Estudos de esporte na area de comunicacao: um panorama e algumas propostas.
Fortes, Rafael
Sports studies in the communication field: an overview and some
proposal
Um observador atento a dois processos--midiatizacao da sociedade
(Moraes, 2006; Sodre, 2006) e comercializacao do esporte--pode sugerir
que as relacoes entre ambos sejam um campo fertil para os estudos da
Comunicacao. Tal ponto de vista estaria parcialmente correto. Por um
lado, de fato, a relacao entre a penetracao midiatica em multiplos
aspectos da vida social--que alcanca niveis ineditos e tem consequencias
e resultados ainda dificeis de perceber, compreender, interpretar e
analisar--e a exploracao comercial (inclusive midiatica) do fenomeno
esportivo constitui um campo amplo e crescente de analise a disposicao
do cientista. No caso brasileiro, este cenario se acentua com a
realizacao de competicoes como Jogos Pan-Americanos (2007), Copa do
Mundo (2014) e Olimpiada (2016).
Por outro lado, do ponto de vista academico, este terreno permanece
tal qual amplas extensoes do territorio brasileiro: um latifundio
improdutivo--com a diferenca de que, ao contrario do campo rural, o
cientifico conta com escassa mao-de-obra disposta a lavra-lo. Cabe
ressaltar que me refiro a uma area academica em consolidacao, que busca
identidade propria. Considero pouco adequado falar de teoria da
Comunicacao no mesmo sentido em que ha teoria em areas como Psicologia,
Economia e Sociologia. Da mesma forma, a Comunicacao nao constituiu (1)
um olhar proprio, tal como existe na Historia e na Antropologia, por
exemplo. Portanto, a disciplina e recente e seus dominios estao em
construcao--evidencia disso e a definicao do campo em funcao do objeto,
e nao do ja mencionado olhar. Vale destacar que, diferentemente de
outras areas de conhecimento, a Comunicacao tem como foco o fenomeno
esportivo nos meios de difusao coletiva (ou articulado com as
possibilidades de atuacao profissional da Comunicacao), e nao o esporte
em si. Em outras palavras, se preocupa com objetos como as
representacoes midiaticas do esporte, transmissoes ao vivo, jogos
eletronicos em rede, trocas virtuais entre membros de comunidades
reunidas na internet etc.
Ate recentemente, as ciencias humanas pouco exploraram o fenomeno
social esporte (Melo, 2010). Se, por um lado, os notaveis avancos das
tres ultimas decadas--sobretudo na Historia, Sociologia e
Antropologia--impedem a manutencao de um argumento em torno do
"ineditismo", o qual tinha por habito ressaltar as
dificuldades e revelava, de certa forma, um complexo de inferioridade,
por outro, e fato que o numero historicamente reduzido de trabalhos gera
dificuldades para a consolidacao e evolucao (melhoria, aprofundamento,
complexificacao, debates epistemologicos etc.) dos estudos--constatacao
particularmente valida para a Comunicacao.
Feitas estas observacoes iniciais, segue-se o desenvolvimento do
artigo, que obedece a sequencia sugerida pelos organizadores, comecando
com um breve panorama internacional e nacional. Em seguida, aponta
perspectivas e possiveis linhas de trabalho para o avanco e, quica, a
consolidacao dos estudos sobre esporte dentro da Comunicacao.
Brevissimo panorama internacional
Pelo que se pode perceber da producao academica em linguas inglesa,
espanhola e portuguesa, as pesquisas relativas a esporte na Comunicacao
sao poucas, do ponto de vista quantitativo. Ademais, o pouco dialogo e
troca entre autores e pesquisas, a meu ver, nao autoriza que se possa
falar de midia e esporte ou comunicacao e esporte como subareas de
conhecimento e investigacao comunicacional.
Isto se da por algumas razoes. Primeiro, pelo escasso numero de
trabalhos. Segundo, pela pouca circulacao deste material entre os
proprios pesquisadores. Nao cabe aqui especular sobre as causas de tal
fenomeno, mas e importante perceber que os textos frequentemente
recorrem antes a estudos sobre esporte oriundos de outras areas das
ciencias humanas do que aos produzidos em Comunicacao. Terceiro, porque
tal situacao condiz com o cenario da disciplina, no qual reduzidos temas
contam com uma discussao aprofundada e sedimentada, com trocas entre os
autores, obras de referencia e de grande qualidade (reconhecida pelos
pares) etc.
