The concept of community in Communication/O conceito de comunidade na Comunicacao.
Yamamoto, Eduardo Yuji
Ecada vez maior o numero de pessoas que utilizam websites de
relacionamento como ferramenta de sociabilidade. Esse fato despertou o
interesse de muitos pesquisadores brasileiros, das areas das Ciencias
Humanas e Sociais, pelo fenomeno comunitario. Contudo, a medida que se
observa um aumento significativo de producoes academicas brasileiras
sobre as chamadas comunidades virtuais, percebe-se tambem a sua
precariedade conceitual (1). Fala-se de comunidade, mas o que e
comunidade nos dias de hoje? Um grupo de pessoas que partilham coisas em
comum? Um territorio ou uma lingua? Um grupo de pessoas que possuem
afinidades ou interesses em comum? Um grupo de oracao, um partido
politico ou uma fila de onibus, por exemplo? Podem ser consideradas
comunidades essas formas superficiais de amizade pela internet, tal como
no Orkut ou no Facebook? Ainda: para que algo seja da comunidade deve
estar vinculada, necessariamente, a ideia de grupos estigmatizados,
marginalizados cultural e economicamente (como as favelas ou as minorias
etnicas)? Nao se reconhecerao tambem, sob este nome, os moradores de
condominios ostensivamente vigiados e os grandes grupos financeiros?
Estas questoes, recorrentes nos circulos academicos, e em muitos outros
espacos (inclusive no senso comum), indicam uma crise do conceito de
comunidade.
No campo comunicacional brasileiro, especialmente nos setores da
comunicacao comunitaria e da cibercultura, apesar de suas
particularidades internas, trabalha-se com a ideia generalista da
objetivacao de um comum proveniente, ora de atributos naturais, ora de
eventos acidentais ora, simplesmente, de uma manifestacao espontanea da
vontade coletiva.
No caso da comunicacao comunitaria, e unanime o uso do termo para
se referir ao conjunto de elementos presente nos espacos marginalizados
da cidade. Assim, seu qualificativo comunicacional estende-se aos
aparelhos tecnicos de comunicacao utilizados por essas pessoas para dar
visibilidade as suas demandas: precaria situacao material, reivindicacao
de assistencia social basica (saude, seguranca, saneamento), divulgacao
dos servicos ou da arte que ali se produzem etc.
Ja no caso da cibercultura, a expressao da vontade comum comparece
ao problema das solidariedades digitais, interessadas tanto na economia
colaborativa entre os diferentes grupos, quanto na afirmacao identitaria
e nas trocas e negociacoes intersubjetivas. Aqui, se por um lado a
comunidade se desvincula do entrave territorial; por outro se dispersa
numa infinidade de formas associativas (sejam elas "naturais"
ou "racionais", como distinguiria Ferdinand Tonnies) de modo
que, no conjunto comunicacional, evidencia-se certa incapacidade do
conceito em indicar tanto sua especificidade ontologica (o ser da
comunidade), quanto delimitar um fenomeno especifico (sua entificacao).
Foi com este cenario de fundo que propomos em 2010 a pesquisa
"A questao da comunidade na era da midiatizacao" (2). Na
ocasiao, o objetivo era nao so delimitar a atual semantica da
comunidade, mas estabelecer, no limite de uma critica e uma ontologia,
um conceito estrito e abrangente de comunidade. Quer dizer, que tivesse
um epicentro solido (uma ontologia consistente), mas que, ao mesmo
tempo, fosse capaz de sustentar uma multiplicidade de fenomenos no
dominio comunicacional.
Diagnosticamos que o conceito de comunidade em voga na Comunicacao,
tomado irrefletidamente da Sociologia do seculo XIX (de Conte a
Durkheim, passando por Le Play, Marx, Tonnies, Weber e outros), mantinha
um forte carater substancial que, invariavelmente, resultava em graves
problemas a pesquisa. O principal deles era o essencialismo acritico, a
ideia de comunidade enquanto verdade inquestionada uma vez que
proveniente do povo, imanada de baixo para cima, como se o fato de um
comum se objetivar de maneira espontanea--seja por um principio
indeterminado, seja por uma vontade coletiva--fosse razao suficiente
para se fazer legitima (3). Sob tal dogma conceitual, entretanto,
desdobrava-se uma serie de problemas, sobretudo relacionados a
essencializacao, quais sejam, o autoritarismo micropolitico; a exclusao
das diferencas (e do diferente) a partir de uma vontade comum
transcendente; a eliminacao das singularidades humanas conforme a
vulgarizacao de temas comunitarios (a cultura popular autentica, a
afetuosidade e a solidariedade exagerada, o carater exotico e criminal
da periferia etc.); a subsuncao do vinculo humano a partir de sua
pressuposicao no estabelecimento de uma rede tecnica e intersubjetiva de
compreensao mutua; entre outros.
