entre a movimentacao do porto e a vida social. Como sempre, em suas obras, Marques alia seu passado de jornalista ao estado presente de romancista.

A maioria dos fatos eram desconhecidos pela populacao, talvez porque os perseguidos e denunciados se calaram, quer por constrangimento, que pela sua revolta. Luis Rocha, em entrevista a Marques cita: "Penso que esse fenomeno era desconhecido da esmagadora maioria dos madeirenses. Nao me recordo de historia semelhante. Na minha familia, tinha o caso de uma tia-avo casada com um alemao, e lembro-me que o meu avo, anglofilo e que 'torcia' pelos Aliados, dizia que quando os tios-avos viessem a casa, nao se falava da Guerra. Mas nunca suspeitei que uma historia como a que conto no meu livro fosse possivel. Tanto quanto sei, estava condenada a desaparecer, se a Anne Martina Emonts nao tivesse feito uma investigacao sobre a Escola Alema do Funchal, que a conduziu a este assunto, que achei perfeitamente espantoso".

Neste ambiente, Helena Marques tece duas tramas principais, a de Elizabeth, (Lisbeth) judia, com Eugen, alemao nao-judeu, recem-vindo de sua patria e a de Katherine, Miss Schwarz, judia, de origem alema, que se inscreveu no partido nazista para evitar maiores aborrecimentos, mantendo este fato em silencio, e Miguel (Mike), de origem portuguesa, que fora estudar na Inglaterra e que voltara ao Funchal temporariamente. Enquanto o primeiro romance desenvolve o amor de forma mais platonica, o segundo e "pele e paixao" (66). Ambos casais se entrecruzam quando Miguel procura auxiliar Lisbeth (176). Lisbeth e Eugen sao personagens reais, cujos nomes proprios foram mantidos, mas os apelidos alterados, diz Rocha, que tambem menciona o que Marques lhe relatara numa entrevista: "Eu recordo-me desse casal, que conheci quando eles ja tinham 50 e tal anos ... E continuavam a ser pessoas felizes, muito bem dispostas ... O amor deles nao foi efemero, foi realmente para a vida toda, e isso, do meu ponto de vista, torna ainda mais interessante este encontro dos dois na ilha, nas vesperas da Segunda Guerra Mundial. Nao tiveram filhos, mas eram muito simpaticos, luminosos ... Nao sei quando casaram, quando conseguiram romper aquele circulo vicioso e malefico. Mas a verdade e que conseguiram".

O amor dos dois casais somente e ameacado por fatos e pessoas externas, que nada tem a ver com suas vidas diretamente. O Hotel Cafe Kolb, dirigido por Hannah e Hertha Kolb passa a ser o centro onde um "culto" (encontro) nazista, reavivado semanalmente para exercer a nova ideologia politica. Na parede de um dos saloes encontra-se a fotografia de Adolf Hitler e, na outra, a de Italo Balbo, que "tinha sido, desde o inicio, um dos mais proximos colaboradores de Mussolini ..." (111). A atracao pelo novo poder chegava a transformar a Fraulein Hannah ate mesmo fisicamente, substituindo seus "tailleurs escuros e severos" (109) por um suave vestido azul-turquesa, e deixando de lado, sua severidade por uma atitude amavel e afavel.

Fazem parte deste entourage Maria e Hans Bromberger, delatores, que denunciavam seus compatriotas por meio cartas enviadas a Alemanha, a sede do Partido Nacional-Socialista. Hans Bromberger e a figura mais sinistra do romance, conseguindo com sua mesquinhez infiltrar "o medo calado e sofrido, o desespero da impotencia" (150). Isto e obtido mediante o silencio, palavra que se repete continuamente, como mencionamos acima, para mostrar que na falta de palavras a "teia sordida, silenciosa e insidiosa" se espalha sem deixar rastros. E quando ha palavras, Marques usa sintagmas telegraficos como "situacao-limite", "medo-a-chegar", dizendo o maximo no minimo de espaco. Tecendo esta rede, Bromberger consegue aos poucos "destruir vidas. Nem e preciso matar. Basta retirar-lhes a paz e o trabalho, semear a inseguranca, insinuar a vulnerabilidade" (152).