No que diz respeito as entidades cientificas, inexistem grupos de
trabalho (GTs) sobre esporte na Associacao Ibero-Americana de
Comunicacao (Ibercom), Federacao Lusofona de Ciencias da Comunicacao
(Lusocom), Asociacion Latinoamericana de Investigadores de la
Comunicacion (Alaic) (2), International Communications Association (Ica)
(3) e European Communication Research and Education Association (Ecrea).
(4) Ja a International Association for Media and Communication Research
(IAMCR) conta com uma secao intitulada Media and Sport, a qual integra
os congressos da entidade desde, pelo menos, 2002.
Ha um punhado de publicacoes sobre o tema disponiveis em ingles por
editoras de prestigio, entre as quais o livro Sport, Media, Culture na
colecao Sport in the Global Society, publicada pela Routledge
(Bernstein; Blain, 2002). (5) Tal como esta, a maioria das obras
consiste em coletaneas de artigos de pesquisadores diversos. Outro
exemplo e o numero publicado pela revista Razon y Palabra, editada no
Mexico, com um dossie tematico intitulado Deporte, Cultura y
Comunicacion. (6) E sintomatico o fato de boa parte dos autores--e mesmo
dos artigos publicados, a julgar pelos titulos e resumos nao pertencer a
area de Comunicacao. Alguns autores nem mesmo sao pesquisadores
universitarios (cientistas).
A maioria dos trabalhos enfoca a transmissao e cobertura midiatica
dos principais eventos esportivos mundiais--Copa do Mundo de futebol e
Jogos Olimpicos de verao. Radio e televisao ocupam lugar de
destaque--diferenca notavel em relacao aos estudos no Brasil, com se
vera no item a seguir.
Panorama no Brasil
No geral, inexistem linhas e espacos consolidados de discussao e
pesquisa sobre esporte no campo da Comunicacao. Entre as entidades
nacionais de grande porte, a Associacao Nacional dos Programas de
Pos-Graduacao em Comunicacao (Compos), que tem uma politica restritiva e
seletiva em relacao a criacao de grupos de trabalho, nao conta com um
dedicado ao esporte. Idem para a Associacao Brasileira de Pesquisadores
de Historia da Midia (Rede Alcar) e a Sociedade Brasileira de Estudos de
Cinema e Audiovisual (Socine). Poucas comunicacoes sobre o tema aparecem
nos congressos anuais destas associacoes. (7) Em periodicos importantes
da area, ha igualmente raros artigos ligados ao assunto.
A excecao e a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicacao (Intercom), na qual um grupo de trabalho exclusivo sobre
esporte vem funcionando no encontro nacional anual de forma quase
ininterrupta desde, pelo menos, 1999. (8) O futebol ocupa lugar de
destaque (com proporcao sempre igual ou superior a 50% das
comunicacoes), algo compreensivel tanto por sua importancia na sociedade
brasileira quanto pelo peso que tem nos meios de comunicacao, sempre
avidos por audiencia e publico. (9) A Tabela a seguir apresenta ano,
numero total de trabalhos publicados nos anais, numero de trabalhos
relativos a futebol e o percentual aproximado ocupado pelo futebol em
relacao ao todo. Como criterio, considerei estudos relativos a futebol
aqueles que faziam referencia a modalidade (ou a termos claramente
ligados a ela, como nomes de jogadores e de clubes) no titulo, resumo
e/ou palavras-chave. (10)
Contudo, dada a importancia dos esportes no pais e o espaco que
ocupam na programacao das emissoras de radio (destaque para as AMs) e
televisao e nos jornais impressos diarios, o assunto recebe atencao
academica discreta, especialmente se comparado a outros temas e
editorias, como politica, economia e cidade. Isto sem contar veiculos
(jornais, revistas, internet) e programas especificos (sobretudo na TV
por assinatura, a qual detem canais voltados exclusivamente para o
esporte), filmes nacionais e estrangeiros (em que se destacam
modalidades como automobilismo, futebol, boxe e surfe; alem dos esportes
profissionais coletivos que constituem as principais ligas dos EUA (11),
os quais recebem atencao regular de Hollywood) etc.
