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文章基本信息

  • 标题:The dialogism in news discourse genre/O dialogismo no genero discursivo noticia.
  • 作者:Benites, Sonia Aparecida Lopes ; da Silva, Dora Rosa
  • 期刊名称:Acta Scientiarum. Language and Culture (UEM)
  • 印刷版ISSN:1983-4675
  • 出版年度:2015
  • 期号:October
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Universidade Estadual de Maringa
  • 摘要:Ensinar uma lingua com base na visao bakhtiniana, a partir dos generos discursivos, tem se revelado uma tarefa ainda obscura para muitos professores de linguas. Isso ocorre porque a teoria dialogica de linguagem ainda nao e lida e discutida no ambito escolar, uma vez que os documentos oficiais que norteiam o ensino de linguas em terras paranaenses, como as Diretrizes Curriculares de Educacao do Estado do Parana, tanto para as linguas estrangeiras (PARANA, 2008a) quanto para a lingua portuguesa (PARANA, 2008b), abordam, superficialmente, os conceitos da teoria dialogica de Bakhtin, o que dificulta sua compreensao pelos professores da educacao basica.
  • 关键词:Criticos literarios;Dialogo;Electronic news gathering;Ensenanza linguistica;Hostages;Language instruction;Linguistica;Metodos de ensenanza;Online journalism

The dialogism in news discourse genre/O dialogismo no genero discursivo noticia.


Benites, Sonia Aparecida Lopes ; da Silva, Dora Rosa


Introducao:

Ensinar uma lingua com base na visao bakhtiniana, a partir dos generos discursivos, tem se revelado uma tarefa ainda obscura para muitos professores de linguas. Isso ocorre porque a teoria dialogica de linguagem ainda nao e lida e discutida no ambito escolar, uma vez que os documentos oficiais que norteiam o ensino de linguas em terras paranaenses, como as Diretrizes Curriculares de Educacao do Estado do Parana, tanto para as linguas estrangeiras (PARANA, 2008a) quanto para a lingua portuguesa (PARANA, 2008b), abordam, superficialmente, os conceitos da teoria dialogica de Bakhtin, o que dificulta sua compreensao pelos professores da educacao basica.

Esses documentos fundamentam sua proposta de ensino de linguas na interacao; porem, ainda persistem praticas de leitura em sala de aula voltadas para a compreensao de textos de diferentes generos guiadas por questoes que buscam checar apenas informacoes. No sentido de proporcionar uma discussao mais elaborada acerca desse assunto, propomos, por meio de pesquisa bibliografica e com base nos pressupostos teoricos da analise dialogica de Bakhtin, evidenciar o dialogismo presente nos enunciados de quatro noticias on-line, a fim de perceber possiveis relacoes de alteridade e responsividade, e esbocar, a partir da analise, uma proposta de abordagem de leitura em sala de aula que leve em conta os processos dialogicos entre o texto, o autor, o professor e os alunos. Cabe ressaltar que, em nossa analise, nao pretendemos esgotar todas as possibilidades de analise dos textos, mas apenas apontar possiveis exemplos de aplicacao da teoria de Bakhtin.

Com esse intento, organizamos este artigo em sete secoes, seguidas das consideracoes finais. As tres primeiras secoes referem-se as nocoes teoricas consideradas relevantes para o embasamento teorico da analise aqui proposta, ou seja, a teoria dialogica de Bakhtin e seu Circulo, a saber: lingua e linguagem, segundo a concepcao bakhtiniana; o contexto extraverbal; dialogismo: alteridade e responsividade. A quarta secao trata de conceituar os generos do discurso e caracterizar os aspectos composicionais do genero noticia impressa, diferenciando-a da noticia on-line, foco de nossa atencao. Na quinta secao do artigo, apresentamos as noticias que compoem o corpus de analise e seu contexto enunciativo. Na sexta secao, expomos o contexto socio-historico e ideologico dos enunciados que compoem as noticias. Na setima secao, apresentamos a analise do corpus. E por ultimo, nas consideracoes finais, esbocamos uma proposta de trabalho de leitura em sala de aula, a abordagem de questionamento, que entendemos ser a maneira de traduzir, para o ensino de linguas, as nocoes de Bakhtin acerca do dialogismo.

Lingua e linguagem, segundo a concepcao bakhtiniana

A forma como ensinamos uma lingua demonstra a concepcao que temos dela. Historicamente, a concepcao da linguistica tradicional fundamentou por muito tempo o ensino de linguas, cuja enfase era o estudo da estrutura linguistica dos textos. Muito embora os estudos da teoria de Bakhtin e seu circulo nao objetivassem o ensino, suas discussoes ganharam evidencia nas ultimas decadas e tem fundamentado varios documentos oficiais e praticas de ensino de linguas no Brasil e no mundo.

A teoria de Bakhtin, a tese sociodialogica da linguagem, e construida a partir da critica as correntes teoricas da linguistica geral de seu tempo, o objetivismo abstrato e o subjetivismo idealista, em virtude de que elas nao consideravam o carater dialogico da linguagem. De acordo com essa tese, a linguagem nao e pura expressao do pensamento ou ato da fala individual monologica, tampouco um sistema abstrato, estavel, imutavel, objetivo e homogeneo, mas sim um sistema vivo, envolto em um processo de evolucao ininterrupto que se realiza atraves da interacao verbal dos interlocutores. Para Bakhtin (1992, p. 123),
   A verdadeira substancia da lingua nao e constituida por um sistema
   abstrato de formas linguisticas nem pela enunciacao monologica e
   isolada, nem pelo ato psicofisiologico de sua producao, mas pelo
   fenomeno social da interacao verbal, realizada atraves da
   enunciacao ou das enunciacoes. A interacao verbal constitui assim a
   realidade fundamental da lingua.


A interacao verbal, assim, e apresentada por esse autor como a realidade fundamental da lingua, um fenomeno social por meio do qual a comunicacao verbal se estabelece.

