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文章基本信息

  • 标题:Interpreting hegemonic themes in the electronic forro/Interpretando tematicas hegemonicas no forro eletronico.
  • 作者:Costa, Jean Henrique
  • 期刊名称:Acta Scientiarum. Language and Culture (UEM)
  • 印刷版ISSN:1983-4675
  • 出版年度:2014
  • 期号:January
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Universidade Estadual de Maringa
  • 摘要:O fato de nao podermos demonstrar com precisao como essas coisas funcionam naturalmente nao significa uma contraprova desse efeito, mas apenas que ele funciona de modo imperceptivel, muito mais sutil e refinado, sendo por isto provavelmente muito mais danoso (ADORNO, 2006, p. 88).
  • 关键词:Dance;Dancing

Interpreting hegemonic themes in the electronic forro/Interpretando tematicas hegemonicas no forro eletronico.


Costa, Jean Henrique


Introducao

O fato de nao podermos demonstrar com precisao como essas coisas funcionam naturalmente nao significa uma contraprova desse efeito, mas apenas que ele funciona de modo imperceptivel, muito mais sutil e refinado, sendo por isto provavelmente muito mais danoso (ADORNO, 2006, p. 88).

O conteudo tematico dominante das musicas de forro eletronico, em geral, utiliza-se do trinomio 'festa, amor e sexo' em suas cancoes (TROTTA, 2008; 2009a; 2009c; 2010). No tocante a festa, metalinguisticamente aponta-se para o proprio fenomeno musical do evento forrozeiro, criando uma especie de propaganda dos shows e dos ambientes criados (divulgadamente 'diferenciais'). Referente ao amor e ao sexo, o proprio dancar 'agarradinho', as letras das cancoes e o ambiente extremamente sensual promovido nos palcos favorecem a paquera e a formacao de casais, potencializando diversas possibilidades de encontros amorosos. Desta forma, novamente, segundo Trotta (2008, p. 8; 2009a, p. 109), a "[...] simbiose entre o proprio show (festa), os desejos (sexo) e os estados afetivos do casal (amor) [...]" constitui a tematica dominante das cancoes do forro eletronico. Nao obstante, reforca o autor, apesar de algumas musicas reforcarem mais um aspecto do que outro, o conjunto total do repertorio e os padroes recorrentes terminam tornando tais categorias tematicas intercambiaveis.

Alem das letras propriamente ditas, "[...] o estribilho malicioso e as intervencoes faladas [dos cantores e cantoras], com risadas e expressoes coloquiais entre os versos" (LEME, 2003, p. 97) tornam ainda mais sensuais os shows e reforcam o conteudo sexual das letras.

Certamente, o repertorio dominantemente sentimental que caracterizou o forro dos anos 1990 permanece ainda muito forte com os grupos de forro eletronico atuais, contudo, dividindo espaco com outros temas, ou seja, objetos substancialmente mais urbanizados e mais ligados aos mercados de consumo modernos. De acordo com Feitosa (2008, p. 07),

[...] sao frequentes as referencias de 'imaginarios' construidos nos simbolos de consumo desse publico (carros, equipamentos de som, bebidas alcoolicas), nas suas relacoes afetivas, ou no uso de expressoes contemporaneas.

Estes objetos nao estavam ausentes nos anos 1980 e 1990, mas a industria cultural vem reforcando-os.

Nesse sentido, o presente ensaio objetivou tecer uma analise compreensiva das tematicas dominantes no mercado musical do forro eletronico. Recorrendo, de forma plural, tanto a contribuicao da teoria critica de Theodor W. Adorno quanto aos Estudos Culturais, efetivou-se o exercicio de se perceber: a) os principais cliches e padroes tematicos do genero; b) os esquemas de significados dessas tematicas e c) algumas hipoteticas implicacoes referentes ao consumo, desembocando, portanto, na possibilidade de determinadas relacoes de dominacao serem reforcadas no (e pelo) consumo do forro eletronico.

Logo, como possibilidade estrutural de analise, e mister tornar compreensivel saber em que medida o forro eletronico atualmente hegemonico, essencialmente no Nordeste, serve para estabelecer e sustentar relacoes de dominacao nos contextos sociais em que e produzido, transmitido e recebido. Esse e o intento maior deste escrito que, embora preliminar, ja ilustra uma primeira exploracao no campo empirico do forro eletronico a partir da conjuncao teorica entre Theodor Adorno e os Estudos Culturais. Trata-se essencialmente de um ensaio mais provocativo do que substancialmente concreto do ponto de vista do rigor empirico.

Padroes e cliches tematicos

'Abra a Mala e Solte o Som'

Em muitas letras de forro eletronico tem sido significativamente substancial a alusao, por exemplo, aos chamativos 'paredoes de som' em automoveis que, hoje em dia no Rio Grande do Norte, sao marcas distintivas em muitas festas e cidades, alem de divulgados em varias cancoes de sucesso. A listagem das musicas abaixo e prova desse fascinio pela sub-triade 'festa, automovel e aparelhagem de som'. Trata-se de cinco dentre muitas outras cancoes que expressam indicios da representacao de um mercado de consumo conspicuo, conforme denominou Thorstein Veblen (1988), isto e, um consumo que corresponde cada vez mais, relacionalmente, a busca por status. Para ele, "[...] nenhuma classe da sociedade, nem mesmo a mais abjetamente pobre, abre mao da totalidade do consumo conspicuo costumeiro [...]", pois, "[...] o consumo de bens valiosos e um instrumento de respeitabilidade" (VEBLEN, 1988, p. 38-42). As cancoes que deliberadamente enfocam o consumo dos 'paredoes de som' em automoveis sao sinais muito intensos dessa tendencia conspicua, ou seja, dessa necessidade demasiada de evidencia, justamente em realidades na qual o capital economico e forte indutor de prestigio. Os trechos das cinco letras abaixo exemplificam tal extase pelos pujantes sons automotivos:

Playboy da vez: [...] To sempre com meu carro na maior animacao. So ando com a galera porque eu sou da curticao. O som ta nas alturas, meu som e paredao. Meu som e estourado, vou fazer tremer o chao [...]