Do ponto de vista do tipo de midia, observa-se uma notavel
preferencia pelos impressos. A meu ver, isto se explica fundamentalmente
pela facilidade de arquivamento privado e de acesso a acervos publicos
(incluindo a Biblioteca Nacional, destinacao do deposito legal), o que,
de certa forma, gera uma distorcao: radio e televisao--que tem,
disparado, maior impacto e audiencia na populacao brasileira--, somados,
recebem muito menos atencao que os impressos. (12)
A maioria dos trabalhos se debruca sobre a maneira como os meios de
comunicacao (via de regra, um ou alguns programas ou veiculos
jornalisticos) cobre um determinado evento e/ou o desempenho de um
clube, delegacao ou atleta em uma competicao especifica. Neste contexto,
ganha especial visibilidade a cobertura da participacao de atletas e
equipes brasileiros em competicoes como Jogos Pan-Americanos, Copas do
Mundo de futebol e Jogos Olimpicos (de verao). Considerando a atencao
dedicada ao Pan realizado no Rio de Janeiro em 2007, e razoavel supor um
crescimento no numero total de trabalhos dedicados ao esporte nos
proximos anos--e, sobretudo, uma enfase na Copa do Mundo de 2014 e nos
Jogos Olimpicos de 2016, ambos com sede prevista para o Brasil. As
analises privilegiam a discussao de aspectos como brasilidade e
identidade nacional em periodos de Olimpiada e, principalmente, na
cobertura de Copas do Mundo.
Na medida em que a esmagadora maioria das investigacoes trata de
cobertura jornalistica--de competicoes, eventos, partidas, campanhas em
campeonatos, atletas (construcao e desconstrucao de imagens e mitologias
em torno dos mesmos)--, habilitacoes da Comunicacao como publicidade,
relacoes publicas, cinema e producao editorial recebem escassa atencao.
Nao obstante, existem trabalhos relacionando o esporte a relacoes
publicas e marketing (em geral, analisando o trabalho de profissionais
com estas formacoes dentro de empresas ou instituicoes esportivas) e
cinema (analise de filmes sobre futebol). Igualmente dignos de nota sao
os estudos sobre usos de novas tecnologias (sobretudo programas e
dispositivos associados a internet), videogames e jogos em rede, bem
como estrategias de divulgacao e marketing (de clubes, de produtos
midiaticos esportivos) que lancam mao destas inovacoes.
No levantamento realizado, ha temas e objetos abordados em poucos
trabalhos e que merecem desdobramentos. Por exemplo, aqueles que
articulam comunicacao, esporte e questoes como: corpo e estetica (lazer,
bem estar, saude, boa forma, representacoes de genero); politica
(pos-colonialismo, relacao entre governos e politicas para o esporte,
uso do esporte por governos, movimentos sociais e movimentos politicos);
economia (patrocinio, investimento em grandes eventos, merchandising,
futebol como negocio); torcidas (organizadas, mas nao so) e suas
representacoes midiaticas; genero (diferencas e padroes de tratamento da
midia esportiva em relacao a atletas e competicoes masculinas e
femininas, condicoes de trabalho para as jornalistas nas editorias de
esporte da midia corporativa).
Nos ultimos dois ou tres anos observa-se a realizacao de diversos
estudos comparados. Na maior parte dos casos, analisam-se jornais
diarios de cidades, estados ou paises diferentes para observar
semelhancas e diferencas na cobertura de um determinado evento ou
competicao.
Do ponto de vista metodologico, analise de conteudo e do discurso
sao os mais utilizados. Aspectos qualitativos superam de longe as
analises quantitativas (13). Por fim, no que diz respeito as tres
possibilidades principais de analise postas em pratica no campo da
Comunicacao--analise de produtos; analise das condicoes de producao;
estudos de recepcao (14)--, a ampla maioria dos trabalhos enfatiza a
primeira. Raros sao os estudos sobre recepcao e condicoes de producao.