Comentando esse fenomeno, Geraldi (2003, p. 13) explicita que "[...] toda interacao e uma relacao entre um eu e um tu, relacao intersubjetiva em que se tematizam representacoes das realidades factuais ou nao". Sobral (2009, p. 40, grifos do autor), por sua vez, expoe que a interacao, segundo o Circulo de Bakhtin, e "[...] essencialmente fundada no dialogo, em sentido amplo, e envolve mais de um termo, mais de um sujeito: a 'pergunta' e a 'resposta', o 'eu' e o 'outro'". O pesquisador esclarece que, mesmo no caso do discurso dirigido a si mesmo--o 'discurso interior'--, ainda assim, a interacao ocorre, porque nao ha um eu sem o outro nem o outro sem um eu (SOBRAL, 2009).

A interacao e, pois, um processo constitutivo de criacao de sentidos entre um sujeito e o outro e entre o sujeito consigo mesmo, em um dialogo determinado pelos discursos responsivos do mundo exterior.

Na visao de Bakhtin, a linguagem, concretizada na interacao verbal, possui uma natureza social e historica, pois a funcao da lingua esta no seu uso, na significacao que ela adquire num dado contexto ideologico, ou seja, na enunciacao, enquanto produto da interacao social. Desse modo, o discurso e, para Bakhtin, uma pratica social que tem na lingua a sua materialidade.

O contexto extraverbal

Em sua obra, Estetica da Criacao Verbal, Bakhtin (2003, p. 274) reitera que "[...] o discurso so pode existir de fato na forma de enunciacoes concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso". Ao incluir a enunciacao como objeto de estudo, o autor constroi sua tese dialogica, na qual o contexto assume um importante papel. Em Discurso na vida e discurso na arte, Voloshinov e Bakhtin (1976) ja sinalizam para o fato de que todo discurso e determinado pelo contexto e dele nao pode ser desvinculado. Alem disso, ressaltam a importancia da contextualizacao para a compreensao e avaliacao dos enunciados concretos. A esse respeito, os autores afirmam:

Na vida, o discurso verbal e claramente nao autossuficiente. Ele nasce de uma situacao pragmatica extraverbal e mantem a conexao mais proxima possivel com esta situacao. Alem disso, tal discurso e diretamente vinculado a vida em si e nao pode ser divorciado dela sem perder sua significacao. A especie de caracterizacoes e avaliacoes de enunciados pragmaticos, concretos, que comumente fazemos sao expressoes tais como 'isto e mentira', 'isto e verdade', 'isto e arriscado dizer', 'voce nao pode dizer isto', etc. (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976, p. 4, grifos do autor).

A compreensao e as avaliacoes que fazemos dos enunciados ocorrem pela correlacao entre os elementos verbais e os elementos extraverbais. Estes complementam aqueles, visto que um discurso verbal envolve um evento da vida e depende dele para a sua significacao plena, formando aquilo que Voloshinov e Bakhtin (1976, p. 5) chamam de "[...] uma unidade indissoluvel".

O contexto extraverbal representa, portanto, as condicoes sociais reais em que os enunciados sao produzidos e compreende ainda, segundo os autores (VOLOSHINOV; BAKHTIN, 1976), tres fatores: 1) o horizonte espacial comum dos interlocutores, ou seja, aquilo que e visivel pelos interlocutores, como o tempo e o espaco circundante; 2) o conhecimento e a compreensao comum da situacao, algo nao visivel, mas conjuntamente sabido pelos interlocutores e 3) a avaliacao comum dessa situacao, isto e, aquilo que e conjuntamente percebido ou presumido pelos interlocutores acerca da situacao.

Voloshinov e Bakhtin (1976) tambem assinalam que as avaliacoes presumidas--ou julgamentos de valor presumidos--sao atos sociais regulares e essenciais que organizam o comportamento e as acoes dos representantes de um determinado grupo social. Por meio da entonacao ou entoacao, por exemplo, a materializacao desses julgamentos impressos nos enunciados pode ser observada. Conforme Sobral (2009, p. 84, grifo do autor), "[...] a entoacao corresponde a um dado 'tom' responsivo, uma atividade 'ativa' de resposta, denominada pelo Circulo bakhtiniano de 'responsividade ativa'". O Circulo de Bakhtin tambem se refere ao termo 'entoacao' como 'tom expressivo valorativo' ou ainda 'entonacao expressiva', uma forma avaliativa de recepcao do discurso pelo interlocutor.

Na concepcao dialogica da linguagem, o tom avaliativo acompanha toda forma de enunciacao. Alias, e uma condicao para a sua existencia. Disso resulta que todo enunciado e um fenomeno puramente ideologico, pois comporta em si diversos posicionamentos valorativos.

Na realidade, nao sao palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou mas, importantes ou triviais, agradaveis ou desagradaveis, etc. A palavra esta sempre carregada de um conteudo ou de um sentido ideologico ou vivencial. E assim que compreendemos as palavras e somente reagimos aquelas que despertam em nos ressonancias ideologicas ou concernentes a vida (BAKHTIN, 1992, p. 95).

Faraco (2006, p. 47) esclarece que, "[...] para o Circulo, o enunciado e ideologico em dois sentidos: qualquer enunciado se da na esfera de uma das ideologias e expressa sempre uma posicao avaliativa [...]", o que nos leva a crer que nao ha enunciado neutro.

Dialogismo: alteridade e responsividade

Conforme nossa exposicao, Bakhtin concebe a linguagem como um fenomeno ideologico e produto da interacao verbal que se realiza por meio da enunciacao. A enunciacao e, portanto, a base para a construcao do principio dialogico do Circulo de Bakhtin, que adota a metafora do dialogo para caracterizar sua teoria acerca do universo da criacao ideologica.

