Journalism and Paulo Freire: the knowledge of the unveiling/ Jornalismo e Paulo Freire: o conhecimento do desvelamento.
Pereira Junior, Alfredo Eurico Vizeu
O Jornalismo e uma atividade central nas sociedades democraticas.
Deve ter como preocupacao contribuir para o acesso e a compreensao de
homens e mulheres do mundo que os cerca. O Jornalismo e nesse sentido
uma especie de "lugar de referencia" para homens e mulheres
(Vizeu, 2008). Um "lugar", para muitos brasileiros, bastante
semelhante ao da familia, dos amigos, da escola, da religiao e do
consumo. Quando assistimos a um telejornal, em particular, e como se
vissemos o mundo; ele esta, ele nos ve. Para o bem ou para o mal o
Jornalismo contribui para contextualizar e tambem pode ajudar na
compreensao do entorno em sociedades cada vez mais complexas (Melluci,
2001).
A importancia do Jornalismo nao e uma questao da contemporaneidade.
Remetenos aos estudos de Tobias Peucer (Sousa, 2004), cuja tese doutoral
De Relationibus Novellis, no seculo XVII, tratava das relacoes e relatos
dos jornais e das noticias. Para Peucer (citado por Sousa, 2004), a
vertente informativa dos jornais esta claramente vinculada a comunicacao
jornalistica, embora possa ter outras finalidades, serve essencialmente
para informar. Em outras palavras, mostra a relevancia do Jornalismo em
contribuir para situar o homem no mundo.
Otto Groth (2011) da uma dimensao ainda maior ao Jornalismo ao
propor uma ciencia periodistica. Em 1910, comecou a publicar quatro
volumes que sao uma verdadeira enciclopedia do Jornalismo. Mas sua
reflexao mais estruturada, em que fundamenta a autonomia de uma ciencia
jornalistica, comecou a ser publicada em 1960 e mostra a importancia do
Jornalismo para a sociedade (Groth, 2011).
Na contemporaneidade, mais de uma centena de autores enfatizaram e
pesquisaram a relevancia do Jornalismo para a sociedade moderna. A
afirmacao de Schudson (1996) de que os cidadaos e cidadas mais
informados criarao uma melhor e mais completa democracia (Schudson,
1996) reforca a perspectiva da importancia do Jornalismo na democracia.
Como observa o autor, o Jornalismo e uma instituicao central na
sociedade moderna, uma referencia do conhecimento e da autoridade
cultural (Schudson, 1996).
Mas, a importancia do Jornalismo para a sociedade nao e uma questao
so de autores estrangeiros. O patrono e pioneiro da nossa imprensa,
Hipolito Jose da Costa, no editorial de lancamento do Correio
Braziliense, em 1808, ja destacava a importancia do Jornalismo. Como
observa Melo (2007), o jornal publicado por Hipolito da Costa circulou
ate a fase em que o Brasil passou a condicao de Reino Unido a Portugal.
Mas, o importante e que o jornal, reforcando a importancia do
Jornalismo, difundiu no Brasil o ideario liberal, bem como a emergente
doutrina da liberdade de imprensa, que sao as bases do Jornalismo
brasileiro.
O autor mais enfatico na relevancia do Jornalismo e, sem duvida,
Ruy Barbosa, para quem a imprensa e a vista da Nacao que acompanha de
perto aqueles que tramam contra ela, contra os que sonegam, roubam. Deve
ter como preocupacao denunciar os corruptos, aqueles que lesam o Pais.
Televisoes, radios, jornais, Internet, redes sociais e outras formas de
expressao jornalistica nao cansam de denunciar politicos, prefeitos e
empresarios que se apropriam do dinheiro publico. Essa atividade do
Jornalismo e basica na democracia (Barbosa, 2004).
Essa breve introducao teve como preocupacao fazer uma concisa
discussao que aponta para a producao de uma Teoria Social do Jornalismo
que contribua para construcao, legitimacao e consolidacao do campo,
central na sobrevivencia da democracia.