Esta condicao exigia a busca de um outro conceito de comunidade, ou
melhor, de uma ontologia originaria capaz de compreende-la em seu modo
de ser substancialista (essencialista), mas que fosse tambem critica em
relacao a ele, que promovesse a sua abertura, porem, sem o risco de um
deslize ontologico. Mais ainda, que se adequasse ao contexto
desterritorializado da "midiatizacao" (4). Seria possivel uma
empreitada deste porte? Seria possivel dar a comunidade um tal escopo
ontologico? De que modo a Comunicacao pode se valer deste conceito para
ampliar os seus objetos? As linhas que se seguem pretendem apresentar
uma resposta razoavel a estas indagacoes.
Communitas
Um pensador que nos auxiliara nesta empreitada e Roberto Esposito.
A ele devemos uma distincao fundamental, a organizacao da totalidade dos
estudos sobre o conceito de comunidade em duas perspectivas: a
substancialista e a dessubstancialista. Esta distincao e a novidade
introduzida por Esposito aos estudos conceituais de comunidade definida,
segundo ele, em sentido estrito, quer dizer, como fenomeno vinculativo
humano e nao absolutamente como formacao historico-social particular
(5). Ela sera de suma importancia, ja que definira dois modos
ontologicamente diferentes de pensar a comunidade, isto e, a partir da
estrutura fechada do ser (Sein) ou da estrutura aberta do ser-com
(Mitsein).
De acordo com a organizacao proposta, a perspectiva substancialista
da comunidade abarcaria toda a "filosofia politica"
tradicional, onde se arrolam correntes teoricas e conceitos como a
Gemeinschaft, o neocomunitarismo norte-americano e a etica da
comunicacao. Tal perspectiva, afirma Esposito (2007, p. 156),
"parte sempre dos individuos pre-constituidos--conservando-os como
tais, ou fundindo-os num individuo maior". Em outra perspectiva
(dessubstancialista), pelo contrario, que "parte sempre da relacao
do compartilhamento" , Esposito ve despontar do "grande
pensamento da comunidade" (6), onde comparece a nocao de
communitas. Vale a pena resgatar aqui este extraordinario conceito.
Communitas e a palavra latina para designar comunidade. E a partir
dela que Esposito extrai dois importantes radicais, cum e munus. Ao
passo que cum revela a presenca incontornavel de um outro (um alem de
mim), no segundo radical (munus), Esposito encontra tres significados
possiveis: onus, officium e donum. Chama-lhe atencao o fato de donum
(dom) pertencer a um mesmo conjunto semantico que indica dever, divida,
obrigacao. Afinal, como um dom haveria de ser obrigatorio? Nao deveria,
pelo contrario, ser algo espontaneo? Esta pergunta norteara toda
reflexao de Esposito sobre o conceito de comunidade que, ao final,
concluira: se donum (munus) institui uma doacao obrigatoria, e cum
refere-se a presenca insistente de um outro (que esta oculto), cum+munus
(ou communitas) significa um tipo de relacao em que o sujeito doase
incondicionalmente ao outro (qualquer, indefinido), logo, a comunidade
enquanto outro na condicao de virtual.
Este e, segundo Esposito, o significado arcaico da comunidade
obliterado pelo pensamento moderno (subjetivista), a externalidade que
corroi o sujeito.
"Como indica a etimologia complexa, porem univoca, a que temos
apelado, o munus que a communitas compartilha nao e uma propriedade ou
pertenca. Nao e uma possessao, mas ao contrario, uma divida, uma prenda,
um dom a dar. E e, portanto, o que vai determinar, o que esta por
converter-se, o que virtualmente ja e, uma falta. Um 'dever'
une os sujeitos da comunidade--no sentido de que 'te devo
algo', e nao no sentido de que 'me deves algo'--que faz
com que nao sejam inteiramente donos de si mesmo. Em termos mais
precisos, os expropria, em parte ou inteiramente, sua propriedade
inicial, sua propriedade mais propria, ou seja, sua subjetividade."
(Esposito, 2007, p. 30-31) (7)
Tal interpretacao, como se percebe, contraria a logica comunitaria
vigente (aquisitiva, reparativa) que concebe a comunidade muito mais
como uma posse, um atributo (uma propriedade) do que uma obrigacao, um
tributo (uma "impropriedade" (8)); muito mais um conjunto de
individuos credores do que de devedores; muito mais uma instancia de
reafirmacao dos sujeitos do que de dessubjetivacao coletiva.
Para Esposito, a ideia de comunidade enquanto substancia ou
propriedade comum tem as suas origens na reducao ontologica operada pelo
pensamento moderno que instituiu o primado do sujeito (Cogito) e, a
partir dai, fez da comunidade a sua derivacao (um conjunto de
"individuos pre-constituidos"). Neste caso, sua hermeneutica
parte para o momento imediatamente anterior a instituicao do Cogito, com
o objetivo de recobrar a sua semantica arcaica e devolver a comunidade a
sua primazia (sua ontologia originaria)--fato que decorre com a
interpretacao da communitas segundo o entendimento do donum
compartilhado.