Bakhtin (1992, p. 98) compreende que "[...] toda enunciacao, mesmo na forma imobilizada da escrita, e uma resposta a alguma coisa e e construida como tal. Nao passa de um elo da cadeia dos atos de fala". Essa rede dialogica que constitui o discurso reflete diferentes opinioes, visoes de mundo e posicionamentos de valor. A esse respeito, Faraco (2006, p. 58, grifos do autor) explicita que
   [...] o Circulo percebe o enunciado como algo repleto de 'vozes
   sociais' ou linguas sociais, que formam uma intrincada cadeia de
   responsividade, pois, ao mesmo tempo em que respondem ao ja dito,
   provocam continuamente as mais diversas respostas (adesoes,
   recusas, aplausos incondicionais, criticas, ironias, concordancia e
   dissonancias, revalorizacoes, etc.--'nao ha limites para o contexto
   dialogico').


Nesse sentido, os enunciados estao sempre vinculados a enunciados precedentes, assimilados e internalizados ao longo de nossa vida. Essa influencia que a palavra do outro--principio de alteridade--exerce sobre o nosso dizer e apontada por Bakhtin na obra Estetica da criacao verbal (BAKHTIN, 1992, p. 385, grifos do autor), na qual o autor esclarece: "[...] estas 'palavras alheias' se reelaboram dialogicamente em 'palavras proprias alheias' com a ajuda de outras palavras alheias (escutadas anteriormente) e logo se tornam palavras proprias (com a perda das aspas [...])". Assim, todo enunciado e sempre heterogeneo, nao provido de originalidade, pois tudo que enunciamos, de certa forma, sao ressonancias de algo ja dito anteriormente.

A palavra, aqui sinonima de discurso e atravessada por questoes proprias da linguagem e da historia, "[...] e determinada tanto pelo fato de que procede de alguem, como pelo fato de que se dirige a alguem" (BAKHTIN, 1992, p. 113). Dito de outra forma, todo enunciado possui um locutor--autor e um interlocutor--destinatario. Portanto, o papel do outro, isto e, aquele para quem se constroi o enunciado, e fundamental na situacao de interacao verbal, pois, para Bakhtin, e o interlocutor quem determina o discurso do locutor. Ao engajar-se em uma comunicacao verbal, o interlocutor leva em conta as relacoes sociais que mantem com os individuos envolvidos. A linguagem, portanto, tambem e determinada pelo grupo social e cultural no qual o interlocutor esta inserido, bem como pela situacao real em que ela e empregada. A esse respeito, Bakhtin (1992, p. 112) declara que
   [...] a palavra dirige-se a um interlocutor: ela e funcao da pessoa
   desse interlocutor; variara se se tratar de uma pessoa do mesmo
   grupo social ou nao, se esta for inferior ou superior na hierarquia
   social, se estiver ligada ao locutor por lacos sociais mais ou
   menos estreitos (pai, mae, marido, etc.)


Ainda em relacao ao papel do interlocutor na comunicacao verbal, Bakhtin contrapoe-se a concepcao tradicional de falante e ouvinte, visto que, nesse tipo esquematico, o ouvinte tem papel passivo na compreensao do discurso do falante, o que, em sua opiniao, nao corresponde a determinados momentos da realidade. No discurso do autor,

[...] o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguistico) do discurso, ocupa simultaneamente em relacao a ele uma ativa posicao responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usa-lo, etc.; essa posicao responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audicao e compreensao desde o seu inicio, as vezes, literalmente a partir da primeira palavra do falante (BAKHTIN, 2003, p. 271).

Portanto, na interacao verbal, ambos os participantes do processo interlocutorio sao participantes ativos e, mesmo que um dos interactantes nao dirija uma so palavra a seu interlocutor, a compreensao em si ja e uma forma de responsividade. Alem do mais, na compreensao dos enunciados, o interlocutor faz julgamentos, aceitando ou rejeitando a palavra do outro. Conforme as palavras de Bakhtin (2003, p. 297), e "[...] impossivel alguem definir sua posicao, sem correlaciona-la com outras posicoes".

A responsividade ou a atitude de ser responsivel ao discurso do outro assume, nesse contexto, uma significacao mais ampla que resposta. Caracteristica do dialogismo, a responsividade e a marca da compreensao e da avaliacao do enunciado, bem como da interacao estabelecida entre os sujeitos. Muito embora possa nao ser visivel, ou nao ocorrer no momento da enunciacao, ela se caracteriza pela reacao do ouvinte/interlocutor ao discurso que lhe foi enderecado e pela alternancia dos papeis na comunicacao verbal, sendo esta ultima ja evidencia de alteridade do discurso. Bakhtin (2003, p. 273) assevera que
   [...] toda compreensao da fala viva, do enunciado vivo, e de
   natureza ativamente responsiva--embora o grau desse ativismo seja
   bastante diverso--; toda compreensao e prenhe de resposta e, nessa
   ou naquela forma, a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna
   falante.


Logo, o enunciado possui inicio e fim, pois nasce no discurso de um locutor e finaliza na resposta do interlocutor, formando os elos de enunciados na cadeia discursiva. Na qualidade de locutor, o sujeito, apos a compreensao do enunciado, sempre faz avaliacoes do que e dito para compor o proprio enunciado. A compreensao e a avaliacao do enunciado sao entendidas como uma atitude ativa, ou seja, geram uma replica ou contrapalavra.

Embora Bakhtin (2003) considere que toda compreensao e ativamente responsiva, o autor delineia tres graus desse ativismo: a compreensao responsiva ativa, a compreensao responsiva passiva ou silenciosa e a compreensao responsiva de efeito retardado.

A compreensao responsiva ativa, como ja expusemos, e aquela que se realiza imediatamente apos a compreensao do enunciado e exprime uma posicao valorativa do falante. Ja a compreensao responsiva passiva "[...] caracteriza-se pela percepcao do componente normativo do signo linguistico, isto e, pela percepcao do signo como objeto-sinal [...]" (BAKHTIN, 1992, p. 99) e se traduz na acao imediata como, por exemplo, o cumprimento de uma ordem militar ou a resposta a uma pergunta. Todavia, "[...] a compreensao do enunciado pode permanecer de quando em quando como compreensao responsiva silenciosa [...]" (BAKHTIN, 2003, p. 272), a qual, "[...] pela necessidade de compreensao mais abstrata, de reelaboracao mental, se manifesta numa temporalidade deslocada da situacao real [...]" (MENEGASSI, 2008, p. 137), caracterizando-se, entao, como compreensao responsiva retardada.