Contribuicoes da Comunicacao Social para os estudos do esporte
O panorama tracado ate aqui deixa claro que a discussao tocante ao
esporte no campo da Comunicacao encontra-se menos avancada--no Brasil e
no exterior--que a travada em disciplinas como Historia, Antropologia e
Sociologia. Contudo, pode apresentar aportes relevantes, na medida em
que muitos estudos das demais areas, ate quando se debrucam sobre um
fenomeno marcadamente midiatico na contemporaneidade como e o esporte,
ignoram ou minimizam o papel dos meios de difusao coletiva. A simples
mencao ao fato de que o povo brasileiro adora ver televisao evidencia o
equivoco desta omissao.
Um aspecto crucial e a contribuicao dos meios de comunicacao para a
divulgacao de modalidades esportivas e seu acompanhamento (via midia ou
in loco) e pratica pelas pessoas. Na medida em que esta contribuicao
raramente esta desacompanhada de interesses comerciais e/ou politicos,
torna-se imprescindivel atentar para as articulacoes e simbioses entre
esporte e corporacoes de midia, as quais se dao sob multiplas formas
(ver nota 11 e item f).
A escolha dos esportes cobertos, bem como as caracteristicas
qualitativas e quantitativas da cobertura, varia no tempo e no espaco.
(15) O fato de uma modalidade "estar na midia" e receber
cobertura ampla e favoravel ajuda bastante a potencializar o publico e
seu interesse e curiosidade. Estes impactos, embora dificeis de aferir,
nao podem de forma alguma ser negligenciados por uma analise que
pretenda compreender os fenomenos sociais.
Alem de ignorarem ou subestimarem o impacto social dos meios de
comunicacao, muitos estudos sobre esporte desconhecem as especificidades
de cada tipo de midia. A analise de impressos, internet, radio,
televisao e outras formas (jogos eletronicos, publicidade em espacos
urbanos, cinema, conteudo para telefone celular etc.) necessita de
compreensao das caracteristicas, dinamicas, principios e limites
proprios de cada meio--os quais, friso, variam em funcao do tipo de
midia e de fatores como periodicidade, recepcao, espaco, circulacao,
rotinas produtivas, duracao, preco, condicoes de acesso, idioma,
legislacao etc.
Nao se trata de cobrar do pesquisador atencao a todas as
caracteristicas mencionadas. Defendo a ideia de que ignora-las significa
abrir mao de aspectos cruciais para a compreensao do fenomeno esportivo
contemporaneo, simplificando e empobrecendo a analise.
Por fim, cabe mencionar a algumas problematizacoes realizadas por
pesquisadores da Comunicacao que levam a necessidade de repensar
aspectos as vezes considerados algo dado (naturalizado) nas ciencias
humanas. Refiro-me a: categorias como praticante, fa e espectador;
mediacoes pelas quais as pessoas travam conhecimento dos esportes
(muitos estudos das ciencias humanas tendem a desconsiderar ou a
naturalizar o fato de que as pessoas veem televisao e ouvem radio); os
processos sociais de atribuicao de valor simbolico, divulgacao e
circulacao, para os quais os meios de comunicacao sao fundamentais.
Um programa de investigacao
Sem a intencao de esgotar os rumos de exploracao possiveis,
apresento algumas propostas a partir do panorama apresentado
anteriormente:
a) Ir alem do futebol. E, dentro do futebol, dos tipos de analise e
recorte usuais.
b) Ir alem da cobertura de grandes eventos. Investigar aspectos
cotidianos, comuns, ordinarios do esporte nos meios de comunicacao
(cenario pouco provavel, admito, considerando a Copa do Mundo e a
Olimpiada no horizonte).
c) Menos ufanismo, mais critica. Certos estudos estao repletos de
ufanismo. Observase uma atitude por vezes pouco critica dos
pesquisadores, seja em relacao ao jornalismo esportivo, seja em relacao
ao mundo do esporte em si. Esta postura aparece com alguma frequencia
nos ja mencionados trabalhos sobre grandes eventos, nos que tratam da
cobertura economica do esporte e nos casos em que o pesquisador tem
envolvimento pessoal e/ou afetivo com uma modalidade ou clube. Seria
preciso relembrar o lugar da universidade como instancia que pensa de
forma critica a realidade? A adocao de uma postura critica sera mais
proveitosa se incluir um debate epistemologico serio entre os
pesquisadores. Sem critica dos pares, dificilmente se conseguira
melhorar a qualidade dos trabalhos.
