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文章基本信息

  • 标题:Interfaces between the philosofic and linguistic thought: some theoretical reflections about the delimitation of the object of study of the linguistic/Interfaces entre o pensamento filosofico e linguistico: algumas reflexoes teoricas sobre a delimitacao do objeto de estudo da linguistica.
  • 作者:de Matos, Denilson Pereira ; Brito, Amanda de Souza ; Vanderlei, Delma de Melo
  • 期刊名称:Acta Scientiarum. Language and Culture (UEM)
  • 印刷版ISSN:1983-4675
  • 出版年度:2012
  • 期号:July
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Universidade Estadual de Maringa

Interfaces between the philosofic and linguistic thought: some theoretical reflections about the delimitation of the object of study of the linguistic/Interfaces entre o pensamento filosofico e linguistico: algumas reflexoes teoricas sobre a delimitacao do objeto de estudo da linguistica.


de Matos, Denilson Pereira ; Brito, Amanda de Souza ; Vanderlei, Delma de Melo 等


Introducao

A historia da linguistica, segundo a organizacao proposta por Camara Junior (1975), pode ser observada a partir de tres dominios de estudo: o pre-linguistico, o paralinguistico e o linguistico propriamente dito. O segundo dominio, o paralinguistico, serve aos interesses deste trabalho por mostrar o entrelacamento entre linguistica e filosofia, especialmente se considerarmos as tentativas dos gregos que resultaram, dentre outras consequencias, na Logica. Vale salientar, porem, que as relacoes entre os campos de estudo sao muito mais amplas e especificamente tratadas em uma ciencia, a saber, a filosofia da linguagem.

Esta proposta objetiva mostrar os principais pontos das duas orientacoes, acompanhados de uma breve reflexao bakhtiniana sobre elas. Para o alcance deste objetivo, parte-se de algumas propostas de Bakhtin (1981) e (1997), Camara Junior (1975), Costa (2008), Marx (1984), Senna (1991) e Saussure (1995).

Bakhtin (1981) expoe que o principal problema com o qual a filosofia da linguagem se depara e o isolamento e delimitacao da linguagem como objeto de estudo. Trabalham na resolucao desse impasse as duas principais orientacoes do pensamento filosofico-linguistico: o subjetivismo idealista, com destaque para o lado individual da linguagem tratado no ambiente da estetica, e o objetivismo abstrato que aborda como prioridade o sistema linguistico com partes organizadas por leis internas.

Os estagios da historia da linguistica ate o entrelacamento com a filosofia

Os contornos assumidos pela linguistica no seculo XX, a partir da sistematizacao de estudos e definicao de objeto e metodo propostos por Ferdinand de Saussure, pertencem a um momento da ciencia propriamente dita. Precederam a essa epoca dois outros dominios: o pre-linguistico e o paralinguistico que constituem a triplice abordagem ao estudo da linguagem proposta por Camara Junior (1975).

O pre-linguistico compreende tres tipos de estudos: 'O Estudo do Certo e Errado', 'O Estudo da Lingua Estrangeira', e, por fim, 'O Estudo Filologico da Linguagem'.

Para o entendimento do 'Estudo do Certo e Errado' vale que nos detenhamos ao fato de a linguagem poder refletir as especificidades de um dado grupo social. Nesse particular, falaremos do grupo elitista de status social superior, pois as "[...] classes superiores dao-se conta desse fato e tentam preservar os tracos linguisticos pelos quais se opoem as classes inferiores" (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 16). Os tracos linguisticos pertencentes a variacao falada pela classe superior sao considerados 'certos' ao passo que a classificacao de 'erro' e empregada aos falares das classes que estariam abaixo em uma hierarquia social. O estudo da linguagem, nesse momento, surge como tentativa de conservacao da variacao linguistica do grupo superior de modo a fazer resistir a influencia das demais variacoes consideradas inferiores no mesmo substrato linguistico.

Na Grecia, por exemplo, encontramos a materializacao desta reflexao no que diz respeito a manutencao do status de uma civilizacao que se reconhecia como cultura dominante. Como afirma Senna (1991), os gregos diferiam de outros povos quanto ao que consideravam instrumento de poder, pois se para os povos belicos, por exemplo, os romanos, as armas eram instrumento de poder, para os gregos o poder advinha do saber, sendo o instrumento de poder aquele que fosse dotado da capacidade de espalha-lo. Considerando os tempos contemporaneos, cujo poder esta no valor do capital, e possivel uma analogia:

[...] a producao capitalista nao e apenas producao de mercadoria, e essencialmente producao de maisvalia. O trabalhador produz nao para si, mas para o capital. Nao basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas e produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve a autovalorizacao do capital (MARX, 1984, p. 105-106).