Geraldi (2003) esclarece que a orientacao da contrapalavra--atitude responsiva--, a do interlocutor a palavra do locutor e vice-versa, esta na compreensao do tema, o que, por sua vez, e consequencia de um trabalho de reflexao--mesmo quando nao consciente sobre as expressoes linguisticas utilizadas pelo locutor. O tema, assim, se apoia em certa estabilidade da significacao dos recursos expressivos.

[...] se a compreensao do tema demanda uma contrapalavra (de conflito ou e acordo), para que esta contrapalavra nao signifique uma ruptura na producao conjunta de sentidos, ela deve orientar-se em relacao a palavra do locutor. Obter esta 'orientacao', visivel nos processos de negociacoes de sentido explicitos, invisivel nos processos mentais dos sujeitos envolvidos, implicitados pela propria continuidade e progressao da interlocucao, e consequencia de um trabalho de reflexao sobre as expressoes linguisticas utilizadas. Isto significa admitir que, nas acoes linguisticas, ha ja acoes de reflexao sobre a linguagem (GERALDI, 2003, p. 18, grifo do autor).

Essa assertiva contrapoe-se as praticas pedagogicas em que a reflexao acerca da linguagem e abandonada, como se as escolhas discursivas presentes num texto nao significassem coisa alguma. Sao elas que vao dar sentido ao discurso, o que significa admitirmos a necessidade de reflexao quando do estudo do texto.

Em resumo, podemos afirmar que, ao deslocar o foco da lingua para a linguagem, concebida como interacao social, Bakhtin elege a enunciacao como objeto de seu estudo e esboca os elementos que fundamentam sua tese dialogica da linguagem: o dialogo que se estabelece entre o falante e seu interlocutor, entre os enunciados e os discursos, e e constitutivo da propria linguagem. O dialogismo tem, como caracteristicas essenciais, a alteridade--a consideracao do 'outro' nas interacoes verbais e sociais--e a responsividade--a reacao/atitude ativa ao discurso do outro ou a outros discursos.

Os generos do discurso e o genero noticia

Em nossas interacoes sociais, fazemos uso o tempo todo de generos discursivos, definidos por Bakhtin (2003, p. 262) como "[...] tipos relativamente estaveis de enunciados". Sao relativamente estaveis porque, embora possuam tracos que os caracterizem como tais e os diferenciem de outros generos, eles se adaptam as mudancas socio-historicas e as escolhas estilisticas de cada autor/enunciador. Assim, sao inumeros os generos existentes e, a medida que as sociedades vao se tornando mais complexas, novos generos vao surgindo e outros vao caindo em desuso.

Para Bakhtin (2003), cada campo da atividade humana elabora seus generos discursivos; por isso, os enunciados que os compoem

[...] refletem as condicoes especificas e as finalidades de cada referido campo, nao so por seu conteudo (tematico), e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela selecao dos recursos lexicais, fraseologicos e gramaticais da lingua, mas acima de tudo, por sua construcao composicional (BAKHTIN, 2003 p. 261).

Esses tres elementos (o tema, o estilo e a construcao composicional) sao indissoluvelmente ligados ao todo do enunciado. Bakhtin (2003) da destaque especial ao estilo da linguagem, pois as mudancas historicas estao, indissoluvelmente, ligadas as mudancas dos generos do discurso; por esse motivo, "[...] onde ha estilo, ha genero" (BAKHTIN, 2003, p. 268).

Pertencente a esfera jornalistica, o genero noticia possui a finalidade de informar um fato ou acontecimento novo e relevante, de interesse da sociedade em geral. A noticia relata e expoe os fatos em sua ordem de importancia e nao pela ordem cronologica dos acontecimentos, conforme afirma Lage (2004, p. 16):
   Do ponto de vista da estrutura, a noticia se define no jornalismo
   moderno como o relato de uma serie de fatos a partir do fato mais
   importante ou interessante; e de cada fato, a partir do aspecto
   mais importante ou interessante. [...] nao se trata exatamente de
   narrar os acontecimentos, mas de expo-los.


Ao tratar dos generos da esfera do jornalismo, Melo (2003) afirma que ha duas categorias em torno das quais o discurso jornalistico se articula. A primeira e a 'categoria do universo da informacao'. Sua expressao depende diretamente da eclosao e da evolucao dos acontecimentos e da relacao que os jornalistas estabelecem com seus protagonistas. As noticias pertencentes a essa categoria possuem, entao, de acordo com o autor, a intencionalidade de apenas informar, e nao de emitir opinioes acerca dos fatos ou acontecimentos. Como exemplos de generos que abarcam essa categoria, o autor cita a reportagem, a noticia, a entrevista, entre outros. Ja a segunda, a 'categoria do universo da opiniao', segundo o autor, possui a estrutura da mensagem codeterminada por variaveis controladas pela instituicao jornalistica; nesse sentido, ao escrever a noticia, o jornalista expoe aquilo que a instituicao pensa a respeito de determinado assunto. Os generos que se encaixam nessa categoria sao: a carta ao leitor, o editorial, o comentario, o artigo e a cronica.

A assertiva de Melo (2003) nos conduz a pensar que o genero noticia, pertencente a categoria do universo da informacao, transmite uma informacao de modo objetivo, sem emitir opinioes. No entanto, nao e isso o que ocorre. Levando-se em conta o quadro do pensamento bakhtiniano, conforme ja exposto na secao tres deste artigo, o discurso e atravessado pela plurivocalidade constitutiva do sujeito e do sentido. Por esse motivo, os discursos presentes nas noticias nao sao neutros, uma vez que a posicao avaliativa do jornalista (ou a do veiculo) acaba se inscrevendo no texto.