Com efeito, a partir da communitas, desvela-se a condicao (comum)
de impropriedade do sujeito que se encontra, de inicio e na maioria das
vezes, preso, vinculado, mergulhado numa rede de intensas ligacoes que
ele insistentemente ignora para se firmar enquanto tal, como dono de si,
Eu soberano ou nucleo a partir do qual irradiam as relacoes e a
substancia comunitaria. Toda suposta propriedade (ou soberania) do
sujeito moderno, entretanto, dissolve-se nessa dimensao originaria (e
persistente) da divida e do dever. Opostamente ao seu sentido
convencional, objeto ou anteparo projetivo de subjetividade, a
comunidade, em sua acepcao originaria, reivindica, agora, a posicao de
sujeito, instancia expropriadora da subjetividade (9).
A atitude radical deste entendimento, a completa realizacao da
communitas, diz Esposito, coincide com a maxima extorsao do sujeito, a
tal ponto desta condicao revelar-lhe o lugar de sua proveniencia: a
indeterminacao de si. Este seria, a rigor, o carater originario do
sujeito, o mostrar-se do "que virtualmente ja e [ou sempre foi],
uma falta" (10) (Esposito, 2007, p. 30). Puro fluxo, pura relacao.
Toda ansia moderna voltada a producao de dispositivos como a razao, a
consciencia (Cogito), os contratos, os principios morais, a tecnologia
(Gestell) e, de maneira mais generalizada, a in-munizacao (neutralizacao
do munus) (11), so pode ser compreendida pelo desejo de completude (ou
interdicao) desta "falta" de si do sujeito.
Devolver este carater originario nao apenas ao sujeito, mas a
propria comunidade, eis o que pretende a perspectiva dessubstancialista
da comunidade: dessubstancializa-los, dessubjetiva-los; estender tal
processo a toda construcao metafisica edificada em torno do Ego
(individuo/sujeito)--das instituicoes sociais modernas (tutelares e
autocentradas) aos modos de relacionamento inmunizante do Direito, da
Economia, e, aqui, principalmente, da Comunicacao.
Uma ontologia originaria
A critica de Esposito a ideia substancialista de comunidade o
conduz a um radical aprofundamento ontologico. Pois, na medida em que
toca em pontos-chaves do pensamento ocidental (o individuo, a
subjetividade, a essencia etc.), traz a tona o solo metafisico grego de
onde partem todas estas referencias. Mais ainda, poe em questao a pedra
angular deste sistema arquitetonico: o ser.
Ora, se acompanharmos o questionamento sobre o pressuposto da
perspectiva substancialista da comunidade (a primazia do
individuo/sujeito), nao e dificil constatar a relacao que a ideia de
proprio mantem com a concepcao platonica e aristotelica de ser, ou seja,
com a ideia de um fundamento sempre presente em tudo aquilo que e.
Colocando em termos ontologicos: para os grandes disseminadores da nocao
ocidental de ser, Platao e Aristoteles, o ser e aquilo que esta sempre
pressuposto na apresentacao dos entes em sua totalidade, dai sua
coextensao com termos como "ideia" e "essencia". O
ser, neste caso, enquanto presenca constante no ente, pode ser tambem
designado como o proprio do ente. Tal aproximacao e possivel e, todavia,
promissora, se levarmos para essa concepcao de ser a problematica de
Esposito sobre a ideia de proprio--a de que e o "improprio" (e
nao o proprio) o comum de todo ente (ver nota 8). Isso abriria um campo
promissor de reflexoes ontologicas que ultrapassaria o mero debate
sociologico sobre a legitimidade das instituicoes comunitarias centradas
no individuo e voltadas a sua protecao. Afinal, poder-se-ia objetar: a
estrutura platonico-aristotelica estaria obrigada a algum munus
originario? A emergencia do ser platonico-aristotelico nao teria se dado
a custa da exclusao de uma diferenca ontologica (o cum que o constitui)?
A referencia a Heidegger aqui e inevitavel e tanto mais proveitosa
se considerarmos o escopo pleno de sua ontologia. Nao por acaso que
Esposito, mas tambem seu colega Jean-Luc Nancy, em seus questionamentos
sobre o sentido derradeiro da comunidade (referida, respectivamente,
como communitas e "ser-em-comum (12)"), facam constantes
mencoes a "Ser e tempo" e ao fracasso de Dasein para
superar-se a si mesmo como consciencia ou unidade existencial--pois lhe
falta, ainda ai, uma diferenca ontologica, um improprio constituinte.
Mas e tanto mais sugestivo o fato de Esposito utilizar a palavra
substancia (das leituras de Heidegger sobre Aristoteles) para qualificar
a organizacao dos estudos conceituais da comunidade, encontrando na
genese ontologica da substancia o ponto de inflexao de sua ontologia
comunitaria.
