Media and Politics: Strategies for building the "symbolic capital" of political/ Midia e Politica: estrategias para a construcao do "capital simbolico" dos politicos.
Guareschi, Pedrinho A. ; Lopes, Maria Isabel Nunes
Analisamos neste estudo (dissertativo) as narrativas de 14 atores
politicos acerca dos fatos midiatizados que os envolve e como eles
percebem esses fatos. Encontramos nas narrativas o jogo politico
claramente demonstrado. Um cuidado nas assertivas, uma desconfianca em
narrar/contar suas versoes e suas relacoes com os meios de comunicacao.
Todo cuidado e pouco, no caso dos politicos que demonstram conhecer e
usar a maxima "tudo o que disser sera usado contra voce" como
uma realidade monstruosa acima de suas cabecas, lembrando-nos da lenda
da Espada de Damocles --Se errares, pereceras pela espada.
Este artigo e parte de uma pesquisa mais ampla (1) cujo objetivo
foi investigar como se estruturam as relacoes entre midia e politica e
como as diferentes formas de visibilidade, viabilizadas pela midia,
transformam-se em relacoes de poder. Em nosso corpus de pesquisa,
contamos com 14 entrevistas com politicos, distribuidos nas esferas
Federal, Estadual e Municipal, sendo 2 senadores da Republica, 6
deputados federais, 4 deputados estaduais e 2 vereadores. A filiacao
partidaria foi assim delimitada: 6 integrantes do Partido dos
Trabalhadores (PT), 2 do Partido Progressista (PP), 2 do Partido
Socialismo e Liberdade (PSOL), 2 do Partido do Movimento Democratico
Brasileiro (PMDB), um do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e um do
Partido Socialista Brasileiro (PSB). Metodologicamente optamos pela
Hermeneutica de Profundidade (HP), de John Thompson (2011), com suas
quatro fases--analise sociohistorica, analise discursiva e narrativa,
interpretacao/reinterpretacao critica. Isto nos possibilitou analisar de
forma mais criteriosa como sao transmitidas e recebidas, em um
determinado momento historico, as formas simbolicas comunicacionais.
As narrativas dos entrevistados sao carregadas de construcoes
simbolicas complexas, que apresentam uma estrutura articulada. Elas
convocam as analises discursiva e argumentativa entre as afirmativas ou
assercoes, organizadas ao redor de certos temas, "buscando
operadores logicos que demonstrem os argumentos de poder, especialmente
utilizados pelos discursos politicos" (Thompson, 2011, p. 374). Ao
interpretar e reinterpretar os dados e permitido explicitar a conexao
entre o sentido do que e apresentado ou dito; e determinado e
predeterminado atraves de um processo continuo de interpretacao da
ideologia apresentada.
O objetivo deste trabalho e identificar as relacoes entretidas
entre os politicos e os meios de comunicacao na construcao dos fatos
politicos midiatizados. O intuito e fomentar a critica sobre o fenomeno
comunicacional enquanto poder dissociado dos demais poderes constituidos
legitimamente.
Para atender nosso objetivo, elegemos quatro etapas: 1)
Primeiramente analisamos os meios de comunicacao como o novo espaco
publico substitutivo da Agora Grega. Toda discussao no mundo da vida
decorre daquilo que e midiatizado pelos diversos meios comunicacionais.
2) Em seguida, tratamos de examinar a politica e o politico, suas
praticas, seus atos estruturantes e estruturados, que se desenrolam em
um campo soberano da sociedade--o direito maior de liberdade de
expressao. Analisamos o percurso social e historico da constituicao
politica do povo brasileiro e, especificamente do Rio Grande do Sul,
porque os entrevistados sao todos gauchos e suas trajetorias politicas
nos remetem ao velho modo politico do sul: o caudilhismo. 3) Destes dois
pontos surge a terceira etapa: o exame da visibilidade midiatica como
pratica indispensavel a todo candidato a carreira politica, uma vez que
o ver e o ser, vistos nos meios de comunicacao, geram a credibilidade
entre seus pares e seus eleitores. 4) Nesta etapa examinamos a
dissimulacao encontrada nas narrativas e que demonstrou ser uma das
formas de ideologia. Ao finalizar os estudos, apontamos como os achados
da pesquisa a demonstracao de que as relacoes da midia e da politica sao
permeadas por acordos e parcerias realizadas distantes daquilo que os
meios de comunicacao informam ao publico em geral.
Meios de comunicacao: transformacao da Agora em visibilidade
midiatizada
Os meios de comunicacao, na contemporaneidade, transformaram-se na
nova Agora. O local, onde se realizam os debates do espaco publico, onde
os grupos organizados, minoritarios, a sociedade civil organizada ou
nao, as instituicoes e o proprio Estado buscam dar visibilidade as acoes
realizadas ou por realizar. Percebemos claramente essa transformacao na
esfera publica (ou espaco publico), analisando as diversas manifestacoes
midiaticas, levadas a efeito pelas comunidades que, se quiserem ver e
serem vistas, necessitam que os meios de comunicacao mostrem suas acoes.
Ao olharmos os movimentos de rua, especialmente, os ocorridos no
Brasil, em junho de 2013, encontraremos uma insatisfacao generalizada em
inumeros segmentos sociais, que so alcancaram a proporcao que tiveram
pelo efeito da visibilidade que os meios se obrigaram a dar. Os
politicos, o Estado e os Governos foram surpreendidos com a forca
demonstrada, recolheram-se aos acordos e sessoes restritas para tentar
satisfazer os anseios populares.
O crescimento dos multiplos canais de comunicacao e informacao
contribuiu significativamente para a complexidade e imprevisibilidade de
um mundo ja extremamente complexo. Criando uma variedade de formas de
acao a distancia, dando aos individuos a capacidade de responder de
maneira incontrolavel a acoes e eventos que acontecem a distancia, o
desenvolvimento da midia fez surgir novos tipos de interrelacionamento e
de indeterminacao no mundo moderno.
Obviamente, dentro do campo de interacao mediada ha individuos que
tem mais oportunidades de usar a midia para vantagem propria do que
outros. A realidade, hoje, pode ser considerada como uma atmosfera
social e cultural e isso
"porque cada um de nos, individual e coletivamente, esta
cercado por palavras, ideias e imagens que penetram nossos olhos, nossos
ouvidos e nossa mente, quer queiramos ou nao, e que nos atingem, sem que
o saibamos, do mesmo modo que milhares de mensagens enviadas por ondas
eletromagneticas circulam no ar sem que as vejamos e se tornam palavras
em um receptor de telefone, ou se tornam imagens na tela de
televisao."