Seja numa, seja noutra direcao, gregos, romanos puderam e os americanos podem, por exemplo, fazer da lingua sua ferramenta de propagacao das ideias que estao embutidas na cultura de cada povo e explicadas em suas acoes em 'prol' da defesa de uma identidade.

Seguindo o raciocinio da proposta introdutoria deste artigo--o periodo da historia da linguistica, a lingua grega em seu apogeu--o periodo helenico privilegiou os estudos da significacao nas manifestacoes de Socrates, Platao e Aristoteles.

Com o trabalho dos estoicistas e a elaboracao das primeiras gramaticas teoreticas do grego (ja com caracteristicas normativas), o periodo citado da lugar ao proximo, o helenistico, coincidente com o declinio daquela civilizacao.

Em concomitancia com o processo natural de modificacao da lingua, resultante da dinamicidade que lhe e inerente, estava o contato do povo grego com novos povos, fatores que juntos causavam variacoes no sistema linguistico. Senna (1991) afirma que alguns associaram esse processo de mudanca ao declinio da civilizacao e tomaram medidas para tentar conte-lo.

Houve, entao, uma associacao entre a gradativa decadencia do imperio grego e as mudancas ocorridas na lingua grega. A partir dai, um grupo de intelectuais representantes da cultura dominante iniciam investimentos sistematicos para tentar deter o processo de evolucao do grego, tentando, assim, preservar o status quo da cultura grega. (SENNA, 1991, p. 18).

Considerando a associacao feita, nota-se, no empenho desses intelectuais, a tentativa de conter o progressivo declinio no qual se encontravam, para manter o seu status quo. E desse equivoco, inclusive, que surge a normatizacao gramatical que estabeleceu na epoca a norma ou padrao elitista como aquele que continha os tracos linguisticos corretos. Investimentos foram feitos em estudos a fim de sistematizar os fatos gramaticais com objetivo de atingir o ensino do grego, como afirma Senna (1991) ao tratar dos investimentos em estudos prescritivos e dos primeiros metodos de investigacao.

Nesse investimento, que identifica tracos corretos e consequentemente os incorretos, e possivel propor-se associacao ao 'O Estudo do Certo e Errado', segundo a configuracao explicada anteriormente.

Lembremo-nos agora dos demais estudos pertencentes ao pre-linguistico, 'O Estudo da Lingua Estrangeira' e 'O Estudo Filologico da Linguagem'.

O primeiro, 'O Estudo da Lingua Estrangeira', surge do estudo da linguagem determinado pelo contato entre duas comunidades linguisticas estrangeiras com linguas diferentes. A busca pela compreensao linguistica impulsiona o estudo da lingua estrangeira. Todavia, e a curiosidade humana estimulada pelos contrastes que leva a um estudo baseado em comparacoes sistematicas, conforme Camara Junior (1975), na abordagem das diferentes pesquisas.

O segundo, 'O Estudo Filologico da Linguagem', foi impulsionado pela necessidade de "[...] compreender os tracos linguisticos obsoletos a fim de captar a mensagem artistica [...]" em textos literarios (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 19). Na Literatura, a lingua e considerada de modo particular e consciente em comparacao com as outras atividades de linguagem. O estudo da linguagem do texto tornou-se relevante para captar a mensagem que se tencionou transmitir em uma dada epoca.

'O Estudo Filologico' encerra o dominio pre-linguistico. O dominio paralinguistico que o segue, por sua vez, enfatiza dois tipos de estudos, 'O Estudo Biologico da Linguagem' e 'O Estudo Logico da Linguagem'.

A linguagem depende de fatores biologicos do corpo humano mesmo com as fortes relacoes com a cultura, sendo "[...] uma criacao social baseada na predisposicao biologica" (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 18). A evolucao cientifica poderia levar ao entendimento dos mecanismos biologicos que possibilitam o uso da linguagem, o que esta relacionado a 'O Estudo Biologico da Linguagem'.