Playzinho: [...] Mas nao tem jeito nao, eu solto o meu sonzao. Se liga ai galera e pura curticao. Vou sair pra beber ate o amanhecer. Eu tenho o meu estilo de badalacao ... Sou feliz assim, me chamam de 'playzim'. Meu carro e 'tunado', ta beijando o chao. Cheio de mulher, vou pra onde eu quiser. Comecou a festa no meu paredao [...].

Carro de playboy: [...] Sente o som, olha o 'pancadao'. Carro de playboy e a nova sensacao. Eu to de 'role' com a mulherada. Eu to pegando todas nao quero saber de nada. Som e DVD, toca o que quiser. Carro de playboy ta lotado de mulher. E cabare, cabare, cabare. Carro de playboy, ta lotado de mulher [...].

Estilo namorador: [...] Aonde eu chego, a mulherada encosta. Eu ligo o som do paredao e a galera gosta. To badalado, to pipocado (pow! pow!). Eu sou estilo, estilo desmantelado [...].

Liguei meu paredao: Parei meu carrao lotado de menina. Liguei meu paredao no posto de gasolina. Botei o CD que a mulherada gosta. Que swing e esse que essa banda toca. Que swing e esse que essa banda toca e quando bota o cd a mulherada encosta [...](LETRAS.MUS, 2012a) (1).

Nessa representacao conspicua, o "[...] sujeito desloca a sua afetividade das pessoas para objetos" (PEREIRA NETO et al., 2010, p. 8). Logo, as maquinas passam a ser fortes fontes de identificacao, exaltando os sentimentos de poder e autossuficiencia. Entrementes, o que tem importado

[...] e a aparencia das pessoas, e nao o que elas sao. A ideia de que tudo e um meio para um fim acaba com qualquer vestigio de coisas que existem por si mesmas (ADORNO, 2008, p. 122).

Sincronico ao tema do 'paredao de som', e importante realcar tambem seus artificios simbioticos, isto e, farras, conquistas amorosas, aquisicao de bebidas alcoolicas em postos de gasolina (2), cabares (bordeis) e, estrategicamente, a autopromocao das bandas de forro. Esses temas, produzidos para um publico numericamente dilatado, sao condicionados 'pelo' e condicionantes 'do' contexto musical dominante. Assim, dentre os lamentos amorosos, a exaltacao da virilidade (3) (expressa pelo tipico homem namorador e festeiro), a propria valorizacao do forro como espaco distintivo de diversao; o incentivo ao consumo de bebidas alcoolicas, a busca incessante por acometidas sexuais e a apologia a determinados padroes de consumo e muitas letras de forro eletronico, atualmente em sucesso, veiculam uma concepcao de mundo que cria, ate certo ponto distante de qualquer hedonismo, tambem certos valores e representacoes sociais. Novamente conforme Trotta (2009a), o publico jovem

[...] tambem se identifica e frequenta com assiduidade as apresentacoes de forro eletronico, absorvendo elementos identitarios e construindo estrategias de pertencimento atraves dos valores, pensamentos e perfil ideologico do forro (TROTTA, 2009a, p. 112).

Do mesmo modo,

[...] possivelmente nesses locais, o imaginario da juventude e o trinomio festa-amor-sexo prevalecam nas estrategias de construcao de sentido e nos fluxos de interpretacoes e de gosto musical (TROTTA, 2009a, p. 112).

Evidentemente, o fenomeno Luiz Gonzaga (figura instituidora do baiao/forro nos anos 1940) ja nao se insere modernamente nas paisagens forrozeiras atuais. Do velho Gonzagao basicamente homenagens lhe restaram. O ambiente nem e mais rural, nem sofrido pela seca--alias, os jovens nascidos e educados nas capitais e cidades medias nunca conheceram uma 'seca'. Nesse sentido, as letras atuais obedecem mais a uma logica de consumo moderno do que a demandas por uma 'terra' que, em si, nao e almejada e que so existe no saudosismo. Gonzagao funciona mais como um simbolo do genero, principalmente para certos setores populares que escutam fundamentalmente os hits mais atuais da semana passada. Para os que ascenderam socialmente no Nordeste, Gonzagao poderia significar muita coisa: saudosismo, memoria, status por nao se render ao forro eletronico, parametro de comparacao estetica etc. As possibilidades de uso sao diversas, mas, de toda forma, nao existe em plenitude consumo de massa do velho Lua num contexto em que todo dia diversos hits de forro nascem e morrem pelas radios e carrinhos de Cds piratas. O forrozao estilo 'risca a faca' e 'lapada na rachada', para uma populacao semiformada (conceito adorniano de Halbbildung) e que tem seu tempo livre preenchido ora pela industria cultural, ora por mais trabalho, termina sendo hegemonico. A competicao e desigualmente assimetrica para Luiz Gonzaga. O Assum preto gonzagueano, nesse sentido, bateu asas e voou.