(Moscovici, 2011, p. 33)
Uma das consequencias mais importantes, trazida pelas novas
tecnologias e materializada pela midia, foi a transformacao da natureza
do que poderiamos chamar de "publicidade" e, estreitamente
ligada a ela, a transformacao das maneiras como as pessoas e
acontecimentos sao tornados "visiveis" aos outros. E a partir
dessas mudancas que a distincao entre o publico e o privado, com uma
longa historia no pensamento social e politico ocidental, que pode ser
remetida a Grecia classica e ao inicio do desenvolvimento do direito
romano, sofreu profundas alteracoes.
No novo espaco mediado, "publico" significa agora aberto,
ou acessivel a outros. O que e publico, nesse novo sentido, e o que e
visivel ou observavel, o que e desempenhado diante de espectadores, o
que e aberto para que todos, ou muitos, possam ver e ouvir, ou falar a
respeito. O que e privado, em contraste, e o que e escondido da vista, o
que e dito ou feito em segredo, ou entre um circulo restrito de pessoas.
Nesse sentido, a dicotomia publico-privado tem a ver com
"publicidade" versus "privacidade", com abertura
versus sigilo, com visibilidade versus invisibilidade. Um ato publico e
um ato visivel, desempenhado abertamente, de tal modo que todos possam
ver; um ato privado e um ato invisivel, um ato desempenhado secretamente
e atras de portas fechadas (Thompson, 2012).
O espaco publico tornou-se uma realidade comunicacional efetivada
atraves dos meios de comunicacao, mas nao um espaco institucionalizado
como esfera publica. Na afirmacao do proprio Habermas, "a esfera
publica nao pode ser concebida como uma instituicao e certamente nao
como uma organizacao (...) [ela] pode melhor ser descrita como uma rede
para a comunicacao de informacoes e pontos de vista" (Bucci, 2002,
p. 64).
Destarte, a politica, nas democracias liberais, esta ultrapassada
em sua forma representacional das classes, das agremiacoes ou partidos
politicos. Nao ha esfera de atuacao dos interesses comum de uma nacao,
estado ou cidade. Pois a agora somente ocorrera quando e como os meios
de comunicacao assim o desejarem, assim o agendarem ou assim o pautarem.
Os politicos estao conscientes que suas acoes e falas podem ser
examinadas por jornalistas e ocasionalmente divulgadas nos diversos
meios de comunicacao, e que eles podem se tornar assim visiveis dentro
do campo politico mais amplo. Por conseguinte, os politicos tendem a
monitorar de perto a cobertura da midia sobre suas acoes e falas, e,
cada vez mais, buscam estrutura-las tendo cuidado com a informacao e as
imagens que se tornam disponiveis, e fornecendo referencias para a
interpretacao dos acontecimentos.
Um mecanismo informal que passou a desempenhar um papel central a
esse respeito e o das pesquisas de opiniao. Sendo que o dialogo com os
eleitores e necessariamente limitado e as eleicoes sao raras, as
pesquisas de opiniao passaram a ser um mecanismo amplamente aceito para
avaliar o apoio no amplo campo politico. Elas sao usadas nao apenas para
construir as politicas, mas tambem para avaliar o impacto das mudancas
de politicas e da popularidade dos governos, dos partidos, de lideres
particulares, ou possiveis lideres. Frequentemente divulgadas pela midia
e comentadas pelos jornalistas, politicos e outros, as pesquisas de
opiniao tornam publicamente acessiveis e contestados indices de mudanca
nas relacoes entre profissionais e nao profissionais no amplo campo
politico, indices que sao monitorados de perto pelos politicos e usados
por eles em suas lutas com outros no subcampo dos politicos
profissionais.
O campo politico foi se constituindo cada vez mais como um campo
midiatico--isto e, um campo em que a visibilidade midiatica dos lideres
politicos se tornou sempre mais importante e em que as relacoes entre
lideres politicos e cidadaos comuns foram crescentemente moldadas pelas
formas mediadas de comunicacao (Thompson, 2008).
A crescente visibilidade dos lideres politicos, as mudancas nas
tecnologias de comunicacao e vigilancia, a mudanca na cultura
jornalistica e a mudanca na cultura politica contribuiram para a sempre
maior prevalencia dos meios de comunicacao.
A politica e o politico: praticas e tensoes
Somos seres politicos por excelencia. "O homem e um animal
politico", ja nos ensinava Aristoteles em 1253 (Politica, Livro I).
Que politica realizamos hoje? Como fazemos politica? O que e politica?
Questionamentos necessarios em mundo globalizado, onde inumeras formas
de exercicio politico coexistem e transformam o mundo.
O conceito de politica deve ser diferenciado do conceito de
politico. A primeira trata do arcabouco institucional, organizado,
representativo. Como afirma Ranciere (2008), seria
"politica/policia", necessaria, mas questionavel, e nao a
unica dimensao da politica. O politico seria a politica como atividade
que reconfigura os quadros sensiveis nos quais se definem as relacoes
coletivas, sociais, e onde sao negociados seus objetos. A atividade
politica rompe com a evidencia da ordem "natural" que destina
os individuos, os grupos sociais ao comando e a obediencia, a vida
publica ou a vida privada, a uma pre-definicao de espaco ou de tempo, a
certas maneiras de ser, de ver e de dizer. Palavra e ruido. Retorica e
barulho. Ambas sao dimensoes da politica. Assim, afirmamos que politica
nao e exercicio do poder ou a luta pelo poder e que seu quadro nao esta
definido pelas leis e instituicoes.
A primeira questao politica e saber que sujeitos concernem a essas
instituicoes e a essas leis, que formas de relacoes definem uma
comunidade politica, que objetos configuram essas relacoes, que sujeitos
estao aptos a discuti-los. A politica entao e um paradoxo, onde a logica
dos corpos no seu lugar dentro da distribuicao do comum e do privado,
que e uma distribuicao do visivel e do invisivel, da palavra e do ruido,
e o que propus antes com o termo de "policia".
A politica verdadeira praticada e identificada por praticas que
rompem com essa ordem policialesca que antecipa as relacoes de poder. O
politico, a atividade politica, mesmo nao institucional ou partidaria,
acontece atraves da invencao de uma instancia de enunciacao coletiva que
redesenha o espaco dos afetos (o que afeta o "nos"). O que une
a politica e o politico e esse campo de tensao, ja mencionado por Arendt
(2012), tanto a politica e a acao do homem que exerce sua liberdade.
Liberdade de falar e, mais que falar, e poder dizer a sua palavra e ser
ouvido, porque detentor do direito de ser humano. Quais acoes se
exercitam hoje na esfera publica? Quem tem o direito de dizer a palavra
e praticar a acao livre em nosso tempo? Temos mais perguntas do que
respostas.