'O Estudo Logico da Linguagem', por seu turno, ocorre por entrelacamento entre filosofia e linguagem. Considerando o pensamento filosofico como algo que se processa pela expressao linguistica, torna-se necessario um intenso estudo da linguagem, razao da ligacao dos campos:

O pensamento filosofico, por exemplo, se processa atraves da expressao linguistica. A precisao e as sutilezas do pensamento filosofico levam a um intenso estudo da linguagem atraves do qual ambos podem ser transmitidos e, mesmo, estabelecidos e desenvolvidos (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 18).

O mesmo autor salienta que existiam ideias no sentido de tornar a linguagem um instrumento do pensamento filosofico e de disciplina-la para utilizala como meio de atingi-lo no mesmo processo disciplinar. Estas ideias sao substituidas pelo estudo hibrido nascido do entrelacamento citado anteriormente e chamado de logica. Desta maneira, constitui-se 'O Estudo Logico'.

E primordial ressaltar, porem, segundo os objetivos dos apontamentos deste trabalho, que as relacoes entre estudos filosoficos e linguisticos sao bem mais amplas e foram tratadas na filosofia da linguagem.

Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, Mikhail Bakhtin traz relevantes consideracoes sobre a filosofia da linguagem no que diz respeito ao problema crucial para este estudo, o isolamento e delimitacao da linguagem como objeto de estudo especifico. O capitulo quarto da obra, 'Das Orientacoes do Pensamento Filosofico-linguistico', apresenta as duas principais orientacoes propostas para a resolucao do problema, o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato.

O subjetivismo idealista

A primeira linha mestra do pensamento filosofico linguistico, o subjetivismo idealista, tem suas bases na criacao individual, tal como expressa Bakhtin (1981, p. 72):
   A primeira tendencia interessa-se pelo ato de fala, de
   criacao individual, como fundamento da lingua (no
   sentido de toda atividade de linguagem sem
   excecao). O psiquismo individual constitui a fonte
   da lingua. As leis da criacao linguistica--sendo a
   lingua uma evolucao ininterrupta, uma criacao
   continua--sao as leis da psicologia individual, e sao
   elas que devem ser estudadas pelo linguista e pelo
   filosofo da linguagem.


A concepcao apresentada por Bakhtin (1981) quanto a citada orientacao fica esclarecida quando, ao referir-se a criacao individual, fala de 'fundamento da lingua', pertinente a 'toda atividade de linguagem' e constituinte da 'fonte da lingua', expressoes que colocam em foco o individualismo, isto e, o sujeito, em detrimento da caracteristica social defendida por outros estudiosos. Vale salientar que isso implica um deslocamento no que veio a ser o objeto de estudo da linguistica, a lingua, caracterizada como social, a medida que ao enfatizarse a qualidade individual destaca-se o ato de fala. Desta forma, a lingua seria uma evolucao ininterrupta (relacionada, portanto, a historia), renovada pelos falantes em um processo continuo em contrariedade com o que postulou Saussure (1995) ao dizer, como ressaltou Costa (2008, p. 116), que "[...] o individuo, sozinho, nao pode criar nem modificar a lingua".

O trabalho do linguista e do filosofo seria ir de encontro a impossibilidade que Saussure (1995, p. 23) coloca para o estudo da fala ao salientar que:
   [...] os signos da lingua sao, por assim dizer,
   tangiveis; a escrita pode fixa-los em imagens
   convencionais, ao passo que seria impossivel
   fotografar em todos os seus pormenores os atos de
   fala; a fonacao de uma palavra, por pequena que seja,
   representa uma infinidade de movimentos
   musculares extremamente dificeis de distinguir e
   representar.


Entao, Saussure (1995) sugere como esta parte da linguagem deveria ser estudada, embora a tenha preterido. Era necessario, tambem, esclarecer o fenomeno linguistico como ato significativo de criacao individual. Por ultimo, restam aos linguistas a construcao, descricao e classificacao que servem a explicacao exaustiva do fato linguistico de carater individual, num enfrentamento das dificuldades mencionadas.

A enfase dessa orientacao na criacao individual remete ao subjetivismo a medida que reduz praticamente tudo ao sujeito. Dai a evolucao ininterrupta pelo processo do ato de fala, como criacao constante. Nesse contexto, tem-se a verdade de uma sentenca com base no que e pessoal, individual. Quando dizemos 'Gatos sao mamiferos', por exemplo, isso nao depende de algo subjetivo ou pessoal, por sua vez, na sentenca 'Gatos sao animais egoistas', vemos um cunho pessoal e opinativo (embora a subjetividade, no caso dessa orientacao, seja algo muito mais amplo), visto que outra pessoa pode achar o absoluto contrario.