O publico gonzagueano de decadas passadas em sua plenitude mudou fundamentalmente: muitos dos emigrantes nordestinos ja se adaptaram ao Centro-Sul por meio de outros modus operandi e/ou ja retornaram. Os que nunca sairam do Nordeste desejam fundamentalmente nao ter que passar pelos espinhos da 'macambira'. Destarte, o capitalismo ja se encarregou de alterar tal dinamica e mudar padroes de consumo. Como afirma David Harvey: "[...] para onde quer que va o capitalismo, seu aparato ilusorio, seus fetichismos e o seu sistema de espelhos nao demoram a acompanha-lo" (HARVEY, 1994, p. 308).

Logo, a aridez da caatinga e os aboios dos vaqueiros foram substituidos pela frieza do asfalto e pelo som eletronico das pistas de danca. Evidentemente, trata-se de um mundo vivido em dissolucao que se deve tanto a fatores da propria modernizacao, quanto as novas sensibilidades dos atores sociais que colocam em marcha a recepcao desse novo mundo e seus novos (e redefinidos significados).

Se nos anos 1990 muitas bandas de forro eletronico 'ainda' cantavam algumas durezas do sertao e tematicas do cotidiano nordestino, tal como o exemplo abaixo, era porque ainda havia uma autonecessidade de afirmacao. Com certo desprendimento, as bandas que atualmente fazem sucesso dentre o grande publico praticamente desampararam (das gravacoes) (4) os temas regionais. O 'suor do meio dia', o 'gole da cabaca', o 'querosene da cozinha' e 'a seca e a enchente' ja nao fazem mais parte do chavao forrozeiro-eletronico do seculo XXI.
   'Meio Dia'--Mastruz com Leite
   Luis Fidelis e Danilo Lopes
   Escorro o suor do meio dia
   Assobiando a melodia
   Eu tento saciar
   Com o gole da cabaca
   Passa a sede, mas nao passa
   O jejum o jejum ha
   O sol esquenta minha cabeca
   Vixe Maria nao se esqueca
   Tambem de esquentar
   Com seus beijos minha vida
   E o sobejo da comida
   Que sobrou do jantar
   Joao acabou-se a farinha
   E o querosene da cozinha
   No feijao 'gurgui' ja deu
   Pai traz um vestido de chita
   Que eu quero ficar bonita
   Bonita que nem um mateu
   Tenha paciencia minha gente
   Foi a seca e a enchente
   E o culpado nao sou eu. (LETRAS.MUS, 2012b).


Assim, sobretudo apos o final dos anos 1990, as cancoes passam a falar com mais concretude--com certa dominancia--, conforme ja lembrado, de amor, sexo e festa, e suas letras, via de regra, obedecem a tres criterios basicos:

a) tematicas que exploram acentuadamente a diversao e as relacoes intimo-pessoais;

b) estruturas internas de grande simplicidade conceitual, objetivando evitar temas confusos e/ou incompreensiveis;

c) reprodutibilidade dos hits da moda: o que esta dando certo tem que ser copiado.

Destarte, como a maioria dos generos musicais populares, o forro possui, consequentemente, significativa padronizacao tematica de suas cancoes, o que resulta em forte previsibilidade nas letras das cancoes e forte estandardizacao do material sonoro: o sucesso copia o sucesso, ciclicamente.

O fermento de uma 'sociabilidade etilica'

Para alem da condenacao de uma possivel falta de imaginacao artistica, interessa, por conseguinte, destacar que nao se produz determinada musica acreditando plenamente que se esta criando uma perola de tempos idos, mas sim, um produto para agradar em um mercado competitivo muito paradoxal: deve-se ser igual e diferente concomitantemente. Dai que se deve agradar ao publico renovando sempre com cancoes que "[...] evocam um mundo imaginario bem conhecido" (HOGGART, 1973b, p. 59).

As tematicas hegemonicas no forro eletronico hoje, que tem como nomes de grande destaque bandas como 'Avioes do Forro' e 'Garota Safada', por exemplo, apresentam exatamente esse mundo da diversao e das investidas amorosas, regado por musicas basicamente encaixadas na caracterizacao acima realizada: amor, sexo, festa e suas possiveis concatenacoes para o entretenimento de massa.

Segundo Trotta e Monteiro (2008, p. 9-10),
   [...] danca, festa, desilusoes amorosas, encontros
   sexuais [...] e bebida formam um conjunto de
   tematicas que constroem o ambiente afetivo do forro
   eletronico enderecado aos jovens em festa.


Prontamente, considerando que algumas cancoes podem ser modelos exemplares de representacao da reflexao acima, uma letra que pode expressar a tematica da valorizacao do trinomio 'show-festabebedeira' e, por exemplo, a letra de 'Eu vou curtir a vida' interpretada pela banda 'Garota Safada':
   Eu Vou Curtir A Vida--Garota Safada
   Eu to chegando
   Fazendo aquela badalacao
   Bebendo tudo
   Zuando com meu carro e o som ta detonando
   Eu vou curtir a vida
   Hoje eu quero ficar bebo com 14 raparigas ...
   Quando eu chego no forro
   A mulherada encosta
   Ligo o som do paredao
   E todo mundo gosta
   Eu sou cabra desmantelado o bom da vida e viver
   Por isso que nao vivo sem beber...
   Eu viro quatro noites
   Biritando por ai
   A procura de gatas
   Pra poder me divertir
   Junto com os amigos
   Vou fazer tremer o chao
   Se liga ai galera
   Hoje vai ter curticao [...] (LETRAS.MUS, 2012a).


