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文章基本信息

  • 标题:A vida em cor de rosa: o romance sentimental e a ditadura militar no Brasil.
  • 作者:Barros de Andrade, Roberta Manuela ; Honorio Silva, Erotilde
  • 期刊名称:Revista Famecos - Midia, Cultura e Tecnologia
  • 印刷版ISSN:1415-0549
  • 出版年度:2010
  • 期号:May
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Editora da PUCRS
  • 摘要:Na atualidade, uma das grandes questoes que movem os estudos sobre a comunicacao mediada tecnologicamente diz respeito ao desvendamento de suas relacoes com periodos historicos claramente importantes para a politica brasileira. Dentre esses periodos de destaque, ressalta-se, neste trabalho, o ciclo que abarcou o Golpe Militar de 64. Neste contexto, a academia tem procurado, apos a abertura politica, em meados dos anos oitenta, tratar, com multiplos vieses de analises, as interrelacoes entre bens produzidos na cultura de massa e este periodo de excecao. Entrementes, tem-se deixado sistematicamente em aberto reflexoes que abranjam um segmento especifico desta cultura de massa: a literatura popular, em especial, um de seus generos, que se convencionou chamar de romances sentimentais ou que, na nomenclatura francesa, sao conhecidos como romances "cor de rosa".

A vida em cor de rosa: o romance sentimental e a ditadura militar no Brasil.


Barros de Andrade, Roberta Manuela ; Honorio Silva, Erotilde


The life in rose color: the sentimental romance and the military dictatorship in Brazil

Na atualidade, uma das grandes questoes que movem os estudos sobre a comunicacao mediada tecnologicamente diz respeito ao desvendamento de suas relacoes com periodos historicos claramente importantes para a politica brasileira. Dentre esses periodos de destaque, ressalta-se, neste trabalho, o ciclo que abarcou o Golpe Militar de 64. Neste contexto, a academia tem procurado, apos a abertura politica, em meados dos anos oitenta, tratar, com multiplos vieses de analises, as interrelacoes entre bens produzidos na cultura de massa e este periodo de excecao. Entrementes, tem-se deixado sistematicamente em aberto reflexoes que abranjam um segmento especifico desta cultura de massa: a literatura popular, em especial, um de seus generos, que se convencionou chamar de romances sentimentais ou que, na nomenclatura francesa, sao conhecidos como romances "cor de rosa".

O interesse em nos debrucarmos sobre estes romantes esta na pertepcao de que a leitura e uma pratita sotial, historitamente situada que tanto tonstroi novas representacoes sobre o sotial tomo repercute visoes consolidadas pela ordem dominante (Chartier, 1992).

Este e o caso dos romances sentimentais de Corin Tellado que, vendidos a precos populares, em meados dos anos 1960, em bancas de revista, foram uma grande aposta do Regime na repercussao de certos valores, que na optica das classes dirigentes, eram considerados condizentes com a nova ordem social. Esta nova ordem social requeria uma mediacao que atingisse as classes populares, orientando a sua forma de pensar, agir e estar no mundo. Neste quesito, os romances sentimentais, pela sua estrutura narrativa, foram os porta-vozes, de certas representacoes sociais que se adequavam aos ditames das elites no poder.

Um romance sentimental e, antes de tudo, uma obra de ficcao cuja tematica trata de sentimentos e paixoes. Trata-se, pois, de historias de amor que concentram sua atencao sobre os estados emocionais e os conflitos internos das personagens muito mais do que sobre as acoes externas (Samona, 1980). Este novo genero, surgido, na Europa, em fins do seculo XIX, derivado dos romances folhetins, se coloca como um dos carros-chefe da literatura de massa ou popular. Este produto, tipico da industria cultural, pretendendo atender a um novo publico leitor--o feminino--tanto do universo burgues como do popular, adaptou os modelos da alta literatura as exigencias de padronizacao e estereotipizacao da sociedade de consumo.