d) Outras midias, outros olhares. Ampliar o escopo dos objetos
empiricos para alem da midia corporativa e dos principais veiculos e
programas de jornalismo esportivo. Ha um vasto universo de
producoes--populares, democraticas, comunitarias, alternativas, nanicas,
progressistas, independentes, de esquerda ou como se quiser
chama-las--que carecem de estudo no que diz respeito ao esporte. Muitas
delas, e verdade, ignoram o fenomeno esportivo, preferindo abordar temas
como politica e economia. Mas sera que o esporte nunca e pauta? Pouco
provavel. Um exemplo: uma analise de videos produzidos por cooperativas
e grupos de jovens nas periferias das grandes cidades brasileiras, por
exemplo, talvez possa nos dizer muito sobre o esporte tal qual vivido
pelas pessoas comuns e sobre as apropriacoes e usos das novas
tecnologias pelos agentes sociais, ao contrario da cobertura da midia
hegemonica, que se volta quase sempre para um numero reduzido de
competicoes profissionais. A midia corporativa escolhe privilegiar
certas competicoes profissionais em detrimento do esporte do dia-a-dia.
Contudo, isto de forma nenhuma significa que este esta ausente de todas
as formas de producao midiatica. Por um lado, ha todo um mundo que nao
entra na pauta da midia hegemonica; por outro, ha toda uma comunicacao
contra-hegemonica que raramente chega a ser estudada no que diz respeito
a abordagem do tema esporte.
e) Separar senso comum e conhecimento cientifico. Precisamos,
urgentemente, de uma historia da cobertura esportiva midiatica que
dialogue com as ciencias humanas, aprofunde as discussoes e que debata,
desminta e supere uma serie de mitos, tradicoes, anedotas, falacias e
categorias em torno do tema--sobretudo o futebol--que foram criados,
alimentados e continuam sendo disseminados por jornalistas e pela midia,
e que muitas vezes acabam reproduzidos acriticamente pelos
pesquisadores. Este problema nao se restringe a Comunicacao, mas e
bastante grave nela, seja pela incipiencia das discussoes, seja pela
proximidade frequente entre pesquisadores de esporte e universo
investigado. f) Explorar aspectos da comercializacao e promocao do
esporte. Por exemplo, as multiplas formas de associacao a consumo,
marcas, produtos, grupos economicos e empresas. Num certo sentido,
tambem, pensar a subordinacao dos esportes especialmente eventos
profissionais de certas modalidades--as grades de horario das emissoras
de televisao, as quais, ao comprarem os direitos de transmissao
exclusiva, convertem-se em agentes com poder para intervir diretamente
na formulacao e organizacao das competicoes. Alem disso, a logica da
exclusividade muitas vezes impede ou restringe o acesso do publico a
informacao, uma vez que o que sera transmitido (e em que condicoes) e o
que sera excluido e decidido a partir de criterios privados das
emissoras, os quais podem contrariar os interesses do publico. (16) Uma
area particularmente promissora e a dos jogos eletronicos em rede, cujos
estudos podem se debrucar sobre as representacoes do esporte e os lacos
e vinculos estabelecidos pelos usuarios.
Contribuicoes do esporte para a Comunicacao Social
Parto de uma observacao subjetiva: persistem, dentro da
Comunicacao, manifestacoes de contrariedade, estranheza, espanto e
curiosidade em relacao a pesquisa com esporte. Tal postura torna-se
intrigante e incoerente ao se considerar a caracteristica da area de ser
bastante aberta e afeita a novidades teoricas, metodologicas e
tematicas, sobretudo no que tange a tecnologia e suas multiplas
apropriacoes pelos agentes sociais. Este aspecto constitui a primeira
tensao sobre a disciplina--e, em certas situacoes, sobre os
pesquisadores que nela se dedicam a estudar esporte.
