首页    期刊浏览 2025年12月25日 星期四
登录注册

文章基本信息

  • 标题:The concept of community in Communication/O conceito de comunidade na Comunicacao.
  • 作者:Yamamoto, Eduardo Yuji
  • 期刊名称:Revista Famecos - Midia, Cultura e Tecnologia
  • 印刷版ISSN:1415-0549
  • 出版年度:2014
  • 期号:May
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Editora da PUCRS
  • 摘要:No campo comunicacional brasileiro, especialmente nos setores da comunicacao comunitaria e da cibercultura, apesar de suas particularidades internas, trabalha-se com a ideia generalista da objetivacao de um comum proveniente, ora de atributos naturais, ora de eventos acidentais ora, simplesmente, de uma manifestacao espontanea da vontade coletiva.

The concept of community in Communication/O conceito de comunidade na Comunicacao.


Yamamoto, Eduardo Yuji


Ecada vez maior o numero de pessoas que utilizam websites de relacionamento como ferramenta de sociabilidade. Esse fato despertou o interesse de muitos pesquisadores brasileiros, das areas das Ciencias Humanas e Sociais, pelo fenomeno comunitario. Contudo, a medida que se observa um aumento significativo de producoes academicas brasileiras sobre as chamadas comunidades virtuais, percebe-se tambem a sua precariedade conceitual (1). Fala-se de comunidade, mas o que e comunidade nos dias de hoje? Um grupo de pessoas que partilham coisas em comum? Um territorio ou uma lingua? Um grupo de pessoas que possuem afinidades ou interesses em comum? Um grupo de oracao, um partido politico ou uma fila de onibus, por exemplo? Podem ser consideradas comunidades essas formas superficiais de amizade pela internet, tal como no Orkut ou no Facebook? Ainda: para que algo seja da comunidade deve estar vinculada, necessariamente, a ideia de grupos estigmatizados, marginalizados cultural e economicamente (como as favelas ou as minorias etnicas)? Nao se reconhecerao tambem, sob este nome, os moradores de condominios ostensivamente vigiados e os grandes grupos financeiros? Estas questoes, recorrentes nos circulos academicos, e em muitos outros espacos (inclusive no senso comum), indicam uma crise do conceito de comunidade.

No campo comunicacional brasileiro, especialmente nos setores da comunicacao comunitaria e da cibercultura, apesar de suas particularidades internas, trabalha-se com a ideia generalista da objetivacao de um comum proveniente, ora de atributos naturais, ora de eventos acidentais ora, simplesmente, de uma manifestacao espontanea da vontade coletiva.

No caso da comunicacao comunitaria, e unanime o uso do termo para se referir ao conjunto de elementos presente nos espacos marginalizados da cidade. Assim, seu qualificativo comunicacional estende-se aos aparelhos tecnicos de comunicacao utilizados por essas pessoas para dar visibilidade as suas demandas: precaria situacao material, reivindicacao de assistencia social basica (saude, seguranca, saneamento), divulgacao dos servicos ou da arte que ali se produzem etc.

Ja no caso da cibercultura, a expressao da vontade comum comparece ao problema das solidariedades digitais, interessadas tanto na economia colaborativa entre os diferentes grupos, quanto na afirmacao identitaria e nas trocas e negociacoes intersubjetivas. Aqui, se por um lado a comunidade se desvincula do entrave territorial; por outro se dispersa numa infinidade de formas associativas (sejam elas "naturais" ou "racionais", como distinguiria Ferdinand Tonnies) de modo que, no conjunto comunicacional, evidencia-se certa incapacidade do conceito em indicar tanto sua especificidade ontologica (o ser da comunidade), quanto delimitar um fenomeno especifico (sua entificacao).

Foi com este cenario de fundo que propomos em 2010 a pesquisa "A questao da comunidade na era da midiatizacao" (2). Na ocasiao, o objetivo era nao so delimitar a atual semantica da comunidade, mas estabelecer, no limite de uma critica e uma ontologia, um conceito estrito e abrangente de comunidade. Quer dizer, que tivesse um epicentro solido (uma ontologia consistente), mas que, ao mesmo tempo, fosse capaz de sustentar uma multiplicidade de fenomenos no dominio comunicacional.

Diagnosticamos que o conceito de comunidade em voga na Comunicacao, tomado irrefletidamente da Sociologia do seculo XIX (de Conte a Durkheim, passando por Le Play, Marx, Tonnies, Weber e outros), mantinha um forte carater substancial que, invariavelmente, resultava em graves problemas a pesquisa. O principal deles era o essencialismo acritico, a ideia de comunidade enquanto verdade inquestionada uma vez que proveniente do povo, imanada de baixo para cima, como se o fato de um comum se objetivar de maneira espontanea--seja por um principio indeterminado, seja por uma vontade coletiva--fosse razao suficiente para se fazer legitima (3). Sob tal dogma conceitual, entretanto, desdobrava-se uma serie de problemas, sobretudo relacionados a essencializacao, quais sejam, o autoritarismo micropolitico; a exclusao das diferencas (e do diferente) a partir de uma vontade comum transcendente; a eliminacao das singularidades humanas conforme a vulgarizacao de temas comunitarios (a cultura popular autentica, a afetuosidade e a solidariedade exagerada, o carater exotico e criminal da periferia etc.); a subsuncao do vinculo humano a partir de sua pressuposicao no estabelecimento de uma rede tecnica e intersubjetiva de compreensao mutua; entre outros.