A configuracao do idealismo linguistico corrobora o subjetivismo, opondo-se ao positivismo neogramatico e saussuriano. Para mudar a tendencia positivista das teorias, buscou-se apoio no pensamento de Wilheml Humboldt que se tornou um dos principais representantes do subjetivismo idealista, embora seu trabalho fosse muito mais amplo do que as proposicoes da orientacao, segundo afirma Bakhtin (1981).

Tal como propoe Camara Junior (1975), os linguistas, que se chamaram idealistas, o fizeram por associacao a filosofia de Hegel que considerava a lingua um produto da mente humana. Os estudos de Humboldt, aos quais recorreram posteriormente, de forma semelhante, colocavam a lingua no plano mental. Ela seria um trabalho incessante da mente e nao um conjunto de formas regido por regras.

Humboldt [...] Encarava a lingua como uma atividade incessante, um trabalho mental dos homens, constantemente repetido para expressar seus pensamentos. Dai nao encarar as linguas como um conjunto de formas linguisticas e de regras criadas para combinar formas, mas uma serie de atos de fala (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 38).

Assim, a lingua e um produto da mente humana, partindo dela como criacao incessante. Nao e, portanto, um "[...] tesouro depositado pela pratica da fala em todos os individuos pertencentes a mesma comunidade [...]" (SAUSSURE, 1995, p. 21), mas algo que parte deles na qualidade de criadores. Dessa forma, substitui-se a utilizacao de um sistema por sua criacao pelo falante. Conforme Camara Junior (1975), o processo criativo e dinamico esta associado ao termo grego energeia, enquanto a questao da lingua como produto linguistico esta relacionada ao termo ergon.

Alem das ideias de Humboldt, os idealistas tambem recorrem as proposicoes de Vico que, por sua vez, "[...] considerava a linguagem como um tipo de poesia e a esta atribuia a atividade estetica da mente humana" (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 169). Benedetto Croce, filosofo italiano que incluia a linguagem na ciencia filosofica da estetica, utilizando-se do conceito de Vico, desenvolveu interessantes relacoes entre arte e linguagem, partindo da intuicao como tipo de conhecimento. Vejamos o que Camara Junior (1975) nos diz a seguir sobre os estudos de Croce:

[...] desenvolveu o conceito de 'intuicao' como um tipo de conhecimento humano oposto ao raciocinio. Atribuiu o conhecimento racional a ciencia e o conhecimento intuitivo a arte. O conhecimento intuitivo da lugar a expressao do homem, tanto atraves das artes plasticas, como atraves da linguagem. Desta maneira, a lingua ou expressao linguistica e considerada uma arte e seu estudo colocado no dominio da estetica (CAMARA JUNIOR, 1975, p. 169, grifo do autor).

Croce apresenta, segundo Camara Junior (1975), o conhecimento intuitivo como aquele que da lugar a expressao do homem por dois meios: as artes plasticas e a linguagem, sendo a linguagem colocada em paralelo a arte como forma de expressao e a lingua, sua parte constituinte, tambem considerada como arte.

Em Karl Vossler, figura mais importante do idealismo alemao, como observa Camara Junior (1975), encontramos semelhantes proposicoes no que se refere ao artistico relacionar-se a lingua. O mesmo autor afirma que, reiterando as bases de seu grupo idealista, Vossler mostrava-se contrario ao positivismo linguistico detido as formas linguisticas e as regras que as regiam. Para ele, importava o sentido artistico de um dado fato de lingua, tal como observa Bakhtin (1981, p. 75):
   [...] para Vossler, os fatores que determinam de uma
   forma ou de outra os fatos da lingua (fisicos,
   politicos, economicos, etc.) nao possuem
   significacao direta para o linguista; so importa para
   este o sentido artistico de um dado fato de lingua.
   Eis a concepcao que ele tem da lingua, uma
   concepcao puramente estetica.


Dessa maneira, Vossler considera que para um fato de lingua o que e relevante e o seu sentido artistico em detrimento da influencia de fatores fisicos, politicos ou economicos.

Tal concepcao idealista de lingua, com base na estetica, teve como principal consequencia uma mudanca de preferencia: a linguistica, que por muito tempo privilegiou a lingua popular em seus estudos, passou a dar atencao a lingua literaria, servindo aos interesses da critica literaria, a medida que era possivel, por exemplo, fazer uma interpretacao estilistica da linguagem do autor.