No Brasil, a entrada do romance sentimental se da no mesmo periodo, em fins do seculo XIX, com o movimento romantico. Nas primeiras decadas do seculo XX ate seus meados, eram vendidos, para as mocas da classe media, em livrarias, por intermedio de colecoes, cujo maior expoente, foi, com certeza, a Colecao Biblioteca das Mocas (Cunha, 1999; Andrade; Silva, 2008; 2009). Este genero encontra sua versao para as classes populares, nos romances de Corin Tellado, vendidos em banca de revistas, pais afora.

Entre os anos de 1965 e 1975, periodo de endurecimento do Regime, que encontra seu apice no AI-5, enquanto a censura modifica estruturalmente a producao dos noticiosos e as telenovelas comecam a se instaurar como genero ficcional soberano, as mulheres das classes populares consomem, pela primeira vez, uma literatura sentimental, essencialmente destinada a elas, encontrada em bancas de revista. Essa literatura, entre meados dos anos 1960 ate fins dos anos 1970, encontra, no Brasil, seu maior sucesso editorial nas Colecoes Trevo, Caricia, Amor, escritas pela espanhola Corin Tellado, que alcancou uma estrondosa popularidade em seu pais de origem, durante o franquismo, expressao que se refere a ditadura militar de Francisco Franco, que dominou a Espanha de 1939 a 1975, periodo de sua morte.

Corin Tellado, pseudonimo da espanhola Maria Del Socorro Amalia Tellado Lopez, esta entre as autoras de romance cor de rosa mais famosas do seculo XX. Tellado teve seu primeiro livro editado em 1946, na Espanha, se tornando rapidamente sucesso editorial em seu pais de origem. Em 1962, com sua popularidade assegurada na Espanha, assina contrato com a editora Bruguera, que abre uma filial no Rio de Janeiro, e assume a traducao das obras de Tellado para o publico brasileiro, ao mesmo tempo em que exporta seus livros para a Argentina, o Mexico, o Chile, a Venezuela, a Colombia, recebendo tambem vultosos investimentos publicitarios.

Em 1962, a UNESCO declara que ela e a autora mais lida na Espanha, atras apenas da Biblia e de Cervantes. Seu esquema de producao permitia que escrevesse uma nova obra a cada cinco dias, perfazendo ao todo mais de 5.000 titulos, em 50 anos de carreira, englobando ainda roteiros adaptados para a TV e o cinema. Na America Latina, num periodo de dez anos, foram publicados mais de 70 titulos de sua Colecao. No Brasil, tal como em seu pais de origem, os livros eram vendidos em formato de livro de bolso, assim chamado pelo seu tamanho menor que o usual (15 cm x 10,5 cm), o que facilitava a sua compra e manuseio pelas classes populares.

Assim, a editora Bruguera objetivava garantir vultosas vendas e para esse fim investia no uso de papel jornal na producao dos livros de Corin Tellado, deixando o chamariz para as capas feitas em cores fortes sobre papel brilhante. Para adaptar a tipografia aos habitos escassos de leitura das classes populares, as letras dos romances eram de tamanhos garrafais e as frases se caracterizavam pelo estilo curto e telegrafico, bem ao estilo dos folhetins do seculo anterior. Essas estrategias chamavam a atencao das jovens leitoras, em meio a outras opcoes frequentes nas bancas, como jornais e revistas daquele periodo. O formato que cabia na bolsa, facilitava a leitura, uma vez que garantia o seu consumo em qualquer lugar, tanto em transportes publicos como em salas de espera de escritorio e hospitais e em intervalos de trabalho. A portabilidade foi, com certeza, uma das razoes do seu exito, aliada a uma estrutura narrativa simples, com personagens estereotipadas, que representavam jargoes que ja circulavam no meio social e eram evidenciados nas historias.