E nessa perspectiva que temos buscado apontar alguns caminhos para
entendermos esse processo (Machado, 2005). Dentro desse contexto
compartilhamos a definicao de Lorenzo Gomis (1991), para quem o
Jornalismo e o resultado de uma atividade profissional de mediacao
vinculada a uma organizacao que se dedica basicamente a interpretar a
realidade social e mediar os que fazem parte do "espetaculo
mundano" e o publico. A midia nao so transmite, mas prepara e
apresenta uma realidade dentro das normas e das regras do campo
jornalistico contribuindo dessa forma para a percepcao do mundo da vida
(Gomis, 1991).
O conhecimento do desvelamento
A nossa preocupacao neste trabalho e estudar o conhecimento do
Jornalismo que faz parte dos estudos desenvolvidos no Grupo de Pesquisa
Jornalismo e Contemporaneidade da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Nesse sentido estamos propondo provisoriamente a hipotese do
Jornalismo como um conhecimento do desvelamento com base numa ampla
investigacao da obra de Freire (2005), entre outros autores. Antes de
entrar na discussao do conhecimento, consideramos necessario
contextualizar de que Jornalismo estamos falando. Por isso, comecamos
com uma breve definicao do campo jornalistico, para depois tratarmos do
construtivismo jornalistico. O Jornalismo e um campo de conhecimento e
uma pratica social. Ou seja, ha um campo jornalistico, constituido por
regras, normas, rotinas, pela linguagem, pelas pressoes economicas,
politicas e sociais, bem como pela disputa de uma hegemonia entre os
agentes que o constituem.
Para Bourdieu (1997),
"um campo e um espaco social estruturado, um campo de
forcas--ha dominantes e dominados, ha relacoes constantes, permanentes,
de desigualdades que se exercem no interior desse espaco--que e tambem
um campo de lutas para transformar ou conservar esse espaco de forcas.
Cada um, no interior desse universo, empenha em sua concorrencia com os
outros a forca (relativa) que detem e que define sua posicao no campo e
em consequencia e estrategias."
(Bourdieu, 1997, p. 57)
Bourdieu (1997) defende que os jornalistas na logica de sua
profissao selecionam e enquadram as realidades do cotidiano em funcao de
categorias que lhe sao proprias, resultado da nossa educacao, da
historia e da cultura. No entender do autor, os jornalistas tem
"oculos" especiais a partir dos quais veem certas coisas e nao
outras.
Nesse sentido, e que, ao refratar o mundo como "oculos",
o Jornalismo contribui para a construcao social da realidade. Ou seja, o
Jornalismo nao reproduz o real, e uma interpretacao social dele que
procura se aproximar da verdade dos fatos. Hoje essa tendencia teorica
ganha cada vez mais espaco na academia. No entanto, a Teoria do Espelho
ainda esta bem presente nas redacoes de todo o Pais. Ou seja, a ideia de
que o Jornalismo consegue reproduzir a realidade.
Como destaca Meditsch (2010), convem lembrar, tambem, quando
afirmamos que o Jornalismo contribui para construcao social da
realidade, que essa nao e uma acao isolada do campo da producao, mas uma
relacao intersubjetiva entre o campo da producao e homens e mulheres. E
uma acao reflexiva (Tuchmann, 1983). O Jornalismo atua na construcao da
realidade, mas e constituido por essa propria realidade. Nao existe
construcao do real se nao ha uma audiencia ativa e interativa, que
interpreta e reinterpreta os fatos.
A perspectiva construtivista permeia as investigacoes de varios
autores que estudam o Jornalismo (Tuchmann, 1983; Correia, 2011;
Chandler, 2005; Hall, 2005; Gadini, 2007), com os mais diferentes
olhares sobre o tema, desde a Socio-fenomenologia ate os Estudos
Culturais; eles se aproximam na falta de uma definicao mais clara e
consistente do que seja o construtivismo jornalistico.
Por fim, consideramos importante tambem refletirmos no Jornalismo a
perspectiva apontada por Scolari (2011) sobre a possibilidade de
construcao de mundos possiveis como um processo coletivo:
"Segundo Eco, ao ler um livro ou ver um filme, criamos mundos
possiveis, hipoteses que tratam de antecipar a continuacao da historia.