Esta condicao exigia a busca de um outro conceito de comunidade, ou melhor, de uma ontologia originaria capaz de compreende-la em seu modo de ser substancialista (essencialista), mas que fosse tambem critica em relacao a ele, que promovesse a sua abertura, porem, sem o risco de um deslize ontologico. Mais ainda, que se adequasse ao contexto desterritorializado da "midiatizacao" (4). Seria possivel uma empreitada deste porte? Seria possivel dar a comunidade um tal escopo ontologico? De que modo a Comunicacao pode se valer deste conceito para ampliar os seus objetos? As linhas que se seguem pretendem apresentar uma resposta razoavel a estas indagacoes.

Communitas

Um pensador que nos auxiliara nesta empreitada e Roberto Esposito. A ele devemos uma distincao fundamental, a organizacao da totalidade dos estudos sobre o conceito de comunidade em duas perspectivas: a substancialista e a dessubstancialista. Esta distincao e a novidade introduzida por Esposito aos estudos conceituais de comunidade definida, segundo ele, em sentido estrito, quer dizer, como fenomeno vinculativo humano e nao absolutamente como formacao historico-social particular (5). Ela sera de suma importancia, ja que definira dois modos ontologicamente diferentes de pensar a comunidade, isto e, a partir da estrutura fechada do ser (Sein) ou da estrutura aberta do ser-com (Mitsein).

De acordo com a organizacao proposta, a perspectiva substancialista da comunidade abarcaria toda a "filosofia politica" tradicional, onde se arrolam correntes teoricas e conceitos como a Gemeinschaft, o neocomunitarismo norte-americano e a etica da comunicacao. Tal perspectiva, afirma Esposito (2007, p. 156), "parte sempre dos individuos pre-constituidos--conservando-os como tais, ou fundindo-os num individuo maior". Em outra perspectiva (dessubstancialista), pelo contrario, que "parte sempre da relacao do compartilhamento" , Esposito ve despontar do "grande pensamento da comunidade" (6), onde comparece a nocao de communitas. Vale a pena resgatar aqui este extraordinario conceito.

Communitas e a palavra latina para designar comunidade. E a partir dela que Esposito extrai dois importantes radicais, cum e munus. Ao passo que cum revela a presenca incontornavel de um outro (um alem de mim), no segundo radical (munus), Esposito encontra tres significados possiveis: onus, officium e donum. Chama-lhe atencao o fato de donum (dom) pertencer a um mesmo conjunto semantico que indica dever, divida, obrigacao. Afinal, como um dom haveria de ser obrigatorio? Nao deveria, pelo contrario, ser algo espontaneo? Esta pergunta norteara toda reflexao de Esposito sobre o conceito de comunidade que, ao final, concluira: se donum (munus) institui uma doacao obrigatoria, e cum refere-se a presenca insistente de um outro (que esta oculto), cum+munus (ou communitas) significa um tipo de relacao em que o sujeito doase incondicionalmente ao outro (qualquer, indefinido), logo, a comunidade enquanto outro na condicao de virtual.

Este e, segundo Esposito, o significado arcaico da comunidade obliterado pelo pensamento moderno (subjetivista), a externalidade que corroi o sujeito.

"Como indica a etimologia complexa, porem univoca, a que temos apelado, o munus que a communitas compartilha nao e uma propriedade ou pertenca. Nao e uma possessao, mas ao contrario, uma divida, uma prenda, um dom a dar. E e, portanto, o que vai determinar, o que esta por converter-se, o que virtualmente ja e, uma falta. Um 'dever' une os sujeitos da comunidade--no sentido de que 'te devo algo', e nao no sentido de que 'me deves algo'--que faz com que nao sejam inteiramente donos de si mesmo. Em termos mais precisos, os expropria, em parte ou inteiramente, sua propriedade inicial, sua propriedade mais propria, ou seja, sua subjetividade."

(Esposito, 2007, p. 30-31) (7)

Tal interpretacao, como se percebe, contraria a logica comunitaria vigente (aquisitiva, reparativa) que concebe a comunidade muito mais como uma posse, um atributo (uma propriedade) do que uma obrigacao, um tributo (uma "impropriedade" (8)); muito mais um conjunto de individuos credores do que de devedores; muito mais uma instancia de reafirmacao dos sujeitos do que de dessubjetivacao coletiva.

Para Esposito, a ideia de comunidade enquanto substancia ou propriedade comum tem as suas origens na reducao ontologica operada pelo pensamento moderno que instituiu o primado do sujeito (Cogito) e, a partir dai, fez da comunidade a sua derivacao (um conjunto de "individuos pre-constituidos"). Neste caso, sua hermeneutica parte para o momento imediatamente anterior a instituicao do Cogito, com o objetivo de recobrar a sua semantica arcaica e devolver a comunidade a sua primazia (sua ontologia originaria)--fato que decorre com a interpretacao da communitas segundo o entendimento do donum compartilhado.