Bakhtin (1981) evoca outros estudiosos como Wundt e Steintahl que tambem se detiveram as ideias do subjetivismo idealista. Todavia, para expressar os principais pontos desta orientacao a citacao e suficiente. Para finalizar os apontamentos a cerca desta referencia, vejamos sua sintese em quatro posicoes fundamentais segundo Bakhtin (1981, p. 72, grifos do autor):

1. A lingua e uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construcao ('energia'), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala.

2. As leis da criacao linguistica sao essencialmente as leis da psicologia individual.

3. A criacao linguistica e uma criacao significativa analoga a criacao artistica.

4. A lingua, como produto acabado (ergon), como sistema estavel (lexico, gramatica, fonetica), apresenta-se como um deposito inerte, tal como a lava fria da criacao linguistica, abstratamente construida pelos linguistas com vistas a sua aquisicao pratica como instrumento pronto para ser usado.

O objetivismo abstrato

A segunda linha mestra do pensamento filosofico-linguistico, o objetivismo abstrato, postula que o centro organizador de todos os fatos da lingua e o sistema linguistico que possui uma normatividade que rege seus elementos, tendo, portanto, um carater mais estavel que os atos de fala priorizados pela primeira orientacao. Desta forma, o fluxo continuo e ininterrupto da criacao individual e substituido por um sistema que desconsidera as particularidades de cada falante, para destacar os tracos comuns das varias enunciacoes produzidas por uma comunidade linguistica. Sintetizando a mudanca do individual para o social Bakhtin (1981, p. 77, grifo do autor) assim se expressa:
   Cada enunciacao, cada ato de criacao individual e
   unico e nao reiteravel, mas em cada enunciacao
   encontram-se elementos identicos aos de outras
   enunciacoes no seio de um determinado grupo de
   locutores. Sao justamente estes elementos 'identicos',
   que sao assim normativos para todas as enunciacoes--tracos
   foneticos, gramaticais, lexicais--, que garantem a
   unidade de uma dada lingua e sua compreensao por
   todos os locutores de uma mesma comunidade.


Para ilustrar o que foi mencionado anteriormente podemos citar o seguinte exemplo: no rosto de uma pessoa, observamos, geralmente, os mesmos constituintes: olhos, nariz e boca. Contudo, eles se apresentam de diversas formas em cada individuo. Por isso, encontramos narizes menores, maiores, aquilinos ou olhos grandes, pequenos, mais fechados, verdes, azuis, castanhos etc. Estes tracos individuais fazem que cada rosto seja unico. Entretanto, os constituintes da face sao os mesmos em todas as pessoas. Da mesma forma, cada falante tem particularidades na enunciacao de cada palavra, porem, elas nao interessam ao estudo. Nele, serao privilegiadas as identidades normativas entre as enunciacoes que serao objeto de estudo cientifico.

Os esquemas sintaticos e a estrutura morfologica de um verbo sao exemplos da identidade normativa. Na lingua portuguesa, por exemplo, temos uma estrutura sintatica que nos leva a organizar um enunciado em sujeito, verbo e complemento (SVO). A criatividade do falante podera ocorrer nas mais diversas combinacoes possiveis sob essa estrutura basica do sistema linguistico do portugues. Disso decorre o uso que o falante faz de um sistema depositado em sua mente como tesouro, do qual aprende o funcionamento.

A escola de Genebra com os Estudos de Saussure (1995) e, como observa Bakhtin (1981), a expressao mais brilhante do objetivismo abstrato. Vejamos o que Saussure (1995) propoe a respeito da relacao da lingua, sistema linguistico, com o individuo:

Ela e a parte social da linguagem, exterior ao individuo que, por si so, nao pode nem cria-la nem modifica-la; ela nao existe senao em virtude duma especie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade. Por outro lado, o individuo tem necessidade de uma aprendizagem para conhecer-lhe o funcionamento; somente pouco a pouco a crianca a assimila (SAUSSURE, 1995, p. 22).