A medida que o relato avanca, muitas dessas hipoteses nao se verificam e
devemos descarta-las. Esse processo e individual, os mundos possiveis
sao uma construcao cognitiva do leitor ou do espectador, agora se da um
fenomeno diferente: em certos casos, esta construcao de hipoteticos se
tornou um processo coletivo. Basta terminar a emissao de um episodio de
uma serie televisiva, para poucos minutos depois, os foruns da web
entrem em estado de agitacao. Os espectadores discutem o texto que
acabaram de ver, analisam suas possiveis continuacoes e debatem sobre os
personagens e a trama do episodio. Ou seja, em muitos casos a construcao
de mundos possiveis deixou de ser um processo coletivo que se desenvolve
nas redes sociais."
(Scolari, 2011, p. 130-131)
A proposta de Scolari (2011), sem duvida, pode trazer importantes
contribuicoes para a reflexao do construtivismo do Jornalismo. O
Jornalismo vem passando por uma serie de mudancas resultantes das novas
tecnologias como, por exemplo, as chamadas redacoes integradas, que
preferimos como expressao ao termo convergencia. Entendemos que a
expressao redacao integradas da uma imagem mais precisa do que vem
ocorrendo hoje no Jornalismo. Para nos, convergencia indica uma certa
homogeneidade, a criacao de um meio, de um suporte unico quando
avaliamos que o que esta acontecendo e uma interface cada vez maior dos
meios. No entanto, a mudanca mais importante do Jornalismo atualmente e
a participacao cada vez maior das fontes como coprodutoras das noticias,
o que se aproxima da construcao coletiva sugerida por Scolari (2011).
O construtivismo no Jornalismo esta intimamente ligado a questao do
conhecimento, a producao do conhecimento. Ou seja, ha um campo
jornalistico, constituido por regras, normas, rotinas, pela linguagem,
pelas pressoes economicas, politicas e sociais, bem como pela disputa de
uma hegemonia entre os agentes que o constituem.
Nessa perspectiva, entendemos que o Jornalismo e uma forma de
conhecimento. Um dos primeiros pesquisadores a trabalhar essa
perspectiva foi Park (1972). Com base no pensador William James, um dos
principais representantes do pragmatismo, movimento filosofico que
exerceu profunda influencia no pensamento americano durante parte do
seculo XX, Park (1972) afirma que existem dois tipos fundamentais de
conhecimento: o conhecimento "de" e o conhecimento
"acerca de".
Grosso modo, o autor explica que o conhecimento "de" e
uma especie de conhecimento que adquirimos no curso dos nossos encontros
pessoais e de primeira mao do mundo que nos rodeia. Ja o conhecimento
"acerca de" e formal. E o conhecimento que atingiu um certo
grau de precisao e exatidao, substituindo a realidade concreta por
ideias e as coisas por palavras.
Genro (1987), num interessante trabalho, fundamental para quem quer
pensar o Jornalismo como uma forma social de conhecimento, apesar de
reconhecer a contribuicao de Park, critica seus pressupostos teoricos,
afirmando que ele nao vai alem da funcao organica da noticia e da
atividade jornalistica. No entender dele, a postura assumida por Park e
redutora porque supoe uma especie de senso comum isento das contradicoes
internas, cuja funcao seria somente reproduzir e reforcar as relacoes
sociais vigentes, integrar os individuos na sociedade.
Com base no referencial teorico de Genro, Meditsch (1992) argumenta
que o conhecimento do jornalismo e diferente do conhecimento da ciencia.
Enquanto o primeiro e o modo de conhecimento do mundo explicavel, o
segundo e o modo de conhecimento do mundo sensivel. A Ciencia trabalha
com hipoteses, enquanto o Jornalismo trabalha com o universo das
noticias que diz respeito as aparencias do mundo.
Ao nivel metodologico isso resulta em diferencas importantes. A
hipotese esta relacionada como a experimentacao controlada. E um corte
abstrato na realidade atraves do isolamento de variaveis que permita a
obtencao de respostas a um questionamento baseado em conhecimento
anterior. A teoria cientifica expoe uma relacao entre fatos e a partir
dela surgem novas deducoes atraves da logica (Meditsch, 1992).
De acordo com Meditsch (1992), o Jornalismo, por sua vez, nao parte
de uma hipotese, mas de uma pauta (agenda de assuntos que podem virar
noticia). A pauta, diferentemente da hipotese, nao surge de um sistema
teorico anterior, mas da observacao nao controlada (do ponto de vista da
metodologia cientifica). Na pauta, o isolamento das variaveis e
substituido pelo ideal de apreender o fato dos mais diversos pontos de
vista. Isso determina o limite da abstracao possivel no modo de
conhecimento do Jornalismo e sua possibilidade de acumulacao. O
conhecimento produzido pelo jornalismo e de fundamental importancia para
a sociedade.