Com efeito, a partir da communitas, desvela-se a condicao (comum) de impropriedade do sujeito que se encontra, de inicio e na maioria das vezes, preso, vinculado, mergulhado numa rede de intensas ligacoes que ele insistentemente ignora para se firmar enquanto tal, como dono de si, Eu soberano ou nucleo a partir do qual irradiam as relacoes e a substancia comunitaria. Toda suposta propriedade (ou soberania) do sujeito moderno, entretanto, dissolve-se nessa dimensao originaria (e persistente) da divida e do dever. Opostamente ao seu sentido convencional, objeto ou anteparo projetivo de subjetividade, a comunidade, em sua acepcao originaria, reivindica, agora, a posicao de sujeito, instancia expropriadora da subjetividade (9).

A atitude radical deste entendimento, a completa realizacao da communitas, diz Esposito, coincide com a maxima extorsao do sujeito, a tal ponto desta condicao revelar-lhe o lugar de sua proveniencia: a indeterminacao de si. Este seria, a rigor, o carater originario do sujeito, o mostrar-se do "que virtualmente ja e [ou sempre foi], uma falta" (10) (Esposito, 2007, p. 30). Puro fluxo, pura relacao. Toda ansia moderna voltada a producao de dispositivos como a razao, a consciencia (Cogito), os contratos, os principios morais, a tecnologia (Gestell) e, de maneira mais generalizada, a in-munizacao (neutralizacao do munus) (11), so pode ser compreendida pelo desejo de completude (ou interdicao) desta "falta" de si do sujeito.

Devolver este carater originario nao apenas ao sujeito, mas a propria comunidade, eis o que pretende a perspectiva dessubstancialista da comunidade: dessubstancializa-los, dessubjetiva-los; estender tal processo a toda construcao metafisica edificada em torno do Ego (individuo/sujeito)--das instituicoes sociais modernas (tutelares e autocentradas) aos modos de relacionamento inmunizante do Direito, da Economia, e, aqui, principalmente, da Comunicacao.

Uma ontologia originaria

A critica de Esposito a ideia substancialista de comunidade o conduz a um radical aprofundamento ontologico. Pois, na medida em que toca em pontos-chaves do pensamento ocidental (o individuo, a subjetividade, a essencia etc.), traz a tona o solo metafisico grego de onde partem todas estas referencias. Mais ainda, poe em questao a pedra angular deste sistema arquitetonico: o ser.

Ora, se acompanharmos o questionamento sobre o pressuposto da perspectiva substancialista da comunidade (a primazia do individuo/sujeito), nao e dificil constatar a relacao que a ideia de proprio mantem com a concepcao platonica e aristotelica de ser, ou seja, com a ideia de um fundamento sempre presente em tudo aquilo que e. Colocando em termos ontologicos: para os grandes disseminadores da nocao ocidental de ser, Platao e Aristoteles, o ser e aquilo que esta sempre pressuposto na apresentacao dos entes em sua totalidade, dai sua coextensao com termos como "ideia" e "essencia". O ser, neste caso, enquanto presenca constante no ente, pode ser tambem designado como o proprio do ente. Tal aproximacao e possivel e, todavia, promissora, se levarmos para essa concepcao de ser a problematica de Esposito sobre a ideia de proprio--a de que e o "improprio" (e nao o proprio) o comum de todo ente (ver nota 8). Isso abriria um campo promissor de reflexoes ontologicas que ultrapassaria o mero debate sociologico sobre a legitimidade das instituicoes comunitarias centradas no individuo e voltadas a sua protecao. Afinal, poder-se-ia objetar: a estrutura platonico-aristotelica estaria obrigada a algum munus originario? A emergencia do ser platonico-aristotelico nao teria se dado a custa da exclusao de uma diferenca ontologica (o cum que o constitui)?

A referencia a Heidegger aqui e inevitavel e tanto mais proveitosa se considerarmos o escopo pleno de sua ontologia. Nao por acaso que Esposito, mas tambem seu colega Jean-Luc Nancy, em seus questionamentos sobre o sentido derradeiro da comunidade (referida, respectivamente, como communitas e "ser-em-comum (12)"), facam constantes mencoes a "Ser e tempo" e ao fracasso de Dasein para superar-se a si mesmo como consciencia ou unidade existencial--pois lhe falta, ainda ai, uma diferenca ontologica, um improprio constituinte. Mas e tanto mais sugestivo o fato de Esposito utilizar a palavra substancia (das leituras de Heidegger sobre Aristoteles) para qualificar a organizacao dos estudos conceituais da comunidade, encontrando na genese ontologica da substancia o ponto de inflexao de sua ontologia comunitaria.

Substancia, do latim substantia, e antes a traducao do grego ousia (ovoia) que nos textos de Aristoteles aparece como aquilo que e sempre (presenca constante), que perdura ou preexiste, enfim, que se situa para alem de suas variacoes. Segundo as investigacoes heideggerianas, diferentemente da substantia, que para os romanos refere-se apenas ao que subjaz aos acidentes, a ousia impunha aos gregos uma determinacao entre ser e tempo que permaneceu velada durante toda vigencia da metafisica ocidental. Dois significados de ousia reforcam a ideia de uma presenca constante: 1) um tempo especifico, supratemporal, que dura alem do instante daquilo que ocorre--[TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII] e o participio do verbo grego ser [TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII] utilizado na funcao nao limitativa do tempo (a-orista), perdurando independentemente deste e; 2) raiz ou terra (propriedade), significado extraido das estruturas faticas do mundo grego e utilizado pelos mesmos para resolver problemas cotidianos de ordem pratica.

