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文章基本信息

  • 标题:The role of narrative sequences in the global structure of reports/O papel das sequencias narrativas na estrutura global de reportagens.
  • 作者:Cunha, Gustavo Ximenes ; Rufino, Janaina de Assis
  • 期刊名称:Acta Scientiarum. Language and Culture (UEM)
  • 印刷版ISSN:1983-4675
  • 出版年度:2013
  • 期号:April
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Universidade Estadual de Maringa
  • 摘要:Ao estudar a heterogeneidade composicional, diferentes abordagens do texto e do discurso tem procurado nos ultimos tempos ultrapassar um estudo redutor dos tipos de discurso, que se contente em apenas identificar as sequencias discursivas de uma dada producao linguageira. Considerando que as sequencias (narrativas, descritivas, argumentativas etc) nao sao imunes a influencias do contexto linguistico ou extralinguistico, este trabalho, inserindo-se nessa visao contemporanea dos estudos sobre os tipos e sequencias (BASTOS, 2004, REVAZ; FILLIETTAZ, 2006), busca combinar a analise das sequencias com a analise de outros aspectos do discurso, como, por exemplo, as relacoes discursivas e as representacoes genericas.

The role of narrative sequences in the global structure of reports/O papel das sequencias narrativas na estrutura global de reportagens.


Cunha, Gustavo Ximenes ; Rufino, Janaina de Assis


Introducao

Ao estudar a heterogeneidade composicional, diferentes abordagens do texto e do discurso tem procurado nos ultimos tempos ultrapassar um estudo redutor dos tipos de discurso, que se contente em apenas identificar as sequencias discursivas de uma dada producao linguageira. Considerando que as sequencias (narrativas, descritivas, argumentativas etc) nao sao imunes a influencias do contexto linguistico ou extralinguistico, este trabalho, inserindo-se nessa visao contemporanea dos estudos sobre os tipos e sequencias (BASTOS, 2004, REVAZ; FILLIETTAZ, 2006), busca combinar a analise das sequencias com a analise de outros aspectos do discurso, como, por exemplo, as relacoes discursivas e as representacoes genericas.

Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo mostrar que as sequencias discursivas nao sao impermeaveis ao contexto em que ocorrem. Para isso, vamos expor de que forma um modelo da analise do discurso, o Modelo de Analise Modular do Discurso (ROULET et al., 2001), permite combinar o estudo dos tipos e sequencias discursivas e o estudo das relacoes discursivas, para se compreender a funcao macroestrutural que as sequencias narrativas exercem no genero reportagem.

Com o estudo exclusivo das sequencias discursivas, identificam-se os tipos (narrativo, descrito, argumentativo etc.) a que pertencem as sequencias de um discurso. Ja com o estudo exclusivo das relacoes discursivas (topicalizacao, sucessao, comentario, preparacao etc), descreve-se a articulacao dos constituintes textuais, identificando a hierarquia desses constituintes e os eventuais marcadores das relacoes. A combinacao desses dois estudos permite esclarecer as seguintes questoes:

a) Qual o estatuto hierarquico (principal ou subordinado) de uma sequencia narrativa especifica?

b) Qual a funcao que uma sequencia narrativa especifica exerce no interior de uma producao discursiva em relacao as sequencias que a antecedem ou sucedem?

Nao e possivel responder a essas questoes estudando apenas as sequencias narrativas ou apenas as relacoes discursivas. E preciso realizar um estudo em que aspectos sequenciais e relacionais se integrem. Com esse objetivo, neste artigo, estudando o genero reportagem, e apresentado inicialmente o quadro teorico e metodologico, com base no qual se realizou a analise. Em seguida, sao expostos os criterios de selecao do corpus e o metodo utilizado na realizacao do estudo. Por fim, apresentam-se e discutem-se os resultados gerais obtidos na analise.

Modelo de Analise Modular do Discurso

Em sua versao atual (ROULET et al., 2001; FILLIETTAZ, 1999; MARINHO et al., 2007, RUFINO, 2011), o Modelo de Analise Modular do Discurso constitui um instrumento de analise que integra e articula, em uma perspectiva cognitivo-interacionista, as dimensoes linguistica, textual e situacional da organizacao do discurso. Nesse sentido, esse e um modelo global e abrangente de compreensao da complexidade discursiva.

Conforme a metodologia adotada pelo modelo modular, identificam-se, inicialmente, os modulos que entram na composicao do discurso. Nessa abordagem, cada dimensao do discurso se constitui de modulos. Assim, a dimensao linguistica se constitui dos modulos lexical e sintatico; a dimensao textual se constitui do modulo hierarquico; e a dimensao situacional se constitui dos modulos interacional e referencial.

Posteriormente, procura-se mostrar como as informacoes resultantes do estudo dos modulos se combinam em formas de organizacao do discurso. No modelo modular, distinguem-se dois tipos de formas de organizacao: as elementares e as complexas. As formas de organizacao elementares (fono-prosodica, semantica, relacional, informacional, enunciativa, sequencial e operacional) resultam da combinacao ou acoplagem de informacoes extraidas dos modulos. Ja as formas de organizacao complexas (periodica, topica, polifonica, composicional e estrategica) resultam da combinacao ou acoplagem de informacoes extraidas dos modulos e das formas de organizacao elementares e/ou complexas (ROULET et al., 2001).

No modelo, o estudo da funcao macroestrutural que as sequencias discursivas exercem na construcao de um texto se faz na forma de organizacao complexa composicional. Esse estudo resulta da combinacao de informacoes de duas formas de organizacao elementares: a sequencial, que se ocupa dos tipos de discurso e das sequencias discursivas, e a relacional, que trata das relacoes de discurso.

