The dialogism in news discourse genre/O dialogismo no genero discursivo noticia.
Benites, Sonia Aparecida Lopes ; da Silva, Dora Rosa
Introducao:
Ensinar uma lingua com base na visao bakhtiniana, a partir dos
generos discursivos, tem se revelado uma tarefa ainda obscura para
muitos professores de linguas. Isso ocorre porque a teoria dialogica de
linguagem ainda nao e lida e discutida no ambito escolar, uma vez que os
documentos oficiais que norteiam o ensino de linguas em terras
paranaenses, como as Diretrizes Curriculares de Educacao do Estado do
Parana, tanto para as linguas estrangeiras (PARANA, 2008a) quanto para a
lingua portuguesa (PARANA, 2008b), abordam, superficialmente, os
conceitos da teoria dialogica de Bakhtin, o que dificulta sua
compreensao pelos professores da educacao basica.
Esses documentos fundamentam sua proposta de ensino de linguas na
interacao; porem, ainda persistem praticas de leitura em sala de aula
voltadas para a compreensao de textos de diferentes generos guiadas por
questoes que buscam checar apenas informacoes. No sentido de
proporcionar uma discussao mais elaborada acerca desse assunto,
propomos, por meio de pesquisa bibliografica e com base nos pressupostos
teoricos da analise dialogica de Bakhtin, evidenciar o dialogismo
presente nos enunciados de quatro noticias on-line, a fim de perceber
possiveis relacoes de alteridade e responsividade, e esbocar, a partir
da analise, uma proposta de abordagem de leitura em sala de aula que
leve em conta os processos dialogicos entre o texto, o autor, o
professor e os alunos. Cabe ressaltar que, em nossa analise, nao
pretendemos esgotar todas as possibilidades de analise dos textos, mas
apenas apontar possiveis exemplos de aplicacao da teoria de Bakhtin.
Com esse intento, organizamos este artigo em sete secoes, seguidas
das consideracoes finais. As tres primeiras secoes referem-se as nocoes
teoricas consideradas relevantes para o embasamento teorico da analise
aqui proposta, ou seja, a teoria dialogica de Bakhtin e seu Circulo, a
saber: lingua e linguagem, segundo a concepcao bakhtiniana; o contexto
extraverbal; dialogismo: alteridade e responsividade. A quarta secao
trata de conceituar os generos do discurso e caracterizar os aspectos
composicionais do genero noticia impressa, diferenciando-a da noticia
on-line, foco de nossa atencao. Na quinta secao do artigo, apresentamos
as noticias que compoem o corpus de analise e seu contexto enunciativo.
Na sexta secao, expomos o contexto socio-historico e ideologico dos
enunciados que compoem as noticias. Na setima secao, apresentamos a
analise do corpus. E por ultimo, nas consideracoes finais, esbocamos uma
proposta de trabalho de leitura em sala de aula, a abordagem de
questionamento, que entendemos ser a maneira de traduzir, para o ensino
de linguas, as nocoes de Bakhtin acerca do dialogismo.
Lingua e linguagem, segundo a concepcao bakhtiniana
A forma como ensinamos uma lingua demonstra a concepcao que temos
dela. Historicamente, a concepcao da linguistica tradicional fundamentou
por muito tempo o ensino de linguas, cuja enfase era o estudo da
estrutura linguistica dos textos. Muito embora os estudos da teoria de
Bakhtin e seu circulo nao objetivassem o ensino, suas discussoes
ganharam evidencia nas ultimas decadas e tem fundamentado varios
documentos oficiais e praticas de ensino de linguas no Brasil e no
mundo.
A teoria de Bakhtin, a tese sociodialogica da linguagem, e
construida a partir da critica as correntes teoricas da linguistica
geral de seu tempo, o objetivismo abstrato e o subjetivismo idealista,
em virtude de que elas nao consideravam o carater dialogico da
linguagem. De acordo com essa tese, a linguagem nao e pura expressao do
pensamento ou ato da fala individual monologica, tampouco um sistema
abstrato, estavel, imutavel, objetivo e homogeneo, mas sim um sistema
vivo, envolto em um processo de evolucao ininterrupto que se realiza
atraves da interacao verbal dos interlocutores. Para Bakhtin (1992, p.
123),
A verdadeira substancia da lingua nao e constituida por um sistema
abstrato de formas linguisticas nem pela enunciacao monologica e
isolada, nem pelo ato psicofisiologico de sua producao, mas pelo
fenomeno social da interacao verbal, realizada atraves da
enunciacao ou das enunciacoes. A interacao verbal constitui assim a
realidade fundamental da lingua.
A interacao verbal, assim, e apresentada por esse autor como a
realidade fundamental da lingua, um fenomeno social por meio do qual a
comunicacao verbal se estabelece.
Comentando esse fenomeno, Geraldi (2003, p. 13) explicita que
"[...] toda interacao e uma relacao entre um eu e um tu, relacao
intersubjetiva em que se tematizam representacoes das realidades
factuais ou nao". Sobral (2009, p. 40, grifos do autor), por sua
vez, expoe que a interacao, segundo o Circulo de Bakhtin, e "[...]
essencialmente fundada no dialogo, em sentido amplo, e envolve mais de
um termo, mais de um sujeito: a 'pergunta' e a
'resposta', o 'eu' e o 'outro'". O
pesquisador esclarece que, mesmo no caso do discurso dirigido a si
mesmo--o 'discurso interior'--, ainda assim, a interacao
ocorre, porque nao ha um eu sem o outro nem o outro sem um eu (SOBRAL,
2009).
A interacao e, pois, um processo constitutivo de criacao de
sentidos entre um sujeito e o outro e entre o sujeito consigo mesmo, em
um dialogo determinado pelos discursos responsivos do mundo exterior.
Na visao de Bakhtin, a linguagem, concretizada na interacao verbal,
possui uma natureza social e historica, pois a funcao da lingua esta no
seu uso, na significacao que ela adquire num dado contexto ideologico,
ou seja, na enunciacao, enquanto produto da interacao social. Desse
modo, o discurso e, para Bakhtin, uma pratica social que tem na lingua a
sua materialidade.