Tais significados provem do retorno de Heidegger a Grecia Antiga, de sua aventura hermeneutica para encontrar a estrutura de sentido fundamental que vigora ate os nossos tempos (a compreensao do ser como ousia). Mas a ousia, enquanto aquilo que permanece no ente, que diz algo sobre ele (ser), guarda um sentido ainda mais originario (13), physis ([TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII], natureza e ente na totalidade.

"Aristoteles designa tanto a pergunta pelo ente na totalidade quanto a pergunta pelo que e o ser do ente, sua essencia, sua natureza, como prote philosophia, ou como filosofia primeira. Este questionamento e o filosofar em primeira linha, o filosofar proprio. O filosofar proprio consiste na pergunta pela physis nesta significacao dupla: a pergunta pelo ente na totalidade e, em unidade com ela, a pergunta pelo ser."

(Heidegger, 2003, p. 41)

Contudo, a interrogacao deste significado da physis no proprio solo de sua proveniencia revela uma dinamica originaria tanto mais contraditoria: erigir-se emergente, mas tambem desdobrar-se que em si repousa.

"Devemo-nos afastar completamente do conceito de 'natureza'. Pois physis significa o surgir emergente, que brota. O desabrochar e desprender-se que em si mesmo permanece. A partir de uma unidade originaria se incluem e manifestam nesse vigor repouso e movimento. Nesse vigor (Walten) o presente se apresenta como ente. A vigencia de tal vigor so se instaura a partir do ocultamento. Isso significa para os gregos: a aletheia (o des-ocultamento) se processa e acontece, quando o vigor se conquista a si mesmo como um mundo! So atraves do mundo o ente faz ente."

(Heidegger, 1999, p. 89)

Para Heidegger, o revelar-se daquilo que e (ser) deve conservar essa dinamica originaria: arrancar o ser do nao-ser que o constitui (desvelamento a partir do velado; o "ser" e o "vir-a-ser" (14)). Essa e a constancia pressuposta na physis, mas que cede lugar, em Platao e Aristoteles, para a "ideia" e a "substancia". Ou melhor, nestes dois filosofos a constancia da dinamica originaria (desvelamento e retracao) e interpretada como constancia de uma presenca--dai a expressao de Jacques Derrida "metafisica da presenca", inspirada na designacao de Heidegger a essa primeira filosofia.

Essa breve incursao nos estudos de Heidegger sobre a genese da substancia aristotelica e importante para compreendermos a distincao ontologica operada por Esposito. Se a physis, que constitui a determinacao ontologica originaria, apresentase como dinamica do desvelamento e retracao, a comunidade, ao se pretender como principio originario de reuniao ou vinculacao dos entes humanos--algo como um logos (Aoyoff) inter-humano--, deveria considerar tal dinamica enquanto determinante de sua propria ontologia. Em outras palavras: uma ontologia rigorosa da comunidade nao poderia limitar-se apenas aquilo que ela reune e mostra (substancia), ignorando o que dela se separa (a diferenca, o improprio, a des-substancia), a regiao ontologica que a constitui, mas que se retrai ou se oculta naquilo que ganha presenca. Dai a perspectiva dessubstancialista da comunidade, a restituicao desta regiao que devolve para sua ontologia o seu improprio constituinte (vinculo secreto do cum e do mit).

Tal delineamento pode ser observado na organizacao ontologica de Esposito: mostracao da substancia comum (a essencia comunitaria) e ocultamento daquilo que dela se separa (as singularidades). Se a perspectiva substancialista abrange os modos de ser da comunidade fundados numa essencia comum, portanto, reunindo sujeitos plenos ou individuos autossuficientes do ponto de vista identitario; a perspectiva dessubstancialista ira se referir nao a um conjunto especifico de comunidades, mas ao seu entorno ou sua propria dissidencia, um apeiron ([TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII]) adormecido. Se fossemos para figurativiza-la em um conjunto de homens, citariamos a bela expressao de Georges Bataille, "comunidade dos sem comunidade", uma comunidade de desertores e renegados, de homens destoantes, inconciliaveis, irredutiveis, desmotivados a fazer "obra da comunidade" (expressao de Nancy) ou a se reconhecerem enquanto tais (enquanto comunitarios, comunitaristas). Ou ainda, "communaute des amants" (Blanchot, 1983), de homens arrebatados pela paixao e pelo extase, condenados a viverem, a cada novo encontro, como nomades, entes sem destinacao.

Como observou Pelbart (2002), e somente a partir de uma tal comunidade, "comunidade de celibatarios" (expressao de Derrida), que a politica poderia efetivamente ter lugar, na medida em que torna inaceitavel todo tipo de absolutismo ou totalizacao, acenando para sua "originalidade", compreendida aqui enquanto "singularidade", mas, principalmente, enquanto communitas, voz originaria que clama a dessubjetivacao radical:

"[...] o que resta as almas quando nao se aferram mais a particularidades, o que as impede entao de fundir-se num todo? Resta-lhes precisamente sua 'originalidade', quer dizer um som que cada uma emite quando poe o pe na estrada, quando leva a vida sem buscar a salvacao, quando empreende sua viagem encarnada sem objetivo particular, e entao encontra o outro viajante, a quem reconhece pelo som. Lawrence dizia ser este o novo messianismo ou o aporte democratico da literatura americana: contra a moral europeia da salvacao e da caridade, uma moral da vida em que a alma so se realiza pondo o pe na estrada, exposta a todos os contatos, sem jamais tentar salvar outras almas, desviando-se daquelas que emitem um som demasiado autoritario ou gemente demais, formando com seus iguais acordos e acordes, mesmo fugidios. A comunidade dos celibatarios e a do homem qualquer e de suas singularidades que se cruzam: nem individualismo, nem comunialismo."

