The role of narrative sequences in the global structure of reports/O papel das sequencias narrativas na estrutura global de reportagens.
Cunha, Gustavo Ximenes ; Rufino, Janaina de Assis
Introducao
Ao estudar a heterogeneidade composicional, diferentes abordagens
do texto e do discurso tem procurado nos ultimos tempos ultrapassar um
estudo redutor dos tipos de discurso, que se contente em apenas
identificar as sequencias discursivas de uma dada producao linguageira.
Considerando que as sequencias (narrativas, descritivas, argumentativas
etc) nao sao imunes a influencias do contexto linguistico ou
extralinguistico, este trabalho, inserindo-se nessa visao contemporanea
dos estudos sobre os tipos e sequencias (BASTOS, 2004, REVAZ;
FILLIETTAZ, 2006), busca combinar a analise das sequencias com a analise
de outros aspectos do discurso, como, por exemplo, as relacoes
discursivas e as representacoes genericas.
Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo mostrar que as
sequencias discursivas nao sao impermeaveis ao contexto em que ocorrem.
Para isso, vamos expor de que forma um modelo da analise do discurso, o
Modelo de Analise Modular do Discurso (ROULET et al., 2001), permite
combinar o estudo dos tipos e sequencias discursivas e o estudo das
relacoes discursivas, para se compreender a funcao macroestrutural que
as sequencias narrativas exercem no genero reportagem.
Com o estudo exclusivo das sequencias discursivas, identificam-se
os tipos (narrativo, descrito, argumentativo etc.) a que pertencem as
sequencias de um discurso. Ja com o estudo exclusivo das relacoes
discursivas (topicalizacao, sucessao, comentario, preparacao etc),
descreve-se a articulacao dos constituintes textuais, identificando a
hierarquia desses constituintes e os eventuais marcadores das relacoes.
A combinacao desses dois estudos permite esclarecer as seguintes
questoes:
a) Qual o estatuto hierarquico (principal ou subordinado) de uma
sequencia narrativa especifica?
b) Qual a funcao que uma sequencia narrativa especifica exerce no
interior de uma producao discursiva em relacao as sequencias que a
antecedem ou sucedem?
Nao e possivel responder a essas questoes estudando apenas as
sequencias narrativas ou apenas as relacoes discursivas. E preciso
realizar um estudo em que aspectos sequenciais e relacionais se
integrem. Com esse objetivo, neste artigo, estudando o genero
reportagem, e apresentado inicialmente o quadro teorico e metodologico,
com base no qual se realizou a analise. Em seguida, sao expostos os
criterios de selecao do corpus e o metodo utilizado na realizacao do
estudo. Por fim, apresentam-se e discutem-se os resultados gerais
obtidos na analise.
Modelo de Analise Modular do Discurso
Em sua versao atual (ROULET et al., 2001; FILLIETTAZ, 1999; MARINHO
et al., 2007, RUFINO, 2011), o Modelo de Analise Modular do Discurso
constitui um instrumento de analise que integra e articula, em uma
perspectiva cognitivo-interacionista, as dimensoes linguistica, textual
e situacional da organizacao do discurso. Nesse sentido, esse e um
modelo global e abrangente de compreensao da complexidade discursiva.
Conforme a metodologia adotada pelo modelo modular, identificam-se,
inicialmente, os modulos que entram na composicao do discurso. Nessa
abordagem, cada dimensao do discurso se constitui de modulos. Assim, a
dimensao linguistica se constitui dos modulos lexical e sintatico; a
dimensao textual se constitui do modulo hierarquico; e a dimensao
situacional se constitui dos modulos interacional e referencial.
Posteriormente, procura-se mostrar como as informacoes resultantes
do estudo dos modulos se combinam em formas de organizacao do discurso.
No modelo modular, distinguem-se dois tipos de formas de organizacao: as
elementares e as complexas. As formas de organizacao elementares
(fono-prosodica, semantica, relacional, informacional, enunciativa,
sequencial e operacional) resultam da combinacao ou acoplagem de
informacoes extraidas dos modulos. Ja as formas de organizacao complexas
(periodica, topica, polifonica, composicional e estrategica) resultam da
combinacao ou acoplagem de informacoes extraidas dos modulos e das
formas de organizacao elementares e/ou complexas (ROULET et al., 2001).
No modelo, o estudo da funcao macroestrutural que as sequencias
discursivas exercem na construcao de um texto se faz na forma de
organizacao complexa composicional. Esse estudo resulta da combinacao de
informacoes de duas formas de organizacao elementares: a sequencial, que
se ocupa dos tipos de discurso e das sequencias discursivas, e a
relacional, que trata das relacoes de discurso.
Na sequencia deste item, apresentaremos de modo sucinto cada uma
dessas formas de organizacao elementares.
Forma de organizacao sequencial
Essa forma de organizacao se ocupa basicamente da segmentacao do
discurso em sequencias. Para isso, busca, de um lado, definir uma
tipologia discursiva que possa ser aplicada a todas as producoes
linguageiras e, de outro, extrair as sequencias discursivas em que os
tipos de discurso se atualizam.
A definicao dos tipos e a segmentacao do discurso em sequencias
mobilizam informacoes do modulo referencial, responsavel por definir
categorias pre-linguageiras, e do modulo hierarquico, responsavel por
definir os processos textuais em que essas categorias se manifestam.
Combinando informacoes desses dois modulos, Filliettaz (1999; ROULET et
al., 2001) propoe uma tipologia formada por tres tipos de discurso
(narrativo, descritivo, deliberativo). Esses tipos constituem
representacoes abstratas, cuja funcao e possibilitar a emergencia das
sequencias discursivas (narrativas, descritivas e deliberativas).
