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文章基本信息

  • 标题:A systemic-discursive perspective for organizational communication studies/ Uma perspectiva sistemico-discursiva para estudos em comunicacao organizacional.
  • 作者:Gomes, Victor Marcio Laus Reis
  • 期刊名称:Revista Famecos - Midia, Cultura e Tecnologia
  • 印刷版ISSN:1415-0549
  • 出版年度:2016
  • 期号:January
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Editora da PUCRS
  • 摘要:A teoria dos sistemas de Luhmann e reconhecida como uma opcao paradigmatica para trabalhos desenvolvidos nos campos dos estudos organizacionais e da comunicacao organizacional (Soares, 2005; Curvello; Scroferneker, 2008; Curvello, 2009). No entanto, parece haver um espaco ainda pouco explorado para sua aplicacao e articulacao com teorias e tecnicas de pesquisa em comunicacao.
  • 关键词:Organizational communication

A systemic-discursive perspective for organizational communication studies/ Uma perspectiva sistemico-discursiva para estudos em comunicacao organizacional.


Gomes, Victor Marcio Laus Reis


Introducao

A teoria dos sistemas de Luhmann e reconhecida como uma opcao paradigmatica para trabalhos desenvolvidos nos campos dos estudos organizacionais e da comunicacao organizacional (Soares, 2005; Curvello; Scroferneker, 2008; Curvello, 2009). No entanto, parece haver um espaco ainda pouco explorado para sua aplicacao e articulacao com teorias e tecnicas de pesquisa em comunicacao.

A comunicacao pode ser considerada um elemento central para a teoria sistemica de Luhmann (2005b; 2006; 2011). Conforme este autor, os sistemas sociais, incluindo as organizacoes, podem ser compreendidos como unidades operacionalmente fechadas e interativamente abertas, constituidas essencialmente por comunicacao. Ela, por sua vez, e entendida como um processo de multiplicacao de sentidos, que depende da interacao entre individuos/sistemas. Essa multiplicacao ocorre devido as diferencas, ou assimetrias, dos envolvidos no processo e, tambem, a propria natureza do sentido, que e multidimensional, construido e revelado em determinadas condicoes de producao e de reconhecimento.

A nocao de comunicacao como multiplicacao de sentidos e fundamentada em Luhmann (2011), para quem a metafora da transferencia ou transmissao nao e adequada a explicacao do processo comunicacional. De acordo com Luhmann (2011, p. 294),"a comunicacao e uma sucessao de efeitos multiplicadores". Assim, quando nos referimos a multiplicacao de sentidos, nao consideramos a nocao matematica que pressupoe a manutencao de um mesmo objeto ou a soma finita de numeros iguais. A multiplicacao e compreendida como uma sucessao de efeitos do processo comunicacional, que gera multiplicidade de sentidos.

Nesse contexto, de diferencas e de multidimensionalidade do sentido, ha espaco para consenso e dissenso, conflito e cooperacao, acertos e desvios, compreensao e incompreensao. A comunicacao, como uma transmissao linear, em que o destinatario tem plena compreensao e aceitacao dos conteudos, das intencoes e das atitudes dos emissores, parece improvavel. Ela e, portanto, um espaco de multiplicacao e de disputa de sentidos. As intencoes, ou ate mesmo a falta delas, se perdem em um universo de possibilidades de compreensoes. Conforme Luhmann (2011), uma das formas de analisar se uma comunicacao foi bem-sucedida e buscar o efeito dela em comunicacoes subsequentes.

O efeito de uma comunicacao cria, segundo a teoria sistemica, uma rede de comunicacoes. Veron (1980; 1997a), por sua vez, propoe a nocao de rede social de semiose ou rede discursiva, em que determinados discursos, mediante seus efeitos de sentido, podem constituir as condicoes de producao de outros discursos. Assim, a ideia de "rede", em que os sentidos se multiplicam e os discursos produzem campos de efeitos, parece fornecer um caminho para a compreensao dos processos comunicacionais. E possivel dizer que ha uma circulacao de sentidos na rede discursiva, entre producao e reconhecimento, que e revelada pela nao linearidade e pode ser observada entre dois ou mais discursos relacionados.

Com a aproximacao entre a teoria dos sistemas de Luhmann e a abordagem discursiva de Eliseo Veron, nosso objetivo e propor um quadro epistemico--metodologico para subsidiar estudos em comunicacao organizacional. Neste artigo (1), discutimos, inicialmente, a teoria sistemica, indicando seus principais antecedentes e apresentando suas nocoes centrais: o fechamento operacional, o acoplamento estrutural e a autopoiese. Em seguida, apresentamos os pressupostos da abordagem discursiva. Por fim, sintetizamos as bases para a perspectiva sistemico-discursiva e como elas podem ser articuladas, tanto para fundamentar abordagens comunicacionais, como para pensar a nocao de comunicacao organizacional.