Sao as colecoes desta autora, publicadas no Brasil pela editora Bruguera, o objeto de reflexao deste trabalho. Tal como em seu pais de origem,

acreditamos que estes romances contribuiram para cristalizar visoes de mundo e modelar condutas a partir dos usos de um certo imaginario romantico que foi apropriado pelas elites brasileiras para a consolidacao de um sistema autoritario.

Este sistema autoritario criou uma ideologia, amplamente difundida nos meios de comunicacao, que propiciava a legitimacao social necessaria para a sedimentacao de uma nova sociedade de consumo, baseada na aquisicao de bens de luxo e/ou superfluos.

Esta insercao das classes populares na sociedade de consumo era orientada nao so pela publicidade, mas tambem, pela incorporacao dos habitos e comportamentos protagonizados pela ficcao de Corin Tellado. As tramas desta autora apresentavam um universo no qual as idas aos clubes, a frequencia a restaurantes, a aquisicao de carros e lambretas, as viagens de ferias estavam incorporadas aos habitos de vida de seus personagens. Tais habitos de consumo compactuavam com a aura de modernizacao que envolvia o Brasil neste periodo.

Estes romances, apesar de nao fazerem referencias a eventos politicos especificos nem a simbolos nacionais, enfocavam visoes sobre decencia, honestidade, forca de carater, que embutidas em relacoes desiguais de genero, auxiliaram na preservacao do status quo daquele periodo. A escolha pela analise dos romances sentimentais de Corin Tellado, como representantes de valores necessarios a nova ordem politica, esta baseada em duas premissas. A primeira diz respeito a sua popularidade entre as mulheres das classes populares, o que garante a sua legitimidade como objeto de estudo, uma vez que, seu sucesso editorial atingiu a um segmento da sociedade brasileira ainda pouco estudado pela academia; a segunda deve-se ao uso da ficcao transmitir atitudes e valores sociais que o poder estabelecido percebia como necessarios a consolidacao do regime ditatorial no Pais.

Neste sentido, as criticas correntes de que neste tipo de literatura o social, o politico e o economico estariam ausentes, de que as personagens existem num vacuo, parece carecer de sentido. O ambiente, as atitudes e comportamentos das personagens inseridos nestes romances nos indicam a presenca de um conjunto de pressupostos que, no periodo historico em questao, refletiram os valores dominantes das elites militares/ burguesas que governavam o pais.

A caracteristica mais forte apresentada nesta escritora era a destricao dos habitos e comportamentos de uma classe media urbana, que se adequava aos sonhos de consumo inseridos nos sistemas midiaticos e que sustentavam a politica economica que culminaria no Milagre Economico Brasileiro.

Deste modo, vendidas a baixo custo em bancas de jornal, suas historias visavam, prioritariamente, a um publico leitor feminino em processo de urbanizacao. Este impulso para a "modernizacao" dera seus primeiros passos na era Kubitschek, no seu projeto desenvolvimentista ousado de realizar 50 anos de progresso em 5 anos de acao politica. Esse ideal desenvolvimentista foi consolidado num conjunto de objetivos a serem concretizados em varios setores da economia. A principal mudanca de seu governo nos tramites historicos foi a construcao de Brasilia e a transferencia da capital federal para o novo territorio (Singer, 1981). Neste sentido, a ideia do desenvolvimento estava baseada na vida urbana industrializada. Segundo Figueiredo (1998), a cidade e a industria cabia um papel civilizador. Esse papel aparecia em varios anuncios da epoca como o da Eletrobras que preconizava "energia para as cidades, desenvolvimento para o interior".

As metas eram grandiosas e, em sua maioria, alcancaram resultados considerados positivos. O crescimento das industrias de base, fundamentais ao processo de industrializacao, foi de praticamente 100% no quinquenio 1956-1961. O avanco economico aliado a praticas democraticas, apesar do aumento da inflacao e das consequencias dai oriundas, deram ao povo a sensacao de que sair do atraso economico era possivel. A sociedade adquirira uma expectativa de modernizacao, ideal cuja realizacao dependia da chegada do progresso que se alicercaria na transformacao de uma economia agraria para uma etapa de crescimento industrial e urbano (Figueiredo, 1998; Singer, 1981).