O ideal de uma vida festeira e de intenso entretenimento tem sido acentuadamente trabalhado pela industria cultural. Nas palavras de Hoggart (1973b, p. 53), "[...] todos os processos de divertir o publico sao considerados validos". Assim, conforme a letra acima, 'juntar os amigos; com quatorze raparigas; bebendo tudo ate o amanhecer; num carro tunado; fazendo tremer o chao', expressa todo esse imaginario de estilo de vida.

No forro eletronico tem sido forte a vinculacao da diversao a todo custo com a nocao de felicidade. Parte expressiva das cancoes de maior sucesso veicula a ideia de que a verdadeira felicidade acontece 'no meio da putaria', ou seja, nos momentos de encontros com os amigos nas festas de forro--consumindo bebida alcoolica--, nos relacionamentos 'amorosos' sem nenhum compromisso e nos momentos em que o sujeito se entrega totalmente a diversao (PEREIRA NETO et al., 2010, p. 09). Dai que as musicas transmitem a representacao de que o consumo de determinados produtos, tais como cervejas, uisques, carros 'tunados' etc, alem da sucessao desenfreada de dias festivos, e o pleno caminho para a felicidade. Portanto, no forro eletronico "[...] encontra-se, sobretudo, o conselho monotonamente reiterado: 'seja feliz'" (ADORNO, 2008, p. 104).

Vale enfatizar que a "[...] propria sexualidade e dessexualizada ao se tornar divertida" (ADORNO, 2008, p. 105). Para a industria cultural, tudo tem que ser divertido, ate mesmo a vida intimo-pessoal. Nao e por acaso que as relacoes sexuais sao tao exploradas pelas cancoes de maior apelo comercial a ponto de se tornarem coisificadas a maneira de cliches industriais.

Em via de mao unica com a apologia da diversao sem freios, vem o consumo de bebidas alcoolicas. A defesa do consumo de bebidas etilicas e, dentro de algumas sociedades, marca de virilidade. Como oportunamente destaca Veblen (1988, p. 36), inclusive as "[...] enfermidades provenientes de seu abuso entre muitos povos sao tidas como atributos de masculinidade". No forro eletronico, seja nas letras de muitas cancoes, seja na propria dinamica das festas, tem se tornado frequente a ocorrencia desse tipo de equacao 'homem + alcool = virilidade'. Todo um modelo de sociabilidade etilica e proposto por muitas musicas, alem do proprio ambiente do show que coopera bastante com tal investimento. Logo, a formula do 'bebendo tudo' parece vir se divulgando fortemente pelas maos do forro eletronico. O consumo desses produtos passa, certamente, pela reproducao do capital. Ha toda uma estrutura de comercializacao de bebidas ligadas ao forro, o que demonstra o carater empresarial dessa cultura festiva. Nao se consome simplesmente por tradicao ou por preferencia pessoal, mas pelos caprichos dos produtores industriais do 'prazer' alcoolico.

'Amor x Obstaculo = Amor'

Prosseguindo na descricao, uma letra que pode exemplificar a tematica das conquistas e dos lamentos amorosos e a moda de caso tipico-ideal, 'Tentativas em vao' (LETRAS.MUS, 2012a):
   Tentativas em Vao--Garota Safada
   Se eu soubesse o que fazer pra tirar voce da minha
   cabeca
   Um lado diz que quer ficar com voce, o outro diz
   esqueca
   Mas acontece que o meu coracao nao e de papel
   A chuva molha e as palavras se apagam
   A minha mente gira feito um carrossel
   Tentando buscar a saida
   Pra tirar voce da minha vida
   Tentativas em vao, tentar tirar voce do coracao
   Igual querer viver sem respirar
   E como querer apagar a chama de um vulcao
   (LETRAS.MUS, 2012a).


O apego aos temas sentimentais e comum na musica popular e no forro eletronico nao seria diferente. De acordo com Hoggart (1973a, p. 197),
   [...] a maioria das cancoes mais apreciadas sao
   cancoes sentimentais, tristes e nostalgicas [...] e a
   afirmacao e muito pertinente, em relacao a muitas
   outras pessoas que nao apenas as das classes
   proletarias.


Esse carater sentimental nao e fenomeno recente, como poderia alegar algum critico cultural conservador. Para Adorno,

[...] o fascinio da cancao da moda, do que e melodioso, e de todas as variantes da banalidade, exerce a sua influencia desde o periodo inicial da burguesia (ADORNO, 1991, p. 83).

Dai que a incapacidade de amar no mundo administrado (verwaltete Welt) e o paradoxal desejo de amor enchem, diariamente, as paradas de sucesso com as cancoes de cunho afetuoso.

Regadas por uma boa carga de previsibilidade musical e de conteudo, as musicas sentimentais do forro eletronico oscilam fundamentalmente entre a dimensao do entretenimento de massa e a extensao emocional. Nada mais inteligente a ser pensando pelos propagandistas da industria fonografica, isto e, o apelo a diversao e ao amor numa populacao que, de fato, torce ansiosamente pelo amor e pela diversao em suas vidas:

[...] a deficiencia de amor, repito, e uma deficiencia de todas as pessoas, sem excecao [...], pois as pessoas que devemos amar sao elas proprias incapazes de amar e por isto nem sao tao amaveis assim (ADORNO, 2006, p. 134-135).

Deste modo, vende-se o pao muito barato a quem tem fome em demasia.