Ao tratar do tema Sponholz (2009) propoe um conhecimento hibrido do
Jornalismo que ficaria entre o senso comum e a ciencia. Para a autora, o
senso comum nao se reduz so as acoes cotidianas. E uma especie de
conhecimento "naturalizado" de determinado fato, certo
procedimento e assim porque sempre foi assim, nao ha porque
questiona-lo.
Nesse sentido, o senso comum e muito proximo do que Schultz (2003)
chamava de atitude natural. Grosso modo, a atitude natural e a suspensao
da duvida. Por exemplo, quando nos levantamos nao ficamos nos
questionando se vamos morrer. Quando estamos dirigindo um carro nao
ficamos tambem nos questionando se o veiculo que vem na direcao oposta
vai bater em nos. E isso que nos mantem vivos, senao a vida seria
insuportavel, estariamos nos questionando o tempo todo e nao saberiamos
como proceder em situacoes do cotidiano.
Consideramos com base nos estudos de Paulo Freire (2005) que
podemos esbocar provisoriamente o que denominamos a hipotese do
conhecimento do desvelamento com o objetivo de procurar entender o
conhecimento do Jornalismo. Para o autor, todo o contexto teorico esta
imbricado com a realidade, com o concreto. Como observa Freire (1976):
"Nos encontramos envolvidos pelo real, molhados nele, mas nao
necessariamente percebendo a razao de ser dos mesmos fatos, de forma
acritica" (Freire, 1976, p. 135). Para Gomis (1991), "cabe ao
jornalista interpretar a realidade social". Ou seja, contribuir
para uma melhor compreensao do mundo para homens e mulheres.
No entendimento do autor, e preciso ir mais alem do que os simples
fatos para compreender a realidade. E a tarefa que diariamente no
cotidiano das redacoes e nas ruas os jornalistas realizam para desvendar
os fatos. Freire faz observacoes como se estivesse dando uma aula para
jornalistas:
"[...] ir mais alem da mera captacao da presenca dos fatos,
buscando assim, nao so a interdependencia que ha entre eles, mas tambem
o que ha entre as parcialidades constitutivas da totalidade de cada um
e, de outro lado, a necessidade de estabelecermos uma vigilancia
constante sobre nossa propria atividade pensante."
(Freire, 1976, p. 136)
A critica que se pode fazer ao autor e que em poucos momentos
tratou dos meios de comunicacao. Um deles foi quando se referiu a
televisao, dizendo que e uma tecnologia e que podemos fazer dela o que
queremos. Entendia que a questao dos meios estava intimamente ligada ao
poder. Considerava que o importante era perguntar a servico de quem a
televisao estava. "A conviccao que tenho, e a de que, resolvida
essa situacao, de fato problematica, do ponto de vista tecnico voce tem
solucao" (Freire; Guimaraes, 1984, p. 14).
Avaliamos que a critica de Freire em nada compromete a contribuicao
que os trabalhos do autor podem dar aos Estudos de Jornalismo. Lima
(2011), preocupado com esta lacuna, na obra do autor quanto aos meios,
chega a propor o estudo de Freire no campo da Comunicacao numa relacao
com as instituicoes religiosas que o mesmo estudou. Julgamos que a
entrada do autor no campo do Jornalismo pode se dar pelo seu metodo, que
pode contribuir na investigacao jornalistica e no conhecimento do
Jornalismo.
No que diz respeito ao conhecimento do Jornalismo, ha uma passagem
de Freire, no livro Pedagogia da Autonomia, que se aproxima muito da
questao de que o conhecimento do Jornalismo nunca e um conhecimento
acabado. Procura-se trabalhar com os varios angulos que constituem os
fatos, desvendar o acontecimento. Trabalhar com uma objetividade
possivel.