A reflexao saussureana de que a lingua e exterior ao individuo e corroborada pela inferencia possivel a partir de seu pensamento anterior, o sistema linguistico 'depositado' como tesouro: deposita-se na mente algo exterior a ela. Com isso, diferente da concepcao de Humboldt da lingua como um produto da mente do individuo, temos o sistema linguistico como algo adquirido. Os seguintes esquemas, na Figura 1, As relacoes entre a lingua, a mente e o meio externo em Humboldt e Saussure, explicitam estas relacoes de oposicao entre as ideias dos estudiosos:

[FIGURE 1 OMITTED]

O funcionamento dessa lingua seria aprendido na comunidade. Fica claro, segundo o raciocinio dos esquemas presentes na figura 1, que o falante nao cria o sistema linguistico, uma vez que este nao esta suscetivel ao seu gosto ou vontade. A independencia do sistema em relacao a influencia individual, caracteristica do objetivismo, bem como a abstracao dela, explicam, junto com a desconsideracao do contexto de producao de um dado fato linguistico, a denominacao objetivismo abstrato.

A imanencia do sistema corrobora a abstracao do individual, ideologico ou artistico, a medida que o mostra regido por leis que lhe sao inerentes e internas.

Suponhamos que o individuo crie um novo verbo: 'drelar', na seguinte frase:

a. Se as criancas e adolescentes 'drelassem' mais livros ao longo da vida estudantil, alcancariam resultados muito melhores na vida profissional.

Este verbo esta submetido a estrutura dos verbos em lingua portuguesa, ou seja: 'Drel'-: seria o radical,

o '-a': vogal tematica (indicando primeira conjugacao, verbos com terminacao em--ar)

'-sse': desinencia de preterito imperfeito do subjuntivo (indicando a nao certeza do fato ou possibilidade).

Esse mesmo verbo estaria sujeito tambem a processos que ocorrem com outros verbos como substantivacao ('drelacao'), acrescimo de prefixo ('endrelar', 'desdrelar'), conjugacao no gerundio ('drelando') etc. Temos, entao, um verbo totalmente submetido as leis imanentes ao sistema ja existente, nao havendo criacao de fato.

No mesmo contexto de retirada de influencias individuais temos a arbitrariedade dos signos. As relacoes entre os constituintes dos signos, ou seja, significante e significado, sao arbitrarias.

Do ponto de vista do individuo, as leis linguisticas sao arbitrarias, isto e, privadas de uma justificacao natural ou ideologica (por exemplo, artistico). Assim, entre a face fonetica da palavra e seu sentido, nao ha nem uma conexao natural nem correspondencia de natureza artistica. Se a lingua, como conjunto de formas, e independente de todo impulso criador e de toda acao individual, segue-se ser ela o produto de uma criacao coletiva, um fenomeno social e, portanto, como toda instituicao social, normativa para cada individuo (BAKHTIN, 1981, p. 79).

Como o falante nao pode modificar nem criar a lingua, consequentemente nao pode estabelecer uma cadeia fonetica para um dado significado e remete-la a um referente, sendo, em virtude disso, impossivel ser socorrido em um incendio gritando 'Paralelepipedo! Paralelepipedo!' em lugar de 'Fogo! Fogo!', uma vez que uma convencao social determina a utilizacao da segunda expressao. A lingua e, portanto, uma producao coletiva.

Nao estar voltada para a evolucao ininterrupta, como ocorre com a fala, traz maior estabilidade ao sistema linguistico, mas nao nega sua evolucao na historia.

Para o objetivismo abstrato faz-se necessario estabelecer uma separacao entre a historia de um determinado sistema linguistico e o estudo nao historico, o sincronico.

Entre a logica das formas de um sistema linguistico em um momento na historia e a logica da sua evolucao historica nao ha pontos em comum. Sao relacoes diferentes:

A mudanca de um dos elementos do sistema cria um novo sistema, assim como a mudanca de um dos elementos da formula cria uma nova formula. A relacao e as regras que governam as ligacoes entre os elementos de uma dada formula nao se estendem, nem poderiam se estender, para a relacao entre o sistema ou formula em questao e um outro sistema ou outra formula que a eles seguissem (BAKHTIN, 1981, p. 80).

No Curso de Linguistica Geral, Saussure (1995) compara o sistema linguistico a um jogo de xadrez e afirma que cada jogada traz uma nova sincronia analisavel sem a dependencia do conhecimento de jogadas anteriores, a historia da partida. As relacoes sistematicas que existem entre as pecas em um momento, em um estado, nao se estendem as que existem entre um sistema e outro na historia, ou em perspectiva diacronica, segundo a oposicao entre sincronia e diacronia enfatizada por Saussure, dai a ruptura entre as abordagens.