As musicas de cunho sentimental sao, de fato, bastante tradicionais no forro eletronico, fruto direto do legado das primeiras bandas surgidas no inicio da decada de 1990. Suas letras, muito semelhante as 'fotonovelas' (HABERT, 1974), dao conselhos sentimentais para o seu publico, ao mesmo tempo em que oferece a perspectiva de integracao num cenario urbano-consumidor, integrando os usuarios tambem no conformismo.

Os temas presentes no forro eletronico ate apresentam alguma variacao, mas como terminam todos com o mesmo pano de fundo afetuoso 'festaamor-sexo', acabam por ter a padronizacao como marca. Novamente a maneira da fotonovela, com linguagem clara e simples, de modo a evitar conflitos de interpretacao, a equacao 'amor x obstaculo = amor' se torna o esquema basico das cancoes (HABERT, 1974, p. 96). Trata-se, pois, de um objeto padronizado que oferece um mundo eterno, equilibrado e sem conflitos. O exemplo acima e categorico nesse sentido. "Um lado diz que quer ficar com voce, o outro diz esqueca [...]", trecho da musica 'Tentativas em Vao' (LETRAS.MUS, 2012a), expressa os dois lados desse carater melodioso, ou seja, o lamento de quem sofre e o positivo estado apaixonado de quem ama. Dessas duas situacoes, praticamente pouca possibilidade existe de desvio nas letras sentimentais. A previsibilidade sentimental da cancao ja esta dada antes mesmo de sua composicao. No mais, a unica complexidade que ha e o fato de nao existir complexidade. O nominado 'amor' se entrega ao esquema da industria cultural em uma versao muito artificial. Contudo,

[...] aparentemente se ensena a los espectadores teorias sobre como se debe amar, sin preocuparse por la cuestion de si tal cosa puede ensenarse [...] (ADORNO, 1969, p. 86).

Hoggart (1973a) ressalta que e evidente que essas cancoes estandardizadas e simples obedecem a um numero muito 'restrito de convencoes fixas'. Todavia, complementa que essa caracteristica nao e uma simples consequencia da pobreza de imaginacao dos autores: as cancoes sao, de fato, escritas dessa maneira. Sao cancoes deliberadamente feitas deste modo, procurando apresentar ao

[...] ouvinte um padrao de emocoes ja conhecidas; nao pretendem ser originais, mas antes estruturas de sinais convencionais referentes a determinado dominio emocional (HOGGART, 1973a, p. 195).

'So Fazendo Love [...]': cultura, sexo e poder

Dando continuidade, outra categoria tematica muito presente no forro eletronico e aquela fundamentada na insinuacao ao sexo--de duplo sentido ou nao--, ficando por conta de musicas como, por exemplo, 'Lapada na Rachada' (LETRAS.MUS, 2012c):
   Lapada na Rachada--Saia Rodada
   Toma gostosa lapada na 'rachada'
   Voce pede e eu te dou, lapada na rachada
   E ai, ta gostoso? lapada na rachadaaaaaaaa ....
   Toma, toma, tomaa ...
   Pense numa 'mina' linda, a danada enlouqueceu
   A macharada ficou louca quando ela apareceu
   Um sorriso envolvente, um jeitinho sensual
   Pra acabar de completar, deu mole no final
   Juro nao acreditava no que estava acontecendo
   Sorria e me olhava e o clima foi crescendo
   Fui direto ao assunto e nao pude acreditar
   Chegou no meu ouvido e comecou a falar
   Vaaaaai, da tapinha na bundinhaaa, vaaaaai
   Que eu sou sua cachorrinha, vaaaaaaaai
   Fico muito assanhada, se eu pedir voce me da
   Lapada na rachada
   Vaaaai, da tapinha na bundinha, vaaaaaai
   Que eu sou sua cachorrinha, vaaaaai
   Fico muito assanhada
   Vamos da uma lapadinha?
   So se for na rachadinha
   Tooooooma gostosa, lapada na rachada ...
   Voce pede e eu te dou, lapada na rachada
   E ai, ta gostoso? lapada na rachada (LETRAS.MUS, 2012c).


A tematica do sexo e, na musica popular brasileira, historica e, ao contrario dos que pensam ser uma tendencia recente, esta nas raizes de nossa historia musical. Como enfatiza Richard Parker (1991, p. 244), ja faz parte do que significa 'ser brasileiro'. "A sensualidade e celebrada e se relaciona, no nivel mais profundo, com o que significa ser brasileiro". Dai que o pecado nao existe abaixo do equador!

Nao somente na musica, mas na sociedade em geral, a provocacao sexual vai e vem e tida como um elemento estruturante de nossa formacao cultural. Como ja destacou Gilberto Freyre (1984):
   O homem medio brasileiro nao pode deixar de ser
   sensivel a imensidade de provocacoes que o rodeiam.
   Nao tanto ao vivo, como por meio de anuncios de
   revistas ilustradas, que se vem esmerando na
   utilizacao de reproducoes coloridas de bundas nuas,
   como atrativos para uma diversidade de artigos a
   venda. Ha, no Brasil de hoje, uma enorme
   comercializacao da imagem da bunda de mulher em
   anuncios atraentes. Esteticos uns, alguns lubricos.
   Tambem se vem fazendo esse uso na televisao. E,
   sonoramente, em musicas apologeticas da beleza da
   bunda de mulher.