Entre os dois lados, o dos cidadaos e o dos Brombergers, enconta-se o consul Erhard Gartner, bem intencionado, mas impotente diante dos acontecimentos. Ve-se obrigado a demitir Gabriel Schulte, irmao de Lisbeth, funcionario do consulado. Este ato insinua que Lisbeth possivelmente tambem seja demitida da Escola Alema, onde leciona.

O mal-estar culmina com a estoria de Izaak Brusov e de sua esposa Miriam. Na realidade, este episodio e uma narrativa incrustada (embedded narrative), um conto dentro do romance, porque tem existencia como uma unidade por si so. A importancia desta narrativa revela-se no reduto madeirense da familia, o Bazar Alemao, que da o titulo a obra. Nem so portugueses, alemaes e ingleses escolheram Funchal como seu lugar de residencia, de estabelecimento de um novo lar, mas tambem os poloneses-judeus. Flashbacks levam o leitor ao passado do Sr. Brusov, escapando da Russia, ganhando a vida como as circunstancias o permitiam, conhecendo Miriam em Varsovia, que o acompanha a Madeira, sem questionar, apenas confiando no marido e no destino. Suas maos habilidosas permitem ajudar o marido no ganha-pao com seu tricotar, e o bazar agradava os fregueses, pelo seu conteudo variado, que satisfazia o dia-a-dia dos habitantes. Eis que surge Bromberger, insinuando que nao se deve mais fazer compras la. Um mundo criado que vem agua abaixo. Passado e presente se entrecruzam entre angustia e saudade do passado, entre tranqulidade e nova angustia do presente.

O estilo de Helena prende a atencao do leitor pelo suspense e por manter o constante mal-estar gerado pelo pressentimento de um mal eminente, sobretudo porque o leitor tem conhecimento previo dos males do III Reich e do desencadeamento da guerra em anos posteriores ao romance, alem das taticas subterraneas adotadas para eliminar inimigos potenciais. A obra lembra o filme Schindler's List, de 1993, dirigido por Steven Spielberg, baseado no livro Schindler 's Ark by Thomas Keneally. E considerado um filme epico sobre Oskar Schindler, um homem de negocios alemao, salvou a vida de muitos poloneses-judeus refugiados durante o holocausto, empregando-os em suas fabricas.

Em O Bazar Alemao, os paragrafos longos descrevem situacoes, lugares e vivencias, permitindo ao leitor respirar entre um mal-estar e outro, mas cabe a Lisbeth e Katherine despertar o leitor para novas possi bilidades. Lisbeth e a mulher meiga, mas responsavel e trabalhadora, que deseja fazer tudo direito como a sociedade o espera, mas que tem forca para impor a sua vontade. Lisbeth e Eugen vivem um amor romantico, nao ha maiores empecilhos, a nao ser o fato dos papeis dele nao chegarem da Alemanha para a boda se concretizar. E nao vem, e continuam nao vindo, ate que o consul transmite a noticia nefasta, de que nao viriam pelo fato de Lisbeth ser judia. O amor de ambos se fortalece apesar dos pesares. Uma saida e fazer apenas um casamento religioso por meio do padre. Jonathan Harrison, da Igreja Anglicana, "compreensivo e eficiente" (210). Ele era obediente aos seus superiores em Gibraltar e lhes informa sobre o casamento, supondo ser esta a melhor via e que que nada aconteceria. Mas eis que vem um telefonema nefasto, sugerindo a naorealizacao do ato, por motivos desconhecidos, invocando a tensao politica internacional. Dar ao leitor a conclusao deste episodio seria roubar-lhe o suspense. Mas em Helena Marques o amor sempre vence de uma forma ou de outra e a autora introduz um twist criativo no desfecho da obra.