Vejamos um exemplo: o verbo 'trazer' tanto no futuro do presente (trarei) quanto no futuro do preterito (traria) perdeu uma silaba do tema (ze), o que mostra que em outra epoca essas formas correspondiam respectivamente a 'tra'ze'rei' e 'tra'ze'ria'. As relacoes sistematicas que existem entre radical, vogal tematica, desinencia modo temporal e desinencia numero pessoal em ambas, falando de um momento especifico, nada tem a ver com as que ocorrem entre 'trazerei', utilizado em tempos mais remotos, e 'trarei' que utilizamos na contemporaneidade. Em perspectiva diacronica, isto e, considerando a forma do verbo em diferentes estagios, pode-se postular a relacao de sincope da silaba--'ze' na primeira forma.

Nas citacoes seguintes, Bakhtin (1981) afirma mais uma vez a diferenca entre as abordagens:

As relacoes sistematicas que existem entre duas formas linguisticas no sistema (em sincronia), nada tem de comum com as relacoes que unem qualquer destas formas a sua imagem transformada no estagio posterior da evolucao historica da lingua (BAKHTIN, 1981, p.80).

[...]

O presente da lingua e sua historia nao se entendem entre si, sao ambos incapazes de se entenderem (BAKHTIN, 1981, p. 81).

Eis uma das maiores divergencias entre o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato. Para a primeira orientacao, a essencia da lingua esta na sua historia, uma vez que nao interessa considerar as regularidades referentes a norma, mas a lingua como evolucao ininterrupta e continua que enfatiza "[...] a individualizacao das formas em enunciacoes estilisticamente unicas e nao reiteraveis" (BAKHTIN, 1981, p. 82). Por sua vez, a segunda enfatiza o presente da lingua, a sincronia.

Nesse ambiente comparativo, vale acrescentar que as formas normativas, as identidades entre as formas linguisticas, consideradas como 'lava fria' e "[..] residuos deteriorados da evolucao [...]" (BAKHTIN, 1981, p. 72), relacionados ao termo grego ergon pelo subjetivismo idealista, sao interpretadas pelo objetivismo abstrato como a substancia da lingua.

Saussure (1995) destacou-se nessa orientacao porque seus estudos enfatizam dentre os fatos da linguagem, a lingua como sistema de carater social, preterindo a fala de carater individual e a abordagem sincronica em oposicao a abordagem diacronica da primeira orientacao.

Finalizando os apontamentos referentes ao objetivismo abstrato, vejamos a sintese das suas principais proposicoes feita por Bakhtin (1981, p. 82, grifo do autor):

1. A lingua e um sistema estavel, imutavel, de formas linguisticas submetidas a uma norma fornecida tal qual a consciencia individual e peremptoria para esta.

2. As leis da lingua sao essencialmente leis linguisticas especificas, que estabelecem ligacoes entre os signos linguisticos no interior de um sistema fechado. Estas leis sao objetivas relativamente a toda consciencia subjetiva.

3. As ligacoes linguisticas especificas nada tem a ver com valores ideologicos (artisticos, cognitivos ou outros). Nao se encontra, na base dos fatos linguisticos, qualquer motor ideologico. Entre a palavra e seu sentido nao existe vinculo natural e compreensivel para a consciencia, nem vinculo artistico.

4. Os atos individuais de fala constituem, do ponto de vista da lingua; simples refracoes ou variacoes fortuitas ou mesmo deformacoes das formas normativas. Mas, sao justamente estes atos individuais de fala que explicam a mudanca historica das formas da lingua; enquanto tal, a mudanca e, do ponto de vista do sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. 'Entre o sistema da lingua e sua historia nao existe nem vinculo nem afinidade de motivos. Eles sao estranhos entre si'.

Algumas reflexoes bakhtinianas sobre as duas orientacoes

Bakhtin (1981) acaba por fazer criticas negativas as duas orientacoes. Nesse sentido, ele apresenta um dos motivos de suas criticas que se sustenta na conviccao de que as duas correntes nao chegam a abrangencia de um fato linguistico. A primeira, ao enfatizar o individual e o gosto linguistico, foge da realidade da lingua, desconsiderando a influencia que sofre dos fatores politicos, economicos e fisicos. A segunda, por seu turno, comete equivoco semelhante por estar presa aos aspectos formais e ao sistema com suas relacoes imanentes.