O contexto extraverbal
Em sua obra, Estetica da Criacao Verbal, Bakhtin (2003, p. 274)
reitera que "[...] o discurso so pode existir de fato na forma de
enunciacoes concretas de determinados falantes, sujeitos do
discurso". Ao incluir a enunciacao como objeto de estudo, o autor
constroi sua tese dialogica, na qual o contexto assume um importante
papel. Em Discurso na vida e discurso na arte, Voloshinov e Bakhtin
(1976) ja sinalizam para o fato de que todo discurso e determinado pelo
contexto e dele nao pode ser desvinculado. Alem disso, ressaltam a
importancia da contextualizacao para a compreensao e avaliacao dos
enunciados concretos. A esse respeito, os autores afirmam:
Na vida, o discurso verbal e claramente nao autossuficiente. Ele
nasce de uma situacao pragmatica extraverbal e mantem a conexao mais
proxima possivel com esta situacao. Alem disso, tal discurso e
diretamente vinculado a vida em si e nao pode ser divorciado dela sem
perder sua significacao. A especie de caracterizacoes e avaliacoes de
enunciados pragmaticos, concretos, que comumente fazemos sao expressoes
tais como 'isto e mentira', 'isto e verdade',
'isto e arriscado dizer', 'voce nao pode dizer
isto', etc. (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976, p. 4, grifos do autor).
A compreensao e as avaliacoes que fazemos dos enunciados ocorrem
pela correlacao entre os elementos verbais e os elementos extraverbais.
Estes complementam aqueles, visto que um discurso verbal envolve um
evento da vida e depende dele para a sua significacao plena, formando
aquilo que Voloshinov e Bakhtin (1976, p. 5) chamam de "[...] uma
unidade indissoluvel".
O contexto extraverbal representa, portanto, as condicoes sociais
reais em que os enunciados sao produzidos e compreende ainda, segundo os
autores (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976), tres fatores: 1) o horizonte
espacial comum dos interlocutores, ou seja, aquilo que e visivel pelos
interlocutores, como o tempo e o espaco circundante; 2) o conhecimento e
a compreensao comum da situacao, algo nao visivel, mas conjuntamente
sabido pelos interlocutores e 3) a avaliacao comum dessa situacao, isto
e, aquilo que e conjuntamente percebido ou presumido pelos
interlocutores acerca da situacao.
Voloshinov e Bakhtin (1976) tambem assinalam que as avaliacoes
presumidas--ou julgamentos de valor presumidos--sao atos sociais
regulares e essenciais que organizam o comportamento e as acoes dos
representantes de um determinado grupo social. Por meio da entonacao ou
entoacao, por exemplo, a materializacao desses julgamentos impressos nos
enunciados pode ser observada. Conforme Sobral (2009, p. 84, grifo do
autor), "[...] a entoacao corresponde a um dado 'tom'
responsivo, uma atividade 'ativa' de resposta, denominada pelo
Circulo bakhtiniano de 'responsividade ativa'". O Circulo
de Bakhtin tambem se refere ao termo 'entoacao' como 'tom
expressivo valorativo' ou ainda 'entonacao expressiva',
uma forma avaliativa de recepcao do discurso pelo interlocutor.
Na concepcao dialogica da linguagem, o tom avaliativo acompanha
toda forma de enunciacao. Alias, e uma condicao para a sua existencia.
Disso resulta que todo enunciado e um fenomeno puramente ideologico,
pois comporta em si diversos posicionamentos valorativos.
Na realidade, nao sao palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas
verdades ou mentiras, coisas boas ou mas, importantes ou triviais,
agradaveis ou desagradaveis, etc. A palavra esta sempre carregada de um
conteudo ou de um sentido ideologico ou vivencial. E assim que
compreendemos as palavras e somente reagimos aquelas que despertam em
nos ressonancias ideologicas ou concernentes a vida (BAKHTIN, 1992, p.
95).
Faraco (2006, p. 47) esclarece que, "[...] para o Circulo, o
enunciado e ideologico em dois sentidos: qualquer enunciado se da na
esfera de uma das ideologias e expressa sempre uma posicao avaliativa
[...]", o que nos leva a crer que nao ha enunciado neutro.
Dialogismo: alteridade e responsividade
Conforme nossa exposicao, Bakhtin concebe a linguagem como um
fenomeno ideologico e produto da interacao verbal que se realiza por
meio da enunciacao. A enunciacao e, portanto, a base para a construcao
do principio dialogico do Circulo de Bakhtin, que adota a metafora do
dialogo para caracterizar sua teoria acerca do universo da criacao
ideologica.
Bakhtin (1992, p. 98) compreende que "[...] toda enunciacao,
mesmo na forma imobilizada da escrita, e uma resposta a alguma coisa e e
construida como tal. Nao passa de um elo da cadeia dos atos de
fala". Essa rede dialogica que constitui o discurso reflete
diferentes opinioes, visoes de mundo e posicionamentos de valor. A esse
respeito, Faraco (2006, p. 58, grifos do autor) explicita que
[...] o Circulo percebe o enunciado como algo repleto de 'vozes
sociais' ou linguas sociais, que formam uma intrincada cadeia de
responsividade, pois, ao mesmo tempo em que respondem ao ja dito,
provocam continuamente as mais diversas respostas (adesoes,
recusas, aplausos incondicionais, criticas, ironias, concordancia e
dissonancias, revalorizacoes, etc.--'nao ha limites para o contexto
dialogico').
Nesse sentido, os enunciados estao sempre vinculados a enunciados
precedentes, assimilados e internalizados ao longo de nossa vida. Essa
influencia que a palavra do outro--principio de alteridade--exerce sobre
o nosso dizer e apontada por Bakhtin na obra Estetica da criacao verbal
(BAKHTIN, 1992, p. 385, grifos do autor), na qual o autor esclarece:
"[...] estas 'palavras alheias' se reelaboram
dialogicamente em 'palavras proprias alheias' com a ajuda de
outras palavras alheias (escutadas anteriormente) e logo se tornam
palavras proprias (com a perda das aspas [...])". Assim, todo
enunciado e sempre heterogeneo, nao provido de originalidade, pois tudo
que enunciamos, de certa forma, sao ressonancias de algo ja dito
anteriormente.