Neste contexto, as classes menos favorecidas ja podiam gozar do privilegio de usufruir das incitacoes de desejos da nova sociedade de consumo. No entanto, esta demanda esteve em perigo, apos Kubitschek, com o governo Goulart e o medo das elites da ascensao do regime comunista no Pais. No campo da politica, a "crise" foi solucionada pela instauracao do Regime de Excecao de 1964. O golpe militar de 1964 garante, assim, a uma emergente classe media a continuidade de um novo status social e apregoa para as classes populares a possibilidade de entrada na sociedade de consumo. Mas, apesar dos ideais modernistas, o Brasil vivia um processo desordenado de urbanizacao.

Grande parte da populacao ainda era analfabeta ou semianalfabeta, morava em bairros de periferia, trabalhava em locais distantes desses bairros. A escola, quando havia, era precaria e o atendimento a saude tambem de dificil acesso. Os equipamentos culturais disponibilizados pelo Estado eram muito escassos e os existentes mal chegavam para a fruicao das elites economicas. Na politica, imperava as oligarquias que realizavam aliancas entre si e entre o poder religioso. Mas, enquanto esse cenario se formava, a juventude mais seleta socialmente ouvia os acordes da bossa nova enquanto as classes populares, pela primeira vez, se deliciavam com a leitura de Corin Tellado.

Amor Romantico, ideologia e controle social

Os romances de Corin Tellado representam uma percepcao do amor, construida, datada e ordenada no que a literatura especializada chamou de amor romantico. O ponto central de sua obra, tal como em seus congeneres, conjuga sexo, amor e casamento, propondo um amor reciproco e indissoluvel, cuja finalidade ultima e a felicidade (Aries, 1987). Em Corin Tellado, ao mesmo tempo em que o amor romantico abarca a sexualidade, ele tambem rompe com ela, pois, ali, o amor sublime deve predominar sobre o ardor sexual. Neste sentido, da-se um novo significado para a "virtude", que passa a compreender qualidades do carater de uma pessoa, o que a distingue das demais.

O romance ideal, em Tellado, assim tomo a emocao ideal estao cirtunscritos a nocoes que aliam o amor a paixao, legitimados por sentimentos de posse.

Assim como a proposta de unidade entre amor e sexualidade foi fundamental para o amor romantico (Lazaro, 1996)--proposta esta que faz com que o casal busque um no outro tanto satisfacao amorosa quanto sexual--, tambem foram as ideias de reciprocidade e de exclusividade, tipicas da estrutura narrativa de Corin Tellado. O amor devia se realizar completa e simultaneamente com reciprocidade e era a unidade de sentimentos que dava sentido e sustentacao ao relacionamento. A relacao amorosa era percebida e vivida como um investimento emocional a dois, mas nao "quaisquer dois", e sim dois individuos especificos, exclusivos, que com suas proprias "virtudes" despertavam um no outro o amor (Giddens, 1993.).

Mas, se a escolha amorosa romantica deveria ser realizada livremente e em funcao do compartilhamento de amor e desejo, sendo a reciprocidade de sentimentos que dava sentido e sustentacao ao relacionamento, e de se supor que este estado pudesse nao perdurar para sempre, que ele se esgotasse e deixasse os individuos livres para mais uma expedicao conjunta e extensa. Assim, para tentar neutralizar um certo direcionamento que poderia ousar romper o tecido social das relacoes dominantes, o amor romantico e domesticado. Ao ser levado para dentro do casamento, o amor romantico e apaziguado porque colocado como alicerce para um casamento eterno, consolidando, desta feita, a coesao da familia (Vainfas, 1986). Assim, a juncao de sexualidade e amor no casamento torna-se fundamento da relacao e modo de controle das vidas privadas, perdendo, assim, seu carater transgressor e inovador.