Freire afirma que nao existe distancia entre o saber da experiencia
simples, do senso comum e o que resulta dos procedimentos metodicamente
rigorosos; uma ruptura, mas uma superacao. "A superacao e nao a
ruptura se da na medida em que a curiosidade ingenua, sem deixar de ser
curiosidade, pelo contrario, continuando a ser curiosidade, se
criticiza." (Freire, 1994, p. 34). Segundo o autor, e que a
curiosidade ao "rigorizar-se" aproximando do seu objeto se
aproxima mais da exatidao. Gostaria de enfatizar este aspecto porque o
considero importante, com relacao ao Jornalismo aproximar-se mais da
verdade dos fatos. Nao chegamos a verdade dos fatos, nem a essencia dos
mesmos. Incorreriamos dessa forma na ingenuidade de que ao Jornalismo e
possivel reproduzir o real.
A leitura de Freire da superacao do senso comum e uma das
caracteristicas do que proponho provisoriamente como a hipotese do
conhecimento do desvelamento:
"Na verdade, a curiosidade ingenua que, 'desarmada',
esta associada ao saber do senso comum, e a mesma curiosidade que,
criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez metodicamente rigorosa
do objeto cognoscivel, se torna curiosidade epistemologica. Muda de
qualidade, mas nao de essencia."
(Freire, 1994, p. 34)
O conhecimento do desvelamento que apresentamos aqui guarda um
pouco do conhecimento aproximado, ressalvadas as diferencas
epistemologicas, de Bachelard (2004). A preocupacao e deter a ideia de
um conhecimento que se busca tornar mais comum e mais acessivel, mas nao
se trata de um conhecimento acabado, sempre um conhecimento aproximado.
O ato de conhecer nunca e pleno. Sempre trabalhamos com aproximacoes. E
de certa forma, o que o ocorre no Jornalismo, procuramos nos aproximar
dos fatos em busca da verdade do acontecimento. E isso so e possivel com
um metodo, com a investigacao jornalistica.
As perspectivas apontadas, nessa breve passagem por Bachelard
(2004), sao caminhos que apropriados com rigor podem contribuir para
procurarmos entender o conhecimento do Jornalismo. No entanto, enfatizo,
e na obra de Paulo Freire que identifico o caminho mais proficuo para
tentarmos compreender e procurar definir o conhecimento do Jornalismo,
pesquisa na qual damos os primeiros passos.
Na questao do conhecimento do desvelamento ha um tema caro a Paulo
Freire e basico para o Jornalismo. Tomada de consciencia. E por meio da
qualidade da informacao (investigacao) e da etica no Jornalismo que
produzimos o conhecimento do desvelamento no Jornalismo que aqui so esta
esbocado. Na tomada da consciencia Paulo Freire explica:
"A tomada de consciencia se verifica na posicao espontanea que
meu corpo consciente assume em face do mundo, da concretude dos objetos
singulares. A tomada de consciencia e, em ultima analise, a
presentificacao a minha consciencia dos objetos que capto no mundo em
que e com que me encontro. Por outro lado, os objetos se acham
presentificados a minha consciencia e nao dentro dela. [...] A tomada de
consciencia e o ponto de partida. E tomando consciencia do objeto que eu
primeiro me dou conta dele. Dando-se a minha curiosidade, o objeto e
conhecido por mim [...]"
(Freire, 1994, p. 224-225)
Como isso se da no Jornalismo? Na objetividade possivel, na etica e
qualidade da informacao (investigacao que constituem) o conhecimento
desvelado que supera a esfera espontanea da realidade e para chegarmos a
uma esfera critica. "Quanto mais conscientizacao, mais se desvela a
realidade, mais se penetra na essencia fenomenica do objeto, frente ao
qual nos encontramos para analisa-lo" (Freire, 2005, p. 15).
O Jornalismo, a etica, a objetividade e a verdade jornalistica
estao imbricadas no rigor do metodo jornalistico. Nao entender isso e
distanciar-se do que e Jornalismo, algo que e cada vez mais comum hoje.
O Jornalismo e atividade profissional como o futebol e a politica, sobre
os quais todo mundo tem uma opiniao formada. Otimo do ponto de vista da
socializacao da discussao. No entanto, o que observamos de uma maneira
geral e que e preciso avancarmos e refletirmos mais sobre o papel do
Jornalismo nas sociedades democraticas.
Nao temos a pretensao de ser o dono da verdade. No entanto, temos
algumas ponderacoes para discutirmos de uma maneira menos ingenua,
afinal, o que e Jornalismo? Por que o metodo e central para essa
atividade? E central porque o dever do Jornalismo e se aproximar da
verdade. Da verdade possivel, nao cabe ao Jornalismo uma preocupacao
filosofica da verdade.