A palavra, aqui sinonima de discurso e atravessada por questoes
proprias da linguagem e da historia, "[...] e determinada tanto
pelo fato de que procede de alguem, como pelo fato de que se dirige a
alguem" (BAKHTIN, 1992, p. 113). Dito de outra forma, todo
enunciado possui um locutor--autor e um interlocutor--destinatario.
Portanto, o papel do outro, isto e, aquele para quem se constroi o
enunciado, e fundamental na situacao de interacao verbal, pois, para
Bakhtin, e o interlocutor quem determina o discurso do locutor. Ao
engajar-se em uma comunicacao verbal, o interlocutor leva em conta as
relacoes sociais que mantem com os individuos envolvidos. A linguagem,
portanto, tambem e determinada pelo grupo social e cultural no qual o
interlocutor esta inserido, bem como pela situacao real em que ela e
empregada. A esse respeito, Bakhtin (1992, p. 112) declara que
[...] a palavra dirige-se a um interlocutor: ela e funcao da pessoa
desse interlocutor; variara se se tratar de uma pessoa do mesmo
grupo social ou nao, se esta for inferior ou superior na hierarquia
social, se estiver ligada ao locutor por lacos sociais mais ou
menos estreitos (pai, mae, marido, etc.)
Ainda em relacao ao papel do interlocutor na comunicacao verbal,
Bakhtin contrapoe-se a concepcao tradicional de falante e ouvinte, visto
que, nesse tipo esquematico, o ouvinte tem papel passivo na compreensao
do discurso do falante, o que, em sua opiniao, nao corresponde a
determinados momentos da realidade. No discurso do autor,
[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado
(linguistico) do discurso, ocupa simultaneamente em relacao a ele uma
ativa posicao responsiva: concorda ou discorda dele (total ou
parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usa-lo, etc.; essa
posicao responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de
audicao e compreensao desde o seu inicio, as vezes, literalmente a
partir da primeira palavra do falante (BAKHTIN, 2003, p. 271).
Portanto, na interacao verbal, ambos os participantes do processo
interlocutorio sao participantes ativos e, mesmo que um dos
interactantes nao dirija uma so palavra a seu interlocutor, a
compreensao em si ja e uma forma de responsividade. Alem do mais, na
compreensao dos enunciados, o interlocutor faz julgamentos, aceitando ou
rejeitando a palavra do outro. Conforme as palavras de Bakhtin (2003, p.
297), e "[...] impossivel alguem definir sua posicao, sem
correlaciona-la com outras posicoes".
A responsividade ou a atitude de ser responsivel ao discurso do
outro assume, nesse contexto, uma significacao mais ampla que resposta.
Caracteristica do dialogismo, a responsividade e a marca da compreensao
e da avaliacao do enunciado, bem como da interacao estabelecida entre os
sujeitos. Muito embora possa nao ser visivel, ou nao ocorrer no momento
da enunciacao, ela se caracteriza pela reacao do ouvinte/interlocutor ao
discurso que lhe foi enderecado e pela alternancia dos papeis na
comunicacao verbal, sendo esta ultima ja evidencia de alteridade do
discurso. Bakhtin (2003, p. 273) assevera que
[...] toda compreensao da fala viva, do enunciado vivo, e de
natureza ativamente responsiva--embora o grau desse ativismo seja
bastante diverso--; toda compreensao e prenhe de resposta e, nessa
ou naquela forma, a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna
falante.
Logo, o enunciado possui inicio e fim, pois nasce no discurso de um
locutor e finaliza na resposta do interlocutor, formando os elos de
enunciados na cadeia discursiva. Na qualidade de locutor, o sujeito,
apos a compreensao do enunciado, sempre faz avaliacoes do que e dito
para compor o proprio enunciado. A compreensao e a avaliacao do
enunciado sao entendidas como uma atitude ativa, ou seja, geram uma
replica ou contrapalavra.
Embora Bakhtin (2003) considere que toda compreensao e ativamente
responsiva, o autor delineia tres graus desse ativismo: a compreensao
responsiva ativa, a compreensao responsiva passiva ou silenciosa e a
compreensao responsiva de efeito retardado.
A compreensao responsiva ativa, como ja expusemos, e aquela que se
realiza imediatamente apos a compreensao do enunciado e exprime uma
posicao valorativa do falante. Ja a compreensao responsiva passiva
"[...] caracteriza-se pela percepcao do componente normativo do
signo linguistico, isto e, pela percepcao do signo como objeto-sinal
[...]" (BAKHTIN, 1992, p. 99) e se traduz na acao imediata como,
por exemplo, o cumprimento de uma ordem militar ou a resposta a uma
pergunta. Todavia, "[...] a compreensao do enunciado pode
permanecer de quando em quando como compreensao responsiva silenciosa
[...]" (BAKHTIN, 2003, p. 272), a qual, "[...] pela
necessidade de compreensao mais abstrata, de reelaboracao mental, se
manifesta numa temporalidade deslocada da situacao real [...]"
(MENEGASSI, 2008, p. 137), caracterizando-se, entao, como compreensao
responsiva retardada.
Geraldi (2003) esclarece que a orientacao da contrapalavra--atitude
responsiva--, a do interlocutor a palavra do locutor e vice-versa, esta
na compreensao do tema, o que, por sua vez, e consequencia de um
trabalho de reflexao--mesmo quando nao consciente sobre as expressoes
linguisticas utilizadas pelo locutor. O tema, assim, se apoia em certa
estabilidade da significacao dos recursos expressivos.