(Pelbart , 2002, p. 96)

Nesta organizacao ontologica, atenta-se para um dado importante: ao passo que a primeira segue a determinacao do ser platonico-aristotelico (Sein), a segunda encontra referencia na estrutura peculiar do Mitsein, uma estrutura aberta ao indeterminado (devir), logo, antiontologica. Coexistentes, a relacao entre a comunidade substancialista e a dessubstancialista pode ser dita de complementacao, impedindo tanto a absolutismo de uma, quanto a completa deriva de outra--ambas formam o que chamamos de estrutura genetica das entificacoes comunitarias (15).

A proposicao destas consideracoes metafisicas, embora possa parecer desnecessaria, constitui um gesto fundamental para desvelar esta dimensao impropria da comunidade e, desse modo, sua concepcao dessubstancialista, modo de ser da comunidade ocultado pelo pensamento moderno. A liberacao, em seu horizonte originario, da estrutura limitativa do ser (e de seu acesso igualmente restritivo: universal [left and right arrow] particular), da agora notoriedade as comunidades "singulares" provindas dos mais variados encontros humanos. Essa liberacao amplia o escopo do fenomeno comunitario para alem de seu aspecto essencialista ou substancial, implicando uma dupla conquista ontologica: primeiramente, recupera a dimensao impropria que lhe e inerente (cum+munus), assumindo-a como constituinte da comunidade (16); posteriormente, da inteligibilidade (enquanto fenomeno comunitario) as inumeras formas vinculativas contemporaneas, antes compreendidas como nao-comunitarias porque superficiais, transitorias, frageis ou inconsistentes.

Novos objetos comunicacionais?

De que modo o desvelamento da ontologia originaria da comunidade poderia afetar os estudos comunicacionais? Uma resposta obvia logo sugeriria: ampliando os objetos do campo, investigando a amplitude do fenomeno comunitario (essencializacao e dessubstancializacao), impulsionado pelos aparelhos de comunicacao. Uma tal resposta nao estaria incorreta, mas o enclausuramento do fenomeno comunitario na esfera tecnica--como se tem percebido enquanto tendencia do campo--pode dirimir o potencial desvelador desta ontologia.

E bem verdade que uma parte consideravel destes fenomenos atravessa os meios de comunicacao. De fato, nao se pode ignorar a influencia que tal infraestrutura tecnica exerce sobre as vinculacoes humanas, por exemplo, estimulando encontros interpessoais, facilitando o acesso ao outro, multiplicando os contatos para alem da imposicao espacial etc. Porem, estas relacoes sao anteriores aos dispositivos tecnicos, possuem autonomia em relacao a eles e a propria linguagem; segundo Sodre (2002), dizem respeito a uma dimensao humana que e a da abertura do ser, do acolhimento do outro, da instauracao do sentido. Em outras palavras, trata-se do "vinculo" (o estar junto, a presenca incontornavel do outro), questao pouco explorada pelas Ciencias Sociais, nao obstante, demasiadamente comunicacional, constituindo, segundo ele, o "nucleo teorico" do campo (17):

"A sociologia pode tentar abordar, mas a comunidade nao e simplesmente agregacao, a juncao de pessoas. E o laco atrativo. E esse laco e atrativo, e a obrigacao simbolica originaria, que faz nascendo uma divida simbolica com o grupo social [...] Sao compromissos sociais de vida e morte. Isso eu chamo de vinculo social."

(Sodre, 2001)

O ponto em que a nocao de vinculo de Sodre coincide com a comunidade e onde hoje tem se destacado a grande questao comunicacional: a abertura do sujeito, a dessubjetivacao. Se em Sodre o "vinculo" ja traz implicita essa abertura (compromisso com o outro, assuncao da propria morte subjetiva), nos a enfatizamos ao longo deste texto conforme o significado arcaico da comunidade, seja pelo munus originario, seja pelos prefixos cum e mit--segundo Nancy (1996, p. 61) "pre-posicao da posicao em geral"--; existenciais que expoem a fissura que percorre inteiramente as instituicoes autocentradas, obrigando os sujeitos (e as comunidades deles derivadas) a se doarem incondicionalmente, arrastando-os a sua condicao originaria, isto e, a vida errante, a servidao absoluta, ao apelo do fora.

Nestes termos, nao seria absurdo tomar a comunidade, em sua amplitude ontologica, enquanto objeto comunicacional. Isso porque a investigacao da abertura ou dessubjetivacao ("experiencia comunitaria" conforme a temos denominado), tanto quanto dos processos de delimitacao da substancia comum, de fechamentos identitarios, alem da invencao de origens comunitarias, estariam todos sob o dominio do vinculo, podendo, portanto, ser realizados em ambito comunicacional sem prejuizo epistemologico.