Substancia, do latim substantia, e antes a traducao do grego ousia
(ovoia) que nos textos de Aristoteles aparece como aquilo que e sempre
(presenca constante), que perdura ou preexiste, enfim, que se situa para
alem de suas variacoes. Segundo as investigacoes heideggerianas,
diferentemente da substantia, que para os romanos refere-se apenas ao
que subjaz aos acidentes, a ousia impunha aos gregos uma determinacao
entre ser e tempo que permaneceu velada durante toda vigencia da
metafisica ocidental. Dois significados de ousia reforcam a ideia de uma
presenca constante: 1) um tempo especifico, supratemporal, que dura alem
do instante daquilo que ocorre--[TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII] e o
participio do verbo grego ser [TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII] utilizado
na funcao nao limitativa do tempo (a-orista), perdurando
independentemente deste e; 2) raiz ou terra (propriedade), significado
extraido das estruturas faticas do mundo grego e utilizado pelos mesmos
para resolver problemas cotidianos de ordem pratica.
Tais significados provem do retorno de Heidegger a Grecia Antiga,
de sua aventura hermeneutica para encontrar a estrutura de sentido
fundamental que vigora ate os nossos tempos (a compreensao do ser como
ousia). Mas a ousia, enquanto aquilo que permanece no ente, que diz algo
sobre ele (ser), guarda um sentido ainda mais originario (13), physis
([TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII], natureza e ente na totalidade.
"Aristoteles designa tanto a pergunta pelo ente na totalidade
quanto a pergunta pelo que e o ser do ente, sua essencia, sua natureza,
como prote philosophia, ou como filosofia primeira. Este questionamento
e o filosofar em primeira linha, o filosofar proprio. O filosofar
proprio consiste na pergunta pela physis nesta significacao dupla: a
pergunta pelo ente na totalidade e, em unidade com ela, a pergunta pelo
ser."
(Heidegger, 2003, p. 41)
Contudo, a interrogacao deste significado da physis no proprio solo
de sua proveniencia revela uma dinamica originaria tanto mais
contraditoria: erigir-se emergente, mas tambem desdobrar-se que em si
repousa.
"Devemo-nos afastar completamente do conceito de
'natureza'. Pois physis significa o surgir emergente, que
brota. O desabrochar e desprender-se que em si mesmo permanece. A partir
de uma unidade originaria se incluem e manifestam nesse vigor repouso e
movimento. Nesse vigor (Walten) o presente se apresenta como ente. A
vigencia de tal vigor so se instaura a partir do ocultamento. Isso
significa para os gregos: a aletheia (o des-ocultamento) se processa e
acontece, quando o vigor se conquista a si mesmo como um mundo! So
atraves do mundo o ente faz ente."
(Heidegger, 1999, p. 89)
Para Heidegger, o revelar-se daquilo que e (ser) deve conservar
essa dinamica originaria: arrancar o ser do nao-ser que o constitui
(desvelamento a partir do velado; o "ser" e o
"vir-a-ser" (14)). Essa e a constancia pressuposta na physis,
mas que cede lugar, em Platao e Aristoteles, para a "ideia" e
a "substancia". Ou melhor, nestes dois filosofos a constancia
da dinamica originaria (desvelamento e retracao) e interpretada como
constancia de uma presenca--dai a expressao de Jacques Derrida
"metafisica da presenca", inspirada na designacao de Heidegger
a essa primeira filosofia.
Essa breve incursao nos estudos de Heidegger sobre a genese da
substancia aristotelica e importante para compreendermos a distincao
ontologica operada por Esposito. Se a physis, que constitui a
determinacao ontologica originaria, apresentase como dinamica do
desvelamento e retracao, a comunidade, ao se pretender como principio
originario de reuniao ou vinculacao dos entes humanos--algo como um
logos (Aoyoff) inter-humano--, deveria considerar tal dinamica enquanto
determinante de sua propria ontologia. Em outras palavras: uma ontologia
rigorosa da comunidade nao poderia limitar-se apenas aquilo que ela
reune e mostra (substancia), ignorando o que dela se separa (a
diferenca, o improprio, a des-substancia), a regiao ontologica que a
constitui, mas que se retrai ou se oculta naquilo que ganha presenca.
Dai a perspectiva dessubstancialista da comunidade, a restituicao desta
regiao que devolve para sua ontologia o seu improprio constituinte
(vinculo secreto do cum e do mit).
Tal delineamento pode ser observado na organizacao ontologica de
Esposito: mostracao da substancia comum (a essencia comunitaria) e
ocultamento daquilo que dela se separa (as singularidades). Se a
perspectiva substancialista abrange os modos de ser da comunidade
fundados numa essencia comum, portanto, reunindo sujeitos plenos ou
individuos autossuficientes do ponto de vista identitario; a perspectiva
dessubstancialista ira se referir nao a um conjunto especifico de
comunidades, mas ao seu entorno ou sua propria dissidencia, um apeiron
([TEXT NOT REPRODUCIBLE IN ASCII]) adormecido. Se fossemos para
figurativiza-la em um conjunto de homens, citariamos a bela expressao de
Georges Bataille, "comunidade dos sem comunidade", uma
comunidade de desertores e renegados, de homens destoantes,
inconciliaveis, irredutiveis, desmotivados a fazer "obra da
comunidade" (expressao de Nancy) ou a se reconhecerem enquanto tais
(enquanto comunitarios, comunitaristas). Ou ainda, "communaute des
amants" (Blanchot, 1983), de homens arrebatados pela paixao e pelo
extase, condenados a viverem, a cada novo encontro, como nomades, entes
sem destinacao.