[...] se a compreensao do tema demanda uma contrapalavra (de
conflito ou e acordo), para que esta contrapalavra nao signifique uma
ruptura na producao conjunta de sentidos, ela deve orientar-se em
relacao a palavra do locutor. Obter esta 'orientacao', visivel
nos processos de negociacoes de sentido explicitos, invisivel nos
processos mentais dos sujeitos envolvidos, implicitados pela propria
continuidade e progressao da interlocucao, e consequencia de um trabalho
de reflexao sobre as expressoes linguisticas utilizadas. Isto significa
admitir que, nas acoes linguisticas, ha ja acoes de reflexao sobre a
linguagem (GERALDI, 2003, p. 18, grifo do autor).
Essa assertiva contrapoe-se as praticas pedagogicas em que a
reflexao acerca da linguagem e abandonada, como se as escolhas
discursivas presentes num texto nao significassem coisa alguma. Sao elas
que vao dar sentido ao discurso, o que significa admitirmos a
necessidade de reflexao quando do estudo do texto.
Em resumo, podemos afirmar que, ao deslocar o foco da lingua para a
linguagem, concebida como interacao social, Bakhtin elege a enunciacao
como objeto de seu estudo e esboca os elementos que fundamentam sua tese
dialogica da linguagem: o dialogo que se estabelece entre o falante e
seu interlocutor, entre os enunciados e os discursos, e e constitutivo
da propria linguagem. O dialogismo tem, como caracteristicas essenciais,
a alteridade--a consideracao do 'outro' nas interacoes verbais
e sociais--e a responsividade--a reacao/atitude ativa ao discurso do
outro ou a outros discursos.
Os generos do discurso e o genero noticia
Em nossas interacoes sociais, fazemos uso o tempo todo de generos
discursivos, definidos por Bakhtin (2003, p. 262) como "[...] tipos
relativamente estaveis de enunciados". Sao relativamente estaveis
porque, embora possuam tracos que os caracterizem como tais e os
diferenciem de outros generos, eles se adaptam as mudancas
socio-historicas e as escolhas estilisticas de cada autor/enunciador.
Assim, sao inumeros os generos existentes e, a medida que as sociedades
vao se tornando mais complexas, novos generos vao surgindo e outros vao
caindo em desuso.
Para Bakhtin (2003), cada campo da atividade humana elabora seus
generos discursivos; por isso, os enunciados que os compoem
[...] refletem as condicoes especificas e as finalidades de cada
referido campo, nao so por seu conteudo (tematico), e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela selecao dos recursos lexicais, fraseologicos e
gramaticais da lingua, mas acima de tudo, por sua construcao
composicional (BAKHTIN, 2003 p. 261).
Esses tres elementos (o tema, o estilo e a construcao
composicional) sao indissoluvelmente ligados ao todo do enunciado.
Bakhtin (2003) da destaque especial ao estilo da linguagem, pois as
mudancas historicas estao, indissoluvelmente, ligadas as mudancas dos
generos do discurso; por esse motivo, "[...] onde ha estilo, ha
genero" (BAKHTIN, 2003, p. 268).
Pertencente a esfera jornalistica, o genero noticia possui a
finalidade de informar um fato ou acontecimento novo e relevante, de
interesse da sociedade em geral. A noticia relata e expoe os fatos em
sua ordem de importancia e nao pela ordem cronologica dos
acontecimentos, conforme afirma Lage (2004, p. 16):
Do ponto de vista da estrutura, a noticia se define no jornalismo
moderno como o relato de uma serie de fatos a partir do fato mais
importante ou interessante; e de cada fato, a partir do aspecto
mais importante ou interessante. [...] nao se trata exatamente de
narrar os acontecimentos, mas de expo-los.
Ao tratar dos generos da esfera do jornalismo, Melo (2003) afirma
que ha duas categorias em torno das quais o discurso jornalistico se
articula. A primeira e a 'categoria do universo da
informacao'. Sua expressao depende diretamente da eclosao e da
evolucao dos acontecimentos e da relacao que os jornalistas estabelecem
com seus protagonistas. As noticias pertencentes a essa categoria
possuem, entao, de acordo com o autor, a intencionalidade de apenas
informar, e nao de emitir opinioes acerca dos fatos ou acontecimentos.
Como exemplos de generos que abarcam essa categoria, o autor cita a
reportagem, a noticia, a entrevista, entre outros. Ja a segunda, a
'categoria do universo da opiniao', segundo o autor, possui a
estrutura da mensagem codeterminada por variaveis controladas pela
instituicao jornalistica; nesse sentido, ao escrever a noticia, o
jornalista expoe aquilo que a instituicao pensa a respeito de
determinado assunto. Os generos que se encaixam nessa categoria sao: a
carta ao leitor, o editorial, o comentario, o artigo e a cronica.
A assertiva de Melo (2003) nos conduz a pensar que o genero
noticia, pertencente a categoria do universo da informacao, transmite
uma informacao de modo objetivo, sem emitir opinioes. No entanto, nao e
isso o que ocorre. Levando-se em conta o quadro do pensamento
bakhtiniano, conforme ja exposto na secao tres deste artigo, o discurso
e atravessado pela plurivocalidade constitutiva do sujeito e do sentido.
Por esse motivo, os discursos presentes nas noticias nao sao neutros,
uma vez que a posicao avaliativa do jornalista (ou a do veiculo) acaba
se inscrevendo no texto.
Uma caracteristica da noticia impressa e que esta se ampara na
tecnica de estruturacao de texto jornalistico, a chamada piramide
invertida. Logo abaixo da manchete, aparece a principal e mais relevante
informacao, o lead. Essa parte estrutural, mais comum no jornal impresso
do que na noticia on-line, responde a seis perguntas basicas que resumem
a noticia: quem, o que, quando, onde, como, por que e para que? Alem do
lead, outro componente da estrutura da noticia e a documentacao,
identificada como complemento do lead, que detalha e adiciona
informacoes ao primeiro paragrafo, constituindo, desse modo, o corpo da
noticia (LAGE, 2004).