A teoria sistemica de Luhmann

Para o senso comum, a nocao de sistema geralmente e associada a um conjunto de partes integradas, que funcionam de forma a buscar constantemente um ajuste entre si e uma adaptacao ao meio externo, processando entradas (insumos/inputs) e saidas (produtos/outputs). Um aspecto, no entanto, parece implicito nessa nocao, embora pouco enfatizado: a diferenca. No momento em que e assumida a existencia de um meio externo, o que esta fora nao faz parte do sistema. E justamente sobre essa diferenca que Luhmann (1997a, 1997b, 2011) constroi sua teoria. Para o autor, o objeto da teoria dos sistemas e a diferenca entre sistema e ambiente. Uma diferenca que se constitui e se reproduz atraves do proprio sistema.

A teoria assume um carater universalista e passa a explicar tudo o que existe com uma diferenciacao, que exige uma indicacao, uma referencia do que esta dentro e do que esta fora, do que e sistema e do que e ambiente. Somente com uma referencia externa, heterorreferencia, e uma referencia a elementos internos, autorreferencia, e possivel distinguir os elementos de um sistema e as suas relacoes. Conforme Luhmann (1997a, p. 40), "a autorreferencia so pode ocorrer num ambiente e somente com relacao a um ambiente". O sistema pode, entao, ser compreendido como a relacao com o ambiente ou como a diferenca entre ele proprio e o ambiente.

A diferenciacao pode ser compreendida como uma forma reflexiva e recursiva de constituicao dos sistemas. O sistema se reproduz atraves de operacoes internas, com ajuda de seus proprios elementos, agregando a cada operacao uma nova operacao do mesmo sistema. As operacoes se conectam a outras atraves de estruturas e sao observadas pelo proprio sistema, de forma a garantir a reproducao, aparando as diferencas e mantendo o sistema. A observacao pode ser considerada um tipo particular de operacao, que trabalha com a distincao, ou seja, a capacidade de separar os dois lados de uma diferenciacao (Marcondes Filho, 2005). O sistema, portanto, observa a si mesmo e ao ambiente, em um esforco continuo de diferenciacao.

O sentido, construido a partir da observacao e, consequentemente, dependente dela, e contingente e esta subordinado a diferenciacao do sistema. Com isso, para Luhmann (2011), nao ha diferenca entre verdadeiro e nao verdadeiro, assim como nao ha separacao entre sujeito e objeto. O sentido pode ser remetido as operacoes de um sistema e considerado fruto de uma observacao, que guarda um carater de incompletude. Conforme Marcondes Filho (2004, p. 451), "as observacoes nao estao jamais em condicoes de observar as distincoes que elas mesmas fazem". Dai a necessidade de uma observacao de segunda ordem, que procura desvendar aquilo que o observador nao pode ver. Contudo, essa tambem nao deixa de ser uma observacao incompleta.

Uma pesquisa observa contingencias e eventualidades, percebendo aspectos que fogem ao ponto cego do sistema observado. Temos um pesquisador (observador) que observa um objeto (que, por sua vez, tambem e um observador). Luhmann (2011) desloca a discussao sujeito/objeto para a diferenca entre sistema e ambiente. Com isso, ele busca, de certa forma, isolar as questoes sociais. Ao inves da dualidade sujeito/objeto, o que importa e observar o observar. Segundo Marcondes Filho (2004, p. 433), "esse e o sentido que Luhmann da a comunicacao: a capacidade de sistemas observarem e de se observar sua observacao". Esses fundamentos marcam uma posicao epistemologica central da teoria dos sistemas de Luhmann--o reconhecimento da incompletude da pesquisa. Podemos dizer que os objetos sao contingentes, da mesma forma que as abordagens/leituras realizadas sobre eles.

As nocoes de fechamento operacional, acoplamento estrutural e autopoiese, desenvolvidas originalmente por Maturana e Varela (1995), sao fortemente relacionadas e constituem a base para o desenvolvimento das propostas teoricas de Luhmann. Baseado em uma abstracao das nocoes desses autores, Luhmann desenvolve sua propria concepcao de fechamento operacional, de acoplamento estrutural e de autopoiese, aplicadas aos sistemas sociais.