Dos tipos considerados pelo modelo modular, o narrativo e o que tem
merecido mais atencao por parte de estudiosos de diferentes areas, como
Literatura, Analise do Discurso, Analise da Conversacao e
Sociolinguistica. No modelo, esse tipo e definido como
[...] o esquema de uma intervencao textual, tendo por propriedade
designar uma pluralidade de acontecimentos disjuntos do mundo comum, no
qual acontece o processo da comunicacao (ROULET et al., 2001, p. 316).
Essa definicao geral revela a complexidade nocional desse tipo, o
qual se caracteriza com a ajuda de nocoes referenciais (a 'cadeia
culminativa de acontecimentos' e a 'disjuncao de mundos')
e de uma nocao textual (a 'intervencao').
Para tratar das nocoes referenciais, cujo estudo se faz no interior
do modulo referencial, Filliettaz (1999) defende que as diferentes
formas de expressao da narratividade representam acontecimentos que se
articulam em uma cadeia culminativa. A hipotese dessa cadeia repousa
sobre a ideia de que toda historia pressupoe uma tensao entre
acontecimentos desencadeadores e acontecimentos conclusivos, a qual
decorre da transformacao dos personagens e da situacao em que se
encontram inicialmente implicados. No modelo modular, essa cadeia
culminativa de acontecimentos se representa da seguinte forma (Figura
1):
[FIGURE 1 OMITTED]
Para o modelo, essa cadeia de acontecimentos constitui a
representacao praxeologica que subjaz a todas as sequencias narrativas e
nao a estrutura de uma sequencia narrativa especifica. Em producoes
linguageiras particulares, a organizacao dos acontecimentos de uma
narracao tanto pode assumir uma configuracao tipica, muito proxima dessa
representacao praxeologica, como pode assumir uma configuracao atipica,
em que nem todos os acontecimentos estao explicitamente verbalizados ou
em que se observam diferentes niveis hierarquicos (CUNHA, 2013).
A forma como uma sequencia narrativa especifica atualiza a cadeia
culminativa de acontecimentos, aproximando-se ou afastando-se da
representacao tipica, esta intimamente ligada a segunda nocao
referencial com que se define o tipo narrativo: a nocao de disjuncao de
mundos.
Seguindo as proposicoes de Bronckart (2007), Filliettaz considera
que
[...] toda producao linguageira conduz necessariamente a criacao de
um 'mundo discursivo' que se distingue teoricamente das
coordenadas do 'mundo comum' das atividades humanas
(FILLIETTAZ, 1999, p. 281, grifo do autor).
Embora esses mundos sejam distintos, suas coordenadas espaciais e
temporais podem estabelecer entre si relacoes de conjuncao ou disjuncao.
Assim, se no tipo deliberativo, por exemplo, esses mundos se identificam
e por isso sao conjuntos, o tipo narrativo, ao contrario, conduz a
criacao de um mundo discursivo que e diverso daquele em que se
desenvolve o processo interacional. Em outras palavras, o tipo narrativo
opera uma disjuncao entre o mundo que o discurso representa (o mundo da
historia) e o mundo no qual o discurso e produzido (mundo em que se da a
atividade de narrar essa historia) (CUNHA, 2013).
Segundo Filliettaz (1999), os tipos de discurso se ligam a unidades
textuais de natureza monologal. No modelo modular, o estudo das
configuracoes textuais se faz no interior do modulo hierarquico, que
busca definir as categorias e as regras que permitem gerar as estruturas
hierarquicas de todo tipo de texto, dialogico ou monologico, oral ou
escrito. O componente textual que entra na formulacao dos tipos de
discurso e a intervencao, que e a unidade constitutiva da troca, unidade
textual maxima (ROULET et al, 2001).
Como se pode observar, o tipo narrativo e uma nocao complexa,
porque resulta da combinacao de informacoes de naturezas diferentes. Do
ponto de vista referencial, o tipo narrativo se caracteriza pelas nocoes
de 'cadeia culminativa de acontecimentos' e de 'disjuncao
de mundos'. Do ponto de vista hierarquico, os tipos discursivos, e
nao so o narrativo, se caracterizam pela nocao de 'intervencao
textual'.
Ao tratar do tipo descritivo, Filliettaz (ROULET et al., 2001) nota
que a descricao nao se reduz a um conjunto desordenado de proposicoes,
mas obedece a um procedimento de hierarquizacao rigoroso. Por isso, o
tipo descritivo se caracteriza, com base no modulo referencial, por uma
representacao conceitual tipica, a qual, a partir dos trabalhos de Adam
(1992), se define como uma configuracao recursiva de operacoes
cognitivas, que sao a 'ancoragem', a
'aspectualizacao', a 'relacao' e a
'tematizacao', que definimos a seguir:
a) Ancoragem: toda descricao se refere a uma entidade referencial
determinada. Por isso, ela se ancora em um 'tema-titulo'.
b) Aspectualizacao: na descricao, apresentam-se as caracteristicas
do 'tema-titulo', evocando as partes de que se compoe ou suas
propriedades.
c) Relacao: o 'tema-titulo' pode ser assimilado ou
relacionado com outras entidades referenciais por comparacao ou por
metafora.
d) Tematizacao: essa operacao garante ao discurso descritivo uma
expansao potencialmente infinita.