Na sequencia deste item, apresentaremos de modo sucinto cada uma dessas formas de organizacao elementares.

Forma de organizacao sequencial

Essa forma de organizacao se ocupa basicamente da segmentacao do discurso em sequencias. Para isso, busca, de um lado, definir uma tipologia discursiva que possa ser aplicada a todas as producoes linguageiras e, de outro, extrair as sequencias discursivas em que os tipos de discurso se atualizam.

A definicao dos tipos e a segmentacao do discurso em sequencias mobilizam informacoes do modulo referencial, responsavel por definir categorias pre-linguageiras, e do modulo hierarquico, responsavel por definir os processos textuais em que essas categorias se manifestam. Combinando informacoes desses dois modulos, Filliettaz (1999; ROULET et al., 2001) propoe uma tipologia formada por tres tipos de discurso (narrativo, descritivo, deliberativo). Esses tipos constituem representacoes abstratas, cuja funcao e possibilitar a emergencia das sequencias discursivas (narrativas, descritivas e deliberativas).

Dos tipos considerados pelo modelo modular, o narrativo e o que tem merecido mais atencao por parte de estudiosos de diferentes areas, como Literatura, Analise do Discurso, Analise da Conversacao e Sociolinguistica. No modelo, esse tipo e definido como

[...] o esquema de uma intervencao textual, tendo por propriedade designar uma pluralidade de acontecimentos disjuntos do mundo comum, no qual acontece o processo da comunicacao (ROULET et al., 2001, p. 316).

Essa definicao geral revela a complexidade nocional desse tipo, o qual se caracteriza com a ajuda de nocoes referenciais (a 'cadeia culminativa de acontecimentos' e a 'disjuncao de mundos') e de uma nocao textual (a 'intervencao').

Para tratar das nocoes referenciais, cujo estudo se faz no interior do modulo referencial, Filliettaz (1999) defende que as diferentes formas de expressao da narratividade representam acontecimentos que se articulam em uma cadeia culminativa. A hipotese dessa cadeia repousa sobre a ideia de que toda historia pressupoe uma tensao entre acontecimentos desencadeadores e acontecimentos conclusivos, a qual decorre da transformacao dos personagens e da situacao em que se encontram inicialmente implicados. No modelo modular, essa cadeia culminativa de acontecimentos se representa da seguinte forma (Figura 1):

[FIGURE 1 OMITTED]

Para o modelo, essa cadeia de acontecimentos constitui a representacao praxeologica que subjaz a todas as sequencias narrativas e nao a estrutura de uma sequencia narrativa especifica. Em producoes linguageiras particulares, a organizacao dos acontecimentos de uma narracao tanto pode assumir uma configuracao tipica, muito proxima dessa representacao praxeologica, como pode assumir uma configuracao atipica, em que nem todos os acontecimentos estao explicitamente verbalizados ou em que se observam diferentes niveis hierarquicos (CUNHA, 2013).

A forma como uma sequencia narrativa especifica atualiza a cadeia culminativa de acontecimentos, aproximando-se ou afastando-se da representacao tipica, esta intimamente ligada a segunda nocao referencial com que se define o tipo narrativo: a nocao de disjuncao de mundos.

Seguindo as proposicoes de Bronckart (2007), Filliettaz considera que

[...] toda producao linguageira conduz necessariamente a criacao de um 'mundo discursivo' que se distingue teoricamente das coordenadas do 'mundo comum' das atividades humanas (FILLIETTAZ, 1999, p. 281, grifo do autor).

Embora esses mundos sejam distintos, suas coordenadas espaciais e temporais podem estabelecer entre si relacoes de conjuncao ou disjuncao. Assim, se no tipo deliberativo, por exemplo, esses mundos se identificam e por isso sao conjuntos, o tipo narrativo, ao contrario, conduz a criacao de um mundo discursivo que e diverso daquele em que se desenvolve o processo interacional. Em outras palavras, o tipo narrativo opera uma disjuncao entre o mundo que o discurso representa (o mundo da historia) e o mundo no qual o discurso e produzido (mundo em que se da a atividade de narrar essa historia) (CUNHA, 2013).

Segundo Filliettaz (1999), os tipos de discurso se ligam a unidades textuais de natureza monologal. No modelo modular, o estudo das configuracoes textuais se faz no interior do modulo hierarquico, que busca definir as categorias e as regras que permitem gerar as estruturas hierarquicas de todo tipo de texto, dialogico ou monologico, oral ou escrito. O componente textual que entra na formulacao dos tipos de discurso e a intervencao, que e a unidade constitutiva da troca, unidade textual maxima (ROULET et al, 2001).

Como se pode observar, o tipo narrativo e uma nocao complexa, porque resulta da combinacao de informacoes de naturezas diferentes. Do ponto de vista referencial, o tipo narrativo se caracteriza pelas nocoes de 'cadeia culminativa de acontecimentos' e de 'disjuncao de mundos'. Do ponto de vista hierarquico, os tipos discursivos, e nao so o narrativo, se caracterizam pela nocao de 'intervencao textual'.