Tendo como ponto de partida de sua teoria a disparidade entre sistema e meio, Luhmann (2011) defende que um sistema e uma forma de dois lados (re) produzida constantemente. Um desses lados, o lado interno, pode ser definido a partir de um operador. No caso dos sistemas sociais, esse operador e a comunicacao. Atraves dela, a diferenca entre o sistema social e o meio e produzida e reproduzida. Assim, podemos dizer que os sistemas sociais sao formados por comunicacao. Esses sistemas tem sua diferenca construida por comunicacoes que se conectam a outras comunicacoes, desenvolvendo mais comunicacao, constituindo uma estrutura circular, autopoietica , operacionalmente fechada, em acoplamento(s) com o ambiente. "Tudo o que existe e pode ser designado como social esta constituido, do ponto de vista de uma construcao teorica fundamentada na operacao, por um mesmo impulso e um mesmo tipo de acontecimento: a comunicacao" (Luhmann, 2011, p. 91).

O fechamento operacional dos sistemas sociais tem, para Luhmann (1997b), a mesma natureza que o fechamento do sistema cognitivo. Conforme o autor (1997b, p. 52), "nos conhecemos o mundo externo apenas porque o acesso a ele e bloqueado". O conhecimento e uma construcao propria do sistema cognitivo, que nao pode ser estruturada ou determinada pelo ambiente, apenas perturbada. Informacoes nao sao obtidas do entorno, sao construtos internos gerados de acontecimentos observados no lado externo. O autor indica que no sistema nao ha representacoes do ambiente, somente construcoes proprias do sistema.

A comunicacao e responsavel pelo desenvolvimento de uma logica propria de conexao com a comunicacao seguinte, que inventa sua propria memoria, diferenciando os sistemas sociais. O ambiente e observado atraves de uma atividade interna e mediante distincoes proprias do sistema. De acordo com Luhmann (2011), o fechamento operacional e que possibilita o conhecimento nos sistemas sociais. Esse fechamento, no entanto, se refere exclusivamente a operacao necessaria para a autorreproducao dos sistemas. Ele nao quer dizer que o sistema e completamente isolado do ambiente. Os sistemas sociais, na concepcao de Luhmann (2011), guardam uma referencia fundamental em relacao ao meio e existem em funcao dela. Entao, e possivel dizer que o ambiente influencia ou perturba os sistemas sociais, e o fechamento operacional possibilita que esses sistemas sejam compativeis com a desordem do ambiente.

Portanto, o fechamento nao pressupoe falta de relacao com o entorno. O sistema, segundo Luhmann (2011), se relaciona com o meio circundante atraves do acoplamento estrutural. Em abordagens anteriores, a relacao com o ambiente era pensada mediante entradas e saidas. O acoplamento, por sua vez, considera o fechamento operacional e a relacao com o ambiente a partir dos mecanismos internos de operacao do sistema. Assim como a diferenca entre ele e o ambiente e produzida pelo proprio sistema, as relacoes que este estabelece com o ambiente tambem sao resultados dessas operacoes internas. Sob essa perspectiva, pode-se dizer que o entorno existe no momento em que os sistemas reconhecem e estabelecem a diferenca.

Com isso, os sistemas estao associados ou acoplados a um determinado entorno. No processo de diferenciacao sao estabelecidos acoplamentos estruturais especificos, podendo fazer com que alguns acontecimentos do ambiente aparecam no sistema como informacao e causem efeitos sobre ele, mas sem prejudicar a autonomia operativa do sistema. O acoplamento estrutural, como uma relacao complexa, nao pode ser explicada com uma logica de causalidade linear (Luhmann, 2005a).

O sistema observa o mundo externo e converte acontecimentos em operacoes proprias, sendo as perturbacoes produzidas no interior do proprio sistema. Elas sao oriundas de acontecimentos externos, mas resultados das operacoes internas. Os sistemas sociais, por exemplo, estao acoplados a sistemas neurofisiologicos e a sistemas psiquicos ou consciencias. A irritacao ou perturbacao nos sistemas sociais sao decorrentes da mediacao das consciencias sobre acontecimentos do ambiente externo. Luhmann (2005a) reconhece que so os sistemas psiquicos sao capazes de perceber e de expressar essa irritacao ou perturbacao comunicativamente. O acontecimento externo pode irritar a comunicacao quando e processado pelo filtro do sistema psiquico.

Nesse contexto, a linguagem e considerada por Luhmann (1997c) como o elemento responsavel pelo acoplamento estrutural entre comunicacao e consciencia, ou seja, entre sociedade e individuo, mantendo esses sistemas separados. A linguagem pode perturbar a consciencia atraves da comunicacao ou perturbar a sociedade atraves da consciencia. Como responsavel pelo acoplamento estrutural entre sistemas sociais e individuos, a linguagem possibilita que o elemento externo ao sistema seja incorporado atraves da construcao de sentido.