Katherine e a protagonista ja que dois capitulos (3 e 7) sao dedicados a ela. Miss Schwarz, a quem Mike (Miguel) fora introduzido e que, desde logo, descobrira ser ela uma "mulher [que] exigiria mais inteligencia do que audacia, mais subtileza do que insistencias" (62). O amor entre eles floresce, como amantes apaixonados, dedicados um ao outro, mas sem lacos sociais ou compromissos de um futuro em comum. Viviam "o privilegio do amor correspondido e partilhado" (164). Miguel sabia que ela era a figura dominante, mas por que nao? Foi ela quem o escolheu e nao vice-versa. Responsavel, madura e decidida, Miguel nunca lhe fez perguntas e, por isso, ela jamais lhe contou que tivera que inscrever-se na NSDAP, no partido nazi no estrangeiro: "Nunca lhe perguntou a idade, nunca lhe perguntara a idade. Basta, porem, testemunhar o modo como ela sabe utilizar o sorriso, a ironia e a cordialidade para proteger a sua preciosa independencia ... " (69). Pela sua independencia tem que suportar o fardo de nao envolver Miguel nas artimanhas que Bromberger armava contra ela. "Sabe apenas que o medo a domina na solidao da casa, no negrume da noite, no sussuro do vento pelas ramagens das arvores" (147). Continuava sua "cuidadosa reserva", parte de seu processo interior de firmeza e integridade. "Recusa-se a ser intimidade seja por quem for" (165), apesar do medo continuo: "vira dessa tarde o medo que sempre trago latente, esse medo que, por vezes, ainda ameaca paralisar-me? (162-3)". Perguntas e mais perguntas sao o recurso que Marques usa para fazer com que o leitor reflita sobre as indagacoes sem resposta, mas que sao uma constante ameaca e causam o medo e o mal-estar de qualquer judeu. Katherine se apercebe que a guerra esta se aproximando. "Contra quem? Para obter o que? Para vingar a ultima derrota? Para lavar um orgulho ferido, uma honra manchada? Orgulho de que? Honra de quem? Lava-los como e a custa de quantos?" (155). E de certa forma, Katherine mostra qual sera sua resposta: "Venha de onde vier, e contra esse medo que luto e me rebelo ..." (163). Katherine sabe manejar suas emocoes, e esta forma de percepcao se transforma numa crenca. Esta emocao e expressada e contida quando necessaria. Evita assuntos negativos--apesar do medo--para preservar uma atitude positiva, evitando a censura e a auto-censura.

Segundo Hayakawa, "se estiver cronicamente inseguro ou ansioso ou temeroso, o individuo se assegura no seu sistema de crencas, e esta demasiado ocupado para defender-se contra ameacas reais ou imaginarias para absorver informacoes sobre o sistema de descrenca" (Hayakawa 148, traducao nossa). Para que o individuo se "des-amedronte" (defrighten) precisa de um ambiente seguro. A emocao de Katherine consegue apenas ser apaziguada por Miguel e pelo mar. Rebelde, independente, firme no seu querer, o futuro e um leque de possibilidades para Katherine, que a autora deixa em aberto.

Helena Marques cria uma estetica feminista, que tenta revelar os mecanismos sociais que servem para constituir a identidade do proprio genero. Seu texto e uma proposta para escapar aos modelos tradicionais patriarcais. A mulher, um ser dividido pela natureza e pelas circunstancias sociais, tenta definir seu destino por fora das relacoes sociais nas quais vive e, para tanto, utiliza o pensamento, aliado ao sentimento e a emocao.

UNIVERSITY OF NORTH CAROLINA, CHAPEL HILL

REFERENCIAS

Hayakawa, S. E A. Language in Thought and Action. 5a. ed. Orlando, Florida: Harcourt Brace & Company, 1992.

Kotchemidova, Christina. "Emotion Culture and Cognitive Construction of Reality". Communication Quarterly 58.2 (Abril-Junho 2010): 207-234.

Marques, Helena. O Bazar Alemao. Alfragide, Portugal: Publicacoes Dom Quixote, 2010.

Rocha, Luis. "Nazis na ilha inspiram ficcao". Diario de Noticias, 11 de julho de 2010.

(1) A autora tambem recolheu informacoes de Les papes au XXe siecle, de Jean Mathieu-Rosay (Paris: Presses de Chatelet, 2002) e Telegram from Guernica, de Nicholas Rankin (Londres: Faber and Faber Limited, 2003).
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