Ao tratar do tipo descritivo, Filliettaz (ROULET et al., 2001) nota que a descricao nao se reduz a um conjunto desordenado de proposicoes, mas obedece a um procedimento de hierarquizacao rigoroso. Por isso, o tipo descritivo se caracteriza, com base no modulo referencial, por uma representacao conceitual tipica, a qual, a partir dos trabalhos de Adam (1992), se define como uma configuracao recursiva de operacoes cognitivas, que sao a 'ancoragem', a 'aspectualizacao', a 'relacao' e a 'tematizacao', que definimos a seguir:

a) Ancoragem: toda descricao se refere a uma entidade referencial determinada. Por isso, ela se ancora em um 'tema-titulo'.

b) Aspectualizacao: na descricao, apresentam-se as caracteristicas do 'tema-titulo', evocando as partes de que se compoe ou suas propriedades.

c) Relacao: o 'tema-titulo' pode ser assimilado ou relacionado com outras entidades referenciais por comparacao ou por metafora.

d) Tematizacao: essa operacao garante ao discurso descritivo uma expansao potencialmente infinita.

Essas operacoes se articulam na seguinte representacao conceitual (Figura 2):

[FIGURE 2 OMITTED]

Com base nessa representacao e na nocao de intervencao textual, o tipo descritivo e definido como

[...] a representacao esquematica de uma intervencao textual, que tem por propriedade referencial designar, por meio de operacoes especificas (ancoragem, aspectualizacao, relacao e tematizacao), as diversas caracteristicas de uma entidade conceitual (ROULET et al, 2001, p. 321).

Ja o tipo deliberativo, ao contrario do narrativo e do descritivo, nao se caracteriza, segundo Filliettaz (1999) e Roulet et al., (2001), por configuracoes referenciais proprias, constituindo, por isso, "[...] uma especie de 'grau zero' de um modelo tipologico" (FILLIETTAZ, 1999, p. 292). Por essa razao, no modelo, esse tipo se refere ao conjunto das sequencias discursivas que nao apresentam propriedades nem da narracao, nem da descricao.

Forma de organizacao relacional

O estudo dessa forma de organizacao tem como um de seus objetivos identificar as relacoes ilocucionarias e interativas genericas entre os constituintes da estrutura hierarquica e informacoes da memoria discursiva (1) e resulta da combinacao de informacoes dos modulos hierarquico, lexical, sintatico e referencial.

Nesse estudo, a identificacao das relacoes ilocucionarias e interativas genericas se baseia em uma lista reduzida de categorias, as quais sao consideradas suficientes para descrever todas as formas de discurso, tanto dialogal como monologal. Ao se utilizar dessas categorias, o modelo evita estabelecer a priori uma quantidade excessiva das relacoes especificas que podem ser encontradas em um discurso (ROULET, 2003). A nocao de argumento, por exemplo, e utilizada como categoria generica para recobrir uma classe de relacoes interativas como

[...] causa (deliberada ou nao deliberada), explicacao, justificacao, motivacao, consequencia, objetivo, resultado, condicao, restricao, argumento suplementar, argumento decisivo, etc (ROULET, 2003, p. 157).

Na forma de organizacao relacional, as relacoes ilocucionarias caracterizam as intervencoes que constituem a troca, que, como dito, e a unidade textual maxima. Essas relacoes podem ser iniciativas ou reativas, dependendo do lugar em que ocorre a intervencao na estrutura hierarquica (2). Distinguemse tres categorias genericas de relacoes ilocucionarias iniciativas (interrogacao, pedido e informacao) e duas categorias genericas de relacoes ilocucionarias reativas (resposta e ratificacao) (ROULET et al., 2001).

As relacoes interativas, por sua vez, caracterizam os constituintes das intervencoes. Distinguem-se oito categorias genericas de relacoes interativas: argumento, contra-argumento, reformulacao, topicalizacao, sucessao, preparacao, comentario e clarificacao. O estabelecimento das categorias genericas de relacoes interativas se justifica pelo fato de que o agente, para alcancar seus objetivos comunicativos, pode produzir intervencoes complexas. Na producao dessas intervencoes, ele pode introduzir argumentos para reforcar um ponto de vista, rejeitar uma ideia com a apresentacao de contra-argumentos, comentar partes de seu texto, reformular ideias, tornando-as mais claras para seu ouvinte/leitor, enumerar os sucessivos eventos de uma narracao etc (ROULET, 2006; CUNHA, 2011).

As categorias de relacoes genericas podem ser explicitadas por marcadores linguisticos, como os conectores e as construcoes sintaticas. Assim, a relacao interativa de contra-argumento pode ser marcada por conectores, como: 'mas, porem, embora' etc. Da mesma forma, a relacao ilocucionaria de pedido pode ser marcada por uma construcao sintatica imperativa.

No estudo da forma de organizacao composicional, a combinacao das formas de organizacao sequencial e relacional permite verificar as funcoes que as sequencias discursivas exercem em relacao ao cotexto, isto e, ao ambiente linguistico em que ocorrem, porque evidencia as hierarquias e as relacoes de discurso (argumento, contra-argumento, comentario etc) existentes entre as sequencias na macroestrutura do discurso. Dessa forma, essa combinacao mostra que

[...] o estudo da heterogeneidade composicional do discurso implica ultrapassar a analise das sequencias isoladas para examinar, em um nivel mais macrotextual, a problematica do agenciamento das sequencias em uma configuracao geral (FILLIETTAZ, 1999, p. 308).

Antes de apresentarmos os resultados da analise das sequencias narrativas na configuracao geral de reportagens, julgamos conveniente apresentar no proximo item os criterios de selecao do corpus e os passos seguidos na conducao dessa analise.