Essas operacoes se articulam na seguinte representacao conceitual
(Figura 2):
[FIGURE 2 OMITTED]
Com base nessa representacao e na nocao de intervencao textual, o
tipo descritivo e definido como
[...] a representacao esquematica de uma intervencao textual, que
tem por propriedade referencial designar, por meio de operacoes
especificas (ancoragem, aspectualizacao, relacao e tematizacao), as
diversas caracteristicas de uma entidade conceitual (ROULET et al, 2001,
p. 321).
Ja o tipo deliberativo, ao contrario do narrativo e do descritivo,
nao se caracteriza, segundo Filliettaz (1999) e Roulet et al., (2001),
por configuracoes referenciais proprias, constituindo, por isso,
"[...] uma especie de 'grau zero' de um modelo
tipologico" (FILLIETTAZ, 1999, p. 292). Por essa razao, no modelo,
esse tipo se refere ao conjunto das sequencias discursivas que nao
apresentam propriedades nem da narracao, nem da descricao.
Forma de organizacao relacional
O estudo dessa forma de organizacao tem como um de seus objetivos
identificar as relacoes ilocucionarias e interativas genericas entre os
constituintes da estrutura hierarquica e informacoes da memoria
discursiva (1) e resulta da combinacao de informacoes dos modulos
hierarquico, lexical, sintatico e referencial.
Nesse estudo, a identificacao das relacoes ilocucionarias e
interativas genericas se baseia em uma lista reduzida de categorias, as
quais sao consideradas suficientes para descrever todas as formas de
discurso, tanto dialogal como monologal. Ao se utilizar dessas
categorias, o modelo evita estabelecer a priori uma quantidade excessiva
das relacoes especificas que podem ser encontradas em um discurso
(ROULET, 2003). A nocao de argumento, por exemplo, e utilizada como
categoria generica para recobrir uma classe de relacoes interativas como
[...] causa (deliberada ou nao deliberada), explicacao,
justificacao, motivacao, consequencia, objetivo, resultado, condicao,
restricao, argumento suplementar, argumento decisivo, etc (ROULET, 2003,
p. 157).
Na forma de organizacao relacional, as relacoes ilocucionarias
caracterizam as intervencoes que constituem a troca, que, como dito, e a
unidade textual maxima. Essas relacoes podem ser iniciativas ou
reativas, dependendo do lugar em que ocorre a intervencao na estrutura
hierarquica (2). Distinguemse tres categorias genericas de relacoes
ilocucionarias iniciativas (interrogacao, pedido e informacao) e duas
categorias genericas de relacoes ilocucionarias reativas (resposta e
ratificacao) (ROULET et al., 2001).
As relacoes interativas, por sua vez, caracterizam os constituintes
das intervencoes. Distinguem-se oito categorias genericas de relacoes
interativas: argumento, contra-argumento, reformulacao, topicalizacao,
sucessao, preparacao, comentario e clarificacao. O estabelecimento das
categorias genericas de relacoes interativas se justifica pelo fato de
que o agente, para alcancar seus objetivos comunicativos, pode produzir
intervencoes complexas. Na producao dessas intervencoes, ele pode
introduzir argumentos para reforcar um ponto de vista, rejeitar uma
ideia com a apresentacao de contra-argumentos, comentar partes de seu
texto, reformular ideias, tornando-as mais claras para seu
ouvinte/leitor, enumerar os sucessivos eventos de uma narracao etc
(ROULET, 2006; CUNHA, 2011).
As categorias de relacoes genericas podem ser explicitadas por
marcadores linguisticos, como os conectores e as construcoes sintaticas.
Assim, a relacao interativa de contra-argumento pode ser marcada por
conectores, como: 'mas, porem, embora' etc. Da mesma forma, a
relacao ilocucionaria de pedido pode ser marcada por uma construcao
sintatica imperativa.
No estudo da forma de organizacao composicional, a combinacao das
formas de organizacao sequencial e relacional permite verificar as
funcoes que as sequencias discursivas exercem em relacao ao cotexto,
isto e, ao ambiente linguistico em que ocorrem, porque evidencia as
hierarquias e as relacoes de discurso (argumento, contra-argumento,
comentario etc) existentes entre as sequencias na macroestrutura do
discurso. Dessa forma, essa combinacao mostra que
[...] o estudo da heterogeneidade composicional do discurso implica
ultrapassar a analise das sequencias isoladas para examinar, em um nivel
mais macrotextual, a problematica do agenciamento das sequencias em uma
configuracao geral (FILLIETTAZ, 1999, p. 308).
Antes de apresentarmos os resultados da analise das sequencias
narrativas na configuracao geral de reportagens, julgamos conveniente
apresentar no proximo item os criterios de selecao do corpus e os passos
seguidos na conducao dessa analise.
Selecao do corpus e percurso de analise
Para estudar a articulacao de sequencias narrativas em discursos
especificos, selecionamos seis reportagens originalmente publicadas em
duas edicoes da Revista Veja. Essas reportagens fazem parte do corpus da
pesquisa apresentada em Cunha (2008) e foram veiculadas nas edicoes de
Veja dos dias 5 e 12 de janeiro de 2005.
Vale esclarecer que a selecao dessas reportagens levou em conta
alguns criterios. O primeiro deles se refere a decisao de estudar as
sequencias narrativas em textos pertencentes a apenas um genero do
discurso (3). Essa decisao se deve ao fato de que os generos, em vista
das especificidades de suas condicoes de producao, podem ter impacto
sobre a selecao e o funcionamento das sequencias que compoem os textos
individuais (BAKHTIN, 2003). Por isso, o numero de sequencias, bem como
a forma como se articulam na macroestrutura do texto podem variar de um
genero para outro. Assim, este estudo focaliza a atuacao de sequencias
narrativas extraidas de textos pertencentes apenas ao genero
'reportagem'. Neste trabalho, a reportagem e concebida como o
conjunto das representacoes situacionais (quem fala para quem, qual o
status autor e leitor devem assumir, qual tematica pode ser abordada,
quais os suportes tipicos etc.) que sao ativadas no momento em que um
exemplar desse genero e produzido ou lido (CUNHA, 2009).