Por mais controvertido que seja, tal objeto esta muito longe de ser uma novidade no campo comunicacional brasileiro. Se acompanharmos a extensa producao academico-cientifica de Sodre, podemos perceber uma constante preocupacao com o vinculo e a comunidade imiscuidos em problemas diversos, tais como: em sua critica epistemologica a pressuposicao da abertura em todo processo comunicativo (18); na denuncia dos dispositivos de poder (os conglomerados multimidiaticos) que negam a potencia biopolitica da vinculacao social, imputando formas de in-muniza-la (19); na apresentacao do vinculo/comunidade enquanto conceito fundamental, ainda que por um outro nome ("cultura, sob o ponto de vista ortoestrutural" (20)) etc.

Situando a cena atual, e dificil nao enxergar a centralidade do vinculo na comunicacao humana, a importancia dos jogos dessubjetivadores (da "seducao da verdade") nos estudos de linguagem (analise de discurso e de conteudo) e igualmente naqueles que avaliam os efeitos da midia sobre a sociedade--questoes estas que trazem, em alguma medida, uma dimensao comunitaria (a esfera dos valores (21)).

Da mesma forma, e dificil nao pensar na premencia de uma redescricao da comunidade em vista dos atuais conflitos sobre a apropriacao do comum que atravessam o campo: liberdade na rede; embargo dos creatives commons; colonizacao da linguagem; lutas micropoliticas nos espacos perifericos da cidade etc. Questoes estas a que se tem chamado contemporaneamente de biopolitica ou bio-lutas, cujas singularidades tem escapado as lentes de muitos analistas.

Sendo protagonizadas por formas sociais efemeras, fugazes e frageis, estas sao, muito frequentemente, acusadas de apoliticas (ate mesmo de conservadoras) por aqueles que se apoiam no retrogrado substancialismo. Um ponto de vista que ignora a inscricao de uma nova modalidade de politica voltada a dessubstancializacao das formas absolutistas da modernidade como o Estado e os partidos politicos, bem como seus dispositivos de representacao (midia hegemonica) e de controle (juridico, administrativo, urbanistico), os quais desaconselham o contato intimo, os encontros explosivos, o tete-a-tete da relacao; enfim, que diminuem aquilo que Nietzsche chamou de "expansao da vida", e que tantos pensadores (Blanchot, Foucault, Deleuze, Negri e Agamben) lancaram suas esperancas, como algo que poderia efetivamente por em risco um governo biopolitico.

A proposicao de um outro conceito de comunidade na Comunicacao--na verdade uma ampliacao semantica conforme seu significado originario--, viria a dar visibilidade a essa demanda politica, considerando o potencial aglutinador, mobilizador, logo, transformador, que esta palavra, ainda, preserva.

Mas uma intersecao midiatica, como sempre, e possivel. E aqui os meios de comunicacao podem fazer uma diferenca na medida em que interfiram na abertura, funcionem como "espacadores" (22) de individuos e comunidades substancialistas. Isto e, na medida em que criem situacoes ou condicoes (tecnicas) de mudanca de si e do mundo.

Sem a pretensao de esgotar suas possibilidades, mas apenas como sugestao de caminhos investigativos do fenomeno comunitario, apontamos dois ambitos seminais:

1. Uma frente de investigacao que se preocuparia com o acolhimento do outro e com a reinvencao de si, mergulhando no cerne da questao da comunicacao e da comunidade, o vinculo humano e;

2. Uma outra que se preocuparia com a producao de dispositivos de abertura, estabelecendo como problematica norteadora a proposicao de praticas de intervencao no mundo.

Se a primeira tem como foco a observacao dos fenomenos associativos contemporaneos (frageis, efemeros e fugazes) e das experiencias esteticas mediadas tecnicamente, dedicando-se, portanto, a analise de materiais discursivos e extradiscursivos cuja producao tem-se avolumado nos ultimos anos (literatura, musica, ficcoes seriadas, filmes etc.); a segunda se voltaria a confeccao destes materiais, uma intervencao comunicacional semelhante as praticas artisticas (23).

REFERENCIAS

BLANCHOT, Maurice. La communaute inavouable. Paris: Minuit, 1983.

DELEUZE, Gilles. Logica do sentido. Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes. Sao Paulo: Perspectiva, 2007.

ESPOSITO, Roberto. Communitas: origen y destino de la comunidad. Trad. Carlo Rodolfo Molinari Marotto. Buenos Aires: Amorrortu, 2007.

--. Bios. Biopolitica e filosofia. Lisboa: Edicoes 70, 2010.

HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. Marcia Sa Cavalcanti Schuback. 5. ed. Petropolis: Vozes; Braganca Paulista: Editora Universitaria Sao Francisco, 2011.

--. Os conceitos fundamentais da metafisica: mundo, finitude, solidao. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 2003.

--. Introducao a Metafisica. Trad. Emmanuel Carneiro Leao. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. NANCY, Jean Luc. La communaute desoeuvree. Paris: Christian Bourgois Editeurs, 1986.

--. Etre singulier pluriel. Paris: Galilee, 1996.

NEGRI, Toni. Arte y multitudo. Ocho cartas. Madrid: Minima Trotta, 2000.