Destarte, qualquer referencia a revolucao sexual que ocorria em determinados paises ocidentais, neste mesmo periodo, era barrada. Neste contexto, os romances tinham a funcao de denunciar o desregramento sexual oriundos de certos paises europeus e norte americanos, cuja liberalidade apontava para segmentos da elite em franco declinio moral. Num contexto de censura e restricoes que caracterizou a ditadura militar brasileira, a autora escrevia historias de amor nas quais obrigatoriamente a heroina era descrita como uma atraente mulher que precisava de abrigo-protecao de um parceiro que a sustentasse e mantivesse dentro da epoca e da moral vigente. Esta caracterizacao obedecia, desta forma, tanto aos ditames morais da ditadura militar espanhola quando aos da brasileira, sendo uteis aos governos totalitarios desses paises.

Durante a ditadura, a nocao de amor romantico de Tellado agradava aos dois regimes de excecao por duas razoes. Os censores do poder nao permitiam a publicacao de material que fizesse referencia a comportamentos sexuais. Os encontros casuais ou de natureza mais desinibida eram interditados pela censura e pelos editores porque poderiam ser percebidos como contrarios a moral e aos bons costumes. A narrativa tinha, assim, seu desfecho com o casamento catolico. O controle governamental por todas as formas de publicacao, incluindo historias de amor, significava a impossibilidade de aceite de relacoes fora do paradigma do amor como atracao heterosexual que culminava no casamento como resolucao do enredo. Assim, nao existia final sem o amor romantico e nenhum amor romantico poderia existir sem a virgindade, virgindade requerida como sacrificio, sacrificio que com certeza e cedo seria recompensado pelo casamento.

A autora encontrou e repetiu uma formula extremamente eficaz: as mulheres so tem valor quando resistem ao sexo fora do casamento e nenhum homem respeitara uma mulher que se entrega antes do matrimonio, sacramentando, desta feita, as rigidas regras invisiveis do espaco domestico e suas funcoes no social. Assim,

os romances de Corin Tellado fomentavam, no imaginario de suas jovens leitoras, a resignacao, a preservacao da virgindade e a abnegacao frente a perfidia masculina.

Entre corredores que cheiravam a odor de repolho cozido, de correntes atadas as maquinas de costura e as missas diarias, as classes populares sonhavam com seu principe encantado.

Nas tramas, em geral, as heroinas compartilham uma dramatica experiencia de sofrimento e de virtude imaculada. Em geral, como e usual nestes livros, o sofrimento vem de um isolamento do social (no caso de serem orfas), de empobrecimento economico ou de maus tratos de parentes desalmados. A virtude e usualmente apresentada como um modo de submissao aos ditames morais do catolicismo, em especial, na forma da virgindade. A combinacao de sofrimento e virtude e recompensada ao final da trama pelo exito no casamento. O homem nao so complementa perfeitamente a mulher, mas tambem, e a solucao ideal para seus problemas. Os romances de Corin Tellado frequentemente tem descricoes de beijos e abracos apaixonados, mas apesar de conter personagens femininas que sugerem um sexo pre-marital com seus parceiros, efetivamente o ato nao se concretiza ate o casamento, sendo condicao para a sua realizacao.

Este imperativo da virgindade chega a construir uma moralidade que legitima o uso da violencia fisica para constranger o outro no ato sexual. Em Primeira Noite de Casados, Maud pensa ter sido estuprada, apos um desmaio resultante de uma briga, gerada por ciumes, na qual Marx, seu primeiro amor, fora de si, a forca com beijos a aceitar suas ousadias. Ao se recuperar do desmaio, Maud acaba aceitando sua proposta de casamento porque, segundo Marx, nenhum homem honesto querera para esposa uma mulher "marcada" por outro, independente desta ter ou nao colaborado para o ato em si.