O segundo criterio de selecao do corpus se refere ao periodo de
publicacao dessas reportagens. Porque os generos sao construtos
socio-historicos que se constituem e se modificam ao longo do tempo
(BRONCKART, 2007), as reportagens selecionadas foram extraidas de duas
edicoes de janeiro de 2005 da revista Veja Ao selecionar reportagens
escritas em um curto espaco de tempo, a finalidade foi que a analise
pudesse investigar a forma como as sequencias narrativas participam da
composicao de reportagens, tal como esse genero e atualmente concebido
em nossa sociedade.
Da edicao do dia 5/1/2005 (REVISTA VEJA, 2005a), constam duas
reportagens. A primeira intitula-se 'Fantasmas maranhenses' e
denuncia a participacao do entao governador do Maranhao, Jose Reinaldo
Tavares, e de pessoas ligadas a ele no desvio de verbas destinadas a
construcao de estradas no Estado. A segunda reportagem intitula-se
'Uma vitoria da parceria tucano-petista' e se refere ao acordo
firmado entre o governo petista e a oposicao tucana, que permitiu a
aprovacao do projeto que cria as parcerias publico-privadas (PPPs).
Da edicao do dia 12/1/2005 (REVISTA VEJA, 2005b), colhemos quatro
reportagens. A primeira intitula-se 'Por que eles querem presidir a
Camara' e trata da disputa entre Virgilio Guimaraes e Luiz Eduardo
Greenhalgh, pelo posto de candidato do PT a presidencia da Camara dos
Deputados. A segunda reportagem, intitulada 'Turma do
barulho', aponta Marta Suplicy como lider de um grupo de politicos
do PT que, segundo o autor, vinha ha tempos desafiando a direcao
nacional do partido. A terceira reportagem intitula-se 'Tem ate
antimissil' e descreve as caracteristicas que faziam do aviao
presidencial recem-adquirido pela Forca Aerea Brasileira (FAB) um dos
avioes mais modernos que havia na epoca. O ultimo texto, intitulado
'A casa do presidente', aborda a polemica causada pelas ferias
que um dos filhos de Lula e os seus amigos passaram em Brasilia. De
acordo com o texto, a oposicao prometeu abrir investigacao, para que o
dinheiro oficial gasto pelos jovens fosse devolvido.
Feita a selecao das reportagens, a primeira etapa da analise
consistiu em identificar as sequencias que entram na composicao de cada
uma delas. Em outros termos, estudou-se a forma de organizacao
sequencial dessas reportagens. Identificadas as sequencias discursivas
que entram na composicao das reportagens, a segunda etapa da analise
buscou estabelecer as estruturas hierarquico-relacionais desses textos,
por meio do estudo de sua forma de organizacao relacional. Por fim, a
terceira e ultima etapa da analise consistiu em combinar o estudo que
identificou as sequencias discursivas e o estudo que descreveu as
estruturas hierarquico-relacionais das seis reportagens, a fim de
identificar:
a) o estatuto hierarquico (principal ou subordinado) das sequencias
narrativas encontradas;
b) a funcao (argumento, contra-argumento, comentario etc) que as
sequencias narrativas encontradas exercem no interior de cada
reportagem.
Os resultados dessa terceira etapa serao apresentados na
continuacao deste trabalho.
Resultados da terceira etapa da analise
Tendo em vista os objetivos deste artigo, que e investigar o papel
das sequencias narrativas na macroestrutura de reportagens, este item
abordara apenas os resultados relativos as sequencias narrativas
encontradas nas seis reportagens analisadas. Nao serao analisadas,
portanto, as sequencias que atualizam os tipos descritivo e
deliberativo.
E importante destacar apenas que as reportagens revelam uma
heterogeneidade composicional significativa, o que equivale a dizer que
a maioria das reportagens do corpus e composta por sequencias
pertencentes aos tres tipos de discurso, narrativo, descritivo e
deliberativo. Esse resultado vai ao encontro de observacoes de Adam
(1992) e Bronckart (2007), segundo os quais as producoes discursivas de
modo geral se caracterizam pela heterogeneidade composicional, raramente
apresentando apenas um tipo de sequencia.
A unica excecao foi a reportagem intitulada 'Tem ate
antimissil', que e composta predominantemente por sequencias
descritivas, apresenta algumas sequencias deliberativas e, contrariando
uma expectativa do genero reportagem, nao conta com nenhuma sequencia
narrativa.
A explicacao para esse fenomeno talvez esteja na tematica da
reportagem em questao. Como foi dito no item anterior, ela trata de um
aviao presidencial adquirido pela FAB no final de 2004 e se ocupa
basicamente da descricao das caracteristicas desse aviao. Dai a ausencia
de sequencias narrativas e a pequena quantidade de sequencias
deliberativas.
Quanto as outras cinco reportagens, todas apresentam sequencias
narrativas. Na Tabela 1 e sintetizado o estudo da forma de organizacao
sequencial, trazendo, na coluna da esquerda, o titulo das reportagens e,
nas demais colunas, a quantidade de sequencias deliberativas, narrativas
e descritivas encontradas em cada uma delas.