Com o advento da internet, hoje ja incorporada ao modo de vida dos
individuos, a noticia on-line, pertencente ao jornalismo midiatico ou
eletronico, passou a ser mais uma possibilidade de obtencao de
informacao. Bardoel e Deuze (2001) apontam quatro elementos que
caracterizam a noticia on-line: a interatividade (conexao com o usuario
por meio de chats, foruns, e-mails etc.); a customizacao de conteudo
(produtos jornalisticos, como arquivos online, noticias via assinatura
on-line etc.); a hipertextualidade (hipertextos e hiperlinks) e a
multimidialidade (imagem, texto e som).
Por englobar a interatividade, a noticia on-line configura-se como
um genero que da voz e visibilidade ao leitor, tendo em vista o espaco
destinado ao internauta para comentarios ao fato noticiado, o que nao
acontece na midia impressa.
As noticias selecionadas e seu contexto enunciativo
Conforme afirmado na Introducao deste artigo, nosso objetivo e
evidenciar as relacoes dialogicas, de alteridade e responsividade
presentes no genero noticia on-line, pertencente a esfera jornalistica,
mostrando que essas nocoes contribuem para o ensino de linguas, no que
diz respeito a interacao entre o leitor, o texto, o professor e os
alunos. Para tanto, escolhemos quatro noticias que objetivam informar
acerca da crise politica causada pelas ameacas feitas pela Coreia do
Norte a Coreia do Sul, aos Estados Unidos e ao Japao, noticias estas
veiculadas na midia on-line entre dezembro de 2012 e maio de 2013, as
quais apresentamos a seguir, por meio de seus titulos, segundo a ordem
cronologica de veiculacao, haja vista a impossibilidade de insercao de
todo o conteudo das noticias:
Noticia 01
'Coreia do Norte desafia potencias e mantem programa
espacial' (COREIA ..., 2013d).
A noticia 01, publicada no dia 12/12/2012, no jornal on-line Zero
Hora, pertencente ao Grupo RBS, faz a divulgacao de um teste nuclear
realizado pela Coreia do Norte, no qual foi lancado um foguete de longo
alcance--Unha-3. O objetivo era colocar em orbita um satelite de
observacao terrestre, considerado pela comunidade internacional como um
missil balistico disfarcado. A instituicao e identificada como autora do
discurso nessa noticia.
Noticia 02
'Coreia do Norte ameaca Seul em caso de Apoio a sancoes da
ONU' (COREIA ..., 2013c).
A noticia 02 foi publicada na secao de noticias Internacional, no
dia 25/01/2013, no portal de noticias Jornal do Brasil, criado
inicialmente como midia impressa em 1891, passando a circular somente na
forma digital a partir de 2010; ela expoe a ameaca de guerra da Coreia
do Norte a vizinha Coreia do Sul, caso esta apoiasse as sancoes da ONU.
Nessa noticia, a instituicao tambem responde pela sua autoria.
Noticia 03
'Coreia do Norte ameaca atacar as principais cidades do
Japao' (COREIA ..., 2013a).
A noticia 03, publicada na secao Mundo, no dia 10/04/2013, no
portal de noticias G1, pertencente as Organizacoes Globo, expoe tambem a
ameaca de um ataque da Coreia do Norte ao Japao, feita via editorial de
um jornal pertencente ao partido unico norte-coreano. O motivo desse
ataque seria uma retaliacao a uma possivel acao politica do Japao contra
os norte-coreanos. A noticia tambem relata as ameacas feitas pela Coreia
do Norte aos Estados Unidos (EUA) e a Coreia do Sul, devido aos
exercicios militares realizados em conjunto por esses paises. Nessa
noticia, as agencias internacionais sao identificadas como coautoras ou
fonte do discurso.
Noticia 04
'Coreia do Norte ameaca atacar EUA e Coreia do Sul se tiver
territorio violado' (COREIA ..., 2013b).
A noticia 04, cuja instituicao e identificada como autora, teve sua
publicacao no dia 07/05/2013, no sitio eletronico UOL, criado em 1996 e
pertencente ao Grupo Folha. Nela, novamente, e exposta uma ameaca de
ataque nuclear preventivo aos EUA e a Coreia do Sul pela Coreia do
Norte. Tal atitude ganharia concretude, caso esses paises violassem sua
soberania territorial. Nessa nova intimidacao, os norte-coreanos
declaram nulo o armisticio assinado em 1953, que pos fim ao conflito
entre as duas Coreias.
O contexto socio-historico e ideologico dos enunciados que compoem
as noticias
Ao lermos as quatro noticias e seus leads, a pergunta que se faz e
por que as ameacas se dirigem aos tres paises: Coreia do Sul, Estados
Unidos e Japao? Para responder a questao, bem como compreender melhor os
enunciados das noticias, precisamos recorrer ao seu contexto
socio-historico e ideologico.
O contexto socio-historico e ideologico dos enunciados que compoem
as noticias nao e recente, mas remonta ao periodo posterior a Segunda
Guerra Mundial, quando ocorreu a divisao da peninsula coreana em dois
paises. A Guerra das Coreias foi um conflito que tinha como objetivo a
reunificacao dos dois paises, durante a Guerra Fria, e o antagonismo
entre os blocos capitalistas e socialistas. (GUERRA ..., 2013)
Essa historia tem inicio com a vitoria dos Aliados na II Guerra
Mundial em 1945, quando termina tambem o dominio colonial de 35 anos do
Japao na Coreia, na epoca, ainda um unico pais. Durante o processo de
ocupacao das areas tomadas pelo Japao, um ex-aliado nazista, os Estados
Unidos ocuparam o sul da peninsula Coreana, enquanto a Uniao Sovietica
estabeleceu suas tropas ao norte. A ocupacao, ocorrida em 1948, levou a
fragmentacao da peninsula em dois paises antagonicos. (ENTENDA ...,
2010)
Inspirados pela revolucao comunista na China, em 1949, os
norte-coreanos decidiram, um ano depois, tentar reunificar as Coreias,
por meio de uma declaracao de guerra ao Sul (ENTENDA ..., 2010). Com a
recusa do ditador Kim Il-Sung de retirar as suas tropas do solo
sul-coreano, as Nacoes Unidas enviaram ajuda a Coreia do Sul. Uma vez
instalado o conflito, os Estados Unidos resolveram reunificar a Coreia
sob um unico governo proocidente, tomando a capital do norte, Pyongyang,
o que fez com que a China entrasse na briga e reconquistasse a capital
do norte, em 04 de dezembro do mesmo ano. O conflito assumiu, entao, uma
maior proporcao, ao ponto de o presidente Truman cogitar a possibilidade
do uso de uma bomba atomica. (MUTO, 2010)
Em 1951, os lideres chegaram a conclusao de que a guerra havia ido
longe demais; porem, so em 27 de julho de 1953, o conflito acabou e um
armisticio de nao agressao foi assinado. Nele foram estabelecidos os
limites da fronteira entre os dois paises no paralelo 38 e a criacao da
'zona desmilitarizada'. (MUTO, 2010)
A partir de 1948, a Coreia do Norte foi comandada pelo militar Kim
Il-Sung. Em 1994, o general passou o controle do pais ao filho: Kim
Jong-Il que tem como seu sucessor, Kim Jong-Un, filho mais novo do
ditador.