Essa construcao, no entanto, e particular, unica, propria de cada sistema social. A linguagem e portadora de sentido. Quando o sistema social se depara com a complexidade, ocorre um processo autorreferenciado de selecao de sentido atraves da linguagem. Tanto a autorreferencia quanto a heterorreferencia, ou a referencia ao entorno, sao construcoes dotadas de sentido. Os sentidos construidos nos sistemas podem, entao, ser considerados como meios simbolicos para a reducao da complexidade (Rodrigues; Neves, 2012). Dessa forma, parece que meios simbolicos ou sentidos consolidados em sistemas sociais tendem a se perpetuarem atraves da logica autopoietica de reproducao desses sistemas.

Fechado operacionalmente e acoplado ao ambiente, o sistema se auto--observa e se autorreproduz. Ele constroi internamente suas estruturas em um movimento circular, recursivo, que pode ser compreendido atraves da nocao de autopoiese. Isso significa dizer que os sistemas sao responsaveis pela producao de todas as unidades necessarias para a continuidade de sua operacao. A circularidade da nocao pode ser percebida nas palavras de Luhmann (2011, p. 120): "Na definicao de Maturana, autopoiesis significa que um sistema so pode produzir operacoes na rede de suas proprias operacoes, sendo que a rede na qual essas operacoes se realizam e produzida por essas mesmas operacoes".

Os sistemas se autorreproduzem em um esforco de diferenciacao, em que se diferenciam de tudo aquilo que nao sejam eles mesmos. Essa diferenciacao, no entanto, depende exclusivamente das operacoes internas, atraves das quais os sistemas se constituem autopoieticamente, e nao do ambiente. A nocao de autopoiese, portanto, preserva a unidade do sistema, sem assumir que todas as causas necessarias para o exito do sistema precisam estar nele reunidas. O fechamento operacional e a autopoiese se referem a constituicao e a preservacao da unidade do sistema, de forma que um observador possa compreender eventuais causas e efeitos dessa unidade sistemica. O acoplamento estrutural, por outro lado, indica que a dependencia em relacao ao ambiente e compativel com a autopoiese e com o fechamento operacional (Luhmann, 1997a). Um aspecto central na nocao de autopoiese de Luhmann (2011), que a distingue da nocao de Maturana e Varela (1995), e a diferenca entre estrutura e operacao. Para a compreensao biologica da nocao importam os estados quimicos e as substancias, que sao estaveis, enquanto a nocao sociologica e fundamentada na instantaneidade e na contingencia da comunicacao. No caso dos sistemas psiquicos e sociais, os elementos nao sao estaveis, e sim eventos momentaneos. Eles sao definidos em sua integracao ao sistema, ou seja, em sua relacao com outros elementos. Fora ou independentemente do sistema, eles perdem o status de elementos.

Como nao sao constituidos de elementos estaveis, esses sistemas precisam estar continuamente produzindo novos elementos. Dai a centralidade da nocao de rede de comunicacao na perspectiva de Luhmann. A rede, portanto, pode ser pensada como a estrutura que e construida pelas operacoes. A autopoiese dos sistemas sociais esta, entao, na autorreproducao dessa rede.

A abordagem discursiva

Inicialmente, faz-se necessario relembrar que a abordagem analitica proposta por Veron (1980, 1996, 1997a, 2004) foi originalmente pensada para explicar a comunicacao midiatica, que e compreendida como"uma configuracao de meios de comunicacao resultantes da articulacao entre dispositivos tecnologicos e condicoes especificas de producao e de reconhecimento" (Veron, 1997b, p. 14). Essas condicoes compoem a estrutura do mercado discursivo das sociedades industriais. Nesse contexto, as mensagens sao consideradas produtos ou sistemas de significacao que circulam em um mercado discursivo. Os meios de comunicacao social, por sua vez, sao os dispositivos tecnologicos de producao e de reproducao de mensagens, que possuem acesso coletivo.

Para Veron (1997b), a comunicacao midiatica gera uma midiatizacao das sociedades industriais, que pode ser analisada mediante um esquema basico, o qual inclui os meios de comunicacao social, as instituicoes, os atores individuais e as construcoes coletivas que se dao atraves das relacoes entre essas tres instancias. Este esquema confere uma centralidade para a comunicacao na dinamica das sociedades, principalmente quando destaca que os coletivos sao constituidos a partir de operacoes comunicacionais. Nesse aspecto, parece possivel uma aproximacao entre a abordagem do autor e a nocao de sociedade constituida por comunicacao de Luhmann.