Os resultados dessa Tabela revelam que, nas reportagens do corpus
desta pesquisa, nao sao as sequencias narrativas que predominam, mas sim
as deliberativas. Conforme Hernandez (2006), as revistas de informacoes,
como a Veja, vem apresentando um discurso cada vez mais sancionador e
opinativo. Nesse quadro e mostrado que essa tendencia se reflete na
proporcao das sequencias discursivas que compoem as reportagens. Nelas,
o jornalista parece se ocupar menos em informar acontecimentos por meio
de sequencias narrativas e mais em defender pontos de vista por meio de
sequencias deliberativas.
Como foi dito no item anterior, a terceira etapa da analise
consistiu em integrar o estudo que identificou as sequencias e o estudo
da estrutura hierarquicorelacional das reportagens, a fim de extrair
informacoes sobre o estatuto hierarquico das sequencias narrativas e
sobre a funcao que exercem nos textos.
Sobre o estatuto hierarquico, verificou-se que, das 21 sequencias
narrativas, apenas seis (28,5%) apresentam o estatuto de constituintes
principais do discurso. Na macroestrutura hierarquica a seguir (Figura
3), e possivel visualizar o lugar ocupado por essas sequencias: (4)
[FIGURE 3 OMITTED]
Com esse esquema, e possivel perceber que as sequencias narrativas,
quando ocorrem em constituintes principais, trazem informacoes centrais
da reportagem e que a sequencia que ocorre no constituinte subordinado
apresenta informacoes suplementares ou perifericas, que, em alguma
medida, preparam, complementam ou esclarecem as informacoes expressas na
sequencia narrativa. E o que mostra este exemplo que constitui a parte
inicial da reportagem 'Fantasmas maranhenses' (REVISTA VEJA,
2005a, p. 57):
1. (5) (01) Pobre Maranhao. (02) O estado tem o pior indice de
desenvolvimento humano do Brasil, (03) a renda per capita mais baixa do
pais (04) e esta na ponta do ranking dos indicadores sociais negativos.
(05) Metade da populacao nao tem agua encanada ou esgoto (06) e vive
abaixo da linha da pobreza.
(07) No fim do ano passado, (08) o governador Jose Reinaldo
Tavares, ex-PFL, filiou-se ao PTB em grande estilo. (09) Anunciou seu
rompimento com as velhas oligarquias politicas, (10) prometeu modernizar
o estado e investir em infraestrutura. (11) Decidiu tambem priorizar o
interior, (12) principalmente as cidades mais carentes. (13) As mudancas
comecaram a se materializar com a assinatura de duas dezenas de
contratos de emergencia com empresas encarregadas de abrir centenas de
quilometros de estradas vicinais.
Essa reportagem comeca com uma sequencia descritiva, em que o
jornalista apresenta caracteristicas do Estado do Maranhao. Em seguida,
introduz a sequencia narrativa (em italico), em que narra atitudes
tomadas no final de 2004, pelo entao governador Jose Reinaldo Tavares,
para mudar as caracteristicas do Estado. Como se ve, as informacoes
centrais sao dadas na sequencia narrativa, ao passo que a sequencia
descritiva tem o papel suplementar de oferecer o contexto ou o cenario
em que os acontecimentos principais ocorreram.
As outras 15 sequencias narrativas (71,5%) apresentam o estatuto de
constituintes subordinados. O lugar que ocupam na estrutura pode ser
visualizado neste esquema (Figura 4):
[FIGURE 4 OMITTED]
Quando as sequencias narrativas ocorrem em constituintes
subordinados, sao elas que vao apresentar informacoes suplementares, que
complementam e esclarecem as informacoes expressas na outra sequencia, a
que ocorre no constituinte principal. E o que mostra este trecho
extraido da reportagem 'Por que eles querem presidir a Camara'
(REVISTA VEJA, 2005b, p. 37):
2. (30) O presidente da Camara pode nao ajudar, (31) mas pode
inviabilizar um governo, (32) tantas sao suas prerrogativas. (33) E dele
a decisao do que vai ou nao entrar na pauta de votacao. (34) Assim,
dependendo de seu humor, (35) pode acelerar ou retardar materias de
interesse do executivo.
(36) No ano passado, (37) apenas seis propostas de autoria de
deputados foram aprovadas, (38) contra mais de 100 do Executivo.
Nesse trecho, o jornalista argumenta na sequencia deliberativa que
o presidente da Camara tem o poder de inviabilizar um governo, podendo
acelerar ou retardar materias de interesse do executivo. Para comprovar
essa afirmacao, ele conta, na sequencia narrativa (em italico), que, em
2004, apenas seis propostas de autoria de deputados foram aprovadas.
Como se percebe, as informacoes centrais estao na sequencia
deliberativa, para a qual a sequencia narrativa da sustentacao.
Como resposta a primeira pergunta feita na introducao deste
trabalho, o estudo que combinou as sequencias narrativas e a articulacao
textual trouxe evidencias de que, em reportagens, as sequencias
narrativas ocupam preferencialmente o lugar de constituintes
subordinados na estrutura hierarquicorelacional. Isso significa que,
nesse genero, as sequencias narrativas estao, de modo geral, 'a
servico' de outras sequencias, nao sendo a narracao de uma historia
o fim principal do jornalista. Ou seja, nas reportagens, a narracao de
um acontecimento tem um carater utilitario, ja que a narracao nao tem um
fim em si, como ocorre, por exemplo, em generos literarios.