A partir do contexto socio-historico e ideologico, podemos agora
responder a pergunta que fizemos no inicio deste topico: os EUA
lideraram os aliados na Guerra da Coreia, em uma missao de nao deixar
que o comunismo se espalhasse para outros territorios, pois viam nesse
regime uma ameaca a liberdade e a paz. O ressentimento em relacao a
dominacao pelo Japao que durou 35 anos e o apoio que o pais teria dado
as sansoes da ONU corroboram as ameacas ao pais. Outra razao que levou a
Coreia do Sul a se tornar alvo de ameacas foi o desejo da Coreia do
Norte de reunificar os dois paises.
O dialogismo nas noticias
Bakhtin (1992) postula que todo discurso e constituido pelo
discurso alheio. Na composicao do genero noticia, o jornalista utiliza o
discurso de outrem, o discurso citado, para assegurar a veracidade,
autenticidade e credibilidade dos fatos narrados. O discurso citado,
tambem objeto de estudo de Bakhtin (1992), nao sera aqui discutido,
tendo em vista nao ser o nosso objetivo evidenciar as estrategias de
citacao como efeito estilistico, e sim analisar o dialogo que se
estabelece entre os enunciados, os discursos e as posicoes avaliativas
inerentes a eles.
Passemos, entao, a analise do recorte discursivo abaixo, retirado
da noticia 01.
(1)'Pouco importa o que digam os outros, continuaremos
exercendo nosso direito de lancar satelites', declarou um porta-voz
do ministerio das Relacoes Exteriores da Coreia do Norte.
Aqui percebemos que o discurso do outro, nesse caso, da Coreia do
Norte, possui marcas autorais explicitas, identificadas pelas aspas e
pelo sintagma verbal 'declarar'. A afirmacao de
'direito' legitimo nos remete ao discurso da Declaracao dos
Direitos Humanos que assegura direitos iguais a todos. Portanto, se os
EUA possuem armas nucleares, a
Coreia do Norte se ve no direito de tambem possui-las, alegando ser
para fins pacificos, uma possibilidade prevista no Tratado de Nao
Proliferacao de Armas Nucleares. O discurso do outro, nesse caso, do
Tratado, e utilizado pela Coreia do Norte como base legal, conforme
vemos em outro recorte discursivo da mesma noticia:
(2) A Coreia do Norte reafirmou nesta quarta-feira seu
'direito legitimo' de lancar foguetes com fins civis e que
continuara com seu programa espacial, apesar das sancoes do Conselho de
Seguranca das Nacoes Unidas e das criticas de nacoes ocidentais e
orientais.
Nesse enunciado, o discurso das nacoes ocidentais e orientais,
materializado na forma de criticas, e uma atitude responsiva ao discurso
nortecoreano, indicando incerteza quanto aos fins anunciados pela Coreia
do Norte. O discurso das nacoes ocidentais e orientais nao intimida a
Coreia do Norte, visto que o pais da continuidade ao seu programa de
fabricacao de armas nucleares.
Em outro recorte discursivo da noticia 01, o discurso citado
novamente e utilizado como fonte para a noticia, a do porta-voz do
Conselho de Seguranca Nacional dos EUA. Nele o autor retoma o discurso
do tratado da ONU, o discurso das resolucoes da ONU, conforme segue:
(3) "O lancamento de hoje e um ato muito provocativo que
ameaca a seguranca da regiao, viola diretamente as resolucoes 1718 e
1874 do Conselho de Seguranca das Nacoes Unidas, infringe as obrigacoes
internacionais da Coreia do Norte e mina os esforcos globais de nao
proliferacao", afirma em um comunicado o porta-voz do Conselho de
Seguranca Nacional, Tommy Vietor.
A retomada de um enunciado e vista por Bakhtin como evidencia de
responsividade. Para o autor,
[...] cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta
aos enunciados precedentes [...]: ele os rejeita, confirma, completa,
baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em
conta [...] (BAKHTIN, 2003, p. 297).
Dessa forma, a retomada do discurso da ONU e utilizada como base
para a refutacao dos argumentos dos norte-coreanos.
Prevendo que o leitor da noticia possa querer saber acerca do
conteudo das resolucoes do Conselho de Seguranca da ONU, o jornalista
tambem age responsivamente, acrescentando, mais adiante, o enunciado que
proibe atividade balistica ou nuclear pela Coreia do Norte:
(4) As resolucoes 1718 e 1874 das Nacoes Unidas proibem a Coreia do
Norte de qualquer atividade balistica ou nuclear.
A ONU nao se omite diante da ameaca a paz mundial, mas seu
discurso, enderecado a Coreia do Norte, nao e cumprido pelo pais.