Quando se refere a sua concepcao de abordagem discursiva, Veron (2004) chama a atencao para a utilizacao da expressao no plural: analise de discursos. Para o autor, o que circula e produz efeitos em uma sociedade sao discursos. Podemos considerar os discursos como efeitos de sentidos em um contexto social. Esse enfoque social de sua abordagem e o elo em que nos apoiamos para estabelecer o vinculo com a teoria sistemica de Luhmann. Conforme a secao anterior deste trabalho, compreendemos a linguagem como o meio que possibilita o acoplamento entre sistemas sociais e tambem entre esses e individuos (sistemas psiquicos ou consciencias).

A relacao entre sistemas sociais e psiquicos e de interpenetracao, ou seja, ha uma relacao de dependencia entre eles. Merece destaque esse aspecto, pois o estudo dos discursos pressupoe a presenca de sujeitos, sejam eles individuos, instituicoes ou meios de comunicacao. A perspectiva sistemico--discursiva que adotamos incorpora essa condicao, compreendendo que ha uma intencionalidade, assim como ha referencias pessoais, temporais e espaciais mencionadas por Maingueneau (2008), ou uma posicao de enunciacao ou lugar de fala, segundo nos diz Foucault (1999). Sob a perspectiva, no entanto, essa condicao e considerada em um vies essencialmente social, indicando um olhar ou uma opcao pela investigacao dos aspectos sociais envolvidos na circulacao de sentidos.

Tratamos, pois, de lances (enunciados) em jogos de linguagem (contextos de interacoes ou condicoes produtivas), para Lyotard (2002), que fazem circular ou multiplicar os sentidos. Esses lances sao regidos por normas e tem relacao com um interdiscurso, com um universo de outros discursos (Maingueneau, 2008), com um pre-construido (Pecheux, 2009), com uma nuvem de linguagem (Lyotard, 2002), ou com uma rede discursiva (Veron, 1996). Essa relacao com o interdiscurso parece revelar uma autorreferencialidade sistemica dos jogos de linguagem e, consequentemente, dos discursos. O enunciado, por sua vez, e compreendido como uma unidade da comunicacao verbal construida entre os envolvidos no processo de comunicacao, socialmente contextualizados (Bakhtin, 1992). Ele pode ser considerado uma unidade elementar do discurso (Henry, 1993).

De acordo com Veron (2004), um dispositivo de enunciacao e composto pelo enunciado (conteudo) e pela enunciacao, que configura a relacao do enunciador com o dizer, como a imagem de quem fala, a imagem daquele a quem o discurso e enderecado e a relacao entre enunciador e destinatario proposta no discurso. A esta nocao de dispositivo de enunciacao parece possivel associar o jogo de linguagem. O lance de linguagem (enunciado) e dado no contexto de um jogo onde sao assumidas posicoes, expectativas e disputas. E atraves dos dispositivos de enunciacao que sao estabelecidos contratos de leitura (Veron, 2004). A posicao didatica, a transparencia, a partilha de valores, o grau e o tipo de saber atribuido ao leitor, sao elementos que revelam esses contratos.

O ponto de partida para a analise e o sentido produzido, materializado em discursos. Toda a producao de sentido apresenta uma manifestacao material. O discurso, independente do suporte material, e uma configuracao espaco-temporal de sentido, ou seja, ele pode ser considerado uma construcao do sentido no espaco-tempo. Segundo Veron (1980), para conduzir a analise, e preciso acessar a rede discursiva, ou rede semiotica, a partir de fragmentos do processo semiotico. A fragmentacao transforma pequenos pedacos do tecido da semiose em produtos para serem analisados. Conforme o autor, a semiose social e a dimensao significante dos fenomenos sociais e envolve o estudo desses fenomenos enquanto processos de producao de sentido.

Nesse contexto, seria possivel assumir toda producao de sentido como social e todo funcionamento social como um processo de producao de sentido, que possui uma dimensao significante. Considerando o sentido intimamente relacionado com os comportamentos sociais, Veron (1980) defende que a producao de sentido consiste no verdadeiro fundamento das representacoes sociais, assim como Luhmann (2011) defende que o sentido determina as fronteiras operativas dos sistemas sociais. A realidade social seria, entao, construida na semiose:

A analise dos discursos sociais abre caminho, desta maneira, para o estudo da construcao social do real, [...]. Uma teoria dos discursos sociais pode ter como meta a analise da producao do real-social, sem complicar-se com um modelo subjetivista do ator (Veron, 1980, p. 126).