Quanto a funcao que essas sequencias exercem, as seis que tem o
estatuto de principais trazem informacoes de fundamental importancia
para a construcao de sentidos das reportagens. Nao por acaso, a maior
parte dessas sequencias (5(83,3%)) inicia reportagens e constitui o
lide, parte da reportagem em que o jornalista, para oferecer ao leitor
um panorama do que trata a reportagem, fornece respostas as perguntas:
quem?, onde?, quando?, por que? e como? (PESSOA, 2007).
Um exemplo das sequencias narrativas que funcionam como lide e
retirado da reportagem 'Turma do barulho'. (REVISTA VEJA,
2005b, p. 62):
3. (01) Eles ja sao uma especie de faccao informal do PT. (02)
Liderado pela ex-prefeita de Sao Paulo Marta Suplicy, (03) o grupo
formado pelos exsecretarios municipais Jilmar Tatto, Rui Falcao e
Valdemir Garreta, pelo vereador Arselino Tatto e pelo marido da petista,
Luis Favre, vem ha tempos desafiando a direcao nacional do partido. (04)
Na semana passada, (05) o grupo deu nova mostra de rebeldia: (06) apoiou
o candidato dissidente dos tucanos Roberto Tripoli a presidencia da
Camara dos Vereadores de Sao Paulo, (07) enquanto o presidente nacional
do PT, Jose Genoino, trabalhava para eleger Ricardo Montoro, candidato
do prefeito Jose Serra.
Por meio dessa sequencia narrativa, o jornalista informa ao leitor
as informacoes centrais da reportagem: 'quem' (Marta Suplicy,
Jilmar Tatto, Rui Falcao, Valdemir Garreta, Arselino Tatto e Luis
Favre), 'onde' (Sao Paulo), 'quando' (Na semana
passada), 'por que' (desafiar a direcao nacional do PT) e
'como' (apoiou o candidato dissidente dos tucanos Roberto
Tripoli a presidencia da Camara dos Vereadores de Sao Paulo). Dessa
forma, com essa sequencia, o jornalista oferece ao leitor as informacoes
centrais ou um resumo da reportagem.
Ja as sequencias que tem o estatuto de constituintes subordinados
realizam funcoes mais variadas, dependendo da relacao interativa que
estabelecem com informacoes ativadas no cotexto, que se refere ao
contexto linguistico. Assim, a analise das relacoes discursivas que se
estabelecem, na macroestrutura das reportagens, entre essas sequencias e
o cotexto permitiu verificar que, das 15 sequencias subordinadas, uma
(6,6%) participa de uma relacao de preparacao, tres (20,0%) participam
de relacoes de contraargumentacao e 11 (73,4%) participam de relacoes de
argumentacao.
A sequencia que exerce a funcao de preparacao ocorre na reportagem
'Uma vitoria da parceria tucanopetista', que, como exposto,
trata do acordo entre governo e oposicao para a criacao de parceiras
publicoprivadas (PPPs). Apresentamos, a seguir, a sequencia narrativa
(em italico) e o trecho da reportagem para o qual a sequencia funciona
como uma preparacao. (REVISTA VEJA, 2005a, p. 38):
4. (36) O problema, porem, e que a versao inicial do projeto
oficial pecava pela falta de controles. (37) Nao continha limite de
gastos (38) nem impedia que algumas obras fossem incluidas sob o
guarda-chuva generoso das PPPs (39) mesmo sendo lucrativas. (40) Tambem
nao impedia que as empresas privadas fossem buscar no BNDES e nos fundos
de pensao todo o dinheiro necessario para fazer as obras de PPPs (41)--o
que retiraria completamente o risco privado. (42) No inicio, (43) uma
troca de acusacoes transmitiu a impressao de que o projeto ficaria
indefinidamente obstruido. (44) Mais tarde, felizmente, (45) governo e
oposicao transigiram, (46) e o projeto foi aprovado com mudancas.
(47) Em sua forma final, (48) o projeto das PPPs estabelece que
estados, municipios e a Uniao so poderao comprometer ate 1% de sua
receita liquida anual com recursos que darao (49) para complementar a
rentabilidade dos investidores. (50) Alem disso, a lei estipulou que o
BNDES e os fundos de pensao, juntos, so poderao participar com ate 80%
do financiamento das obras. (51) Em algumas regioes mais pobres, (52)
esse percentual sobe para 90%. (53) O Ministerio do Planejamento ja tem
23 projetos com valor de 13 bilhoes de reais que podem ser executados
por meio das PPPs.
Na sequencia narrativa, o jornalista trata dos problemas constantes
na versao inicial do projeto de criacao das PPPs. Ele conta que esse
projeto pecava pela falta de controles e tirava qualquer risco das
empresas privadas, o que foi motivo de troca de acusacoes entre governo
e oposicao. Em vista desses problemas, o projeto foi finalmente aprovado
com mudancas. Somente depois de realizar esse percurso e que ele traz
informacoes sobre a forma final do projeto.
Portanto, com a sequencia narrativa, sao apresentadas ao leitor
informacoes que constituem uma preparacao para ele compreender que o
formato final das PPPs constitui o resultado de um consenso entre
governo e oposicao. Dessa forma, a sequencia narrativa parece funcionar
como um recurso por meio do qual o jornalista busca convencer o leitor
de que a versao final do projeto das PPPs resultou de um processo em que
foram levadas em conta exigencias e restricoes do governo e da oposicao.
A seguir, apresentamos um trecho da reportagem 'A casa do
presidente', que trata das ferias que o filho de Lula e amigos
passaram em Brasilia e da polemica que o fato provocou. Nesse trecho, a
parte em italico constitui uma das tres sequencias narrativas que
participam de relacoes de contra-argumentacao (REVISTA VEJA, 2005b, p.