Desta feita, o governo vigiava a literatura de massa e esta funcionava como um mecanismo eficiente para conduzir e controlar o processo de producao de ideias no Pais. No Brasil, a midia trabalhava em conjunto com o ideario difundido por tal literatura, promovendo certos tipos de imagens cuja formula agregava valor ao engajamento dos autores e editores a esta ideologia que propagava a continuidade das desigualdades nas relacoes de genero. Neste principio de intertextualidade, as revistas destinadas ao publico feminino ilustravam como casais famosos que nao selecionavam parceiros conforme as normas do amor idealizado eram objeto de criticas, olhados com desconfianca, como eram os casos das artistas de teatro, de radio e da TV. No enredo, as mulheres eram sempre alguns anos mais jovens que seus parceiros e com padrao economico inferior ao dos seus companheiros. O homem tinha que ser forte, ter nivel economico e exibir uma alta educacao. Ele deveria repassar preceitos sociais a sua parceira, enfim, era o "cabeca" do casal.

Neste contexto, o amor romantico que passou a servir de alicerce para o casamento burgues, marcado pela enfase no amor eterno, pela liberdade de escolha e pela exclusividade e reciprocidade dos parceiros, reproduzia uma ordem que confinava a mulher a esfera privada (Del Priori, 2006). Portanto, nestes romances, os papeis masculinos e femininos eram bem demarcados, vigiados e cumpridos a risca. No romance Carolina, se a heroina da historia, iniciava a trama insatisfeita com o casamento, nao era porque estava confinada ao aprisionamiento da esfera privada, mas porque nao havia aprendido a revelar seus verdadeiros sentimentos ao marido e ainda era incapaz de compreender os sentimentos deste em relacao a si propria.

As promessas do amor romantico, assim, se definem pela satisfacao sentimental, jamais pela mudanca da ordem social. Esta ideia serviu essencialmente ao regime de excecao. Neste contexto, a felicidade iria re-energizar, fortalecer, o homem que se confrontava cotidianamente com as adversidades da vida laboral, publica, e que chegava em seu "lar" necessitando do amparo, da compreensao e do amor de sua esposa. (Lipovetsky, 2000). Assim, no amor romantico temos a criacao do "lar" como um ambiente distinto do trabalho, onde, ao menos a principio, o individuo poderia encontrar apoio emocional. Incentivadas a ocupar tal lugar na ordem social, as expectativas e sonhos das jovens leitores de transformacoes estavam vinculadas ao casamento, que significava o encontro com a felicidade.

Com o casamento, estava em jogo, para estas jovens mulheres da classe popular, a possibilidade de satisfacao amorosa, de ter acesso a um novo estilo de vida e a uma mudanca no rumo de seus destinos. Assim,

os romances de Corin Tellado, ao mesmo tempo em que tornavam possiveis sonhos de intensidade emocional, colocavam esta mesma mulher, em situacao de dependencia do homem provedor, presa a esfera domestica, destinada a cuidar dos filhos e da casa (Costa, 2005).

Cabia, pois, a mulher, contribuir para a construcao de um espaco privado acolhedor, protetor, que se contrapusesse a subjetividade, dificuldades e frustracoes da vida cotidiana publica, a qual, ela nao deveria fazer parte. Quando, em Carolina, a protagonista pensa em se separar do marido, devido a ciumes infundados de ambas as partes (principal razao dos desentendimentos dos casais em Corin Tellado), e procura sua mae, apos uma discussao na qual foi estapeada, a mae nega a possibilidade de separacao, afirmando que o sofrimento fazia parte da vida das mulheres, e aconselhando-a a nao ser tao provocadora dos instintos primitivos dos homens. Essa era, para Corin Tellado, a formula para o casamento burgues bem sucedido, a ser seguido pelas mulheres populares deste periodo.