PELBART, Peter P. A comunidade dos sem comunidade. In: PACHECO, Anelise; COCCO, Giuseppe; VAZ, Paulo (Org.). O trabalho da multidao. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002, p. 93-108.

RANCIERE, Jacques. Comunidade como dissentimento. In: DIAS, Bruno P.; NEVES, Jose (Org.). A politica dos muitos: povo, classes e multidao. Lisboa: Tinta da China, 2010. p. 425-436.

SODRE, Muniz. Sobre a episteme comunicacional. Revista Matrizes, Sao Paulo, v. 1, n. 1, p. 15-26, out. 2007.

--. A maquina de Narciso. Rio de Janeiro: Cortez, 1984.

--. Antropologica do espelho. Petropolis: Vozes, 2002.

--. A verdade seduzida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.

--. Objeto da comunicacao e a vinculacao social. Entrevista para Desiree Rabelo. In: PCLA (UMESP), Sao Bernardo do Campo, v. 3, n. 1, dez. 2001. Disponivel em: <http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista9/ entrevista%209-1.htm>. Acesso em: 18 maio 2014.

NOTAS

(1) Convem a observacao de Muniz Sodre sobre a tendencia recente dos estudos comunicacionais brasileiros: "E bem possivel que uma parte razoavel dos futuros estudos e discussoes em torno da comunicacao venha a se pautar uma linha marcadamente 'epistemologica', isto e, de critica interna de seus principios, hipoteses e resultados, na medida em que os pesquisadores deste campo se preocupem mais com a precariedade teorica de suas analises" (Sodre, 2007, p. 14).

(2) Trabalho de doutoramento desenvolvido na Escola de Comunicacao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ).

(3) Sobre isso ver a critica de Jean-Luc Nancy (1986, 2007) as democracias contemporaneas. E esclarecedor, neste sentido, o fato de as experiencias mais aterradoras de comunidade do seculo XX (nazismo, comunismo, fundamentalismo) estarem todas elas fundadas na substancia comum e legitimadas na vontade coletiva.

(4) O conceito de "midiatizacao" aqui e tributario de Sodre (2007, p. 17) e designa "o funcionamento articulado das tradicionais instituicoes sociais com a midia". A hipotese que sustenta a midiatizacao--"uma mutacao sociocultural centrada no funcionamento atual das tecnologias da comunicacao"--acena para a necessidade de uma ampla redescricao dos tradicionais conceitos das Ciencias Humanas e Sociais.

(5) Com isso evita-se a referencia do termo exclusivamente as formacoes sociais heterogeneas que precederam a sociedade urbano-industrial (comum no quadro geral das Ciencias Sociais), ou seja, como designativo da vida clanica, rural, idilica (inspirada pela literatura romantica alema); ou ainda como sinonimo de tribo, corporacao (guilda), vila ou pequena cidade medieval.

(6) "Parte siempre de los individuos preconstituidos--conservandolos como tales, o fundiendolos en un individuo mayor" (...) "parte siempre de la relacion del compartir" (...) "gran pensamiento de la comunidad".

(7) "Como indica la etimologia compleja, pero a la vez univoca, a la que hemos apelado, el munus que la communitas comparte no es una propiedad o pertenencia. No es una posesion, sino, por el contrario, una deuda, una prenda, un don-a-dar. Y es por ende lo que va a determinar, lo que esta por convertirse, lo que virtualmente ya es, una falta. Un 'deber' une a los sujetos de la comunidad--en el sentido de 'te debo algo', pero no 'me debes algo'--que hace que no sean enteramente duenos de si mismos. En terminos mas precisos, les expropia, en parte o enteramente, su propiedad inicial, su propiedad mas propia, es decir, su subjetividad".

(8) O fato mais importante da communitas, segundo Esposito, e o fato dela revelar a "impropriedad" como traco comum e originario de todo ente, isto e, a condicao devedora de todos os sujeitos, a predominancia de um outro virtual (Mitsein) sobre estes: "no es lo proprio, sino lo improprio--o mas drasticamente, lo otro--lo que caracteriza a lo comun" (Esposito, 2007, p. 31).

(9) De fato, desde os tempos mais imemoriais, a comunidade sempre designou a autoridade que introduz o ente no mundo, possibilitando a sua existencia por meio da vida social integrada, definidora de sua situacao existencial na cadeia de reciprocidade e na circulacao do munus. Dai a sua feicao credora, instancia expropriativa que abre e dissolve o ente na integracao coletiva. Sem isso, o ente jamais compreenderia a si mesmo como existente (jamais existiria como consciencia), pois flutuaria no vazio da nao-relacao, sem qualquer limite ou discernimento de sua propria extensao.

(10) "Que virtualmente ya es, una falta".

(11) Esposito (2010) apresenta uma tese interessante sobre um suposto "paradigma imunitario" que acompanha o projeto politico moderno do ocidente desde a transicao do poder soberano ao biopolitico. Tal paradigma baseia-se na conservacao da vida atraves de sua "in-munizacao" (neutralizacao do munus). Para ele, a imunizacao constitui um importante dispositivo biopolitico que atua tanto no evitamento de um intimo contato humano quanto na diminuicao da frequencia de uma relacao horizontalizada entre os governados. Estas formas de relacao constituem, na verdade, modos de contagio que poderia induzir a uma "expansao da vida", pondo em risco um governo biopolitico.