A abordagem do fenomeno esportivo aponta para a necessidade de
trabalho interdisciplinar quanto a metodos e teorias. Aqui ha o
encontro--talvez se possa dizer confluencia--de tres eixos: a
caracteristica multidisciplinar e multifacetada do esporte (ver a
introducao deste volume); a constituicao historica da Comunicacao como
um campo interdisciplinar; o carater relativamente recente e ate certo
ponto incipiente tanto do campo da Comunicacao quanto dos estudos do
esporte, especialmente no Brasil--o que torna o recurso a teorias e
metodos das Ciencias Humanas nao apenas desejavel e proficuo, mas
necessario. (17) A inexistencia de uma trajetoria longa e consolidada no
que diz respeito a metodos sem duvida impoe limitacoes. Por outro lado,
significa que muitos caminhos estao por percorrer.
O esporte tenciona tambem a forma como os estudos sobre o mesmo as
vezes se organizam no campo. Isto ocorre na medida em que, ao menos no
quadro atual, um pesquisador que lide com o objeto esporte dentro da
Comunicacao e esteja em busca de referencias--teoricas, tematicas,
metodologicas, epistemologicas etc.--para dialogar, provavelmente
encontrara uma maior quantidade de trabalhos que lhe sejam uteis fora
das pesquisas de comunicacao e esporte do que dentro. Esta observacao se
explica, em parte, pelas ja referidas incipiencia e escassez. Segundo,
talvez seja o caso de se pensar na viabilidade mesma da constituicao de
um subcampo de Midia e Esporte dentro da area de Comunicacao.
O lugar daqueles que realizam estudos que tangem o esporte na
Comunicacao necessariamente se situa em um suposto agrupamento tematico?
Tal posicao se sustenta se forem levadas em consideracao as notaveis
diferencas entre os trabalhos quanto a tema, metodos, teorias, tipos de
midia, recortes regionais, concepcoes epistemologicas e politicas sobre
o esporte e o campo da Comunicacao, entre outros fatores? Isto e,
agrupar os estudos que de alguma forma tocam a questao do esporte em um
subcampo (recortado em funcao desta caracteristica) constitui o unico e
melhor caminho? Ou os pesquisadores e suas investigacoes teriam a ganhar
caso se filiassem a subcampos e grupos de trabalho com maior
consolidacao e acumulo, os quais obedecem a criterios distintos de
agrupamento (tipo de midia, perspectiva politica etc.). Exemplificando:
um trabalho sobre nacionalismo na transmissao de eventos esportivos
poderia, dependendo da abordagem, ser inserido em GTs de acordo com:
tematica (comunicacao e politica; comunicacao e cultura), tipo de midia
(cibercultura; cinema, fotografia e video; som; midia impressa), area
profissional (jornalismo; publicidade), metodologia (analise de
conteudo; analise de discurso; estudo de recepcao), epistemologia
(epistemologia da comunicacao) etc.
Cumpre ressaltar que esta variedade de possibilidades de insercao
para um mesmo artigo cientifico ocorre em todas as ciencias humanas.
Contudo, devido a caracteristicas proprias da Comunicacao--que incluem
seu carater recente, mas de forma alguma se restringem a ele--, tais
delimitacoes e subareas nem sempre se encontram definidas. Com isso,
muitas vezes, trabalhos apresentados num mesmo GT pouco trocam entre
si--metodologicamente, epistemologicamente, teoricamente.
Por fim, um leque de contribuicoes diz respeito aos trabalhos que
dialogam com determinadas linhas teoricas e metodologicas e que podem
contribuir para complexificar e problematizar o uso das mesmas na
disciplina. Cito dois exemplos: as pesquisas que utilizam os
referenciais teoricos dos Estudos Culturais e as que privilegiam a
dimensao narrativa dos fenomenos comunicacionais. o
RAFAEL FORTES
Professor no Programa de Mestrado em Lazer da UFMG/MG/BR.
<raffortes@hotmai l.com>
REFERENCIAS
BERNSTEIN, Alina; BLAIN, Neil (Eds.). Sport, media, culture: global
and local dimensions. London: Routledge, 2002.
BORELLI, Viviane. Cobertura midiatica de acontecimentos esportivos:
uma breve revisao de estudos. In: XXIV Congresso Brasileiro Da
Comunicacao, setembro 2001, Campo Grande. Anais eletronicos... Campo
Grande: Intercom, 2001. Disponivel em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2001/papers/
NP18BORELLI.pdf>. Acesso em: 19 out. 2009.