Como enfatizamos, o rigor do metodo e central para o Jornalismo.
Ele garante a objetividade e a verdade que resultam numa postura etica.
Como e possivel isso? Na investigacao jornalistica e preciso uma
descricao correta dos fatos. Publicar unicamente informacoes cuja origem
se conhece, ou senao acompanha-las das reservas necessarias; nao
suprimir informacoes essenciais; nao alterar textos, nem documentos; e
retificar uma informacao publicada que se revele inexata.
Esses procedimentos, apresentados de uma forma resumida, devem
fazer parte do cotidiano do Jornalismo. Na medida em que um jornalista
procura ser objetivo, se aproximar da verdade dos fatos, ele esta tendo
uma postura etica com a sua atividade. Ele esta imbuido de algo que e
central no Jornalismo: o respeito intransigente ao ser humano e a
dignidade no tratamento com homens e mulheres.
O jornalista que seja tentado a abrir mao do rigor do metodo
esquece o respeito ao outro, vitima, testemunha, parente, espezinha o
respeito que deve a si mesmo: nao e mais que um instrumento--um
meio!--da informacao. Esta reduzido a funcao que o campo jornalistico
lhe atribui. E prisioneiro de um determinismo reificante, de que o seu
proprio cinismo nao e capaz de liberta-lo. Se ha rigor no metodo, a
noticia se aproxima da objetividade e da verdade dos fatos, garantindo
uma postura etica do jornalismo diante da realidade dos acontecimentos.
Sem duvida, compartilho com as ideias de Cornu (1999). A etica e da
essencia do Jornalismo e podemos chegar a isso com o rigor do metodo.
Confesso uma saudavel inveja pelo que o autor escreveu, mas a
possibilidade de disseminar as questoes que coloca me faz feliz.
Reflitamos sobre a responsabilidade do Jornalismo, em particular, numa
sociedade como a nossa, com grandes abismos sociais.
No nosso entendimento, o conceito que mais consistencia apresenta
sobre a questao e denominado objetividade possivel (Miotto, 1993). Como
explica Miotto (1993), o bom jornalismo que se aproxima da verdade esta
intimamente ligado a averiguacao dos fatos (metodo, investigacao).
O jornalista precisa qualificar suas perguntas, a intuicao, a
ousadia, a capacidade de denuncia, inclusive aquilo que se chama
objetividade da fantasia. "A vigilancia constante, o empenho, a
acumulacao de uma experiencia refletida, uma maturidade permanente e um
grande esforco pessoal podem conduzir ate uma objetividade
possivel" (Miotto, 1993, p. 249).
Objetividade tambem nao significa apenas ouvir fontes que
apresentem os dois lados de uma questao, mas sim fontes de todos os
lados possiveis, inclusive aquelas que nao tem necessariamente uma
opiniao a expressar. Buscar a realidade e uma tarefa que o Jornalismo
pode e deve fazer. Abdicar a ela seria o mesmo que aceitar todo tipo de
manipulacao e esvaziar o Jornalismo de sentido, exatamente quando tanto
se precisa dele. Dentro desse contexto, a questao da objetividade e
subsidiaria a discussao sobre a verdade no campo jornalistico.
No sentido comum, uma informacao nao e a verdade. Uma informacao
reflete unicamente um aspecto, um fragmento da realidade. Esta marcada
pelo selo do provisorio. Contribui, no entanto, para o aumento do saber.
Inscreve-se no projeto do homem que consiste em descobrir de maneira tao
completa e precisa quanto possivel o universo que o rodeia, a fim de
reduzir a incerteza do seu meio ambiente.
A discussao sobre a verdade jornalistica, e por conseguinte, sobre
a objetividade, empobrece-se quando nao se preocupa com a relacao entre
tres ordens de informacao: a observacao (o acontecimento, os fatos); a
interpretacao (o sentido, os comentarios) e a narracao (o estilo, o
relato, a retorica), e se nao implicar plenamente a intervencao do
jornalista como sujeito. O jornalista e um interprete da atualidade,
entendida como momento presente da realidade. Nao pode apreende-la na
sua verdade profunda, que lhe escapa. Nao ha verdade sem sujeito, nem
interpretacao sem interprete. Nao se trata de afirmar unicamente a
existencia de uma subjetividade, mas de estabelecer uma relacao intima,
essencial, entre o objeto da interpretacao e o sujeito interpretante, no
seu trabalho de compreensao de si mesmo.