Selecao do corpus e percurso de analise

Para estudar a articulacao de sequencias narrativas em discursos especificos, selecionamos seis reportagens originalmente publicadas em duas edicoes da Revista Veja. Essas reportagens fazem parte do corpus da pesquisa apresentada em Cunha (2008) e foram veiculadas nas edicoes de Veja dos dias 5 e 12 de janeiro de 2005.

Vale esclarecer que a selecao dessas reportagens levou em conta alguns criterios. O primeiro deles se refere a decisao de estudar as sequencias narrativas em textos pertencentes a apenas um genero do discurso (3). Essa decisao se deve ao fato de que os generos, em vista das especificidades de suas condicoes de producao, podem ter impacto sobre a selecao e o funcionamento das sequencias que compoem os textos individuais (BAKHTIN, 2003). Por isso, o numero de sequencias, bem como a forma como se articulam na macroestrutura do texto podem variar de um genero para outro. Assim, este estudo focaliza a atuacao de sequencias narrativas extraidas de textos pertencentes apenas ao genero 'reportagem'. Neste trabalho, a reportagem e concebida como o conjunto das representacoes situacionais (quem fala para quem, qual o status autor e leitor devem assumir, qual tematica pode ser abordada, quais os suportes tipicos etc.) que sao ativadas no momento em que um exemplar desse genero e produzido ou lido (CUNHA, 2009).

O segundo criterio de selecao do corpus se refere ao periodo de publicacao dessas reportagens. Porque os generos sao construtos socio-historicos que se constituem e se modificam ao longo do tempo (BRONCKART, 2007), as reportagens selecionadas foram extraidas de duas edicoes de janeiro de 2005 da revista Veja Ao selecionar reportagens escritas em um curto espaco de tempo, a finalidade foi que a analise pudesse investigar a forma como as sequencias narrativas participam da composicao de reportagens, tal como esse genero e atualmente concebido em nossa sociedade.

Da edicao do dia 5/1/2005 (REVISTA VEJA, 2005a), constam duas reportagens. A primeira intitula-se 'Fantasmas maranhenses' e denuncia a participacao do entao governador do Maranhao, Jose Reinaldo Tavares, e de pessoas ligadas a ele no desvio de verbas destinadas a construcao de estradas no Estado. A segunda reportagem intitula-se 'Uma vitoria da parceria tucano-petista' e se refere ao acordo firmado entre o governo petista e a oposicao tucana, que permitiu a aprovacao do projeto que cria as parcerias publico-privadas (PPPs).

Da edicao do dia 12/1/2005 (REVISTA VEJA, 2005b), colhemos quatro reportagens. A primeira intitula-se 'Por que eles querem presidir a Camara' e trata da disputa entre Virgilio Guimaraes e Luiz Eduardo Greenhalgh, pelo posto de candidato do PT a presidencia da Camara dos Deputados. A segunda reportagem, intitulada 'Turma do barulho', aponta Marta Suplicy como lider de um grupo de politicos do PT que, segundo o autor, vinha ha tempos desafiando a direcao nacional do partido. A terceira reportagem intitula-se 'Tem ate antimissil' e descreve as caracteristicas que faziam do aviao presidencial recem-adquirido pela Forca Aerea Brasileira (FAB) um dos avioes mais modernos que havia na epoca. O ultimo texto, intitulado 'A casa do presidente', aborda a polemica causada pelas ferias que um dos filhos de Lula e os seus amigos passaram em Brasilia. De acordo com o texto, a oposicao prometeu abrir investigacao, para que o dinheiro oficial gasto pelos jovens fosse devolvido.

Feita a selecao das reportagens, a primeira etapa da analise consistiu em identificar as sequencias que entram na composicao de cada uma delas. Em outros termos, estudou-se a forma de organizacao sequencial dessas reportagens. Identificadas as sequencias discursivas que entram na composicao das reportagens, a segunda etapa da analise buscou estabelecer as estruturas hierarquico-relacionais desses textos, por meio do estudo de sua forma de organizacao relacional. Por fim, a terceira e ultima etapa da analise consistiu em combinar o estudo que identificou as sequencias discursivas e o estudo que descreveu as estruturas hierarquico-relacionais das seis reportagens, a fim de identificar:

a) o estatuto hierarquico (principal ou subordinado) das sequencias narrativas encontradas;

b) a funcao (argumento, contra-argumento, comentario etc) que as sequencias narrativas encontradas exercem no interior de cada reportagem.

Os resultados dessa terceira etapa serao apresentados na continuacao deste trabalho.

Resultados da terceira etapa da analise

Tendo em vista os objetivos deste artigo, que e investigar o papel das sequencias narrativas na macroestrutura de reportagens, este item abordara apenas os resultados relativos as sequencias narrativas encontradas nas seis reportagens analisadas. Nao serao analisadas, portanto, as sequencias que atualizam os tipos descritivo e deliberativo.

E importante destacar apenas que as reportagens revelam uma heterogeneidade composicional significativa, o que equivale a dizer que a maioria das reportagens do corpus e composta por sequencias pertencentes aos tres tipos de discurso, narrativo, descritivo e deliberativo. Esse resultado vai ao encontro de observacoes de Adam (1992) e Bronckart (2007), segundo os quais as producoes discursivas de modo geral se caracterizam pela heterogeneidade composicional, raramente apresentando apenas um tipo de sequencia.

A unica excecao foi a reportagem intitulada 'Tem ate antimissil', que e composta predominantemente por sequencias descritivas, apresenta algumas sequencias deliberativas e, contrariando uma expectativa do genero reportagem, nao conta com nenhuma sequencia narrativa.