MELO, Victor Andrade de. Esporte e lazer: conceitos--uma introducao
historica. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010.
MORAES, Denis de (Org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro:
Mauad X, 2006.
SODRE, Muniz. Antropologica do espelho. Petropolis: Vozes, 2006.
NOTAS
(1) E nao sei se vira a constituir, nem acredito que isso seja
necessario--embora, sem duvida, desejavel--sob o ponto de vista
epistemologico.
(2) A Alaic tem 22 grupos tematicos, alguns abarcando temas
especificos como Comunicacao e Saude; Meios de Comunicacao, Criancas e
Adolescentes. Cf. <http://alaic.net/grupostematicos/gtematicos.htm>. Acesso em: 15 out. 2009.
(3) Das 24 areas de interesse listadas, nenhuma trata de esporte.
Ha uma sobre jogos eletronicos. Cf. <http://
www.icahdq.org/sections/sectioninfo.asp>. Acesso em: 18 out. 2009.
(4) Dezessete secoes, nenhuma sobre esporte. Cf.
<http://www.ecrea.eu/divisions/section>. Acesso em 18 out. 2009.
(5) Na verdade, parece tratar-se da republicacao, em forma de
livro, de um numero da revista Culture, Sport, Society (vol. 5, n. 3,
outono de 2002).
(6) Numero 69, julho-setembro de 2009. Cf.
<http://www.razonypalabra.org.mx>.
(7) Borelli (2001) realizou um levantamento e analise da
bibliografia sobre esporte nos estudos de Comunicacao brasileiros.
(8) O nome variou bastante ao longo destes 11 anos: Midia e Esporte
(1999-2000), Midia Esportiva (2001-3), Comunicacao e Esporte (2004,
2006, 2009), Comunicacao e Midia Esportiva (2005). Em 2007 e 2008, nao
funcionou como grupo de trabalho autonomo; integrou o GT Comunicacao
Cientifica.
(9) O levantamento foi feito com base nos anais dos congressos de
1999 a 2009, disponiveis em: <http://
www.intercom.org.br/papers/nacional.shtml>. Acesso em 20 out. 2009.
Alguns trabalhos sobre esportes individuais como natacao e atletismo
centram-se nas representacoes midiaticas de grandes idolos e vencedores
(como a cobertura de uma Olimpiada em que o atleta a ou b conquistou
medalhas e/ou bateu recordes).
(10) Alguns destes trabalhos podem abordar outros esportes alem do
futebol (mas foram colocados sob "futebol"). Da mesma maneira,
trabalhos que nao apresentam referencia explicita ao futebol sob os
parametros utilizados podem contempla-lo em alguma medida (mas foram
colocados na categoria "naofutebol").
(11) Beisebol, futebol americano, basquete e hoquei. Ha que se
registrar, ainda, as relacoes--igualmente pouco estudadas--entre grandes
conglomerados de midia e clubes profissionais: pensemos no magnata da
midia e politico italiano Silvio Berlusconi, proprietario do clube de
futebol Milan; e em times profissionais dos EUA como Anaheim Mighty
Ducks (hoquei), criado pela Walt Disney Company em 1993 (e vendido em
2005), e Atlanta Braves (beisebol), propriedade do grupo Liberty
Media--que, por sua vez, comprou-o do grupo Time Warner. Cf. "Ducks
History", The Official Site of The Anaheim Ducks, disponivel em:
<http://ducks. nhl.com/club/page.htm?bcid=16478>. Acesso em: 15
out. 2009. "Liberty Media Corporation Investment Summary (As of
June 30, 2009)", sitio oficial de Liberty Media, disponivel em:
<http://www.libertymedia. com/asset-list.aspx>. Acesso em: 15 out.
2009.
(12) Isto se torna ainda mais grave se considerarmos que as
emissoras sao concessionarias de servicos publicos e sua atuacao, por
lei, esta sujeita a controle e escrutinio pela sociedade e pelo Estado.
Ora, se nao ha sequer a preocupacao de arquivar e disponibilizar para o
publico (pesquisadores, inclusive) a programacao existente--presente e
passada--, que dira submete-la a criterios claros de avaliacao, de forma
constante, por um mecanismo ou orgao de controle social cuja atribuicao
seja nao apenas de elaborar relatorios, mas tambem subsidiar decisoes
sobre possiveis punicoes, suspensoes de contrato e cassacoes de licenca.