A vertente sexual na musica brasileira nao e fenomeno recente, conforme poderiam alegar os propagandistas da decadencia do 'gosto'. Para Monica Leme (2003, p. 28),
   Pesquisando a literatura sobre a construcao e
   consolidacao da musica popular no Brasil, constatamos
   que ao longo desse processo ha uma vertente que vem
   se rearticulando e produzindo novos significados
   conjunturais. Adotaremos o termo 'vertente maliciosa'
   para definir musicas que articulam formulas 'literarias'
   comicas, satiricas e maliciosas, associadas a generos
   musicais populares (lundu, maxixe, xote, samba etc.).
   Estes generos foram sedimentados atraves de um longo
   processo de 'mesticagem' entre caracteristicas culturais
   'populares' e 'eruditas' europeias e caracteristicas das
   culturas africanas, principalmente quanto aos aspectos
   ritmicos e de associacao entre musica e danca.


Deste modo, para Leme (2003), essa 'vertente maliciosa' da musica popular brasileira ja estava presente desde nossas primeiras modinhas (musica romantica, com fundo lirico, repleta de queixas de amores e expressao de paixoes) e lundus (musica dancante, satirica, maliciosa e critica aos costumes). A industria cultural brasileira se trama sobre esses dois principais pilares: a musica lirica, romantica (cuja matriz e a modinha oitocentista) e a musica satirica (cuja matriz e o lundu).

Voltando ao forro eletronico, nele a vertente sexual tem dado sua parcela de contribuicao ao processo de coisificacao da mulher, na medida em que a transforma em objeto, disposta a dar prazer e ser consumida, ja que "[...] hoje em dia, ate o sexo tende a assemelhar-se as relacoes de troca, ao racionalismo de dar para receber" (ADORNO; HORKHEIMER, 1978, p. 134): "Vai, da tapinha na bundinha/Que eu sou sua cachorrinha" (LETRAS.MUS, 2012c).

Como exemplo de produto atual dessa vertente maliciosa, um dos subitens mais tocados tem sido a tematica do 'cabare' (bordel). A tematica apologetica do cabare, alias, e central em muitas cancoes forrozeiras, reforcando, tambem, as desigualdades de genero, ja que: "[...] explicita a relacao conservadora com o sexo e com os papeis esperados da mulher: virtuosa para 'casar', 'profissional' para o sexo". (TROTTA, 2009c, p. 141).

Sumariando com Parker (1991, p. 250):
   [...] independentemente de classe, regiao ou outra
   circunstancia qualquer, por exemplo, as
   possibilidades abertas as mulheres, no Brasil todo,
   sao mais limitadas do que as dos homens.


Logo, as desigualdades de genero nao sao exclusivas apenas a determinados espacos, classes sociais etc. Segundo Sherry B. Ortner (1979, p. 95-98), o status secundario feminino na sociedade e uma das verdades universais, "[...] um fato pan-cultural [...] Achamos as mulheres subordinadas aos homens em todas as sociedades conhecidas". Michelle Rosaldo e Louise Lamphere (1979, p. 19) reafirmam esse argumento e completam: "[...] embora em grau e expressao a subordinacao feminina varie muito, a desigualdade dos sexos, hoje em dia, e fato universal na vida social". Franchetto (1981, p. 18), tambem ao examinar vasta bibliografia sobre o tema, aponta que "[...] uma das inquietantes evidencias com a qual as mulheres parecem defrontar-se e a regra constante de sua subordinacao ou opressao". Segato (1998), ao recapitular textos pioneiros como os de Gayle Rubin, Sherry Ortner, Nancy Chodorow, Louise Lamphere, Michelle Rosaldo, Rayna Reiter e outros, dira que e atraves (e apesar) das diferencas culturais que se descobre essa tendencia a universalidade da estrutura de genero, resultando na universalidade do genero como estrutura de dominacao.

Assim, sob a perspectiva de genero, algumas letras presentes no forro eletronico reforcam certas desigualdades. Mulheres sao, destacadamente, vistas como objetos de conquista (inclusive dentro e fora do espaco do cabare). Mesmo quando a mulher aparentemente parece ser retratada nas cancoes de forma menos desigual, ainda assim sua imagem emerge incrustada numa relacao dissimetrica. Mesmo quando aparentemente se liberta, termina se metamorfoseando em personagem acritico: "[...] eu vou sair vou pra balada, nao quero mais saber de nada, eu quero e me divertir" (LETRAS.MUS, 2012a), 'Banda Garota Safada'. Deste modo, a mulher ora cai em pseudoatividade (falsa liberdade), ora sua imagem se transforma numa representacao masculina, ao se "[...] falar com um publico feminino, como se estivesse se dirigindo a homens" (ADORNO, 2008, p. 79).

Entrementes, e evidente que "[...] pelo fato de a mulher curvar-se diante da lei da familia patriarcal, ela mesma se torna um elemento reprodutor da autoridade nesta sociedade". (HORKHEIMER, 2008, p. 231).

Prontamente,

Sob o ponto de vista (e de escuta) das relacoes de genero, e importante destacar que o forro eletronico mantem e ate mesmo acentua a distincao tradicional dos papeis masculino e feminino, reforcando um ambiente moral bastante conservador, a despeito de sua intencao e de sua atmosfera urbana e modernizante (TROTTA, 2009c, p. 140).

Deste modo, a suposta modernizacao das relacoes de genero cai ladeira abaixo em sua contrapartida conservadora, isto e, ao contribuir para a estigmatizacao do papel da mulher nas relacoes sociais: 'safada, mas aceitavel ...' O 'Homem' determina sua aceitacao, ainda que estigmatizada.