A organizacao politica diz respeito as fundacoes de um Estado
estabelecido de modo definitivo num dado periodo de tempo, incluindo
suas normas e leis escritas e nao escritas (costumes). As Constituicoes
e os sistemas legais regulam o processo politico. As regras do processo
politico encontram guarida nas formas de governo que, no Brasil, e a
democracia. As democracias sao regimes politicos onde a origem do poder
esta no povo, no cidadao. A distribuicao do poder e o controle do seu
exercicio tambem estao nas maos do povo. Todos os membros da sociedade
tem iguais direitos politicos. E esse valor politico que constitui a
soberania popular, base da organizacao de um regime democratico.
O processo politico baseia-se em uma serie de etapas, desde os
primeiros interesses da sociedade (associacoes, agrupamentos religiosos,
organizacoes comunitarias, etc.) ate a criacao dos partidos politicos
que se encarregam de articular esses interesses em um conjunto mais
amplo e mais abrangente de alternativas que serao implementadas nos
sistemas politico e administrativo quando chegarem ao poder. Na medida
em que se desenrolam as etapas, as posicoes vao sendo articuladas,
mediadas, conduzidas em direcao a um consenso, transformadas e
integradas a um processo de praticas coletivas, onde os objetivos mais
importantes da acao a ser empreendida decorrem da identificacao conjunta
de interesses e de persuasao do outro, transformando reciprocamente as
posicoes defendidas anteriormente e dando forma a interesses e
necessidades gerais, mesmo que ainda nao bem definidas.
O sucesso na politica nao se da pela adaptacao dos meios para
atingir os fins previamente determinados, mas sim pela integracao de
varias pessoas e de varios fins, juntamente com os acordos resultantes
de discussoes que os acompanham de modo a encontrar solucoes reais para
os objetivos comuns da sociedade. Resta claro que os ciclos politicos,
relativamente longos no processo politico, nas democracias, sao sempre
determinados pelo ritmo dos ciclos eleitorais. Estes delimitam o modo
como as elites politicas eleitas irao calcular o tempo que lhes e
permitido para atingir seus objetivos.
Ao analisar o banco de dados das entrevistas do projeto "Midia
e Politica--Visibilidade e Poder", encontramos um universo restrito
a atores politicos vinculados a partidos com posicionamento de esquerda;
alem disso, todos os entrevistados sao oriundos do Rio Grande do Sul,
onde comecaram sua carreira politica. Temos um aporte
"caudilhista" muito forte onde o comando e focado em um chefe,
independentemente do partido ou de seus pares, como nos exemplifica a
trajetoria de Julio de Castilhos e Getulio Vargas. Os antepassados que
ocasionaram mudancas significativas na politica nacional nasceram deste
solo. As relacoes entretidas com os meios de comunicacao em epocas
remotas anotam a parceria, a comunhao, os acordos como forma de comando
e manutencao do poder. Viviamos em epocas de comando e dominacao do
poder politico de poucos que se utilizavam dos meios disponiveis para
exercer a direcao de muitos. A criacao de jornais como forma de debate e
disputa politica era comum.
Caracteristicas reais em um periodo nao muito distante que
possibilitou a um Governador da Provincia de Sao Pedro (2)--Julio de
Castilhos, redigir e aprovar uma Constituicao elaborada por ele mesmo.
Somos um povo aguerrido e bravo, mas tambem somos submissos a poderes
instalados e estruturados por Politicos "a moda antiga". A
historia politica do Rio Grande do Sul e permeada de esquecimento do
povo, de seus direitos, de suas necessidades, de suas prioridades. Nossa
politica necessita de mitos para seguir, adorar e submeter-se. As
simpatias politicas sao pessoais e nao partidarias, agregamo-nos aos
individuos e nao aos programas politicos partidarios. Isso gera um
fenomeno chamado de apartidarismo, ocasionando uma instabilidade
eleitoral que ancora o candidato e nao o programa. Somos duais por
excelencia: situacao versus oposicao, maragatos versus chimangos, etc.
No Brasil, estas nossas caracteristicas foram bem marcadas. Na Era
Vargas (19301945), apos o rompimento da politica do cafe-com-leite, se
da a Revolucao de 1930, atraves da qual Getulio Vargas (gaucho) assume o
poder. Nascem aqui as primeiras organizacoes partidarias com capacidade
de mobilizacao das massas populares, a Acao Integralista Brasileira
(AIB) e a Alianca Nacional Libertadora (ANL), dentre outras. Em 1937,
Vargas da o golpe e entramos no Estado Novo, onde as atividades
partidarias foram extintas.
Entretanto, e no Estado Novo que ocorre um significativo esforco no
sentido de justificar o regime e difundir uma imagem positiva do mesmo
junto as camadas populares. A preocupacao com a propaganda ficou
evidente muito antes, ja em 1931, quando do surgimento do Departamento
Oficial de Publicidade (DOP). O orgao conheceu varias mudancas ate que,
em 1939, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
diretamente subordinado a presidencia da Republica.
A Constituicao de 1937 considerou a imprensa servico de utilidade
publica e lhe impos uma serie de restricoes. Jornalistas e jornais
tiveram que se registrar no DIP e passaram a conviver com a figura do
censor, que vistoriava cada uma das materias antes de sua publicacao.
Varios matutinos foram encampados pelo governo, como A Manha (RJ) e A
Noite (SP), ou sofreram intervencao, como ocorreu com O Estado de S.
Paulo. As atividades do DIP, porta voz oficial do poder, incluiam a
edicao de revistas, com destaque para Cultura Politica, que reunia
importantes intelectuais, responsaveis pela justificacao ideologica do
regime, Brasil Novo e Estudos e Conferencias, assim como a producao e
publicacao de uma ampla gama de livros, desde cartilhas ate obras que
justificavam o golpe de 1937, louvavam as realizacoes governamentais e a
figura de Getulio. Vivia-se uma ditadura em todos os sentidos. Muito
presente o personalismo politico caudilho.
Uma democracia liberal se instala no pais (1945-1964),
caracterizando-se pela relevancia da conjuntura politica internacional
para a analise da politica nacional (antevisao da globalizacao). Comeca
a mudanca. A Segunda Guerra estava em seu fim trazendo consigo uma onda
democratica contraria aos regimes totalitarios. No Brasil nasce o novo
sistema partidario com uma nova lei eleitoral, preocupada em fortalecer
os partidos politicos em nivel federal. Nesse momento, os quatro
partidos mais relevantes eram o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), o
PSD (Partido Social Democratico), a Uniao Democratica Nacional (UDN) e o
Partido Comunista Brasileiro (PCB). O PTB esteve no Governo durante
grande parte desse periodo em alianca com o PSD. O PCB era o
representante da forca de esquerda no espectro politico brasileiro nessa
epoca, entretanto foi extinto sob a alegacao de que seus principios
contrariavam os valores democraticos durante o Governo Dutra.