A explicacao para esse fenomeno talvez esteja na tematica da reportagem em questao. Como foi dito no item anterior, ela trata de um aviao presidencial adquirido pela FAB no final de 2004 e se ocupa basicamente da descricao das caracteristicas desse aviao. Dai a ausencia de sequencias narrativas e a pequena quantidade de sequencias deliberativas.

Quanto as outras cinco reportagens, todas apresentam sequencias narrativas. Na Tabela 1 e sintetizado o estudo da forma de organizacao sequencial, trazendo, na coluna da esquerda, o titulo das reportagens e, nas demais colunas, a quantidade de sequencias deliberativas, narrativas e descritivas encontradas em cada uma delas.

Os resultados dessa Tabela revelam que, nas reportagens do corpus desta pesquisa, nao sao as sequencias narrativas que predominam, mas sim as deliberativas. Conforme Hernandez (2006), as revistas de informacoes, como a Veja, vem apresentando um discurso cada vez mais sancionador e opinativo. Nesse quadro e mostrado que essa tendencia se reflete na proporcao das sequencias discursivas que compoem as reportagens. Nelas, o jornalista parece se ocupar menos em informar acontecimentos por meio de sequencias narrativas e mais em defender pontos de vista por meio de sequencias deliberativas.

Como foi dito no item anterior, a terceira etapa da analise consistiu em integrar o estudo que identificou as sequencias e o estudo da estrutura hierarquicorelacional das reportagens, a fim de extrair informacoes sobre o estatuto hierarquico das sequencias narrativas e sobre a funcao que exercem nos textos.

Sobre o estatuto hierarquico, verificou-se que, das 21 sequencias narrativas, apenas seis (28,5%) apresentam o estatuto de constituintes principais do discurso. Na macroestrutura hierarquica a seguir (Figura 3), e possivel visualizar o lugar ocupado por essas sequencias: (4)

[FIGURE 3 OMITTED]

Com esse esquema, e possivel perceber que as sequencias narrativas, quando ocorrem em constituintes principais, trazem informacoes centrais da reportagem e que a sequencia que ocorre no constituinte subordinado apresenta informacoes suplementares ou perifericas, que, em alguma medida, preparam, complementam ou esclarecem as informacoes expressas na sequencia narrativa. E o que mostra este exemplo que constitui a parte inicial da reportagem 'Fantasmas maranhenses' (REVISTA VEJA, 2005a, p. 57):

1. (5) (01) Pobre Maranhao. (02) O estado tem o pior indice de desenvolvimento humano do Brasil, (03) a renda per capita mais baixa do pais (04) e esta na ponta do ranking dos indicadores sociais negativos. (05) Metade da populacao nao tem agua encanada ou esgoto (06) e vive abaixo da linha da pobreza.

(07) No fim do ano passado, (08) o governador Jose Reinaldo Tavares, ex-PFL, filiou-se ao PTB em grande estilo. (09) Anunciou seu rompimento com as velhas oligarquias politicas, (10) prometeu modernizar o estado e investir em infraestrutura. (11) Decidiu tambem priorizar o interior, (12) principalmente as cidades mais carentes. (13) As mudancas comecaram a se materializar com a assinatura de duas dezenas de contratos de emergencia com empresas encarregadas de abrir centenas de quilometros de estradas vicinais.

Essa reportagem comeca com uma sequencia descritiva, em que o jornalista apresenta caracteristicas do Estado do Maranhao. Em seguida, introduz a sequencia narrativa (em italico), em que narra atitudes tomadas no final de 2004, pelo entao governador Jose Reinaldo Tavares, para mudar as caracteristicas do Estado. Como se ve, as informacoes centrais sao dadas na sequencia narrativa, ao passo que a sequencia descritiva tem o papel suplementar de oferecer o contexto ou o cenario em que os acontecimentos principais ocorreram.

As outras 15 sequencias narrativas (71,5%) apresentam o estatuto de constituintes subordinados. O lugar que ocupam na estrutura pode ser visualizado neste esquema (Figura 4):

[FIGURE 4 OMITTED]

Quando as sequencias narrativas ocorrem em constituintes subordinados, sao elas que vao apresentar informacoes suplementares, que complementam e esclarecem as informacoes expressas na outra sequencia, a que ocorre no constituinte principal. E o que mostra este trecho extraido da reportagem 'Por que eles querem presidir a Camara' (REVISTA VEJA, 2005b, p. 37):

2. (30) O presidente da Camara pode nao ajudar, (31) mas pode inviabilizar um governo, (32) tantas sao suas prerrogativas. (33) E dele a decisao do que vai ou nao entrar na pauta de votacao. (34) Assim, dependendo de seu humor, (35) pode acelerar ou retardar materias de interesse do executivo.

(36) No ano passado, (37) apenas seis propostas de autoria de deputados foram aprovadas, (38) contra mais de 100 do Executivo.

Nesse trecho, o jornalista argumenta na sequencia deliberativa que o presidente da Camara tem o poder de inviabilizar um governo, podendo acelerar ou retardar materias de interesse do executivo. Para comprovar essa afirmacao, ele conta, na sequencia narrativa (em italico), que, em 2004, apenas seis propostas de autoria de deputados foram aprovadas. Como se percebe, as informacoes centrais estao na sequencia deliberativa, para a qual a sequencia narrativa da sustentacao.