Como observou Pelbart (2002), e somente a partir de uma tal
comunidade, "comunidade de celibatarios" (expressao de
Derrida), que a politica poderia efetivamente ter lugar, na medida em
que torna inaceitavel todo tipo de absolutismo ou totalizacao, acenando
para sua "originalidade", compreendida aqui enquanto
"singularidade", mas, principalmente, enquanto communitas, voz
originaria que clama a dessubjetivacao radical:
"[...] o que resta as almas quando nao se aferram mais a
particularidades, o que as impede entao de fundir-se num todo?
Resta-lhes precisamente sua 'originalidade', quer dizer um som
que cada uma emite quando poe o pe na estrada, quando leva a vida sem
buscar a salvacao, quando empreende sua viagem encarnada sem objetivo
particular, e entao encontra o outro viajante, a quem reconhece pelo
som. Lawrence dizia ser este o novo messianismo ou o aporte democratico
da literatura americana: contra a moral europeia da salvacao e da
caridade, uma moral da vida em que a alma so se realiza pondo o pe na
estrada, exposta a todos os contatos, sem jamais tentar salvar outras
almas, desviando-se daquelas que emitem um som demasiado autoritario ou
gemente demais, formando com seus iguais acordos e acordes, mesmo
fugidios. A comunidade dos celibatarios e a do homem qualquer e de suas
singularidades que se cruzam: nem individualismo, nem
comunialismo."
(Pelbart , 2002, p. 96)
Nesta organizacao ontologica, atenta-se para um dado importante: ao
passo que a primeira segue a determinacao do ser platonico-aristotelico
(Sein), a segunda encontra referencia na estrutura peculiar do Mitsein,
uma estrutura aberta ao indeterminado (devir), logo, antiontologica.
Coexistentes, a relacao entre a comunidade substancialista e a
dessubstancialista pode ser dita de complementacao, impedindo tanto a
absolutismo de uma, quanto a completa deriva de outra--ambas formam o
que chamamos de estrutura genetica das entificacoes comunitarias (15).
A proposicao destas consideracoes metafisicas, embora possa parecer
desnecessaria, constitui um gesto fundamental para desvelar esta
dimensao impropria da comunidade e, desse modo, sua concepcao
dessubstancialista, modo de ser da comunidade ocultado pelo pensamento
moderno. A liberacao, em seu horizonte originario, da estrutura
limitativa do ser (e de seu acesso igualmente restritivo: universal
[left and right arrow] particular), da agora notoriedade as comunidades
"singulares" provindas dos mais variados encontros humanos.
Essa liberacao amplia o escopo do fenomeno comunitario para alem de seu
aspecto essencialista ou substancial, implicando uma dupla conquista
ontologica: primeiramente, recupera a dimensao impropria que lhe e
inerente (cum+munus), assumindo-a como constituinte da comunidade (16);
posteriormente, da inteligibilidade (enquanto fenomeno comunitario) as
inumeras formas vinculativas contemporaneas, antes compreendidas como
nao-comunitarias porque superficiais, transitorias, frageis ou
inconsistentes.
Novos objetos comunicacionais?
De que modo o desvelamento da ontologia originaria da comunidade
poderia afetar os estudos comunicacionais? Uma resposta obvia logo
sugeriria: ampliando os objetos do campo, investigando a amplitude do
fenomeno comunitario (essencializacao e dessubstancializacao),
impulsionado pelos aparelhos de comunicacao. Uma tal resposta nao
estaria incorreta, mas o enclausuramento do fenomeno comunitario na
esfera tecnica--como se tem percebido enquanto tendencia do campo--pode
dirimir o potencial desvelador desta ontologia.
E bem verdade que uma parte consideravel destes fenomenos atravessa
os meios de comunicacao. De fato, nao se pode ignorar a influencia que
tal infraestrutura tecnica exerce sobre as vinculacoes humanas, por
exemplo, estimulando encontros interpessoais, facilitando o acesso ao
outro, multiplicando os contatos para alem da imposicao espacial etc.
Porem, estas relacoes sao anteriores aos dispositivos tecnicos, possuem
autonomia em relacao a eles e a propria linguagem; segundo Sodre (2002),
dizem respeito a uma dimensao humana que e a da abertura do ser, do
acolhimento do outro, da instauracao do sentido. Em outras palavras,
trata-se do "vinculo" (o estar junto, a presenca incontornavel
do outro), questao pouco explorada pelas Ciencias Sociais, nao obstante,
demasiadamente comunicacional, constituindo, segundo ele, o "nucleo
teorico" do campo (17):
"A sociologia pode tentar abordar, mas a comunidade nao e
simplesmente agregacao, a juncao de pessoas. E o laco atrativo. E esse
laco e atrativo, e a obrigacao simbolica originaria, que faz nascendo
uma divida simbolica com o grupo social [...] Sao compromissos sociais
de vida e morte. Isso eu chamo de vinculo social."