Sob essa mesma alegacao deu-se o golpe militar (1964-1985), que
levou a politica brasileira ao bipartidarismo forcado. Permitiu a
existencia de um partido de oposicao (MDB) para dar uma aparencia de
democracia. Tinhamos, entao, dois partidos criados pelo Ato
Institucional no 2/65, a ARENA (Alianca Renovadora Nacional) e o MDB
(Movimento Democratico Brasileiro). Mais uma vez o controle aos meios de
comunicacao ocorreu como na primeira ditadura, o cerco aos meios de
comunicacao foi brutal. A censura operou a favor do Governo, legitimando
e informando somente as acoes "empreendedoras" no pais do
"Ame-o ou deixe-o" e do "Pais que vai pra frente";
tempos escuros e obscuros que ainda necessitam estudos e muitas
revisoes. O curso da historia no contexto politico brasileiro demonstra
o ir e vir da batalha entre os politicos e os meios comunicacionais como
forma de manutencao da dominacao de um povo. Sao fronteiras muito
volateis.
Passado o periodo ditatorial, surge a abertura politica controlada,
denominada de redemocratizacao, onde surgiram os grupos e agrupamentos
da sociedade organizada --associacoes culturais, sindicatos, movimentos
estudantis, grupos paroquiais, dentre outros, o que renasceu a pressao
da opiniao publica fortalecendo a oposicao ao governo. O Governo Militar
extinguiu o bipartidarismo, ocasionando o surgimento de alguns partidos
num primeiro momento. O PDS (Partido Social Democratico) praticamente
uma continuacao da ARENA (Alianca Renovadora Nacional), que, em 1995,
passa a se chamar PPB (Partido Progressista Brasileiro) e que fara
surgir de suas dissidencias o PFL (Partido da Frente Liberal); o PMDB
(Partido do Movimento Democratico Brasileiro) que em suas discordancias
fara surgir o PSDB (Partido Social Democratico Brasileiro), hoje
denominado PFL (Partido da Frente Liberal); o PDT (Partido Democratico
Brasileiro), organizado a politicos ligados ao trabalhismo varguista; o
PT (Partido dos Trabalhadores), uma das construcoes mais singulares da
politica brasileira, constituido de intelectuais, sindicalistas,
marxistas, alas progressivas do movimento catolico.
Apos 1985, nao houve mais restricao a criacao de partidos politicos
e passamos a assistir a uma explosao de partidos. Na decada de 80, do
seculo passado, foram criados 8 partidos; na de 90, 16; em 2000 foram
criados 3; e na decada em curso ate o presente momento ja foram criados
5. No Tribunal Superior Eleitoral encontram-se registrados 32 partidos
politicos atualmente. Alguns partidos sao considerados apenas como
legendas de aluguel para candidatos oportunistas em epoca de eleicao. A
proliferacao de legendas partidarias nos remete a essencia da
democracia, onde todos os grupos da sociedade devem, ou deveriam, se
fazer representar. Entretanto, nao e o que assistimos no Brasil. Os
acordos das liderancas nao atendem ou escutam as minorias partidarias,
onde a legislacao disciplina o tempo de exposicao nas propagandas
politicas de acordo com a representatividade partidaria na Camara e no
Senado delimita a visibilidade e a oportunidade de dizer a palavra.
Visibilidade: uma moeda com valor inestimavel
A disputa pela visibilidade e crucial para os candidatos a qualquer
cargo eletivo e em qualquer das instancias (Federal, Estadual,
Municipal), e em qualquer das formas de eleicao: majoritaria ou
proporcional. O que importa e como "vender-se" nos meios de
comunicacao atraves de uma estrategia que possibilite o ganho do capital
simbolico do politico: a credibilidade e a confianca pessoal no
candidato.
Selecionamos a afirmativa do entrevistado E1 (3), do Partido
Progressista, nos demonstra claramente esse entendimento. Afirma o
narrador: "E a maneira de mostrar o trabalho que esta sendo
realizado; os problemas enfrentados, os pontos positivos e negativos.
Porque e atraves da midia, de uma forma geral, que as pessoas tomam
conhecimento".
O posicionamento do partido, o programa partidario, os acordos
politicos de legenda, as chapas multipartidarias sao secundarias porque
o objetivo e personalizar o programa na figura do candidato ao cargo.
Uma vez eleito, o candidato que atendeu aos requisitos da credibilidade
pessoal e conquistou a confianca do eleitorado passase para a segunda
etapa das candidaturas: observar e dispor os cargos na forma dos acordos
efetuados na composicao da chapa. Mas isso nao e objeto de nosso estudo.
Apenas reflexivamente o atinge.
Ao demonstrar como os partidos politicos foram se constituindo ao
longo dos anos no Brasil, um pais jovem, com 514 anos de
"descobrimento" e alguns poucos de democracia representativa,
podemos observar que as relacoes estabelecidas com os meios de
comunicacao demonstram uma forma de manipulacao de interesses alheios as
necessidades da populacao e diversos daqueles que atenderia aos
interesses da maioria. Restrita a poucos atores politicos e
comunicadores.
Regionalizado o estudo, limitado aos partidos com concepcoes
ideologicas de centro a esquerda, como apontado na introducao, nao
podemos afirmar que o posicionamento e formas de entender os fatos
politicos mediados, apontados pelos entrevistados, refiram-se a todos os
politicos brasileiros, muito embora assim o pareca nestes tempos de
acordos estranhos em materia de organizacao politica nacional e daquilo
que vemos em noticiarios locais, regionais e estaduais. Entrevistamos 14
politicos riograndenses e, selecionamos, para este artigo, apenas tres
narrativas que demonstram mais claramente as relacoes estabelecidas
entre a midia e a politica.
Para o entrevistado E8, do Partido Progressista, "a midia e o
quarto poder porque e um veiculo com uma estrutura que se comunica com
todas as pessoas. E um veiculo de comunicacao. E que tem, justamente,
muita capacidade de influenciar e orientar nessa comunicacao".
Nominando os meios de comunicacao como um poder diferente daqueles
que constituem o Estado, o Executivo, Legislativo e o Judiciario, o
narrador E8, reduz sua assertiva ao poder que a visibilidade consolidou
na sua propria trajetoria politica:
"Eu me tornei uma pessoa publica por causa da midia [...]. E,
quando eu digo que sou de um partido tal, ja ha uma interseccao, ja
estou numa panela; e isso fecha muitas portas. Por exemplo: o que da
ibope ou manchete na midia para os politicos? Tragedia."