75).
5. (01) Em julho do ano passado, (02) Luis Claudio, filho do
presidente Lula, e um grupo de catorze amigos paulistas passaram as
ferias em Brasilia. (03) Hospedaram-se no Palacio da Alvorada, (04)
fizeram churrasco na Granja do Torto, (05) passearam de lancha no Lago
Paranoa (06) e conheceram os principais gabinetes do Palacio do
Planalto. (07) O episodio veio a tona na semana passada, em fotos
divulgadas na internet pelos proprios garotos, (08) e causou polemica.
(09) A oposicao prometeu abrir uma investigacao (10) e pedir a devolucao
de todo o dinheiro oficial gasto na estada brasiliense dos jovens.
(11) Ha uma boa dose de exagero nessa reacao. (12) Durante o
mandato, (13) o Palacio da Alvorada e a casa do presidente. (14) E seu
'lar', (15) para usar uma palavra de conotacoes mais fortes.
(16) Nao existem impedimentos legais para ele receber as visitas que
desejar ali, (17) ainda que sejam amigos do filho.
Nesse fragmento, o jornalista procura enfraquecer o peso das
informacoes apresentadas na sequencia narrativa. Para isso, traz um
contra-argumento, ao defender que ha uma boa dose de exagero na reacao
da oposicao, ja que o Palacio da Alvorada e a casa do presidente. Nesse
sentido, o estatuto de subordinado dessa sequencia narrativa se explica
pelo fato de que a informacao principal, que exibe maior forca
argumentativa, se encontra na parte da reportagem que se opoe as
informacoes que veicula.
Como foi dito anteriormente, das 15 sequencias narrativas
subordinadas, onze (73,4%) funcionam como argumento. A quantidade de
sequencias narrativas empregadas com essa funcao parece ser um indicador
de que, no genero reportagem, a narracao de acontecimentos nao constitui
um recurso meramente informativo. Ou seja, o jornalista nao narra apenas
para transmitir informacoes ao leitor. As sequencias parecem ter um
papel claramente argumentativo, porque atuam na defesa de pontos de
vista do jornalista e, em consequencia, na persuasao do leitor (CUNHA,
2009). Apresentamos, a seguir, um exemplo dessas sequencias, extraido da
reportagem 'Uma vitoria da parceria tucano-petista' (REVISTA
VEJA, 2005a, p. 38):
6. (26) Dos 57.000 quilometros que formam a principal parte da
malha rodoviaria do pais, (27) metade esta com pavimento comprometido.
(28) A extensao ferroviaria nao ultrapassa os 30.000 quilometros desde
1970. (29) Sozinho, (30) o governo nao tem dinheiro para essas obras de
infra-estrutura. (31) Nao se trata apenas de um problema federal.
(32) Angustiados com a mesma falta de investimentos, (33)
governadores tucanos como o paulista Geraldo Alckmin e o mineiro Aecio
Neves fizeram suas proprias PPPs (34) e esperavam pela legislacao
federal (35) para adapta-las e colocalas em pratica.
No fragmento acima, a sequencia narrativa (em italico) funciona
como um argumento para o jornalista defender que a falta de dinheiro
para obras de infraestrutura nao e um problema apenas do governo. Nesse
sentido, ela atua como uma especie de 'prova' de que o governo
federal nao tem dinheiro para obras de infraestrutura e de que esse
problema tambem atinge os Estados. E como se o jornalista dissesse ao
leitor: 'Digo que esse problema nao e apenas federal, porque
governadores tucanos precisaram fazer suas proprias PPPs'.
Entretanto, embora as 11 sequencias narrativas tenham em comum a
funcao de argumento, cada uma delas apresenta especificidades, que se
referem a forma como a sequencia se liga ao cotexto. Em algumas
sequencias, as informacoes exemplificam uma informacao anteriormente
expressa. E o que se percebe no trecho, a seguir, em que, ao tratar das
vantagens de ser presidente da Camara dos Deputados, o autor de
'Por que eles querem presidir a Camara' diz (REVISTA VEJA,
2005b, p. 37):
7. (40) Outra exclusividade do presidente e a definicao do ritmo
das apuracoes de irregularidades na Casa.
(41) O processo de cassacao do deputado Andre Luiz (PMDB-RJ), por
exemplo, andou rapido por empenho de Joao Paulo. (42) Outro, como o do
deputado Pedro Correa, envolvido com a mafia dos combustiveis, esta se
arrastando ha seis meses.
Nesse trecho, a sequencia narrativa (em italico) traz exemplos que
visam a reforcar a tese de que a definicao do ritmo das apuracoes de
irregularidades e uma exclusividade do presidente da Camara.
Outras sequencias parecem ser empregadas com a funcao de levar o
leitor a inferir o que o jornalista nao pode dizer explicitamente. Na
reportagem que trata das ferias que o filho de Lula e amigos passaram em
Brasilia 'A casa do presidente', diz o autor (REVISTA VEJA,
2005a, p. 75):
8. (30) Se as reclamacoes sobre a farra juvenil em Brasilia tem
onde se apoiar, (31) e no uso de um aviao e de uma lancha com bandeira
oficial. (...) (37) O uso do aviao e da lancha representa, no minimo,
uma contradicao.
(38) Em 1999, (39) os petistas tentaram criar uma comissao
parlamentar de inquerito (40) para investigar os ministros do governo
tucano que usaram jatinhos oficiais (41) para passar ferias na praia.