(Sodre, 2001)
O ponto em que a nocao de vinculo de Sodre coincide com a
comunidade e onde hoje tem se destacado a grande questao comunicacional:
a abertura do sujeito, a dessubjetivacao. Se em Sodre o
"vinculo" ja traz implicita essa abertura (compromisso com o
outro, assuncao da propria morte subjetiva), nos a enfatizamos ao longo
deste texto conforme o significado arcaico da comunidade, seja pelo
munus originario, seja pelos prefixos cum e mit--segundo Nancy (1996, p.
61) "pre-posicao da posicao em geral"--; existenciais que
expoem a fissura que percorre inteiramente as instituicoes
autocentradas, obrigando os sujeitos (e as comunidades deles derivadas)
a se doarem incondicionalmente, arrastando-os a sua condicao originaria,
isto e, a vida errante, a servidao absoluta, ao apelo do fora.
Nestes termos, nao seria absurdo tomar a comunidade, em sua
amplitude ontologica, enquanto objeto comunicacional. Isso porque a
investigacao da abertura ou dessubjetivacao ("experiencia
comunitaria" conforme a temos denominado), tanto quanto dos
processos de delimitacao da substancia comum, de fechamentos
identitarios, alem da invencao de origens comunitarias, estariam todos
sob o dominio do vinculo, podendo, portanto, ser realizados em ambito
comunicacional sem prejuizo epistemologico.
Por mais controvertido que seja, tal objeto esta muito longe de ser
uma novidade no campo comunicacional brasileiro. Se acompanharmos a
extensa producao academico-cientifica de Sodre, podemos perceber uma
constante preocupacao com o vinculo e a comunidade imiscuidos em
problemas diversos, tais como: em sua critica epistemologica a
pressuposicao da abertura em todo processo comunicativo (18); na
denuncia dos dispositivos de poder (os conglomerados multimidiaticos)
que negam a potencia biopolitica da vinculacao social, imputando formas
de in-muniza-la (19); na apresentacao do vinculo/comunidade enquanto
conceito fundamental, ainda que por um outro nome ("cultura, sob o
ponto de vista ortoestrutural" (20)) etc.
Situando a cena atual, e dificil nao enxergar a centralidade do
vinculo na comunicacao humana, a importancia dos jogos dessubjetivadores
(da "seducao da verdade") nos estudos de linguagem (analise de
discurso e de conteudo) e igualmente naqueles que avaliam os efeitos da
midia sobre a sociedade--questoes estas que trazem, em alguma medida,
uma dimensao comunitaria (a esfera dos valores (21)).
Da mesma forma, e dificil nao pensar na premencia de uma
redescricao da comunidade em vista dos atuais conflitos sobre a
apropriacao do comum que atravessam o campo: liberdade na rede; embargo
dos creatives commons; colonizacao da linguagem; lutas micropoliticas
nos espacos perifericos da cidade etc. Questoes estas a que se tem
chamado contemporaneamente de biopolitica ou bio-lutas, cujas
singularidades tem escapado as lentes de muitos analistas.
Sendo protagonizadas por formas sociais efemeras, fugazes e
frageis, estas sao, muito frequentemente, acusadas de apoliticas (ate
mesmo de conservadoras) por aqueles que se apoiam no retrogrado
substancialismo. Um ponto de vista que ignora a inscricao de uma nova
modalidade de politica voltada a dessubstancializacao das formas
absolutistas da modernidade como o Estado e os partidos politicos, bem
como seus dispositivos de representacao (midia hegemonica) e de controle
(juridico, administrativo, urbanistico), os quais desaconselham o
contato intimo, os encontros explosivos, o tete-a-tete da relacao;
enfim, que diminuem aquilo que Nietzsche chamou de "expansao da
vida", e que tantos pensadores (Blanchot, Foucault, Deleuze, Negri
e Agamben) lancaram suas esperancas, como algo que poderia efetivamente
por em risco um governo biopolitico.
A proposicao de um outro conceito de comunidade na Comunicacao--na
verdade uma ampliacao semantica conforme seu significado originario--,
viria a dar visibilidade a essa demanda politica, considerando o
potencial aglutinador, mobilizador, logo, transformador, que esta
palavra, ainda, preserva.
Mas uma intersecao midiatica, como sempre, e possivel. E aqui os
meios de comunicacao podem fazer uma diferenca na medida em que
interfiram na abertura, funcionem como "espacadores" (22) de
individuos e comunidades substancialistas. Isto e, na medida em que
criem situacoes ou condicoes (tecnicas) de mudanca de si e do mundo.
Sem a pretensao de esgotar suas possibilidades, mas apenas como
sugestao de caminhos investigativos do fenomeno comunitario, apontamos
dois ambitos seminais:
1. Uma frente de investigacao que se preocuparia com o acolhimento
do outro e com a reinvencao de si, mergulhando no cerne da questao da
comunicacao e da comunidade, o vinculo humano e;
2. Uma outra que se preocuparia com a producao de dispositivos de
abertura, estabelecendo como problematica norteadora a proposicao de
praticas de intervencao no mundo.