Aparentemente, o entrevistado E8 nao coordena sua narrativa
logicamente, pois se a midia e o quarto poder e ele deve sua carreira a
esta midia, como condenar a forma de atuacao dos meios de comunicacao se
ele proprio sabe como atuar dentro do jogo politico-midiatico? Resta
claro em sua narrativa a falacia, o misterio, o apontar do erro alheio,
mas reconhece a formula a ser usada para manter-se visivel, de forma a
aumentar seu capital simbolico--a credibilidade, o ver e ser visto pelos
seus eleitores politicamente incorretos. Na continuidade da narrativa,
um pouco mais adiante, afirma o entrevistado E8:
"ao mesmo tempo em que tu tens a midia influenciando
diretamente a politica, tu tens a politica monetariamente influenciando
diretamente a midia. Aqui [...] nos temos a verba de publicidade, entao
esta verba, muitas vezes, pode servir para calar a boca de quem esta
recebendo a sua verba de publicidade. Vamos ser sinceros aqui, entao:
uma coisa influencia a outra. A midia e a politica. [...] A politica
interfere na vida das pessoas, e e obvio que ela vai interferir na
midia, seja com verba de publicidade, seja com as acoes."
O Estado, a Republica, a democracia e a midia, em termos
essenciais, "nao sao nada do que parecem ser", nem mesmo do
que deveriam ou dizem ser. Estao muito longe do ideal para atender aos
interesses reais da maioria da populacao. A midia visa, primeiramente, o
lucro, e nao a verdade dos fatos ou uma analise intensa. A noticia e
fruto de um filtro, cuja porosidade e permeada pelo equilibrio entre a
verdade e o interesse comercial dos anunciantes, os interesses
particulares dos politicos, dos financiadores, dos proprietarios dos
veiculos de comunicacao. Enfim, "raras sao as pessoas que conseguem
se livrar da matrix nossa de cada dia" (Reis, 2009, p. 308).
Percebemos na analise das entrevistas que a politica se assemelha
ao teatro e se utiliza de suas maneiras de atuar para fazer crer aos
assistentes (plateia/eleitores) que o apresentado no palco e a
realidade. O jogo politico ocorre tanto nos bastidores como no palco. O
que difere sua ocorrencia e a possibilidade de percepcao pela plateia.
Nos bastidores sao realizados acordos e se tomam grandes decisoes que
sao inacessiveis ao grande publico; o que e levado para o palco e um
jogo de cena direcionado aos nao iniciados (o povo) e serve apenas para
distrair a plateia, mantendo o sistema politico e o mito da democracia
como governo para o povo.
A publicacao e a propaganda deste jogo revelam-se combinada tambem
nos bastidores com o aval dos meios comunicacionais. A simbiose
perfeita. A narrativa do Entrevistado 7, do Partido dos Trabalhadores,
demonstra essa formula: "O processo legislativo e um processo
absolutamente irracional; mesmo que siga todos os tramites e ficar
pronto para ir a plenario, ele pode nunca ser aprovado. Pode ficar
esperando 10 anos e nunca ir a plenario. Quando eles sao votados? Quando
a midia puxa esse assunto para ser tramitado na politica".
O sistema mantem-se e convoca outros atores a participarem da cena,
no caso, os meios de comunicacao que, dando visibilidade ao jogo
encenado, estariam perpetuando o sistema politico vigente e atendendo
aos acordos entretidos nos bastidores pelos dois agentes atuantes a
servico de um terceiro implicado, mas nao revelado (poder politico,
poder midiatico e o poder economico).
A dissimulacao como ideologia perpetuadora da dominacao
A dissimulacao (Thompson, 2011) e uma das formas de perpetuar
relacoes ideologicas de poder, mantendo a dominacao, o status quo,
atraves do deslocamento do real significado, imputando um carater forte
e evocativo (medo) enquanto sentimento real, mas ao mesmo tempo afirma a
necessidade (troca de informacao) de ver e ser visto, estando na midia.
Desloca, distrai e desfoca para a cena aquilo que e comum nos
bastidores. Necessitam da visibilidade como forma de aquisicao do
capital simbolico, especialmente necessario para angariar a confianca e
a credibilidade entre seus pares e com seus eleitores. Demonstram
claramente entender que sao os meios de comunicacao os que mais os
ajudam nesta tarefa, mesmo que a relacao entretida seja tensa, entendem
o processo e praticam os atos necessarios para a criacao do fato
politico que sera midiatizado. Talvez nao como pensassem, mas com
absoluta conviccao que e somente desta forma que a publicacao lhes dara
visibilidade, demonstrando a necessidade relacional intensa dos
bastidores para atingir o palco.
Thompson afirma que a dissimulacao e uma das formas de ideologia
que ele define "como o uso das formas simbolicas para criar, manter
relacoes de dominacao" (2011, p. 76). Essa pratica, o uso
figurativo e deslocado da linguagem, e uma caracteristica bastante forte
no mundo socio-historico e, em certos contextos, o sentido aplicado e
manter o poder, uma vez que a afirmacao mostra o contrario daquilo que
se quer ocultar. E fazer-se desentendido do que realmente ocorre nos
bastidores. Impossivel nao lembrar Fernando Pessoa em sua
Autopsicografia "... e fingir que e dor a dor que deveras
sente".
Nas tratativas dos bastidores, a "pactuacao" e livre e
inclui todo jogo de interesses possiveis entre os atores principais
(politicos, comunicadores, empresarios). Anotese que este espaco
reservado e para poucos e muitos sao os candidatos que desejam ingressar
neste espaco. E o que encontramos nas narrativas que seguem.