Uma caracteristica da noticia impressa e que esta se ampara na tecnica de estruturacao de texto jornalistico, a chamada piramide invertida. Logo abaixo da manchete, aparece a principal e mais relevante informacao, o lead. Essa parte estrutural, mais comum no jornal impresso do que na noticia on-line, responde a seis perguntas basicas que resumem a noticia: quem, o que, quando, onde, como, por que e para que? Alem do lead, outro componente da estrutura da noticia e a documentacao, identificada como complemento do lead, que detalha e adiciona informacoes ao primeiro paragrafo, constituindo, desse modo, o corpo da noticia (LAGE, 2004).

Com o advento da internet, hoje ja incorporada ao modo de vida dos individuos, a noticia on-line, pertencente ao jornalismo midiatico ou eletronico, passou a ser mais uma possibilidade de obtencao de informacao. Bardoel e Deuze (2001) apontam quatro elementos que caracterizam a noticia on-line: a interatividade (conexao com o usuario por meio de chats, foruns, e-mails etc.); a customizacao de conteudo (produtos jornalisticos, como arquivos online, noticias via assinatura on-line etc.); a hipertextualidade (hipertextos e hiperlinks) e a multimidialidade (imagem, texto e som).

Por englobar a interatividade, a noticia on-line configura-se como um genero que da voz e visibilidade ao leitor, tendo em vista o espaco destinado ao internauta para comentarios ao fato noticiado, o que nao acontece na midia impressa.

As noticias selecionadas e seu contexto enunciativo

Conforme afirmado na Introducao deste artigo, nosso objetivo e evidenciar as relacoes dialogicas, de alteridade e responsividade presentes no genero noticia on-line, pertencente a esfera jornalistica, mostrando que essas nocoes contribuem para o ensino de linguas, no que diz respeito a interacao entre o leitor, o texto, o professor e os alunos. Para tanto, escolhemos quatro noticias que objetivam informar acerca da crise politica causada pelas ameacas feitas pela Coreia do Norte a Coreia do Sul, aos Estados Unidos e ao Japao, noticias estas veiculadas na midia on-line entre dezembro de 2012 e maio de 2013, as quais apresentamos a seguir, por meio de seus titulos, segundo a ordem cronologica de veiculacao, haja vista a impossibilidade de insercao de todo o conteudo das noticias:

Noticia 01

'Coreia do Norte desafia potencias e mantem programa espacial' (COREIA ..., 2013d).

A noticia 01, publicada no dia 12/12/2012, no jornal on-line Zero Hora, pertencente ao Grupo RBS, faz a divulgacao de um teste nuclear realizado pela Coreia do Norte, no qual foi lancado um foguete de longo alcance--Unha-3. O objetivo era colocar em orbita um satelite de observacao terrestre, considerado pela comunidade internacional como um missil balistico disfarcado. A instituicao e identificada como autora do discurso nessa noticia.

Noticia 02

'Coreia do Norte ameaca Seul em caso de Apoio a sancoes da ONU' (COREIA ..., 2013c).

A noticia 02 foi publicada na secao de noticias Internacional, no dia 25/01/2013, no portal de noticias Jornal do Brasil, criado inicialmente como midia impressa em 1891, passando a circular somente na forma digital a partir de 2010; ela expoe a ameaca de guerra da Coreia do Norte a vizinha Coreia do Sul, caso esta apoiasse as sancoes da ONU. Nessa noticia, a instituicao tambem responde pela sua autoria.

Noticia 03

'Coreia do Norte ameaca atacar as principais cidades do Japao' (COREIA ..., 2013a).

A noticia 03, publicada na secao Mundo, no dia 10/04/2013, no portal de noticias G1, pertencente as Organizacoes Globo, expoe tambem a ameaca de um ataque da Coreia do Norte ao Japao, feita via editorial de um jornal pertencente ao partido unico norte-coreano. O motivo desse ataque seria uma retaliacao a uma possivel acao politica do Japao contra os norte-coreanos. A noticia tambem relata as ameacas feitas pela Coreia do Norte aos Estados Unidos (EUA) e a Coreia do Sul, devido aos exercicios militares realizados em conjunto por esses paises. Nessa noticia, as agencias internacionais sao identificadas como coautoras ou fonte do discurso.

Noticia 04

'Coreia do Norte ameaca atacar EUA e Coreia do Sul se tiver territorio violado' (COREIA ..., 2013b).

A noticia 04, cuja instituicao e identificada como autora, teve sua publicacao no dia 07/05/2013, no sitio eletronico UOL, criado em 1996 e pertencente ao Grupo Folha. Nela, novamente, e exposta uma ameaca de ataque nuclear preventivo aos EUA e a Coreia do Sul pela Coreia do Norte. Tal atitude ganharia concretude, caso esses paises violassem sua soberania territorial. Nessa nova intimidacao, os norte-coreanos declaram nulo o armisticio assinado em 1953, que pos fim ao conflito entre as duas Coreias.

O contexto socio-historico e ideologico dos enunciados que compoem as noticias

Ao lermos as quatro noticias e seus leads, a pergunta que se faz e por que as ameacas se dirigem aos tres paises: Coreia do Sul, Estados Unidos e Japao? Para responder a questao, bem como compreender melhor os enunciados das noticias, precisamos recorrer ao seu contexto socio-historico e ideologico.