Como resposta a primeira pergunta feita na introducao deste trabalho, o estudo que combinou as sequencias narrativas e a articulacao textual trouxe evidencias de que, em reportagens, as sequencias narrativas ocupam preferencialmente o lugar de constituintes subordinados na estrutura hierarquicorelacional. Isso significa que, nesse genero, as sequencias narrativas estao, de modo geral, 'a servico' de outras sequencias, nao sendo a narracao de uma historia o fim principal do jornalista. Ou seja, nas reportagens, a narracao de um acontecimento tem um carater utilitario, ja que a narracao nao tem um fim em si, como ocorre, por exemplo, em generos literarios.

Quanto a funcao que essas sequencias exercem, as seis que tem o estatuto de principais trazem informacoes de fundamental importancia para a construcao de sentidos das reportagens. Nao por acaso, a maior parte dessas sequencias (5(83,3%)) inicia reportagens e constitui o lide, parte da reportagem em que o jornalista, para oferecer ao leitor um panorama do que trata a reportagem, fornece respostas as perguntas: quem?, onde?, quando?, por que? e como? (PESSOA, 2007).

Um exemplo das sequencias narrativas que funcionam como lide e retirado da reportagem 'Turma do barulho'. (REVISTA VEJA, 2005b, p. 62):

3. (01) Eles ja sao uma especie de faccao informal do PT. (02) Liderado pela ex-prefeita de Sao Paulo Marta Suplicy, (03) o grupo formado pelos exsecretarios municipais Jilmar Tatto, Rui Falcao e Valdemir Garreta, pelo vereador Arselino Tatto e pelo marido da petista, Luis Favre, vem ha tempos desafiando a direcao nacional do partido. (04) Na semana passada, (05) o grupo deu nova mostra de rebeldia: (06) apoiou o candidato dissidente dos tucanos Roberto Tripoli a presidencia da Camara dos Vereadores de Sao Paulo, (07) enquanto o presidente nacional do PT, Jose Genoino, trabalhava para eleger Ricardo Montoro, candidato do prefeito Jose Serra.

Por meio dessa sequencia narrativa, o jornalista informa ao leitor as informacoes centrais da reportagem: 'quem' (Marta Suplicy, Jilmar Tatto, Rui Falcao, Valdemir Garreta, Arselino Tatto e Luis Favre), 'onde' (Sao Paulo), 'quando' (Na semana passada), 'por que' (desafiar a direcao nacional do PT) e 'como' (apoiou o candidato dissidente dos tucanos Roberto Tripoli a presidencia da Camara dos Vereadores de Sao Paulo). Dessa forma, com essa sequencia, o jornalista oferece ao leitor as informacoes centrais ou um resumo da reportagem.

Ja as sequencias que tem o estatuto de constituintes subordinados realizam funcoes mais variadas, dependendo da relacao interativa que estabelecem com informacoes ativadas no cotexto, que se refere ao contexto linguistico. Assim, a analise das relacoes discursivas que se estabelecem, na macroestrutura das reportagens, entre essas sequencias e o cotexto permitiu verificar que, das 15 sequencias subordinadas, uma (6,6%) participa de uma relacao de preparacao, tres (20,0%) participam de relacoes de contraargumentacao e 11 (73,4%) participam de relacoes de argumentacao.

A sequencia que exerce a funcao de preparacao ocorre na reportagem 'Uma vitoria da parceria tucanopetista', que, como exposto, trata do acordo entre governo e oposicao para a criacao de parceiras publicoprivadas (PPPs). Apresentamos, a seguir, a sequencia narrativa (em italico) e o trecho da reportagem para o qual a sequencia funciona como uma preparacao. (REVISTA VEJA, 2005a, p. 38):

4. (36) O problema, porem, e que a versao inicial do projeto oficial pecava pela falta de controles. (37) Nao continha limite de gastos (38) nem impedia que algumas obras fossem incluidas sob o guarda-chuva generoso das PPPs (39) mesmo sendo lucrativas. (40) Tambem nao impedia que as empresas privadas fossem buscar no BNDES e nos fundos de pensao todo o dinheiro necessario para fazer as obras de PPPs (41)--o que retiraria completamente o risco privado. (42) No inicio, (43) uma troca de acusacoes transmitiu a impressao de que o projeto ficaria indefinidamente obstruido. (44) Mais tarde, felizmente, (45) governo e oposicao transigiram, (46) e o projeto foi aprovado com mudancas.

(47) Em sua forma final, (48) o projeto das PPPs estabelece que estados, municipios e a Uniao so poderao comprometer ate 1% de sua receita liquida anual com recursos que darao (49) para complementar a rentabilidade dos investidores. (50) Alem disso, a lei estipulou que o BNDES e os fundos de pensao, juntos, so poderao participar com ate 80% do financiamento das obras. (51) Em algumas regioes mais pobres, (52) esse percentual sobe para 90%. (53) O Ministerio do Planejamento ja tem 23 projetos com valor de 13 bilhoes de reais que podem ser executados por meio das PPPs.

Na sequencia narrativa, o jornalista trata dos problemas constantes na versao inicial do projeto de criacao das PPPs. Ele conta que esse projeto pecava pela falta de controles e tirava qualquer risco das empresas privadas, o que foi motivo de troca de acusacoes entre governo e oposicao. Em vista desses problemas, o projeto foi finalmente aprovado com mudancas. Somente depois de realizar esse percurso e que ele traz informacoes sobre a forma final do projeto.

Portanto, com a sequencia narrativa, sao apresentadas ao leitor informacoes que constituem uma preparacao para ele compreender que o formato final das PPPs constitui o resultado de um consenso entre governo e oposicao. Dessa forma, a sequencia narrativa parece funcionar como um recurso por meio do qual o jornalista busca convencer o leitor de que a versao final do projeto das PPPs resultou de um processo em que foram levadas em conta exigencias e restricoes do governo e da oposicao.