Todavia, vale destacar que nao e o forro eletronico criador fecundo de tais desigualdades. Este apenas contribui para a sua reproducao, em menor ou maior grau. Segundo Lima e Freire (2010, p. 10), o forro eletronico:
   Apropria-se de caracteristicas e estereotipos
   femininos pertencentes a cultura nordestina e da a
   eles uma nova roupagem, com o aproveitamento de
   signos antigos e criacao de novos, que explicitam
   conduta e representacao, nao publicando a fala
   feminina, ou seja, em como a mulher se ve e se
   percebe nesse cenario, cuja tematica e geralmente
   ela, com forte apelo erotico.


Assim, o tripe 'festa, amor e sexo' termina sendo masculinamente dominante no forro eletronico e suas letras mais simbioticas sao justamente aquelas representativas de sua visao de mundo predominante. A musica 'Raparigueiro Todo' (LETRAS.MUS, 2012a) significa o momento capital da idealizacao ideologica de uma vida de forte entretenimento.
   'Raparigueiro Todo'--Garota Safada
   Eu sou raparigueiro todo
   Namorador demais
   Sou bonequeiro, mulherengo e forrozeiro
   Onde tem mulher eu vou correndo atras
   Nao e voce quem vai fazer
   Eu mudar o meu jeito de ser
   Nao e voce quem vai querer que eu deixe os meus
   costumes por voce
   Nem uma mulher conseguiu me dominar
   Nao e voce que vai
   Por isso meu bem, se me quiser e desse jeito assim
   (LETRAS.MUS, 2012a).


Sumariando, pode-se dizer que e veiculando textos e imagens diversas que o forro eletronico atual se vende justamente pelas caracteristicas acima elencadas: diversao e prazer. "Eu sou raparigueiro todo, namorador demais. Sou 'bonequeiro', mulherengo e forrozeiro. Onde tem mulher eu vou correndo atras" (LETRAS.MUS, 2012a). O forro como um todo possui essa marca, ao contrario do que se poderia alegar pelo vies do forro tradicional (pe-de-serra).

No caso do forro atual, a cisao entre o pe de serra e o eletronico aponta para a complexidade destes julgamentos e enfrentamentos morais. Aparentemente, as duas vertentes estilisticas encontram-se em espacos morais radicalmente distintos e antagonicos. No entanto, um exame mais detalhado das sonoridades, das letras e da estetica visual apresentada revela que ambos partem de uma mesma posicao conservadora em relacao a sexualidade, fundada numa rigida divisao de funcoes, papeis e estereotipos masculinos e femininos. [...] Mais as claras, o forro eletronico exagera em referencias visuais e poeticas explicitamente sexuais, enquanto o pe de serra atual mascara o terreno da sexualidade, devolvendo-o a penumbra e as frestas das relacoes tradicionais--essencialmente rurais (TROTTA, 2009c, p. 144).

Por conseguinte, importa reforcar que as representacoes insurgidas 'pelo e no' forro eletronico oferecem substancialmente esse mundo de entretenimento, harmonico em sua totalidade e conflituoso apenas na esfera privada: "[...] to invocado, hoje eu vou pra bagaceira. Hoje a noite e so zueira e a culpada e a mulher"--musica: 'Hoje eu vou tomar um porre por causa dela'. (LETRAS.MUS, 2012a).

Nessa sociabilidade de diversao a todo custo, muitas possibilidades de lazer ficam a margem de qualquer possibilidade real de critica (de consumo, de relacoes de genero etc). Apropriando-se das ideias de Marcellino (2000), esse tipo de lazer (oferecido pelo forro eletronico) e estruturalmente desprovido de qualquer criatividade ou criticidade ludica. A possibilidade de um fundamento critico no lazer como educacao se esvazia sumariamente, tornando a diversao um mero veiculo do entreter-se. Em suma, "[...] o prazer, quando [...] isolado do mundo do conteudo 'serio' da vida, torna-se bobo, sem sentido, reduz-se completamente ao 'entretenimento". (ADORNO, 2008, p. 99).

Consideracoes finais

E possivel dizer que os fatores que, de fato, tornam essas cancoes um sucesso de audicao massiva, estao bem longe da singela expressao 'gosto popular' ou mesmo, do contrario, da expressao biblica 'eles nao sabem o que fazem'. Para tal compreensao, tanto Theodor W. Adorno, quanto os Estudos Culturais dao uma parcela relevante para este entendimento (embora a adesao organica entre tais perspectivas nao seja tao facil de ser obtida). De Adorno interessa relembrar o papel do assedio sistematico e prescritivo promovido pela industria cultural. Dos Estudos Culturais, especificamente Richard Hoggart, importa lembrar que essas cancoes sao sucessos justamente por serem 'grandes temas da existencia popular'. Explorar a intimidade e os detalhes da vida intima de cada um significa a base do interesse maior das camadas populares. Pela dificuldade na capacidade do pensar abstrato (aquilo que Anthony Giddens denomina de 'consciencia reflexiva'), os detalhes intimos se tornam os grandes temas da experiencia popular. O forro eletronico e, entao, a ponta de um iceberg bem mais enraizado na cultura. O consumo das musicas e, por conseguinte, nao apenas estruturante, mas ja estruturado. Como diria E. P. Thompson (1987), os sujeitos nao sao apenas feitos, mas tambem produtores de sua historia.