Para o Entrevistado 7, do Partido dos Trabalhadores, os encontros e
acordos entre a midia e a politica e comum e sempre ocorre a margem do
publicavel. Em sua narrativa fica demonstrado um escandalo politico que
nao chegou ao publico por "causas estranhas e alheias" a uma
Comissao Parlamentar de Inquerito ja instalada e atuante. Afirma o
narrador:
"Eu tive um episodio muito forte com a imprensa quando eu fui
da CPI que investigou o mensalao mineiro. [...] O que acontece, hoje, no
Brasil, existe uma situacao, talvez pouco percebida por muitos, que
envolve o Estado de Minas Gerais. O Estado de Minas Gerais e uma coisa
impressionante o bloqueio que existe da midia e a protecao que existe ao
Aecio Neves. E uma coisa nunca vista antes. Foi criado um movimento
Minas sem censura. [...] Quando na CPI do Mensalao Mineiro, em uma
oportunidade, eu recebi um deputado estadual de Minas Gerais, juntamente
com outras pessoas, que me trouxeram toda uma documentacao comprovando,
de maneira detalhada, todo aquele esquema do mensalao, que teve origem
la, em Minas Gerais. Uma farta documentacao, com notas fiscais, com
recibos de bancos. Nos nos reunimos em um restaurante la em Brasilia e
estava conosco o Diretor de Politica da Isto E, [...] e dois reporteres
da Isto E. Olharam aquela documentacao, que era forte, com autenticacao
em cartorio e tudo o mais, pediram 48 horas para submeter aquela
documentacao ao Perito da Unicamp. Voltamos a nos reunir 48 horas
depois, com o laudo da Unicamp atestando a veracidade daquela
documentacao, pediram exclusividade para eles pela importancia da
materia e nos informaram que essa seria a materia de capa da Isto E, com
sete paginas. Na sextafeira, o Deputado Estadual, esse de Minas Gerais,
me ligou dizendo que nao ia sair a materia. Eu falei:--Nao, e
impossivel, falei com o editor ontem, falei com o reporter, a materia,
esta tudo certo. [...], liguei para o editor de politica em Brasilia e
ele me disse:--Olha, ta tendo um problema, tu vais ter de ligar para Sao
Paulo para falar com o editor. Liguei para Sao Paulo e falei com o
editor que me falou da importancia da materia, repercussao; nos temos
que ainda pegar o contraditorio de algumas pessoas, nos vamos antecipar
a edicao da proxima semana, por causa da repercussao da historia. Bom,
pra finalizar a historia, eu me lembro que eu peguei a Isto E, tinha
quatro paginas do Governo de Minas Gerais e duas paginas pagas do
Ministerio do Turismo, onde um dos acusados era [...]. Eles venderam
seis paginas, quatro pro governo de Minas e duas pro Ministerio do
Turismo e, ate hoje, nunca saiu uma linha da materia. Eu vi a materia
pronta para ser publicada; eu vi isso, ninguem me contou. [...] Isso foi
uma demonstracao, eu tava no inicio do mandato, do tipo de relacao que e
estabelecida, especialmente por essas revistas de circulacao semanal do
pais. Muitas materias sao feitas para serem vendidas. Fazem a materia e
depois oferecem para a pessoa, se ela quer que seja publicada ou nao. Se
pagar, nao e publicada."
Demonstra o entrevistado que a manipulacao das informacoes e uma
das formas de publicidade comum entre os politicos brasileiros, pouco
importando se o fato e real ou ficticio. O interesse maior e a
credibilidade que esta visibilidade concedera aquele que permanecer na
"vitrina" dos meios de comunicacao.
O eleitor nunca sabera desses acordos, pois travados em locais
reservados aos olhares simples e desavisados da massa eleitoral. Um
acordo comum apenas aos participantes desta relacao continuada, onde o
objetivo e manterem-se no poder de comando. Sendo que esse poder visa
apenas o capital lucrativo de materias vendaveis em seus veiculos
comunicacionais. O poder economico e o Poder. Para corroborar a
assertiva, o narrador E7, afirma:
"A imprensa paga, beneficia com o espaco os seus hospedes
privilegiados, certo? Entao, no Brasil, a importancia dessas colunas
politicas e muito grande. O painel da Folha de Sao Paulo, O Globo, a
Veja, a coluna da (omitido nome). Uma colunista politica, nao e? Entao,
como os politicos, digamos assim, tradicionais, eles se credenciam
nesses espacos? Negociando informacao. Entao, se tu quiseres espaco na
imprensa, tu vais trabalhar ele com informacoes internas do partido, do
governo. Assim, hoje se estabelece esse jogo do dia a dia da atividade
politica no Brasil."
Outros entrevistados referem-se a uma apreensao no trato com os
meios de comunicacao, relatando cuidado excessivo na fala, nos escritos,
enfim, naquilo que podera "nao agradar" o poderio da midia
que, assim como alavancam carreiras, as destroem na mesma velocidade,
atraves dos escandalos politicos. Nesta linha, a narrativa da
entrevistada E10, do Partido dos Trabalhadores, e clara quando afirma:
"Eu sinto um grande medo da politica em relacao a midia. A
perda do poder. [...] A grande midia pode mover iniciativas para uma
censura existir, querendo ter o monopolio da informacao e porque os
proprios eleitos, as proprias autoridades podem se sentir questionadas
muito fortemente diante desta transparencia."
Para o entrevistado E9, tambem do Partido dos Trabalhadores, a
supremacia dos meios de comunicacao influencia ate nos discursos das
liderancas que se submetem a interesses variados. Vejamos a narrativa:
"[...] bom, o problema e que essa influencia que a midia
exerce na pauta politica, nas iniciativas dos atores politicos, nao e so
virtuosa, ha uma serie de outros temas que diz respeito a interesses
privados, que diz respeito aos interesses da propria midia, que tambem
passam a pautar a iniciativa e os discursos das proprias
liderancas."
Tambem na linha dissimulada da questao ideologica surge a censura
como forma de "escolher" o fato ou acontecimento que sera
divulgado e que devera atender aos interesses empresariais do meio
comunicacional. Neste sentido a narrativa do E2, do Partido dos
Trabalhadores:
"Ha censura, ela faz uma selecao muito, muito criteriosa do
que lhe interessa. A midia, tem alguns jornais que sao assim, ate mais
escandalosos [...]. Eles dizem {...}: Quanto tu vais dar pra mim? Teve
um dono ai que disse: 'Se tu deste tanto para o fulano' e
'ele deu tanto para mim', entao em quero mais tanto, senao vai
sobrar para ti. O poder economico e sempre muito presente na
midia."
Percebe-se nas narrativas dos entrevistados que as afirmacoes de
medo, de censura, de submissao como forma de ligacao e de relacoes com
os meios de comunicacao nao passam de dissimulacao das relacoes que eles
mesmos demonstram conhecer.
Para demonstrar cabalmente a dissimulacao como forma de manter o
jogo politico, elegemos a narrativa do E13, do Partido Socialista
Brasileiro, que contem todas as etapas desde o comeco da carreira ate a
eleicao como corolario do "dever bem cumprido" no atendimento
aos ditames ideologicos.
Afirma o Entrevistado 13:
"Eu comecei minha atuacao e ja comecei com problemas; o
Prefeito mandava os projetos, e mandava aprovar; e eu disse nao, [...]
vamos discutir isso pra ver se e bom, acrescentar alguma coisa. Nao,
nao, tu es da bancada do governo e tem que aprovar o projeto. Afirmei
que nao concordava, votei contra uma, duas, tres vezes, e acabei
respondendo processo etico do partido que queria me expulsar."