A voz do outro tambem pode ser observada no recorte enunciativo
abaixo, retirado da noticia 03, no qual o jornalista utiliza-se do
discurso tecnologico militar para explicar a funcao dos antimisseis
Terra e Ar, colocados de prontidao pelo Japao, perante a possibilidade
de realizacao de novos testes de misseis pela Coreia do Norte.
(5) Esses sistemas instalados na capital serviriam para derrubar
projeteis no caso de um hipotetico ataque escapar dos destroieres que o
Japao tem localizados no Mar do Japao.
Esse tipo de informacao tecnica nao procede do jornalista, mas de
uma autoridade no assunto, a quem ele recorre para explicitar o que nao
domina, visando dar esclarecimento ao leitor.
Em outro recorte enunciativo da noticia 03, observamos o dialogo
que se estabelece entre o genero noticia e o genero editorial, haja
vista a identificacao da fonte do discurso:
(6) Em um editorial publicado pelo jornal 'Rodong
Sinmundo', pertencente ao partido unico nortecoreano, o regime
ameaca causar a 'destruicao' do Japao se esse pais agir
politicamente contra a Coreia do Norte, em um momento de elevada tensao
na Peninsula Coreana pelas continuas ameacas belicas norte-coreanas a
Estados Unidos e Coreia do Sul.
Observemos que os recursos linguisticos utilizados em
'continuas ameacas belicas' expressam a tematica do discurso
norte-coreano e se referem a outras ameacas feitas aos EUA e a Coreia do
Sul, divulgadas na midia em um passado recente; uma evidencia, portanto,
de um dialogo da noticia com outras noticias anteriores. Alem disso,
nesse trecho, fica evidente o discurso do outro, assimilado e
internalizado pelos norte-coreanos, ou seja, o discurso dos americanos
acerca da retorica belicista apregoada pelo Presidente Truman, durante a
guerra das Coreias. A Coreia do Norte, desde o fim do conflito com a
Coreia do Sul, vem desenvolvendo um programa de armas nucleares e, por
isso, sofre varias sancoes da ONU. A assimilacao da retorica belicista
mostra-se, portanto, como uma evidencia de responsividade dos
norte-coreanos, em relacao ao seu inimigo maximo: os EUA.
No recorte discursivo da noticia 04, destacado a seguir, o
enunciador, o exercito norte-coreano, utiliza, em sua ameaca, outro
recurso expressivo 'mar de chamas'--, que faz alusao ao
discurso popular 'mar de rosas', remetendo a oposicao
semantica entre as lexias 'guerra' e 'paz'. A
utilizacao desse recurso expressivo nao se da a toa: as ameacas da
Coreia do Norte sao sempre marcadas por vocabulos alusivos a guerra:
(7) O Exercito norte-coreano acrescentou que, se os aliados
respondessem ao contra-ataque citado, usaria 'todas as forcas de
artilharia', o que, segundo menciona a nota, 'transformaria as
cinco ilhas sulcoreanas do mar do Oeste (mar Amarelo) em um mar de
chamas'.
Bakhtin (2003, p. 295) assegura que todo enunciado e repleto de
palavras dos outros, com um
[...] grau vario de alteridade ou assimilabilidade, de
certo grau vario de aperceptibilidade e de relevancia.
Essas palavras dos outros trazem consigo a sua
expressao, o seu tom valorativo que assimilamos,
reelaboramos e reacentuamos.
A reacentuacao presente na expressao 'mar em chamas'
evidencia um tom valorativo, conforme a teoria de Bakhtin.
Da mesma maneira, no recorte discursivo retirado da noticia 02, o
discurso enderecado a Coreia do Sul revela a imagem que os nortecoreanos
possuem em relacao aos seus vizinhos:
(8) O aviso desta sexta-feira foi feito por um comunicado do Comite
para a Reunificacao Pacifica da Patria, divulgado pela agencia oficial
KCNA. 'Se o grupo de fantoches traidores tomar parte direta nas
'sancoes' da ONU', a Coreia do Norte tomara fortes
medidas fisicas contra elas, diz o documento, se referindo ao governo
sul-coreano. 'Sancoes' significam guerra e uma declaracao de
guerra contra nos', acrescenta.
A expressao 'fantoches traidores' somente pode ser
entendida em sua essencia, se interpretada num contexto enunciativo,
pois exprime um tom valorativo de indignacao e desprezo aos sul
coreanos, povo com quem, no passado, formavam uma so nacao, acusados de
serem manipulados pelos EUA.
Destacamos que, em todas as noticias analisadas, os vocabulos
'comunistas' e 'aliados' que, em sua genese, ja sao
ideologicos, empregados durante a Segunda Guerra Mundial, reaparecem
nesse contexto, evidenciando a dialogia entre os enunciados, conforme a
noticia 02:
(9) Alem disso, o regime comunista reiterou que reagira as
'provocacoes' dos dois aliados com 'imediatos golpes de
represalia' e 'uma grande guerra para a reunificacao
nacional'.
A Coreia e um pais socialista, mas tachado de comunista pelos
aliados, ou seja, os paises que apoiam as sancoes da ONU. Na ideologia
marxista, o socialismo e uma fase anterior ao comunismo. Se analisarmos
bem, perceberemos que a Coreia do Norte nao se enquadra em nenhuma
dessas ideologias.
Pela analise realizada ate agora, procuramos mostrar que os
recortes enunciativos aqui analisados indicam a dialogia na genese dos
enunciados. No entanto, podemos evidenciar tambem o dialogismo ocorrendo
na recepcao dos discursos das noticias. Os portais de noticia geralmente
disponibilizam a seus leitores um espaco para comentarios, dos quais
destacamos dois, referentes a noticia 04, e que demonstram claramente a
compreensao e a avaliacao do leitor aos fatos noticiados.
(10) Colecionista: O gordinho ditador da CN sabe que a vida boa
dele e mantida gracas aos blefes. A hora que ele tiver que realmente
disparar uma so bala acabou-se o que era doce (pra ele). Burro
certamente ele nao e. Entao, fiquem tranquilos, porque infelizmente a
vida boa dele vai continuar, enquanto seus compatriotas morrem de fome.