A seguir, apresentamos um trecho da reportagem 'A casa do presidente', que trata das ferias que o filho de Lula e amigos passaram em Brasilia e da polemica que o fato provocou. Nesse trecho, a parte em italico constitui uma das tres sequencias narrativas que participam de relacoes de contra-argumentacao (REVISTA VEJA, 2005b, p. 75).

5. (01) Em julho do ano passado, (02) Luis Claudio, filho do presidente Lula, e um grupo de catorze amigos paulistas passaram as ferias em Brasilia. (03) Hospedaram-se no Palacio da Alvorada, (04) fizeram churrasco na Granja do Torto, (05) passearam de lancha no Lago Paranoa (06) e conheceram os principais gabinetes do Palacio do Planalto. (07) O episodio veio a tona na semana passada, em fotos divulgadas na internet pelos proprios garotos, (08) e causou polemica. (09) A oposicao prometeu abrir uma investigacao (10) e pedir a devolucao de todo o dinheiro oficial gasto na estada brasiliense dos jovens.

(11) Ha uma boa dose de exagero nessa reacao. (12) Durante o mandato, (13) o Palacio da Alvorada e a casa do presidente. (14) E seu 'lar', (15) para usar uma palavra de conotacoes mais fortes. (16) Nao existem impedimentos legais para ele receber as visitas que desejar ali, (17) ainda que sejam amigos do filho.

Nesse fragmento, o jornalista procura enfraquecer o peso das informacoes apresentadas na sequencia narrativa. Para isso, traz um contra-argumento, ao defender que ha uma boa dose de exagero na reacao da oposicao, ja que o Palacio da Alvorada e a casa do presidente. Nesse sentido, o estatuto de subordinado dessa sequencia narrativa se explica pelo fato de que a informacao principal, que exibe maior forca argumentativa, se encontra na parte da reportagem que se opoe as informacoes que veicula.

Como foi dito anteriormente, das 15 sequencias narrativas subordinadas, onze (73,4%) funcionam como argumento. A quantidade de sequencias narrativas empregadas com essa funcao parece ser um indicador de que, no genero reportagem, a narracao de acontecimentos nao constitui um recurso meramente informativo. Ou seja, o jornalista nao narra apenas para transmitir informacoes ao leitor. As sequencias parecem ter um papel claramente argumentativo, porque atuam na defesa de pontos de vista do jornalista e, em consequencia, na persuasao do leitor (CUNHA, 2009). Apresentamos, a seguir, um exemplo dessas sequencias, extraido da reportagem 'Uma vitoria da parceria tucano-petista' (REVISTA VEJA, 2005a, p. 38):

6. (26) Dos 57.000 quilometros que formam a principal parte da malha rodoviaria do pais, (27) metade esta com pavimento comprometido. (28) A extensao ferroviaria nao ultrapassa os 30.000 quilometros desde 1970. (29) Sozinho, (30) o governo nao tem dinheiro para essas obras de infra-estrutura. (31) Nao se trata apenas de um problema federal.

(32) Angustiados com a mesma falta de investimentos, (33) governadores tucanos como o paulista Geraldo Alckmin e o mineiro Aecio Neves fizeram suas proprias PPPs (34) e esperavam pela legislacao federal (35) para adapta-las e colocalas em pratica.

No fragmento acima, a sequencia narrativa (em italico) funciona como um argumento para o jornalista defender que a falta de dinheiro para obras de infraestrutura nao e um problema apenas do governo. Nesse sentido, ela atua como uma especie de 'prova' de que o governo federal nao tem dinheiro para obras de infraestrutura e de que esse problema tambem atinge os Estados. E como se o jornalista dissesse ao leitor: 'Digo que esse problema nao e apenas federal, porque governadores tucanos precisaram fazer suas proprias PPPs'.

Entretanto, embora as 11 sequencias narrativas tenham em comum a funcao de argumento, cada uma delas apresenta especificidades, que se referem a forma como a sequencia se liga ao cotexto. Em algumas sequencias, as informacoes exemplificam uma informacao anteriormente expressa. E o que se percebe no trecho, a seguir, em que, ao tratar das vantagens de ser presidente da Camara dos Deputados, o autor de 'Por que eles querem presidir a Camara' diz (REVISTA VEJA, 2005b, p. 37):

7. (40) Outra exclusividade do presidente e a definicao do ritmo das apuracoes de irregularidades na Casa.

(41) O processo de cassacao do deputado Andre Luiz (PMDB-RJ), por exemplo, andou rapido por empenho de Joao Paulo. (42) Outro, como o do deputado Pedro Correa, envolvido com a mafia dos combustiveis, esta se arrastando ha seis meses.

Nesse trecho, a sequencia narrativa (em italico) traz exemplos que visam a reforcar a tese de que a definicao do ritmo das apuracoes de irregularidades e uma exclusividade do presidente da Camara.

Outras sequencias parecem ser empregadas com a funcao de levar o leitor a inferir o que o jornalista nao pode dizer explicitamente. Na reportagem que trata das ferias que o filho de Lula e amigos passaram em Brasilia 'A casa do presidente', diz o autor (REVISTA VEJA, 2005a, p. 75):

8. (30) Se as reclamacoes sobre a farra juvenil em Brasilia tem onde se apoiar, (31) e no uso de um aviao e de uma lancha com bandeira oficial. (...) (37) O uso do aviao e da lancha representa, no minimo, uma contradicao.