Para reforcar seu ponto de vista, o mesmo entrevistado relata um
escandalo politico que envolveu a Camara de Vereadores da qual ele era
parte integrante, com todos os detalhamentos do fato, bem como suas
escolhas para efetuar a denuncia. Vejamos:
[...] O sujeito ja estava metido no meio de boatos de gravacoes de
politicos, que politicos tinham feito isso, de roubo, de nao sei o que,
pam, pam, pam. [...] Se nao pagassem R$ 15 mil, eles levariam as fitas
pro Ministerio Publico. [...] Quando virou o ano e trocou a Presidencia,
quebrou o elo de ligacao entre eles."
E a narrativa prossegue:
"Recebo um pacote com fitas gravadas e as vejo em meu
escritorio. Fico apavorado. Na primeira imagem que vejo e de um
conhecido meu, chefe de um local onde trabalhei, e a imagem mostra um
dialogo assim:--Po, ja veio tarde, tava demorando, ja veio em boa hora.
Com um cafezinho na mao, ela pega o dinheiro que o outro passa da gaveta
e coloca dentro do bolso. [...] Precisava mostrar aquilo pras
autoridades que fossem competentes. Nao levei para as da minha cidade,
porque eu tinha receio de que a policia e o ministerio publico
estivessem contaminados pela politica local. Pensar como isso funciona;
o Promotor tem estagiarios indicados pelo Prefeito, o Promotor pode ter
um filho que seja Cargo em Comissao na Prefeitura, isso acontece em
cidades pequenas. Entao, decidi levar para a Capital e, a partir dai,
virei capa de jornal, por exemplo, Globo Reporter, foi uma coisa
horrorosa, a minha vida virou de cabeca pra baixo, porque eu sai do
Ministerio Publico Estadual ja com seguranca da Brigada Militar, que
eram policiais a paisana, e que ficaram comigo durante anos, indo a
todos os lugares, ate mesmo no banheiro. Imagina a loucura. [...]
Noticiado o fato, processados os envolvidos, comecou uma articulacao
para desestabilizar minha reputacao, utilizando minha profissao para
criar o descredito e acabar com minha carreira na politica. A mesma
imprensa que me deu oportunidade e visibilidade concedeu espaco para a
difamacao e calunia dos meus oponentes que, em sua maioria, eram os
mesmos atingidos pelo escandalo.
O desconhecimento alegado e o processo sofrido no comite de etica
do partido revelam a inexperiencia e a rebeldia como forma de criar
patrimonio cultural simbolico, as duas formas pretendem mostrar como os
aspirantes agem para serem aceitos nos bastidores, um local de pura
magia (para o bem ou para o mal). O Olimpo onde apenas alguns poucos
eleitos podem transitar. Ironias a parte, percebemos na narrativa a
fragmentacao do discurso como uma tentativa de mostrar que e capaz de
praticar um desafio real ao grupo dominante. Uma tentativa de
pertencimento ao rol daqueles que fazem acontecer, e estes sao aqueles
que atuam nos bastidores.
O alvo objetivado sao instituicoes estruturadas na sociedade: o
partido politico em que esta inserida, a casa legislativa onde exerce
seu mandato, os adversarios partidarios (os outros, os inimigos), o
fiscal da Lei (Ministerio Publico de sua cidade), o prefeito, a policia,
todos sao perigosos, nao confiaveis. Estes alvos demonstram o que
Thompson (2011, p. 87) chamou de "expurgo do outro" (a
construcao do inimigo), uma das formas de fragmentar para dominar e
manter as relacoes de poder. Tanto assim que, ao buscar a capital para a
sua denuncia, resta surpreendido pelo imediato contato do jornalista ja
sabedor do fato. Nesta etapa da narrativa se percebe claramente o
objetivo da ascensao politica buscada atraves da justificativa da nao
confianca nos poderes institucionais de sua cidade e que, em ultima
tentativa, quer fazer crer ser tambem todo o sistema corrupto,
corruptivel e praticante de relacoes espurias de poder.
Sao os jogos do poder pelo poder que movimentou o
candidato-entrevistado a se utilizar das estrategias ideologicas como
forma de aquisicao de capital politico para pertencer ao seleto grupo
dos bastidores da elite dominante. A narrativa do Entrevistado E7, acima
citada, mostra claramente como os jogos de bastidores ocorrem.
O narrador E7, a epoca, era componente de uma Comissao Parlamentar
Mista de Inquerito (4), onde se apuravam fatos e informacoes definidos
que, em tese, poderao constituir crime ou responsabilizacao civil que,
como membro integrante de uma comissao teve acesso as
"armadilhas" que os bastidores aprontam e perpetuam como forma
de manutencao do poder constituido--a farsa do palco que obedece aos
ditames dos bastidores. Tambem ele aspirante ao seleto grupo de
"comando da elite", narra a trama comum que ocorre em
restaurantes, garagens, gabinetes, salas, saletas, sempre distante do
olhar publico.
A narrativa beira a falacia, entendida como afirmacao falsa ou
argumento falso, por ma-fe, calculado para induzir em erro, porque se
verificam da narracao o conluio, o acordo, a espera e a esperteza. Se os
documentos eram importantes para a CPMI, por que o encontro ocorreu
longe da Casa Legislativa e ausente seus pares na investigacao? Nao
encontramos na narrativa qualquer resposta. Podemos perceber que a
pratica e comum, e natural que assim ocorra. Ora, isso demonstra mais
uma vez que os encontros e tratativas entre os tres eixos de dominacao
(politico, economico e comunicacional) praticam a reificacao (Thompson,
2011) como uma forma de retratar uma situacao transitoria, historica,
como se fosse permanente, natural, atemporal. Dai a ausencia de
resposta, tampouco qualquer indagacao ou espanto da forma como se
praticou o encontro. E natural que seja assim, faz parte da politica.
Essa e a pratica elitista que diz o que, o como e o quando, a massa
popular de eleitores visualizara os acontecimentos dos bastidores. Essa
pratica se direciona a manutencao da limitacao da participacao politica
popular, porque reafirma e mantem a passividade inculcada no eleitor de
que politica e "jogo sujo", os politicos sao todos
"farinha do mesmo saco", a "politica e muito
complicada", como apontamos em pesquisa anterior, divulgada no
artigo "A Representacao Social da Politica" (2003). Nesse
paper, identificamos que a falta de participacao politica e um grave
problema, implicando em prejuizo para toda a estrutura social, e poderia
ser chamada, aludindo a Freud, em a Psicopatologia da Vida Politica,
onde poderiamos examinar a dinamica, as perturbacoes e patologias da
vida politica.