Se a primeira tem como foco a observacao dos fenomenos associativos
contemporaneos (frageis, efemeros e fugazes) e das experiencias
esteticas mediadas tecnicamente, dedicando-se, portanto, a analise de
materiais discursivos e extradiscursivos cuja producao tem-se avolumado
nos ultimos anos (literatura, musica, ficcoes seriadas, filmes etc.); a
segunda se voltaria a confeccao destes materiais, uma intervencao
comunicacional semelhante as praticas artisticas (23).
REFERENCIAS
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NOTAS
(1) Convem a observacao de Muniz Sodre sobre a tendencia recente
dos estudos comunicacionais brasileiros: "E bem possivel que uma
parte razoavel dos futuros estudos e discussoes em torno da comunicacao
venha a se pautar uma linha marcadamente 'epistemologica',
isto e, de critica interna de seus principios, hipoteses e resultados,
na medida em que os pesquisadores deste campo se preocupem mais com a
precariedade teorica de suas analises" (Sodre, 2007, p. 14).
(2) Trabalho de doutoramento desenvolvido na Escola de Comunicacao
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ).
(3) Sobre isso ver a critica de Jean-Luc Nancy (1986, 2007) as
democracias contemporaneas. E esclarecedor, neste sentido, o fato de as
experiencias mais aterradoras de comunidade do seculo XX (nazismo,
comunismo, fundamentalismo) estarem todas elas fundadas na substancia
comum e legitimadas na vontade coletiva.
(4) O conceito de "midiatizacao" aqui e tributario de
Sodre (2007, p. 17) e designa "o funcionamento articulado das
tradicionais instituicoes sociais com a midia". A hipotese que
sustenta a midiatizacao--"uma mutacao sociocultural centrada no
funcionamento atual das tecnologias da comunicacao"--acena para a
necessidade de uma ampla redescricao dos tradicionais conceitos das
Ciencias Humanas e Sociais.
(5) Com isso evita-se a referencia do termo exclusivamente as
formacoes sociais heterogeneas que precederam a sociedade
urbano-industrial (comum no quadro geral das Ciencias Sociais), ou seja,
como designativo da vida clanica, rural, idilica (inspirada pela
literatura romantica alema); ou ainda como sinonimo de tribo, corporacao
(guilda), vila ou pequena cidade medieval.
(6) "Parte siempre de los individuos
preconstituidos--conservandolos como tales, o fundiendolos en un
individuo mayor" (...) "parte siempre de la relacion del
compartir" (...) "gran pensamiento de la comunidad".
(7) "Como indica la etimologia compleja, pero a la vez
univoca, a la que hemos apelado, el munus que la communitas comparte no
es una propiedad o pertenencia. No es una posesion, sino, por el
contrario, una deuda, una prenda, un don-a-dar. Y es por ende lo que va
a determinar, lo que esta por convertirse, lo que virtualmente ya es,
una falta. Un 'deber' une a los sujetos de la comunidad--en el
sentido de 'te debo algo', pero no 'me debes
algo'--que hace que no sean enteramente duenos de si mismos. En
terminos mas precisos, les expropia, en parte o enteramente, su
propiedad inicial, su propiedad mas propia, es decir, su
subjetividad".
(8) O fato mais importante da communitas, segundo Esposito, e o
fato dela revelar a "impropriedad" como traco comum e
originario de todo ente, isto e, a condicao devedora de todos os
sujeitos, a predominancia de um outro virtual (Mitsein) sobre estes:
"no es lo proprio, sino lo improprio--o mas drasticamente, lo
otro--lo que caracteriza a lo comun" (Esposito, 2007, p. 31).
(9) De fato, desde os tempos mais imemoriais, a comunidade sempre
designou a autoridade que introduz o ente no mundo, possibilitando a sua
existencia por meio da vida social integrada, definidora de sua situacao
existencial na cadeia de reciprocidade e na circulacao do munus. Dai a
sua feicao credora, instancia expropriativa que abre e dissolve o ente
na integracao coletiva. Sem isso, o ente jamais compreenderia a si mesmo
como existente (jamais existiria como consciencia), pois flutuaria no
vazio da nao-relacao, sem qualquer limite ou discernimento de sua
propria extensao.
(10) "Que virtualmente ya es, una falta".
(11) Esposito (2010) apresenta uma tese interessante sobre um
suposto "paradigma imunitario" que acompanha o projeto
politico moderno do ocidente desde a transicao do poder soberano ao
biopolitico. Tal paradigma baseia-se na conservacao da vida atraves de
sua "in-munizacao" (neutralizacao do munus). Para ele, a
imunizacao constitui um importante dispositivo biopolitico que atua
tanto no evitamento de um intimo contato humano quanto na diminuicao da
frequencia de uma relacao horizontalizada entre os governados. Estas
formas de relacao constituem, na verdade, modos de contagio que poderia
induzir a uma "expansao da vida", pondo em risco um governo
biopolitico.