(42) Alguns foram obrigados a restituir dinheiro a Uniao (43) e outros
respondem a processo ate hoje.
Para defender que o uso do aviao e da lancha pelo filho de Lula
representa uma contradicao, o jornalista conta, na sequencia narrativa,
que, na epoca em que os petistas eram oposicao, ministros tucanos usaram
jatinhos oficiais para passar as ferias na praia e que, por isso, os
petistas tentaram criar uma CPI. Sem dizer que contradicao e essa, o
jornalista deixa para o leitor inferir que, segundo o seu ponto de
vista, os petistas (ou seus parentes) praticam hoje as atitudes que
condenavam, quando eram da oposicao. O emprego da sequencia narrativa
parece funcionar, portanto, como uma estrategia, por meio da qual o
jornalista 'diz sem dizer'e, assim, se protege de possiveis
ataques.
Como se ve, as sequencias narrativas que, na estrutura
hierarquico-relacional, funcionam como argumentos para a defesa de um
ponto de vista apresentam particularidades, que as distinguem umas das
outras. Mas todas elas tem em comum a caracteristica de permitir ao
jornalista defender um ponto de vista por meio da apresentacao de um
acontecimento ocorrido no espaco publico (CHARAUDEAU, 2006). Na busca
por produzir os efeitos de objetividade e de imparcialidade, o
jornalista faz parecer ao leitor que suas afirmacoes sao isentas de um
posicionamento politico ou ideologico, porque teriam como base os fatos,
os acontecimentos que as sequencias narrativas apresentam. Dessa forma,
com essas sequencias, procura-se criar a ilusao de que os acontecimentos
narrados, transformados em objeto de discurso pelo jornalista, estao em
estado puro e bruto, podendo, por isso mesmo, funcionar como prova,
exemplo e argumento do que se afirmou em outra parte do texto (CUNHA,
2009).
Consideracoes finais
Neste artigo, apresentamos os resultados de um trabalho que,
valendo-se dos postulados do Modelo de Analise Modular do Discurso,
procurou integrar o estudo dos tipos e sequencias discursivas e o estudo
das relacoes de discurso. Com base em um corpus formado por seis
reportagens, identificamos, num primeiro momento, as sequencias
discursivas de que as reportagens se compoem, a fim de extrair as
sequencias narrativas existentes. Em seguida, analisamos as relacoes de
discurso que os constituintes das reportagens estabelecem num nivel
macrodiscursivo. Por fim, combinamos esses estudos, com o objetivo de
precisar o estatuto principal ou subordinado das sequencias narrativas,
bem como a funcao que exercem no interior dos discursos.
Nesse terceiro momento da analise, obtivemos indicacoes de que, em
reportagens, as sequencias narrativas nao exercem um papel meramente
informativo. Ao contrario, essas sequencias, na maior parte das
ocorrencias estudadas, tem o estatuto de constituintes subordinados e
funcionam como argumentos com que o jornalista procura defender um ponto
de vista. Como vimos nos exemplos apresentados, o autor apresenta seu
ponto de vista e, logo em seguida, narra um acontecimento que reforca,
exemplifica ou ilustra essa afirmacao. Nesse sentido, em reportagens, o
emprego de sequencias narrativas parece atuar como uma estrategia que
permite ao jornalista assumir um posicionamento, mas sem comprometer a
sua credibilidade e a suposta objetividade de seu discurso.
Doi: 10.4025/actascilangcult.v35i2.17337
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337f. Tese (Doutorado em Linguistica)-Faculdade de Letras, Universidade
Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
Received on May 23, 2012.
Accepted on February 18, 2013.
(1) A memoria discursiva e definida como o conjunto de saberes
conscientemente partilhados pelos interlocutores (ROULET et al., 2001).
(2) A primeira intervencao de uma troca e ligada a segunda por uma
relacao ilocucionaria iniciativa; a ultima intervencao de uma troca e
ligada a precedente por uma relacao ilocucionaria reativa; e cada
intervencao intermediaria e ligada a precedente por uma relacao
ilocucionaria reativa e a proxima por uma relacao ilocucionaria
iniciativa" (ROULET, 2006, p. 120).
(3) Seguindo a proposta de Bakhtin (2003), este trabalho considera
que os generos do discurso sao formas relativamente estaveis de
enunciados, que se constituem historicamente nas atividades humanas.
Nesse sentido, os generos nao sao modelos estanques ou rigidos, mas
formas sociais de agir nas diferentes 'esferas de uso da
lingua'.
(4) I = intervencao; p = principal; s = subordinada.
(5) A numeracao indica que a reportagem foi segmentada em atos. No
modelo modular, o ato e a menor unidade de analise (ROULET et al.,
2001).
Gustavo Ximenes Cunha [1] * e Janaina de Assis Rufino [2]
[1] Programa de Pos-graduacao em Linguistica, Universidade Federal
de Minas Gerais, Av. Antonio Carlos, 6627, 31270-901, Pampulha, Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil. [2] Universidade Estadual de Minas
Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. * Autor para
correspondencia. E-mail: ximenescunha@yahoo.com.br
Tabela 1. analise sequencial
Reportagens Seq. Seq. Seq.
deliberativas narrativas descritivas
Fantasmas 8 6 2
maranhenses
Uma vitoria da 7 4 3
parceria
tucano-petista
Por que eles 9 5 2
querem presidir
a Camara
Turma do barulho 11 4 0
Tem ate 3 0 9
antimissil
A casa do 3 2 0
presidente
Total de 41 21 16
sequencias
Elaborada pelos autores.