A teoria do discurso de Veron e construida sobre uma hipotese de defasagem entre as nocoes de "producao" e de "reconhecimento", guardando semelhancas com as nocoes de emissao e de recepcao da teoria da comunicacao. A problematica da comunicacao, para o autor, esta justamente nessa defasagem. Ha uma nao linearidade entre producao e reconhecimento, implicando que um discurso nunca produz um efeito unico, mas um campo de efeitos. A nao linearidade expressa uma circulacao de sentidos em um sistema em desequilibrio. A defasagem entre producao e reconhecimento se manifesta quando, do lado da producao, e possivel descrever ou reconstruir as regras que compoem a classe de textos analisada. No entanto, do lado do reconhecimento, ha uma variedade de leituras possiveis.

Um mesmo discurso pode ter multiplos efeitos, gracas a nao linearidade da relacao entre producao e recepcao. Os discursos circulam entre condicoes de producao e condicoes de reconhecimento. A analise nao pode considerar o objeto em si mesmo. Ela precisa considerar a relacao do objeto com aspectos determinados das condicoes, buscando as pistas ou marcas dessas nos textos analisados. Os "objetos" que interessam a analise de discursos sociais sao "sistemas de relacoes que todo produto significante mantem com suas condicoes de producao, de um lado, e com seus efeitos, de outro" (Veron, 1996, p. 128).

O sentido se constitui, portanto, de uma relacao infinita entre producao e reconhecimento, que forma uma rede discursiva, tambem referida por Veron (1996) como uma rede textual historica. Compreender essa rede, e as relacoes estabelecidas entre producao e reconhecimento que se configuram em seu ambito, parece ser um aspecto central da proposta de Veron. Em nossa perspectiva sistemico-discursiva, e afirmar que uma comunicacao pode ser compreendida a partir de seus efeitos sobre comunicacoes futuras. Consideramos que a abordagem discursiva de Veron traz um aporte metodologico para a perspectiva sistemico-discursiva, valorizando o aspecto social da producao de sentido e revelando a sua autorreferencialidade.

A perspectiva sistemico-discursiva, as organizacoes e a comunicacao

A origem da perspectiva sistemico-discursiva esta na compreensao dos sistemas sociais como unidades operacionalmente fechadas e interativamente abertas, que tem a comunicacao como sua operacao essencial. E atraves da comunicacao que a diferenca sistema social/ambiente e (re)produzida continuamente, garantindo a manutencao do sistema e procurando reduzir a complexidade do ambiente. Essa diferenciacao parece seguir um movimento reflexivo e recursivo em que o sentido e construido em redes de comunicacoes, que operam de forma circular, autopoietica e operacionalmente fechada. O sistema observa o entorno e constroi sentido tendo por referencia esse tecido autorreferenciado de comunicacoes.

Os sentidos circulam nessas redes, e constituem o horizonte operativo dos sistemas sociais, os quais, apesar de operacionalmente fechados, nao estao isolados. A linguagem possibilita acoplamentos estruturais com individuos e outros sistemas, permitindo que elementos externos aos sistemas sejam incorporados, mantendo, no entanto, a autorreferencialidade na construcao dos sentidos. Ou seja, o sistema tem contato com o mundo externo, mas constroi o sentido segundo suas referencias internas. Isso garante a identidade, mantendo a diferenciacao sistema/ambiente.

Nesse contexto, os discursos sao efeitos de sentidos construidos nos sistemas sociais. Podem ser compreendidos tambem como lances de linguagem ou enunciados que, em jogos de linguagem, materializam os sentidos que circulam nos sistemas. Esses lances parecem estar submetidos a regras e acordos, explicitos ou tacitos, que sao intrinsecos a condicao de fechamento dos sistemas sociais. Alem disso, os lances configuram um contexto social e, com isso, assumem posicoes, expectativas e disputas.

A perspectiva sistemico-discursiva contribui para direcionar a atencao da investigacao a dimensao social do discurso, nao ignorando o sujeito, mas deslocando a atencao para a diferenca sistema/ambiente e para a dinamica social da construcao de sentidos, o que parece abrir novas possibilidades de compreensao em torno da comunicacao organizacional.

Conforme Luhmann (2005b), na sociedade, as organizacoes se distinguem e se reproduzem a partir de um tipo especifico de comunicacao: a decisao. Cada decisao produz e reproduz a distincao organizacao/ambiente. Com isso, as organizacoes podem ser compreendidas como sistemas autorreferenciais de (re)producao de decisoes.

Da mesma forma que a comunicacao nao pode prescindir dos individuos, a organizacao, para existir, tambem depende dos individuos. No entanto, de acordo com a teoria sistemica de Luhmann (2005b, 2011), os individuos tambem sao sistemas (sistemas psiquicos ou consciencias) e fazem parte do ambiente da organizacao. Eles se relacionam com as organizacoes atraves de acoplamentos estruturais. Compreendemos, assim, que nao sao os individuos que conferem forma a organizacao, mas a comunicacao. E, portanto, nesse sentido que podemos dizer que a organizacao e formada por comunicacao.