O sentido ou significacao de algo pode depender em muito do contexto e dos fatores que as orientacoes desconsideram. As palavras e o sistema nao sao suficientes quando diversos fatores influenciam um dado fato linguistico. Por exemplo, a entonacao com a qual uma palavra foi pronunciada por influencia da situacao pode ate mesmo tira-la de seu campo habitual de significacao.

O estudo da lingua exige um conjunto de fatores que o tornem mais completo. Bakhtin (1981) salienta que o fato linguistico ocorre em um conjunto de esferas da realidade: fisica, fisiologica e psicologica. Este conjunto relacionado ao fato linguistico nao deve ficar isolado. Acresce-lhe, entao, o contexto social imediato no qual receptor e locutor estao envolvidos e o meio social, comunidade linguistica, no qual estao inseridos. Esquematicamente, temos a Figura 2, O Sistema de fatores envolvidos na analise do fato linguistico:

[FIGURE 2 OMITTED]

Esta concepcao norteia um dos principais estudos de Bakhtin (1997), A Estetica da Criacao Verbal, no qual apresenta o enunciado como unidade da comunicacao verbal, afirmando que a sua constituicao ja e resultado de outros na impossibilidade de construir um enunciado puro. Os tipos relativamente estaveis de enunciados elaborados pelas diversas esferas da comunicacao verbal, isto e, os generos textuais, estao intimamente ligados a fatores extralinguisticos, como o dominio discursivo em que circulam.

Assim, a lingua esta em um campo bem mais amplo que a criacao individual ou relacoes sistematicas regidas por regras.

Consideracoes finais

O subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato estao entre os estudos mais relevantes da filosofia da linguagem por contribuirem na busca pela delimitacao do objeto de estudo de uma ciencia que entrelaca duas outras: a linguistica e a filosofia. Enquanto o primeiro enfatiza o que e individual como primordial para os estudos da linguagem, o segundo coloca-se no extremo oposto, priorizando o social e, em consequencia disto, destaca a lingua como objeto de estudo.

No que diz respeito a linguistica, segundo a configuracao de ciencia assumida desde o seculo XX com os trabalhos de Saussure (1995), principal representante do objetivismo abstrato, e estendida ate hoje, pode-se dizer que a segunda linha mestra do pensamento filosofico-linguistico apresentada sobressaiu nos estudos da linguagem.

Como os idealistas colocaram suas teorias no campo da estetica e na individualidade da linguagem, suas proposicoes tornaram-se riquissimas para a literatura e especificamente para a critica literaria a medida que se tornou possivel uma interpretacao estilistica da linguagem do autor.

Ao discordar de ambas as correntes, Bakhtin (1981) abre espaco para uma pesquisa muito mais abrangente que poe o estudo da linguagem em um plano de praticidade que parece expressar a vivacidade e a dinamicidade da lingua. O estudioso destaca o discurso em suas teorias, visto que este permite a consideracao do contexto em uma valida ampliacao da maneira de lidar com os fatos da lingua.

Doi: 10.4025/actascilangcult.v34i2.15642

Referencias

BAKHTIN, M. Das orientacoes do pensamento filosofico-linguistico. In: BAKHTIN, M. (Ed.). Marxismo e filosofia da linguagem. Sao Paulo: Hucitec, 1981. p. 69-89.

BAKHTIN, M. Estetica da criacao verbal. Sao Paulo: Martins Fontes, 1997.

CAMARA JUNIOR, J. M. Historia da linguistica. Traducao Maria do Amparo Barbosa de Azevedo. Petropolis: Vozes, 1975.

COSTA, M. A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de linguistica. Sao Paulo: Contexto, 2008. p. 113-126.

MARX, K. O Capital. Sao Paulo: Abril Cultural, 1984. tomo 2. v. I.

SAUSSURE, F. Curso de Linguistica Geral. Traducao Antonio Chelini, Jose Paulo Paes e Izidoro Blikstein. Sao Paulo: Cultrix, 1995.

SENNA, L. A G. Uma gramatica para a escola. In: SENNA, L. A. G. (Ed.). Pequeno manual de linguistica geral e aplicada. Rio de Janeiro: LAG Senna, 1991. p. 11-39.

Received on December 29, 2011.

Accepted on July 27, 2012.

Denilson Pereira de Matos, Amanda de Souza Brito e Delma de Melo Vanderlei

Universidade Federal da Paraiba, Campus I, Castelo Branco, 58051-900, Joao Pessoa, Paraiba, Brasil. E-mail: denilson@cchla.ufpb.br

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