(12) As expressoes "ser-em-comum",
"ser-juntos", "ser-uns-com-os-outros", presentes nas
obras de Nancy (1986, 2007), sao formas de extrair o ser
platonico-aristotelico de sua milenar condicao solipsista (plena,
absoluta), deslocando-o ao plano etico onde ele se indeterminaria, ou
melhor, demandaria um outro (cum) como componente imprescindivel de sua
determinacao ontologica. "El ser-em-comun se define y constituye
por una carga, y en ultimo analisis no esta a cargo de otra cosa sino
del mismo cum" (Nancy In Esposito, 2007, p. 16). A expressao
"ser-em-comum" e bastante proxima da communitas de Esposito.
(13) A relacao entre ousia e physis nao provem de sua morfologia
linguistica, mas da interpretacao de Heidegger sobre o primeiro inicio
da filosofia, a partir de uma lida com os pre-socraticos (em especial
Heraclito). Esta aproximacao se deve ao fato da physis designar
emergencia, abertura, brotar daquilo que vige e, nesta experiencia,
revelar algo como uma determinacao ontologica do ente, experiencia de
essenciacao do ser (ousia).
(14) "Physis significa o vigor reinante, que brota, e o
perdurar, regido e impregnado por ele. Nesse vigor, que no desabrochar
se conserva, se acham incluidos tanto o 'vir-a-ser' como o
'ser', entendido esse ultimo no sentido restrito de
permanencia estatica. Physis e o surgir (Ent-stehen), o ex-trair-se a si
mesmo do escondido e assim conservar-se" (Heidegger, 1999, p. 45,
grifo nosso).
(15) Desenvolvemos em nossa pesquisa esta "estrutura
originaria da comunidade" com base no conceito de
"duracao" de Bergson, mas, acima de tudo, na estrutura dupla
do acontecimento de Gilles Deleuze (2007, p. 56), situada em seu campo
transcendental sui generis: "A distincao nao e entre duas especies
de acontecimentos, mas entre o acontecimento, por sua natureza ideal e
sua efetuacao espaco-temporal em um estado de coisas. Entre o
acontecimento e o acidente".
(16) Em toda essa reordenacao ontologica, a communitas desempenha
um papel excepcional; e o ponto de inflexao (ou desocultacao) do ser da
comunidade, pois traz no significado arcaico de munus (donum) a questao
de sua impropriedade constituinte agora revelada. Isso fica ainda mais
evidente atraves dos radicais cum e munus. Cada um, a sua maneira,
recupera o horizonte de mostracao originaria do ser: cum e o outro
oculto, o que se retrai no desvelamento do ser; munus e a lembranca da
condicao inicial do individuo (enquanto faltante, devedor, improprio),
lembranca de sua emergencia enquanto diferenca ontologica.
(17) Em "Antropologica do espelho", Sodre (2002, p. 223)
afirma: "[...] faz claro o nucleo teorico da comunicacao: a
vinculacao entre o eu e o outro, logo, a apreensao do ser-em-comum
(individual ou coletivo)".
(18) Sodre (2002, p. 234-235) sugere, neste caso, a divisao do
campo em: veiculacao, vinculacao e cognicao.
(19) Esta perspectiva se apresenta em sua producao teorica dos anos
de 1980 e 90, quando o autor fala do "codigo tecnocultural",
que exclui a ambivalencia da comunicacao humana (olho-no-olho), o
"movimento ambivalente e agonistico de relacionamento do homem com
o real" (Sodre, 1984, p.112).
(20) Em "A verdade seduzida", por exemplo, pode-se
percebe-las em seu conceito alternativo de cultura, distanciando-se da
verve estruturalista da epoca e predominante nas Ciencias Sociais e na
Comunicacao: "Cultura implica num esvaziamento da unidade
individual, no que faz circular os termos polares da troca, no que
reintroduz o acaso e o Destino, no ato simbolico que extermina as
grandes categorias da coerencia ideologica, no que se constitui em morte
do sentido e da verdade universais, no que faz aparecerem as
singularidades, num ato de delimitacao e de atracao, em resumo, no
movimento do jogo" (Sodre, 1983, p. 180).
(21) Cf. Communitas, ethike (in: Sodre, 2002, p. 169-220).
(22) A expressao e de Jacques Ranciere e designa o conjunto de
artificios empregados para instauracao do sentido; fazer "passar
palavras de um registro a outro": das palavras as coisas e das
coisas as palavras (Ranciere in: Dias; Neves, 2010, p. 431).
(23) "La funcion constitutiva de las practicas artisticas
implica que su funcion central no consiste en contar historias, sino en
crear dispositivos en los que la historia pueda hacerse" (Guattari
apud Sanchez in: Negri, 2000, p. 13).
Recebido em: 18 maio 2014
Aceito em: 12 jun. 2014
Endereco do autor:
Eduardo Yuji Yamamoto <yujieduardo@gmail.com>
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Departamento de Comunicacao Social--DECS
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Caixa-postal: 730
85015430 Guarapuava, PR, Brasil
EDUARDO YUJI YAMAMOTO
Professor e pesquisador do Departamento de Comunicacao Social da
Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro). Guarapuava, PR,
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