Quando consideramos o acoplamento entre individuos e organizacoes, podemos pensar em uma relacao mutuamente constitutiva, mediada pela linguagem, que e condicao para a existencia da comunicacao e, consequentemente, do sistema organizacional. Nesse contexto, a nocao sistemica de organizacao esta fundamentada na comunicacao, que garante as condicoes estruturais para a existencia da organizacao.

De forma autopoietica, as organizacoes definem os requisitos para a participacao e selecionam quem esta apto a participar, assim como decidem sobre seus propositos e definem tarefas, posicoes e papeis, que acabam por constituir as premissas para outras decisoes. As decisoes, para Luhmann, constituem, antes de uma operacao mental, uma forma especifica de comunicacao. Nesse sentido, as decisoes nao sao tomadas e depois comunicadas. As decisoes sao comunicacao. Como as decisoes sao constituidas por duas distincoes entrelacadas, uma decisao envolve a comunicacao, explicita ou implicita, de uma alternativa selecionada e de alternativas rejeitadas.

Assim, a comunicacao de uma decisao e paradoxal. Ela informa sobre a decisao, mas tambem sobre as alternativas, que, reitere-se, sao e nao sao alternativas; caso contrario nao haveria decisao. Por ser paradoxal, a comunicacao da decisao e fragil e demanda uma desconstrucao atraves de comunicacoes posteriores. Cada decisao funciona como uma premissa decisoria para decisoes futuras. A absorcao da incerteza ocorre, portanto, quando uma decisao e utilizada como premissa para decisoes futuras. As premissas podem restringir ou criar novas situacoes de decisao, limitar ou facilitar novas decisoes. Para Luhmann (2005b), e a "rede de decisoes" que decide.

A nocao de decisao de Luhmann (2005b) e abrangente e nao se restringe a comportamentos regidos por uma ideia de racionalidade absoluta. Compreender a decisao como uma forma de comunicacao pressupoe considerar a racionalidade multipla envolvida nos comportamentos decisorios. Assim, a decisao deixa de ser um processo sequencial, linear, consciente, deliberado e planejado, em que um conjunto de alternativas e avaliado, e a melhor escolha e feita, passando a ser compreendida como a expressao de um conjunto amplo de fatores interrelacionados que, alem da razao, envolvem afeto, intuicao e relacoes sociais. Dessa forma, o processo decisorio pode ser compreendido como nao linear e transitorio. Essas caracteristicas tambem sao ressaltadas por abordagens que procuram integrar os aspectos cognitivos e afetivos do processo decisorio, como as de Simon (1970) e de Leitao (1997).

Na perspectiva sistemico-discursiva, consideramos a decisao em sua dimensao social. Em uma rede dinamica e complexa, as decisoes parecem ser geradas a partir de efeitos de sentidos e representam a inter-relacao de fatores de ordem cognitiva, emotiva e social. Nessa perspectiva, a decisao ainda revela uma interface fundamental da relacao entre organizacao e comunicacao. Como efeitos de sentidos, as decisoes podem ser compreendidas como discursos. A comunicacao organizacional, portanto, e construida em/por decisoes. O que nos leva a assumir que um texto, produzido e reconhecido no ambito da comunicacao organizacional, pode ser considerado a materializacao de uma ou mais decisoes. Para Veron (1997b, p.12), um texto e "um objeto ou produto pertencente a um sistema primario se significacao", enquanto um discurso e uma forma de aproximacao, de manipulacao ou de abordagem ao texto. No contexto organizacional, sob a otica sistemico-discursiva, as decisoes sao fruto de processos de construcao de sentido e estao materializadas nos textos que circulam em processos de comunicacao organizacional.

Diferente de nocao linear de comunicacao, que considera a transmissao assimetrica de significados ou de informacoes de um emissor a um receptor, a comunicacao e compreendida por Luhmann (2011) como a sintese de tres componentes: informacao, expressao/mensagem e compreensao. A informacao e uma selecao a partir de um repertorio de possibilidades. A expressao/ mensagem e a forma e a razao da comunicacao. Quando nao ha compreensao, nao ha comunicacao. Ha ainda outro aspecto considerado pelo autor, que e a aceitacao ou rejeicao da comunicacao, manifestada em uma comunicacao subsequente. Em um sistema social autopoietico, a comunicacao so adquire sentido quando e relacionada com uma comunicacao subsequente. Uma comunicacao e produzida em uma rede de outras comunicacoes.