(nao e mesmo PC do B?)
(11) Belobelao: ja tenho feito comentarios sobre o conflito ... a
verdade sempre vem a tona ... quem provoca e os eua ... a coreia do
norte somente se resguarda de uma possivel invasao dos eua e aliados, ja
que em tempos passados vem fazendo ameacas..o que vem por traz disso nao
se sabe, mas interesses sempre existe. essas manobras de exercicios
militares que fazem com os sul-coreano e um preparativo para invasao
surpresa que estao armando..a coreia do norte jamais atacaria pois e
suicidio, mas e poderosa em se proteger.
O comentario do internauta Colecionador mostra que ele possui uma
imagem de playboy do ditador norte-coreano, em um dialogo com outras
noticias que divulgaram a vida de Kim Jong-Un. O Colecionador nao
acredita que Kim Jong-Un represente um perigo ao mundo, embora o
considere uma pessoa esperta, acreditando que suas ameacas sejam
calcadas no blefe.
Ja o internauta Belobelao posiciona-se a favor dos norte-coreanos.
Para ele, os EUA sao os provocadores, em alusao ao discurso imperialista
norte-americano, outra evidencia do dialogismo entre os discursos.
Embora nao saiba identificar qual o interesse especifico dos americanos
no pais, o internauta Belobelao chega a conclusao de que a Coreia do
Norte nao possui armamento belico para fazer frente aos EUA.
Consideracoes finais
O proposito deste artigo foi analisar os aspectos dialogicos da
linguagem, suas relacoes de alteridade e posicoes responsivas presentes
nos enunciados que compoem o genero noticia, visando mostrar que os
conceitos da teoria dialogica de Bakhtin se aplicam tanto a genese
quanto a recepcao do texto, o que significa dizer que tanto o autor
quanto o leitor sao participantes ativos na producao de sentidos, o que
nos faz repensar o ensino de linguas na escola.
Pela analise aqui realizada, acreditamos que a proposta bakhtiniana
pode contribuir para superar a visao ingenua de aprendizagem que
desconsidera a linguagem em uso como objeto de estudo e que se
fundamenta em uma visao de passividade do leitor na construcao de
sentidos. Embora as propostas curriculares para o ensino de linguas no
Brasil e no Estado do Parana recomendem compreender o processo de
constituicao e funcionamento dos generos orais e escritos no campo das
relacoes sociais, as praticas em sala de aula ainda falham em nao propor
encaminhamentos metodologicos que considerem o papel do professor e do
aluno no trabalho com o texto, como participantes que negociam e
interagem na compreensao dos discursos. Ao tratar os alunos como meros
receptores de textos e os professores como detentores dos saberes,
negamos a eles o direito de dialogar, de manifestar sua responsividade.
Acreditamos que uma proposta que leve em consideracao a interacao
entre o texto e os participantes do processo ensino-aprendizagem deva
contemplar o questionamento. Questionar o texto significa nao ser
submisso as ideias do autor, mas construir significado na interacao com
ele e com o texto, a partir das proprias experiencias, fazer julgamentos
e avaliacoes, posicionar-se com argumentos fundamentados, isto e, ser
critico.
Para tanto, o professor de linguas desempenha um papel fundamental
nessa proposta, uma vez que e ele quem conduz o fio do processo
ensinoaprendizagem. Numa concepcao dialogica, a compreensao do texto
deve ser construida de forma colaborativa por meio de debates ou
conversas, e nao apenas por meio de perguntas previamente selecionadas
pelo professor que visem apenas a checagem e revisao de informacao. A
checagem e revisao de informacao nao devem, entao, ocupar lugar
privilegiado no ensino de linguas, mas devem servir apenas como meio
para se estabelecer o topico ou o conteudo tematico para discussao.
No processo de compreensao do texto em sala de aula, professor e
alunos interagem com as ideias do autor, negociando e determinando o
discurso, conjuntamente. Isso significa que o professor incorpora as
ideias dos alunos, formulando, a partir delas, novas perguntas,
instigando-os a pensar, a ter voz na escola e a assumir um papel ativo
em sua aprendizagem.
Uma abordagem de questionamento requer que o professor trabalhe em
sala de aula diferentes textos do mesmo genero e ate mesmo de generos
diferentes, orais ou escritos, que versem acerca do mesmo conteudo
tematico, ja antecipando que alguns alunos necessitam ampliar sua visao
de mundo. Esse tipo de atividade tambem contribui para que os alunos
formulem as proprias ideias e conceitos, a partir da comparacao e do
contraste entre os discursos. Pela comparacao e pelo contraste, o
professor pode ir explicitando as relacoes dialogicas entre os
enunciados dos textos de um mesmo genero ou de generos diferentes.
Acreditamos que um ponto central, na introducao de uma abordagem de
questionamento, diz respeito a qualidade das questoes a serem
enderecadas aos alunos quando da elaboracao de atividades de leitura, o
que pode ser um desafio para muitos, uma vez que os cursos de formacao
continuada, historicamente, nao comtemplam esse tipo de conhecimento.
Isso nao significa que o proprio professor nao possa ir em busca de
leituras que o ajudem a melhorar sua atuacao em sala de aula.
Concluimos que a teoria bakhtiniana, aliada a uma abordagem de
questionamento, pode permitir aos professores de linguas ultrapassar as
simples questoes de compreensao de texto, explorar as conviccoes dos
alunos, promover o dialogo entre os pares, entre os textos e entre os
enunciados, contribuindo para um ensino mais significativo.
Doi: 10.4025/actascilangcult.v37i4.25028
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Received on September 23, 2014.
Accepted on April 6, 2015.
License information: This is an open-access article distributed
under the terms of the Creative Commons Attribution License, which
permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium,
provided the original work is properly cited.
Sonia Aparecida Lopes Benites e Dora Rosa da Silva *
Programa de Pos-graduacao em Letras, Universidade Estadual de
Maringa, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringa, Parana, Brasil. *
Autorpara correspondencia. E-mail: dorasilva68@yahoo.com