O contexto socio-historico e ideologico dos enunciados que compoem as noticias nao e recente, mas remonta ao periodo posterior a Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a divisao da peninsula coreana em dois paises. A Guerra das Coreias foi um conflito que tinha como objetivo a reunificacao dos dois paises, durante a Guerra Fria, e o antagonismo entre os blocos capitalistas e socialistas. (GUERRA ..., 2013)

Essa historia tem inicio com a vitoria dos Aliados na II Guerra Mundial em 1945, quando termina tambem o dominio colonial de 35 anos do Japao na Coreia, na epoca, ainda um unico pais. Durante o processo de ocupacao das areas tomadas pelo Japao, um ex-aliado nazista, os Estados Unidos ocuparam o sul da peninsula Coreana, enquanto a Uniao Sovietica estabeleceu suas tropas ao norte. A ocupacao, ocorrida em 1948, levou a fragmentacao da peninsula em dois paises antagonicos. (ENTENDA ..., 2010)

Inspirados pela revolucao comunista na China, em 1949, os norte-coreanos decidiram, um ano depois, tentar reunificar as Coreias, por meio de uma declaracao de guerra ao Sul (ENTENDA ..., 2010). Com a recusa do ditador Kim Il-Sung de retirar as suas tropas do solo sul-coreano, as Nacoes Unidas enviaram ajuda a Coreia do Sul. Uma vez instalado o conflito, os Estados Unidos resolveram reunificar a Coreia sob um unico governo proocidente, tomando a capital do norte, Pyongyang, o que fez com que a China entrasse na briga e reconquistasse a capital do norte, em 04 de dezembro do mesmo ano. O conflito assumiu, entao, uma maior proporcao, ao ponto de o presidente Truman cogitar a possibilidade do uso de uma bomba atomica. (MUTO, 2010)

Em 1951, os lideres chegaram a conclusao de que a guerra havia ido longe demais; porem, so em 27 de julho de 1953, o conflito acabou e um armisticio de nao agressao foi assinado. Nele foram estabelecidos os limites da fronteira entre os dois paises no paralelo 38 e a criacao da 'zona desmilitarizada'. (MUTO, 2010)

A partir de 1948, a Coreia do Norte foi comandada pelo militar Kim Il-Sung. Em 1994, o general passou o controle do pais ao filho: Kim Jong-Il que tem como seu sucessor, Kim Jong-Un, filho mais novo do ditador.

A partir do contexto socio-historico e ideologico, podemos agora responder a pergunta que fizemos no inicio deste topico: os EUA lideraram os aliados na Guerra da Coreia, em uma missao de nao deixar que o comunismo se espalhasse para outros territorios, pois viam nesse regime uma ameaca a liberdade e a paz. O ressentimento em relacao a dominacao pelo Japao que durou 35 anos e o apoio que o pais teria dado as sansoes da ONU corroboram as ameacas ao pais. Outra razao que levou a Coreia do Sul a se tornar alvo de ameacas foi o desejo da Coreia do Norte de reunificar os dois paises.

O dialogismo nas noticias

Bakhtin (1992) postula que todo discurso e constituido pelo discurso alheio. Na composicao do genero noticia, o jornalista utiliza o discurso de outrem, o discurso citado, para assegurar a veracidade, autenticidade e credibilidade dos fatos narrados. O discurso citado, tambem objeto de estudo de Bakhtin (1992), nao sera aqui discutido, tendo em vista nao ser o nosso objetivo evidenciar as estrategias de citacao como efeito estilistico, e sim analisar o dialogo que se estabelece entre os enunciados, os discursos e as posicoes avaliativas inerentes a eles.

Passemos, entao, a analise do recorte discursivo abaixo, retirado da noticia 01.

(1)'Pouco importa o que digam os outros, continuaremos exercendo nosso direito de lancar satelites', declarou um porta-voz do ministerio das Relacoes Exteriores da Coreia do Norte.

Aqui percebemos que o discurso do outro, nesse caso, da Coreia do Norte, possui marcas autorais explicitas, identificadas pelas aspas e pelo sintagma verbal 'declarar'. A afirmacao de 'direito' legitimo nos remete ao discurso da Declaracao dos Direitos Humanos que assegura direitos iguais a todos. Portanto, se os EUA possuem armas nucleares, a

Coreia do Norte se ve no direito de tambem possui-las, alegando ser para fins pacificos, uma possibilidade prevista no Tratado de Nao Proliferacao de Armas Nucleares. O discurso do outro, nesse caso, do Tratado, e utilizado pela Coreia do Norte como base legal, conforme vemos em outro recorte discursivo da mesma noticia:

(2) A Coreia do Norte reafirmou nesta quarta-feira seu 'direito legitimo' de lancar foguetes com fins civis e que continuara com seu programa espacial, apesar das sancoes do Conselho de Seguranca das Nacoes Unidas e das criticas de nacoes ocidentais e orientais.

Nesse enunciado, o discurso das nacoes ocidentais e orientais, materializado na forma de criticas, e uma atitude responsiva ao discurso nortecoreano, indicando incerteza quanto aos fins anunciados pela Coreia do Norte. O discurso das nacoes ocidentais e orientais nao intimida a Coreia do Norte, visto que o pais da continuidade ao seu programa de fabricacao de armas nucleares.

Em outro recorte discursivo da noticia 01, o discurso citado novamente e utilizado como fonte para a noticia, a do porta-voz do Conselho de Seguranca Nacional dos EUA. Nele o autor retoma o discurso do tratado da ONU, o discurso das resolucoes da ONU, conforme segue:

(3) "O lancamento de hoje e um ato muito provocativo que ameaca a seguranca da regiao, viola diretamente as resolucoes 1718 e 1874 do Conselho de Seguranca das Nacoes Unidas, infringe as obrigacoes internacionais da Coreia do Norte e mina os esforcos globais de nao proliferacao", afirma em um comunicado o porta-voz do Conselho de Seguranca Nacional, Tommy Vietor.

A retomada de um enunciado e vista por Bakhtin como evidencia de responsividade. Para o autor,

[...] cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes [...]: ele os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta [...] (BAKHTIN, 2003, p. 297).

Dessa forma, a retomada do discurso da ONU e utilizada como base para a refutacao dos argumentos dos norte-coreanos.

Prevendo que o leitor da noticia possa querer saber acerca do conteudo das resolucoes do Conselho de Seguranca da ONU, o jornalista tambem age responsivamente, acrescentando, mais adiante, o enunciado que proibe atividade balistica ou nuclear pela Coreia do Norte:

(4) As resolucoes 1718 e 1874 das Nacoes Unidas proibem a Coreia do Norte de qualquer atividade balistica ou nuclear.