(12) As expressoes "ser-em-comum", "ser-juntos", "ser-uns-com-os-outros", presentes nas obras de Nancy (1986, 2007), sao formas de extrair o ser platonico-aristotelico de sua milenar condicao solipsista (plena, absoluta), deslocando-o ao plano etico onde ele se indeterminaria, ou melhor, demandaria um outro (cum) como componente imprescindivel de sua determinacao ontologica. "El ser-em-comun se define y constituye por una carga, y en ultimo analisis no esta a cargo de otra cosa sino del mismo cum" (Nancy In Esposito, 2007, p. 16). A expressao "ser-em-comum" e bastante proxima da communitas de Esposito.

(13) A relacao entre ousia e physis nao provem de sua morfologia linguistica, mas da interpretacao de Heidegger sobre o primeiro inicio da filosofia, a partir de uma lida com os pre-socraticos (em especial Heraclito). Esta aproximacao se deve ao fato da physis designar emergencia, abertura, brotar daquilo que vige e, nesta experiencia, revelar algo como uma determinacao ontologica do ente, experiencia de essenciacao do ser (ousia).

(14) "Physis significa o vigor reinante, que brota, e o perdurar, regido e impregnado por ele. Nesse vigor, que no desabrochar se conserva, se acham incluidos tanto o 'vir-a-ser' como o 'ser', entendido esse ultimo no sentido restrito de permanencia estatica. Physis e o surgir (Ent-stehen), o ex-trair-se a si mesmo do escondido e assim conservar-se" (Heidegger, 1999, p. 45, grifo nosso).

(15) Desenvolvemos em nossa pesquisa esta "estrutura originaria da comunidade" com base no conceito de "duracao" de Bergson, mas, acima de tudo, na estrutura dupla do acontecimento de Gilles Deleuze (2007, p. 56), situada em seu campo transcendental sui generis: "A distincao nao e entre duas especies de acontecimentos, mas entre o acontecimento, por sua natureza ideal e sua efetuacao espaco-temporal em um estado de coisas. Entre o acontecimento e o acidente".

(16) Em toda essa reordenacao ontologica, a communitas desempenha um papel excepcional; e o ponto de inflexao (ou desocultacao) do ser da comunidade, pois traz no significado arcaico de munus (donum) a questao de sua impropriedade constituinte agora revelada. Isso fica ainda mais evidente atraves dos radicais cum e munus. Cada um, a sua maneira, recupera o horizonte de mostracao originaria do ser: cum e o outro oculto, o que se retrai no desvelamento do ser; munus e a lembranca da condicao inicial do individuo (enquanto faltante, devedor, improprio), lembranca de sua emergencia enquanto diferenca ontologica.

(17) Em "Antropologica do espelho", Sodre (2002, p. 223) afirma: "[...] faz claro o nucleo teorico da comunicacao: a vinculacao entre o eu e o outro, logo, a apreensao do ser-em-comum (individual ou coletivo)".

(18) Sodre (2002, p. 234-235) sugere, neste caso, a divisao do campo em: veiculacao, vinculacao e cognicao.

(19) Esta perspectiva se apresenta em sua producao teorica dos anos de 1980 e 90, quando o autor fala do "codigo tecnocultural", que exclui a ambivalencia da comunicacao humana (olho-no-olho), o "movimento ambivalente e agonistico de relacionamento do homem com o real" (Sodre, 1984, p.112).

(20) Em "A verdade seduzida", por exemplo, pode-se percebe-las em seu conceito alternativo de cultura, distanciando-se da verve estruturalista da epoca e predominante nas Ciencias Sociais e na Comunicacao: "Cultura implica num esvaziamento da unidade individual, no que faz circular os termos polares da troca, no que reintroduz o acaso e o Destino, no ato simbolico que extermina as grandes categorias da coerencia ideologica, no que se constitui em morte do sentido e da verdade universais, no que faz aparecerem as singularidades, num ato de delimitacao e de atracao, em resumo, no movimento do jogo" (Sodre, 1983, p. 180).

(21) Cf. Communitas, ethike (in: Sodre, 2002, p. 169-220).

(22) A expressao e de Jacques Ranciere e designa o conjunto de artificios empregados para instauracao do sentido; fazer "passar palavras de um registro a outro": das palavras as coisas e das coisas as palavras (Ranciere in: Dias; Neves, 2010, p. 431).

(23) "La funcion constitutiva de las practicas artisticas implica que su funcion central no consiste en contar historias, sino en crear dispositivos en los que la historia pueda hacerse" (Guattari apud Sanchez in: Negri, 2000, p. 13).

Recebido em: 18 maio 2014

Aceito em: 12 jun. 2014

Endereco do autor:

Eduardo Yuji Yamamoto <yujieduardo@gmail.com>

Universidade Estadual do Centro-Oeste

Departamento de Comunicacao Social--DECS

Rua Presidente Zacarias de Goes

Caixa-postal: 730

85015430 Guarapuava, PR, Brasil

EDUARDO YUJI YAMAMOTO

Professor e pesquisador do Departamento de Comunicacao Social da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro). Guarapuava, PR, Brasil.

<yujieduardo@gmail.com
联系我们|关于我们|网站声明
国家哲学社会科学文献中心版权所有