Perante uma realidade que nao cessa de esconder sua verdade ultima,
e contra a ambicao do sistema midiatico de apresentar um quadro coerente
do real, uma etica da informacao que se apoie na afirmacao do sujeito
fundamental, uma percepcao plural da realidade e uma interpretacao
pluralista dos acontecimentos. A interpretacao nao entra em contradicao
com a nocao de objetividade, que integra nos seus metodos. A discussao
sobre a verdade e sobre a objetividade na informacao deve incidir sobre
as tres ordens da informacao: a observacao, a interpretacao e a
narracao.
O jornalista move-se num mundo que e menos dos fatos e mais o das
opinioes, para recuperar as distincoes classicas da profissao. Raramente
confrontado com o acontecimento, com o fato na sua
"materialidade". Ao contrario do que seria de supor por via da
ilusao cientifica, este nao tem condicoes para simplesmente reproduzir a
realidade. Tem de reconstruir a realidade para compreende-la. E forcado
a desempenhar um papel ativo e nao ficar passivo. Cabe-lhe elaborar cada
conceito utilizado para descrever a realidade. Situa-se logo numa cadeia
hermeneutica, numa cadeia de interpretacoes.
Consideracoes finais
O jornalista e observador, e interprete e tambem narrador. Lanca
seu olhar sobre os fatos. Mobiliza a inteligencia e conviccoes a servico
da sua compreensao. A objetividade da investigacao e a subjetividade do
investigador, seja qual for a ordem em que nos coloquemos, e
indissociavel. De fato, e a realidade, tal como aparece sob a forma de
acontecimentos aleatorios, que e objeto da informacao. O sujeito do
relato jornalistico esta presente na observacao, na interpretacao e na
narracao. Dentro desse contexto, a postura etica nunca pode perder de
vista a veracidade do relato basica para uma etica jornalistica. O rigor
do metodo. O rigor e ir a fundo nas investigacoes materialmente
realizaveis, no tempo dado para essas pesquisas. E captar, recolher,
cobrir todos os fatos confirmados disponiveis. E tudo que se opoe a
falsificacao, a deformacao, a mentira.
O rigor e um caminho balizado, no qual a jurisprudencia dos
tribunais reconhece a necessaria diligencia jornalistica. Perante o
objeto fugaz que e o acontecimento, nao esta dispensado o jornalista de
recorrer aos instrumentos elementares da sua deontologia, a fim de
garantir uma correta descricao dos fatos: publicar unicamente
informacoes cuja origem conhece, ou senao acompanha-las das reservas
necessarias; nao suprimir informacoes essenciais; nao alterar textos,
nem documentos; retificar uma informacao publicada que se revele
inexata. O rigor passa hoje, tambem ele, por uma vontade de resistencia.
Por fim, entendemos que ainda ha muito a se pesquisar sobre o
conhecimento do Jornalismo. O assunto vem sendo tratado por varios
autores ha muitos anos. Consideramos que e preciso estudar-se mais.
Fazermos novas pesquisas para compreendermos qual o tipo de conhecimento
que o Jornalismo contribui para com a sociedade. O que esta correto. O
que esta modificado. Onde pode contribuir mais ainda. Sem duvida uma
tarefa muito grande que aqui damos uma pequena contribuicao com a
hipotese do conhecimento desvelado do Jornalismo.
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Recebido em: 20 jun. 2014
Aceito em: 20 ago. 2014
Endereco do autor:
Alfredo Eurico Vizeu Pereira Junior <a.vizeu@yahoo.com.br>
Programa de Pos-Graduacao em Comunicacao da Universidade Federal de
Pernambuco--UFPE
Av. Prof. Morais Rego, 1235--Cidade U niversitaria
50670-901 Recife, PE, Brasil
Tel.: (81) 2126-8000
ALFREDO EURICO VIZEU PEREIRA JUNIOR
Professor Adjunto do Programa de Pos-Graduacao em Comunicacao da
Universidade Federal de Pernambuco--UFPE.
<a.vizeu@yahoo.com.br>