A ONU nao se omite diante da ameaca a paz mundial, mas seu discurso, enderecado a Coreia do Norte, nao e cumprido pelo pais.

A voz do outro tambem pode ser observada no recorte enunciativo abaixo, retirado da noticia 03, no qual o jornalista utiliza-se do discurso tecnologico militar para explicar a funcao dos antimisseis Terra e Ar, colocados de prontidao pelo Japao, perante a possibilidade de realizacao de novos testes de misseis pela Coreia do Norte.

(5) Esses sistemas instalados na capital serviriam para derrubar projeteis no caso de um hipotetico ataque escapar dos destroieres que o Japao tem localizados no Mar do Japao.

Esse tipo de informacao tecnica nao procede do jornalista, mas de uma autoridade no assunto, a quem ele recorre para explicitar o que nao domina, visando dar esclarecimento ao leitor.

Em outro recorte enunciativo da noticia 03, observamos o dialogo que se estabelece entre o genero noticia e o genero editorial, haja vista a identificacao da fonte do discurso:

(6) Em um editorial publicado pelo jornal 'Rodong Sinmundo', pertencente ao partido unico nortecoreano, o regime ameaca causar a 'destruicao' do Japao se esse pais agir politicamente contra a Coreia do Norte, em um momento de elevada tensao na Peninsula Coreana pelas continuas ameacas belicas norte-coreanas a Estados Unidos e Coreia do Sul.

Observemos que os recursos linguisticos utilizados em 'continuas ameacas belicas' expressam a tematica do discurso norte-coreano e se referem a outras ameacas feitas aos EUA e a Coreia do Sul, divulgadas na midia em um passado recente; uma evidencia, portanto, de um dialogo da noticia com outras noticias anteriores. Alem disso, nesse trecho, fica evidente o discurso do outro, assimilado e internalizado pelos norte-coreanos, ou seja, o discurso dos americanos acerca da retorica belicista apregoada pelo Presidente Truman, durante a guerra das Coreias. A Coreia do Norte, desde o fim do conflito com a Coreia do Sul, vem desenvolvendo um programa de armas nucleares e, por isso, sofre varias sancoes da ONU. A assimilacao da retorica belicista mostra-se, portanto, como uma evidencia de responsividade dos norte-coreanos, em relacao ao seu inimigo maximo: os EUA.

No recorte discursivo da noticia 04, destacado a seguir, o enunciador, o exercito norte-coreano, utiliza, em sua ameaca, outro recurso expressivo 'mar de chamas'--, que faz alusao ao discurso popular 'mar de rosas', remetendo a oposicao semantica entre as lexias 'guerra' e 'paz'. A utilizacao desse recurso expressivo nao se da a toa: as ameacas da Coreia do Norte sao sempre marcadas por vocabulos alusivos a guerra:

(7) O Exercito norte-coreano acrescentou que, se os aliados respondessem ao contra-ataque citado, usaria 'todas as forcas de artilharia', o que, segundo menciona a nota, 'transformaria as cinco ilhas sulcoreanas do mar do Oeste (mar Amarelo) em um mar de chamas'.

Bakhtin (2003, p. 295) assegura que todo enunciado e repleto de palavras dos outros, com um
   [...] grau vario de alteridade ou assimilabilidade, de
   certo grau vario de aperceptibilidade e de relevancia.
   Essas palavras dos outros trazem consigo a sua
   expressao, o seu tom valorativo que assimilamos,
   reelaboramos e reacentuamos.


A reacentuacao presente na expressao 'mar em chamas' evidencia um tom valorativo, conforme a teoria de Bakhtin.

Da mesma maneira, no recorte discursivo retirado da noticia 02, o discurso enderecado a Coreia do Sul revela a imagem que os nortecoreanos possuem em relacao aos seus vizinhos:

(8) O aviso desta sexta-feira foi feito por um comunicado do Comite para a Reunificacao Pacifica da Patria, divulgado pela agencia oficial KCNA. 'Se o grupo de fantoches traidores tomar parte direta nas 'sancoes' da ONU', a Coreia do Norte tomara fortes medidas fisicas contra elas, diz o documento, se referindo ao governo sul-coreano. 'Sancoes' significam guerra e uma declaracao de guerra contra nos', acrescenta.

A expressao 'fantoches traidores' somente pode ser entendida em sua essencia, se interpretada num contexto enunciativo, pois exprime um tom valorativo de indignacao e desprezo aos sul coreanos, povo com quem, no passado, formavam uma so nacao, acusados de serem manipulados pelos EUA.

Destacamos que, em todas as noticias analisadas, os vocabulos 'comunistas' e 'aliados' que, em sua genese, ja sao ideologicos, empregados durante a Segunda Guerra Mundial, reaparecem nesse contexto, evidenciando a dialogia entre os enunciados, conforme a noticia 02:

(9) Alem disso, o regime comunista reiterou que reagira as 'provocacoes' dos dois aliados com 'imediatos golpes de represalia' e 'uma grande guerra para a reunificacao nacional'.

A Coreia e um pais socialista, mas tachado de comunista pelos aliados, ou seja, os paises que apoiam as sancoes da ONU. Na ideologia marxista, o socialismo e uma fase anterior ao comunismo. Se analisarmos bem, perceberemos que a Coreia do Norte nao se enquadra em nenhuma dessas ideologias.

Pela analise realizada ate agora, procuramos mostrar que os recortes enunciativos aqui analisados indicam a dialogia na genese dos enunciados. No entanto, podemos evidenciar tambem o dialogismo ocorrendo na recepcao dos discursos das noticias. Os portais de noticia geralmente disponibilizam a seus leitores um espaco para comentarios, dos quais destacamos dois, referentes a noticia 04, e que demonstram claramente a compreensao e a avaliacao do leitor aos fatos noticiados.