Para Luhmann (2006, p. 71), "a comunicacao e a criacao de uma realidade emergente, nomeadamente da sociedade, que, por seu lado, assenta na reproducao continua da comunicacao pela comunicacao". Uma mensagem, iniciada por um individuo, e conduzida atraves de uma rede comunicativa e pode gerar uma multiplicidade de formas, conteudos, compreensoes, sentidos. A comunicacao nao transmite, e sim, multiplica possibilidades. Para haver comunicacao, um esforco de comunicacao precisa estar relacionado com um esforco seguinte, formando um continuo. A sua reproducao e condicionada nessa rede e independe das mentes dos individuos.

No entanto, isso nao quer dizer que a comunicacao ocorra sem o envolvimento das consciencias, que estao acopladas a comunicacao da sociedade. Como observa Bachur (2009), a respeito da obra de Luhmann, trata-se de assegurar a irredutibilidade dessas duas dimensoes (individuo e sociedade). Os sentidos sao atualizados com a participacao das consciencias, que se ajustam aos suportes materiais dos sentidos institucionalizados na sociedade. A essa nocao de comunicacao aproximamos a abordagem de Veron (1996), que trata da nao-linearidade entre producao e reconhecimento, e, consequentemente, da multiplicidade de efeitos dos discursos. Para o autor, os sentidos circulam no sistema e nunca produzem um efeito unico, mas um campo de efeitos. Esses sentidos circulam em uma rede discursiva ou rede de semiose, conforme Veron (1996), ou em uma rede recursiva ou uma rede de comunicacao, de acordo com Luhmann (2011). Chegamos, assim, a compreensao da comunicacao como um processo social de circulacao, multiplicacao e disputa de sentidos, que depende da interacao entre sistemas (sociais e psicologicos). Esse processo e configurado nas improbabilidades e nos desvios entre producao e reconhecimento, formando uma rede complexa de sentidos, em que uma comunicacao e condicao para existencia da outra.

Sob a perspectiva sistemico-discursiva, podemos dizer, portanto, que a organizacao existe enquanto houver comunicacao. Essa rede complexa de sentidos e continuamente (re)produzida no ambito dos sistemas organizacionais e nas suas relacoes com o ambiente (formado por outros sistemas e por individuos). Alem disso, como sistemas constituidos por comunicacao, as organizacoes parecem ser constantemente observadas na/pela sociedade, o que pode deflagrar processos de construcao e multiplicacao de sentidos, que fogem ao seu controle, mas que contribuem, assim como os processos intencionais, para a configuracao da organizacao nos ambitos interno e externo. Assim, compreendemos que atraves da comunicacao e construida e mantida a distincao entre sistema (organizacao) e ambiente, envolvendo tanto os processos formais, autorizados e planejados, quanto os processos informais, nao-autorizados, nao controlaveis e nao planejados.

Consideracoes

Ao estudar a comunicacao organizacional sob a perspectiva sistemico--discursiva, parece necessario explorar a rede discursiva ou a rede de semiose em que sao construidos os sentidos, analisando as superficies discursivas disponiveis, investigando as operacoes discursivas e as condicoes produtivas da circulacao de sentidos na rede. Essa abordagem discursiva, no entanto, considerando os pressupostos sistemicos, precisa reconhecer que os processos de construcao de sentidos sao autorreferenciados, ou seja, se configuram em formas circulares, autopoieticas e operacionalmente fechadas. Os sistemas observam o entorno e constroem sentido tendo por referencia um tecido autorreferenciado de comunicacoes.

Assim, sob essa perspectiva, somos levados a investigar, em discursos/ decisoes, como as organizacoes se configuram atraves de seus processos comunicacionais, construindo e nutrindo a distincao fundamental que assegura sua condicao sistemica.

DOI: http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2016.1.20906

Referencias

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Aceito em: 9/09/2015

Endereco do autor:

Victor Marcio Laus Reis Gomes <victorlaus@gmail.com>

Universidade Catolica de Brasilia

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Victor Marcio Laus Reis Gomes

Doutor em Comunicacao Social. Professor e pesquisador do Programa de Pos-Graduacao em Comunicacao da UCB--Universidade Catolica de Brasilia.

<victorlaus@gmail.com>

(1) Trabalho desenvolvido com base na tese de doutorado do autor, que contou com apoio da CAPES.

(2) O adjetivo "autopoietica" e utilizado para designar uma estrutura (sistema) em que ocorre a autopoiese, ou seja, a capacidade de autorreproduzir-se exclusivamente atraves de seus proprios elementos e operacoes internas. No caso dos sistemas sociais, a comunicacao e a rede de comunicacoes formada no interior do sistema constituem o elemento fundamental para a autorreproducao e sao por ele responsaveis (Luhmann, 2011).
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