(38) Em 1999, (39) os petistas tentaram criar uma comissao parlamentar de inquerito (40) para investigar os ministros do governo tucano que usaram jatinhos oficiais (41) para passar ferias na praia. (42) Alguns foram obrigados a restituir dinheiro a Uniao (43) e outros respondem a processo ate hoje.

Para defender que o uso do aviao e da lancha pelo filho de Lula representa uma contradicao, o jornalista conta, na sequencia narrativa, que, na epoca em que os petistas eram oposicao, ministros tucanos usaram jatinhos oficiais para passar as ferias na praia e que, por isso, os petistas tentaram criar uma CPI. Sem dizer que contradicao e essa, o jornalista deixa para o leitor inferir que, segundo o seu ponto de vista, os petistas (ou seus parentes) praticam hoje as atitudes que condenavam, quando eram da oposicao. O emprego da sequencia narrativa parece funcionar, portanto, como uma estrategia, por meio da qual o jornalista 'diz sem dizer'e, assim, se protege de possiveis ataques.

Como se ve, as sequencias narrativas que, na estrutura hierarquico-relacional, funcionam como argumentos para a defesa de um ponto de vista apresentam particularidades, que as distinguem umas das outras. Mas todas elas tem em comum a caracteristica de permitir ao jornalista defender um ponto de vista por meio da apresentacao de um acontecimento ocorrido no espaco publico (CHARAUDEAU, 2006). Na busca por produzir os efeitos de objetividade e de imparcialidade, o jornalista faz parecer ao leitor que suas afirmacoes sao isentas de um posicionamento politico ou ideologico, porque teriam como base os fatos, os acontecimentos que as sequencias narrativas apresentam. Dessa forma, com essas sequencias, procura-se criar a ilusao de que os acontecimentos narrados, transformados em objeto de discurso pelo jornalista, estao em estado puro e bruto, podendo, por isso mesmo, funcionar como prova, exemplo e argumento do que se afirmou em outra parte do texto (CUNHA, 2009).

Consideracoes finais

Neste artigo, apresentamos os resultados de um trabalho que, valendo-se dos postulados do Modelo de Analise Modular do Discurso, procurou integrar o estudo dos tipos e sequencias discursivas e o estudo das relacoes de discurso. Com base em um corpus formado por seis reportagens, identificamos, num primeiro momento, as sequencias discursivas de que as reportagens se compoem, a fim de extrair as sequencias narrativas existentes. Em seguida, analisamos as relacoes de discurso que os constituintes das reportagens estabelecem num nivel macrodiscursivo. Por fim, combinamos esses estudos, com o objetivo de precisar o estatuto principal ou subordinado das sequencias narrativas, bem como a funcao que exercem no interior dos discursos.

Nesse terceiro momento da analise, obtivemos indicacoes de que, em reportagens, as sequencias narrativas nao exercem um papel meramente informativo. Ao contrario, essas sequencias, na maior parte das ocorrencias estudadas, tem o estatuto de constituintes subordinados e funcionam como argumentos com que o jornalista procura defender um ponto de vista. Como vimos nos exemplos apresentados, o autor apresenta seu ponto de vista e, logo em seguida, narra um acontecimento que reforca, exemplifica ou ilustra essa afirmacao. Nesse sentido, em reportagens, o emprego de sequencias narrativas parece atuar como uma estrategia que permite ao jornalista assumir um posicionamento, mas sem comprometer a sua credibilidade e a suposta objetividade de seu discurso.

Doi: 10.4025/actascilangcult.v35i2.17337

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Received on May 23, 2012.

Accepted on February 18, 2013.

(1) A memoria discursiva e definida como o conjunto de saberes conscientemente partilhados pelos interlocutores (ROULET et al., 2001).

(2) A primeira intervencao de uma troca e ligada a segunda por uma relacao ilocucionaria iniciativa; a ultima intervencao de uma troca e ligada a precedente por uma relacao ilocucionaria reativa; e cada intervencao intermediaria e ligada a precedente por uma relacao ilocucionaria reativa e a proxima por uma relacao ilocucionaria iniciativa" (ROULET, 2006, p. 120).

(3) Seguindo a proposta de Bakhtin (2003), este trabalho considera que os generos do discurso sao formas relativamente estaveis de enunciados, que se constituem historicamente nas atividades humanas. Nesse sentido, os generos nao sao modelos estanques ou rigidos, mas formas sociais de agir nas diferentes 'esferas de uso da lingua'.

(4) I = intervencao; p = principal; s = subordinada.

(5) A numeracao indica que a reportagem foi segmentada em atos. No modelo modular, o ato e a menor unidade de analise (ROULET et al., 2001).

Gustavo Ximenes Cunha [1] * e Janaina de Assis Rufino [2]

[1] Programa de Pos-graduacao em Linguistica, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Antonio Carlos, 6627, 31270-901, Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. [2] Universidade Estadual de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. * Autor para correspondencia. E-mail: ximenescunha@yahoo.com.br
Tabela 1. analise sequencial

Reportagens              Seq.            Seq.        Seq.
                    deliberativas   narrativas    descritivas

Fantasmas                 8            6           2
  maranhenses
Uma vitoria da            7            4           3
  parceria
  tucano-petista
Por que eles              9            5           2
  querem presidir
  a Camara
Turma do barulho         11            4           0
Tem ate                   3            0           9
  antimissil
A casa do                 3            2           0
  presidente
Total de                 41           21          16
 sequencias

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