(10) Colecionista: O gordinho ditador da CN sabe que a vida boa dele e mantida gracas aos blefes. A hora que ele tiver que realmente disparar uma so bala acabou-se o que era doce (pra ele). Burro certamente ele nao e. Entao, fiquem tranquilos, porque infelizmente a vida boa dele vai continuar, enquanto seus compatriotas morrem de fome. (nao e mesmo PC do B?)

(11) Belobelao: ja tenho feito comentarios sobre o conflito ... a verdade sempre vem a tona ... quem provoca e os eua ... a coreia do norte somente se resguarda de uma possivel invasao dos eua e aliados, ja que em tempos passados vem fazendo ameacas..o que vem por traz disso nao se sabe, mas interesses sempre existe. essas manobras de exercicios militares que fazem com os sul-coreano e um preparativo para invasao surpresa que estao armando..a coreia do norte jamais atacaria pois e suicidio, mas e poderosa em se proteger.

O comentario do internauta Colecionador mostra que ele possui uma imagem de playboy do ditador norte-coreano, em um dialogo com outras noticias que divulgaram a vida de Kim Jong-Un. O Colecionador nao acredita que Kim Jong-Un represente um perigo ao mundo, embora o considere uma pessoa esperta, acreditando que suas ameacas sejam calcadas no blefe.

Ja o internauta Belobelao posiciona-se a favor dos norte-coreanos. Para ele, os EUA sao os provocadores, em alusao ao discurso imperialista norte-americano, outra evidencia do dialogismo entre os discursos. Embora nao saiba identificar qual o interesse especifico dos americanos no pais, o internauta Belobelao chega a conclusao de que a Coreia do Norte nao possui armamento belico para fazer frente aos EUA.

Consideracoes finais

O proposito deste artigo foi analisar os aspectos dialogicos da linguagem, suas relacoes de alteridade e posicoes responsivas presentes nos enunciados que compoem o genero noticia, visando mostrar que os conceitos da teoria dialogica de Bakhtin se aplicam tanto a genese quanto a recepcao do texto, o que significa dizer que tanto o autor quanto o leitor sao participantes ativos na producao de sentidos, o que nos faz repensar o ensino de linguas na escola.

Pela analise aqui realizada, acreditamos que a proposta bakhtiniana pode contribuir para superar a visao ingenua de aprendizagem que desconsidera a linguagem em uso como objeto de estudo e que se fundamenta em uma visao de passividade do leitor na construcao de sentidos. Embora as propostas curriculares para o ensino de linguas no Brasil e no Estado do Parana recomendem compreender o processo de constituicao e funcionamento dos generos orais e escritos no campo das relacoes sociais, as praticas em sala de aula ainda falham em nao propor encaminhamentos metodologicos que considerem o papel do professor e do aluno no trabalho com o texto, como participantes que negociam e interagem na compreensao dos discursos. Ao tratar os alunos como meros receptores de textos e os professores como detentores dos saberes, negamos a eles o direito de dialogar, de manifestar sua responsividade.

Acreditamos que uma proposta que leve em consideracao a interacao entre o texto e os participantes do processo ensino-aprendizagem deva contemplar o questionamento. Questionar o texto significa nao ser submisso as ideias do autor, mas construir significado na interacao com ele e com o texto, a partir das proprias experiencias, fazer julgamentos e avaliacoes, posicionar-se com argumentos fundamentados, isto e, ser critico.

Para tanto, o professor de linguas desempenha um papel fundamental nessa proposta, uma vez que e ele quem conduz o fio do processo ensinoaprendizagem. Numa concepcao dialogica, a compreensao do texto deve ser construida de forma colaborativa por meio de debates ou conversas, e nao apenas por meio de perguntas previamente selecionadas pelo professor que visem apenas a checagem e revisao de informacao. A checagem e revisao de informacao nao devem, entao, ocupar lugar privilegiado no ensino de linguas, mas devem servir apenas como meio para se estabelecer o topico ou o conteudo tematico para discussao.

No processo de compreensao do texto em sala de aula, professor e alunos interagem com as ideias do autor, negociando e determinando o discurso, conjuntamente. Isso significa que o professor incorpora as ideias dos alunos, formulando, a partir delas, novas perguntas, instigando-os a pensar, a ter voz na escola e a assumir um papel ativo em sua aprendizagem.

Uma abordagem de questionamento requer que o professor trabalhe em sala de aula diferentes textos do mesmo genero e ate mesmo de generos diferentes, orais ou escritos, que versem acerca do mesmo conteudo tematico, ja antecipando que alguns alunos necessitam ampliar sua visao de mundo. Esse tipo de atividade tambem contribui para que os alunos formulem as proprias ideias e conceitos, a partir da comparacao e do contraste entre os discursos. Pela comparacao e pelo contraste, o professor pode ir explicitando as relacoes dialogicas entre os enunciados dos textos de um mesmo genero ou de generos diferentes.

Acreditamos que um ponto central, na introducao de uma abordagem de questionamento, diz respeito a qualidade das questoes a serem enderecadas aos alunos quando da elaboracao de atividades de leitura, o que pode ser um desafio para muitos, uma vez que os cursos de formacao continuada, historicamente, nao comtemplam esse tipo de conhecimento. Isso nao significa que o proprio professor nao possa ir em busca de leituras que o ajudem a melhorar sua atuacao em sala de aula.

Concluimos que a teoria bakhtiniana, aliada a uma abordagem de questionamento, pode permitir aos professores de linguas ultrapassar as simples questoes de compreensao de texto, explorar as conviccoes dos alunos, promover o dialogo entre os pares, entre os textos e entre os enunciados, contribuindo para um ensino mais significativo.

Doi: 10.4025/actascilangcult.v37i4.25028

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Received on September 23, 2014.

Accepted on April 6, 2015.

License information: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Sonia Aparecida Lopes Benites e Dora Rosa da Silva *

Programa de Pos-graduacao em Letras, Universidade Estadual de Maringa, Av. Colombo, 5790, 87020-900, Maringa, Parana, Brasil. * Autorpara correspondencia. E-mail: dorasilva68@yahoo.com
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