Consideracoes finais
Conjugando o modo de fazer politica ancorada no personalismo, uma
pratica que exige do candidato a qualquer cargo eletivo, a escolha de
inimigos, dos maus que merecem ser atacados de todas as formas e,
somando-se a isso, a necessidade de manutencao e criacao de
credibilidade entre seus iguais, percebemos claramente nas narrativas a
continuacao do modo de fazer politica como propriedade para poucos
escolhidos e/ou iniciados: aqueles que aprendem muito bem o jogo dos
bastidores e do palco. Essa propriedade pode ocorrer pela posse de bens
economicos (dinheiro, imoveis, fortuna), de bens imateriais (titulos
academicos, reconhecimento profissional, grandes pensadores,
idealizadores, realizadores) ou da capacidade de adaptacao ao comando
daqueles que detem o poder enquanto poder.
Desta forma, a pratica politica se distancia e muito da esfera
publica, um lugar onde todos podem e devem dizer a palavra, manifestar
suas preocupacoes, o local de excelencia do tensionamento de ideias
entre detentores de um mesmo direito igual por excelencia legislativa e
por direito humano de buscar a realizacao de suas necessidades materiais
e imateriais. Enfim, um lugar que deu nascimento a politica, mas que a
politica quer esvaziar de sentido e de pratica.
Impossivel nao perceber que as relacoes assimetricas de poder
perpetuam a dominacao do povo, executando praticas antigas de
esvaziamento e naturalizacao de valores introjetados na cultura popular:
necessitamos de lideres e estes sao poucos. A dominacao se efetiva
quando estabelecidas relacoes de poder sistematicamente assimetricas,
isto e, quando grupos particulares ou restritos de agentes detem o poder
de uma forma permanente e em grau significativo, permanecendo
inacessivel aos demais, independentemente da base onde essa exclusao e
levada a efeito. Temos a ideologia atuando de forma subliminar,
imperceptivel e disfarcada de pratica politica naturalizada.
Temos como util o alerta de Leal Filho (1997) ao analisar o poder
da TV Cultura. Esse e um caso exemplar, pois a emissora tem expresso, em
seus proprios Estatutos, que deve ser apolitica:
"Cabe anotar que, apesar dessa pretensa imunidade da RTC (Rede
Televisao Cultura), sua programacao foi sempre subordinada a vontade dos
governantes do momento. A imunidade garante a permanencia de um nucleo
de poder inabalavel, mas esse nucleo se curva ante as ingerencias dos
governantes ... mantem o poder de fato, mas cede na programacao. [...]
atraves dessas evidencias, o carater apolitico da TV Cultura, expresso
em seus estatutos, se desencanta. Quando e para garantir a manutencao do
poder internamente contra a influencia direta do poder publico, o
estatuto e erguido como barreira instransponivel. Quando se trata de
adequar a programacao a vontade dos governantes do momento, o texto
legal e docilmente esquecido.... Para aqueles que detem o poder, desde a
sua implantacao, o que conta e o poder em si mesmo."
(Leal Filho, 1997, p. 59-60)
Os fatos politicos midiatizados sao exercicios de poder
consensualmente planejados nos bastidores dos donos reais do poder. Nao
nos surpreende que a classe politica entenda, pratique e reforce esse
poder. Mudam-se as formas de governo, mudam-se os detentores dos cargos
de comando, mudam-se os partidos no poder, mas o poder real continuara
sendo exercido nos bastidores alheios aqueles reais donos do poder--o
povo.
Eis a dominacao. Eis a ideologia. Eis o retrato permanente da casa
grande e da senzala. O tempo historico muda, mas o fazer historia
continua atrelado a raizes colonialistas: uns poucos mandam, outros
tantos obedecem. Com clareza e argucia, o grande sociologo Herbert de
Souza afirmava que o termometro que mede a democracia numa sociedade e o
mesmo que mede a participacao dos cidadaos na comunicacao (citado por
Rodrigues, 1996).
REFERENCIAS
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--. Ideologia e Cultura Moderna: teoria social critica na era dos
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de Psicologia da PUCRS. Petropolis: Vozes, 2011.
--. A Nova Visibilidade. Traducao: Andrea Limberto. Revista
Matrizes, n. 2, p. 15-38, abr. 2008.
NOTAS
(1) Midia e Politica: Visibilidade e Poder--Edital 02/2010,
Ciencias Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas. Projeto Aprovado pelo
CNPq sob no 400511/2010-0, coordenado por Pedrinho A. Guareschi.
(2) Provincia de Sao Pedro foi uma das provincias do Brasil
Imperial, sendo criada em fevereiro de 1821, a partir da Capitania de
Sao Pedro do Rio Grande do Sul (1807-1821). Com a proclamacao da
Republica brasileira em 15 de novembro de 1889, tornou-se o atual estado
do Rio Grande do Sul.
(3) Utilizamos o caractere "E" seguido de um numero como
forma de apresentar a narrativa sem identificacao do politico
entrevistado.
(4) Na Constituicao de 1988, as CPIs estao regulamentadas no Art.
58, Paragrafo 3: As comissoes parlamentares de inquerito, que terao
poderes de investigacao proprios das autoridades judiciais, alem de
outros previstos nos regimentos internos das respectivas Casas, serao
criadas pela Camara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, mediante requerimento de um terco de seus membros, para a
apuracao de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusoes,
se for o caso, encaminhadas ao Ministerio Publico, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores.(grifo nosso).
Recebido em: 02 set. 2014
Aceito em: 10 out. 2014
Endereco dos autores:
Pedrinho A. Guareschi <pedrinho.guareschi@ufrgs.br>
Maria Isabel Lopes <mariaisabellopes50@gmail.com>
Faculdade de Psicologia da UFRGS
Rua Ramiro Barcelos, 2600--Bairro Santana
90035-003 Porto Alegre, RS, Brasil
Tel.: (51) 3308-5194
PEDRINHO A. GUARESCHI
Pos-doutor em Ciencias Sociais na Universidade de Wisconsin (1991);
Pos-doutor em Ciencias Sociais na Universidade de
Cambridge (2002).
Professor Convidado do Programa de Pos Graduacao em Psicologia
Social e Institucional da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Coordenador do Grupo de Pesquisa Ideologia, Comunicacao e
Representacoes Sociais.
<pedrinho.guareschi@ufrgs.br>
MARIA ISABEL NUNES LOPES
Mestranda em Psicologia Social e Institucional do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
<mariaisabellopes50@gmail.com >