A ordem do coracao e o conformismo social

O prazer na leitura de Corin Tellado parece, assim, derivado da habilidade da narrativa em negociar e resolver as desigualdades de poder nas relacoes de genero atraves do triunfo do matrimonio que supera toda e qualquer adversidade. (Radway, 1987). Segundo Mattelart (1982), nas historias romanticas esta "ordem do coracao" invalida qualquer forma de luta contra as desigualdades sociais, apesar de sua existencia ser admitida, porque difunde a ideia de que somente o amor ultrapassa barreiras. Nao somente a solucao e individual--nunca coletiva--mas esta sempre ligada a um milagre. O amor passa a ser a explicacao universal que resolve as contradicoes sociais, negando-as.

Neste sentido, a nocao do amor romantico, se presta, ao controle e vigilancia sobre as praticas consideradas inapropriadas pela ordem dominante vigente no Brasil. Este controle era exercido pelas familias, pelos puritanos e moralistas com o objetivo de cercear as possibilidades de movimento ou mudanca dos individuos, regular suas relacoes de intimidade, exigir deles autocontrole e impor restricoes as satisfacoes sexuais e sentimentais. A obra de Corin Tellado parece revelar uma estrutura conformista, baseada no uso de certa estrutura melodramatica, herdada do folhetim, que se centra na construcao/ solucao dos obstaculos que separam um par romantico heterossexual. Nesse sentido, o romance parece ser uma forma dramatica cujo enredo sentimental sacrifica caracterizacoes por extravagantes incidentes, fazendo sensacionais apelos as emocoes que terminam sempre em licoes morais. As personagens, nessa optica, sao tomadas por suas emocoes violentas, dentro das quais parece nao haver lugar para a reflexao, para o distanciamento intelectual ou para a relativizacao.

Estes romances expoem praticas morais particulares que distanciam seu publico alvo dos movimentos de liberacao sexual tolerados nas sociedades democraticas. Ao contrario, tais enredos propagam ideais de romance e amor que reforcavam certo comportamento sexual que compactuava com interesses politicos e religiosos, em especial, os da Igreja Catolica, aliada tanto do franquismo quanto do militarismo brasileiro, pelo menos, em seus primeiros anos, continuando a ser uma referencia para a sociedade brasileira, durante todo o periodo de excecao pelo qual o pais passou.

A leitora decente deveria encontrar uma forma de negociar suas concepcoes de amor, sexo, casamento com uma so pessoa, que deveria ser do sexo masculino, de preferencia, honesto, trabalhador e cumpridor de seus deveres sociais. Entre esses deveres, cumprir o que manda a lei, parecia ser o maior deles, o que servia, de forma, seminal aos ditames do regime. Se nao fossem partidarios desse comportamento, eram tratados como licenciosos, e rapidamente, passavam a pertencer ao grupo de viloes da trama. Assim, as pessoas decentes deveriam compreender os limites dessa fronteira, utilizando-se das armas de um codigo moral hipocrita que as governava. Quem nao estava dentro dessas fronteiras, era denominada de divorciada, mae solteira e/ ou prostituta e jamais apareciam nestes romances, nem sequer em posicao secundaria.

Assim, os romances cor de rosa contribuiam para o governo militar reconstruindo o Brasil. Os textos ficcionais estavam ali para refletir as virtudes da nova classe media, e para preservar estas virtudes. Suas experiencias deveriam ser adaptadas a partir dos moldes estabelecidos pelo regime. Neste contexto, os romances alcancaram seus objetivos. Os finais felizes, entre pessoas de bem belas e bem sucedidas, serviam para mascarar a miseria do pais, para aqueles que nao estavam sendo beneficiados pelo milagre economico. Ao mesmo tempo em que a energia sexual dos individuos era sublimada, o controle ideologico e etico da Igreja e do Estado estava preservado.

REFERENCIAS

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VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no ocidente cristao. Sao Paulo: Atica, 1986.

Roberta Manuela Barros de Andrade

Professora dos Cursos de Ciencias Sociais, Historia, Geografia e Servico

Social da UECE/CE/BR

manubarros@secrel.com.br

Erotilde Honorio Silva

Professora do Curso de Comunicacao Social da UNIFOR/CE/BR

eroh@unifor.br
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