Neste cenario, a obrigacao de conseguir o material recai sobre o
pesquisador, que precisa obte-lo por seus meios (gravando a programacao
no ar, ou seja, ficando limitado a estudar unicamente o presente e o
previsivel) ou contar com a (rara) boa vontade das emissoras--as quais,
de qualquer forma, nao tem as programacoes completas do passado em seus
arquivos.
(13) A explicacao reside, em parte, na falta de transparencia no
mercado de comunicacao. Prodigo na divulgacao de dados de diversos
setores da sociedade, evita a todo custo revelar informacoes sobre si
proprio.
(14) Explicando de forma sucinta e usando a analise de um jornal
impresso como exemplo, as possibilidades dizem respeito,
respectivamente, a: a) analise do jornal em si: o que noticia, como
noticia, de que maneira organiza e distribui o conteudo pelas paginas
(titulos, editorias, fotos, legendas etc.), bem como o conteudo e a
forma; b) condicoes de trabalho: distribuicao e atribuicao de
responsabilidades e funcoes entre os trabalhadores da redacao,
constrangimentos explicitos e implicitos que determinam e limitam o
trabalho dos empregados, criterios para elaboracao dos produtos, edicao,
selecao dos conteudos etc. Os metodos usuais, neste caso, sao
entrevistas e pesquisa de campo; c) como o publico recebe, processa,
interpreta, discute, absorve, rejeita etc. os produtos comunicacionais,
de forma individual e coletiva, bem como os coloca em perspectiva a
partir de valores, premissas, conhecimentos, experiencias etc.
individuais e coletivos. Tais perspectivas nao sao estanques e ha
trabalhos que buscam conjuga-las. Contudo, a maioria privilegia,
intencionalmente ou nao, um dos aspectos.
(15) Dois exemplos: a) durante os anos 1980, as editorias de
esporte de alguns jornais diarios cariocas publicavam prognosticos e
resultados de turfe, bem como simulacao de partidas e comentarios sobre
campeonatos de xadrez. Ambas as modalidades, poucos anos depois,
desapareceram dos veiculos; b) famosa revista de surfe, ao ser lancada,
Fluir se chamava Fluir--Terra, Mar e Ar e cobria tambem bicicross e voo
livre.
(16) Por exemplo, a atuacao das Organizacoes Globo nos ultimos
anos, em associacao com a Confederacao Brasileira de Futebol (CBF) e o
Comite Olimpico Brasileiro (COB). A interferencia nas competicoes cria
situacoes que contrariam flagrantemente interesses coletivos, como jogos
as 22h no meio da semana e decisoes de nao transmitir certas partidas e
competicoes (ou de faze-lo exclusivamente em funcao de interesses
comerciais e editoriais, sem qualquer vinculo com o merito esportivo, o
interesse publico e o direito deste a informacao). Quando os direitos de
transmissao (frequentemente acompanhados de outros direitos economicos)
de uma competicao sao comprados, esta passa a ser "promovida",
de forma a estimular a audiencia: uma serie de insercoes--jornalisticas,
publicitarias, de entretenimento etc.--inunda os veiculos, programas e
emissoras das Organizacoes Globo (nao so aqueles voltados para o
esporte), de maneira a criar e aumentar interesse pelo evento. Por fim,
lembro que as competicoes nao transmitidas em geral sao relegadas ao
ostracismo, assim como aquelas cujos direitos pertentem a uma emissora
concorrente.
(17) Uma das evidencias da incipiencia dos estudos sobre esporte e
a ampla utilizacao, nos trabalhos cientificos, de referencias
bibliograficas nao cientificas, com destaque, nos ultimos anos, para o
livro Jornalismo Esportivo, de Paulo Vinicius Coelho.
Ano Total Trabalhos Percentual
(T) relativos a (F/T)
futebol (F)
2009 27 15 56%
2008 13 8 62%
2007 16 9 56%
2006 12 6 50%
2005 13 7 54%
2004 14 7 50%
2003 19 10 53%
2002 12 7 58%
2001 10 5 50%
2000 7 5 71%
1999 13 8 62%