Caso seja possivel citar os dois tipos de consumidores, didaticamente opostos vigentes no consumo de musica popular, teriamos: a) um personagem que se opoe ao mundo, que se rejeita a aceitar a sociedade como ela esta sendo, deste modo, questionador e b) aquele outro integrado a coletividade, positivamente conexo, conformado (HABERT, 1974). Habert alerta, com propriedade, que o segundo personagem e a expressao constitucional do consumidor da industria cultural. Como musica popular, o forro eletronico da sua parcela de contribuicao a esse ideal de absoluta passividade, ao nao evitar cooperar para um mundo reificado marcado por ideologias sexistas, consumistas, discriminatorias etc.

De acordo com Trotta (2010, p. 1),
   [...] quanto maior o alcance e popularidade de uma
   determinada cancao ou novela, maior sua capacidade
   de interagir, comunicar e tensionar valores e
   sentimentos compartilhados.


O forro eletronico, de fato, e estruturante do lazer festivo de parte da populacao nordestina, de certa maneira ate independentemente de classe social (embora demograficamente esteja mais presente em grupos sociais sem o que Pierre Bourdieu nominaria de capital cultural para o consumo da musica nao popular). Alias, o criterio classe social seria muitissimo insatisfatorio para a analise do consumo cultural de massa, pois esbarraria numa "[...] oferta da industria cultural planejada conforme estratos sociais" (ADORNO, 2011, p. 144). Tratar-se-ia da estratificacao de um fenomeno em demasia administradamente estratificado.

Evidentemente, nao ha nenhuma relacao unilateral nesse consumo, nem tampouco relacao mensuravel de causa-efeito. John Thompson (2002) argumenta que nao e demonstravel e nem evidente que a recepcao dos bens da industria cultural tenha as consequencias alardeadas. Os produtos nao podem ser responsaveis, simplesmente, pelo conformismo. Apesar disso, devese salientar que podem servir como reforcadores de relacoes de dominacao ja existentes. Como novamente reforca Trotta (2010, p. 13):
   E obvio que nao se pode pensar numa relacao de causa
   e efeito com consequencias imediatas de
   reprocessamento de codigos morais e padroes de
   comportamento sexual por conta de uma telenovela ou
   de uma cancao. Mas tambem me parece fragil a ideia de
   se pensar nos produtos de entretenimento como
   vetores de uma 'mera' diversao.


Assim, o consumo do forro eletronico, seja como forma privada (escuta domestica de CD, DVD, internet ...), seja como forma publica (frequencia a shows), nao pode ser considerado, unicamente, como expressao da alienacao de um ou varios grupos sociais, ou ainda, no polo oposto, como um simples instrumento cultural de entretenimento massivo. Trata-se, pois, de uma

[...] experiencia cultural mutante ligada as diversas esferas da vida social, cuja reproducao esta condicionada a multiplicidade de interesses de agentes internos e externos ao evento (COSTA, 2003, p. 03).

Destarte, para alem de se pensar no sentido literal do 'texto-em-si' e do 'texto-para-si'--ja que "[...] as decodificacoes nao derivam inevitavelmente das codificacoes" (HALL, 2003, p. 399)--, interessa considerar os usos e desusos das cancoes, suas recusas, negociacoes e aceitacoes. Somente assim o fenomeno musical do forro eletronico podera ser melhor compreendido.

Todavia, vale lembrar, nas palavras de Albuquerque Junior (1999), que as linguagens (musica, cinema, teatro, pintura etc.) "[...] nao apenas representam o real, mas instituem reais" (ALBUQUERQUE JUNIOR, 1999, p. 23). Procura-se, desta forma, apreender o fenomeno musical para alem de seu efeito ludico, buscando entende-lo tambem como elemento de (re)producao de realidades sociais.

Muito similarmente ao estudo de Jacks (2003) sobre a cultura gaucha sob o dominio da industria cultural, a questao em analise nao e classificar ou diagnosticar o forro eletronico como bom ou ruim, avancado ou retrogrado, tradicional ou moderno. Nao se trata de um estudo valorativo. Trata-se, pois, de um levantamento das possibilidades desta producao simbolica estar ligada a representacao de uma realidade que oculta as contradicoes mais profundas de sua estruturacao, ao inves de elucida-las. Como desfecho, nesse tipo de estudo nao esta em disputa o bom ou ruim, mas, segundo David Harvey (1994), a analise de uma producao cultural que, consequentemente, cria a formacao de juizos esteticos mediante um sistema organizado pela reproducao do capital.

Doi: 10.4025/actascilangcult.v36i1.20245

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Received on March 25, 2013.

Accepted on October 23, 2013.

(1) Todas as cinco letras foram extraidas do site: http://letras.terra.com.br/garotasafada/ (LETRAS.MUS, 2012a).

(2) Espaco distintivo 'pre-festa', uma vez que se abastece o veiculo, compram-se algumas bebidas nas lojas de conveniencia, e ainda, exibe-se toda a aparelhagem dos 'paredoes de som'.

(3) "As narrativas de brigas e de conquistas formam [...] um eixo comum de afirmacao [de] virilidade e reafirmam atraves das letras e da danca a associacao entre masculinidade, poder e autoridade, fortemente presentes no imaginario tradicional do sertao" (TROTTA, 2009b, p. 139).

(4) Todavia, em varios shows, muitas cancoes dominantes dos anos 1990 sao relembradas. Inclusive, presentemente ha um significativo movimento de recuperacao dessas cancoes. Por exemplo, o que se chama de 'forro das antigas'--'antigas' se referindo muitas vezes a bandas como, por exemplo, Mastruz com leite e Cavalo de Pau--atualmente tem ganhado algum folego.

Jean Henrique Costa

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Rua Professor Antonio Campos, s/n, BR-110, km 48, 59600-000, Mossoro, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: jeanhenrique@uern.br
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