Imagens do inconsciente visivel em tramas de comunicacao e violencia.
Menezes Martins, Francisco ; Meimes, Lívia
O sonho �� a tentativa de satisfazer um desejo (Freud) Aprenda
a viver, descanse quando morrer. Tudo que voc�� precisa est��
dentro de voc�� (Tyler Durden; Clube da Luta)
Das possibilidades de abordagem da alma humana e sua complexidade
interpretativa e comunicativa, o presente artigo prop?e a
alian?a nietzschiana com aspectos sociol��gicos da
psican��lise freudiana e, a partir de perspectivas te��ricas do
atual e do cotidiano, do consumo e da cultura liberal.
Os verbos que conjugam a posse e a exist��ncia parecem, cada
vez mais, indissoci��veis no ambito de uma cultura de mercado
que tem como religi?o, seu pr��prio do modo de vida. A proposta
�� enla?ar os conflitos surgidos no embate entre inconsciente e
ego e sua exterioriza??o comunicacional. Em caminho inverso
�� contornar os valores humanos como press?o exterior para a
incorpora??o da moral, culpa, recalque e neuroses. Assim,
entendese que a comunica??o ou a falta dela, problematizam as
percep??es de mundo ao estarem em todo o processo. A medida
dos movimentos �� visualizada na consci��ncia, levando em conta
que:
a consci��ncia n?o faz parte realmente da exist��ncia
individual do ser humano, mas antes naquilo que nele �� natureza
comunit��ria e greg��ria (...) cada um de n��s, com toda
vontade que tenha de entender a si pr��prio da maneira mais
individual poss��vel, de 'conhecer a si mesmo', sempre
traz �� consci��ncia justamente o que n?o possui de
individual, o que nele �� 'm��dio' - que nosso
pensamento mesmo �� continuamente suplantado, digamos, pelo
car��ter da consci��ncia - pelo 'g��nio da
esp��cie' que nela domina - e traduzido de volta para a
perspectiva greg��ria (Nietzsche, 2004, pp.249-250).
Produ??es cinematogr��ficas como o "Clube da
Luta", projetam seus discursos para al��m da grande tela e se
convertem em "totens" (Maffesoli, 1995), permanecendo latentes
no imagin��rio contemporaneo. Assim como "Laranja
Mecanica", "Assassinos por Natureza", "Kill
Bill" e "Um dia de f��ria", entre outras, s?o
consideradas obras de culto da p��s-modernidade, que inscrevemse,
aqui, no presente texto, como um estado de "p��s orgia":
"O momento explosivo da modernidade, o da libera??o
pol��tica, libera??o, sexual, libera??o das
for?as produtivas, libera??o das for?as destrutivas,
libera??o da mulher, da crian?a, das pulsa??es
inconscientes..." (Baudrillard, 2004, p. 9).
Tratam de conflitos internos da alma humana e de sua
rela??o externa com a sociedade: "a psican��lise
tomou como tema a mente individual, mas, ao fazer
investiga??es sobre o indiv��duo, n?o podia deixar de
tratar da base emocional da rela??o dele com a sociedade"
(Freud, 1974, p. 223).
Os filmes se sucedem, pois esses argumentos demonstram a quase
impossibilidade de fuga do homem diante de seus pr��prios espelhos.
"Vivemos na reprodu??o indefinida de ideais, de
fantasmas, de imagens, de sonhos que doravante ficaram para tr��s e
que, no entanto, devemos reproduzir uma esp��cie de indiferen?a
fatal" (Baudrillard, 2004, p.10).
O presente artigo tem como objetivo explorar n?o apenas um
filme, mas um imagin��rio que liga o interior da alma, neste caso,
com uma forma??o tribal dentro da pr��pria obra, al��m
de reverbera??es nas pr��ticas da cibercultura.
"Clube da Luta", ou "Fight Club", com
dire??o de David Fincher (1999) �� uma f��bula em que
O intenso sentimento de culpa, que domina tantas neuroses constitui
uma modifica??o social da ansiedade neur��tica. Por outro
lado, a psican��lise demonstrou plenamente o papel desempenhado
pelas condi??es e exig��ncias sociais como causadores de
neurose. As for?as que, operando desde o ego, ocasionam a
restri??o e a repress?o do instinto devem
fundamentalmente sua origem �� submiss?o ��s
exig��ncias da civiliza??o (Freud, 1974, p. 224).
N?o h�� linha de fuga diante da press?o
contemporanea. Em seus estudos sociol��gicos, Freud nos mostra
uma psican��lise indissoci��vel das pr��ticas sociais.
"O que hoje �� um ato de coibi??o interna foi outrora
externa, imposto, talvez, pelas necessidades do momento. Da mesma
maneira, o que hoje se aplica a todo indiv��duo em crescimento como
uma exig��ncia externa da civiliza??o, poder�� um dia
tornar-se uma disposi??o interna �� repress?o"
(Freud, 1974, p. 224).
Al��m de neur��tico, o personagem Jack (vivido pelo ator
Edward Norton) �� consumista ao extremo. Compra qualquer coisa
��til ou in��til, online ou por telefone, a qualquer hora do
dia. Sofre de ins?nia por causa da impot��ncia existencial.
Devora cat��logos de m��veis e utens��lios em geral.
Coleciona objetos que nunca consome. O ato de comprar equivale ao prazer
predat��rio. Acalma e soluciona temporariamente as
frustra??es profissionais e, principalmente, interiores. De
alguma forma, o prazer da conquista escapa da guerra e da ca?a e
cai nas pr��ticas de consumo:
Comprar e vender s?o agora comuns, tal como a arte de ler e
escrever; cada qual se exercitou nisso, mesmo n?o sendo comerciante
e pratica diariamente essa t��cnica. Assim como outrora, os seres
humanos eram mais selvagens, cada um era ca?ador e exercitava, dia
ap��s, dia, a t��cnica da ca?a. (...) Ao deixar de ser
necess��ria, torna-se luxo e capricho. O mesmo poderia suceder algum
dia com a atividade de comprar e vender. Podemos imaginar
condi??es sociais que n?o se compra e vende, em que
�� gradualmente perdida a necessidade dessa t��cnica: talvez,
ent?o, pessoas menos sujeitas �� lei das condi??es
gerais permitam-se comprar e vender como um luxo da sensibilidade.
S�� ent?o o com��rcio adquiriria nobreza, e os nobres
talvez se dedicassem a ele de t?o bom grado como a guerra e ��
pol��tica at�� o momento: enquanto a aprecia??o da
pol��tica poderia ter mudado completamente. J�� agora ela
est�� deixando de ser of��cio do homem nobre, e ��
poss��vel que ela venha a ser considerada t?o comum, que seja
posta sob a rubrica de "prostitui??o do
esp��rito", como tudo o que se escreve para os partidos e
jornais (Nietzsche, 2001, p.80).
�� quando uma gera??o abandona a voca??o
guerreira e disponibiliza altas doses de energia pessoal e coletiva em
cultuar o consumo no extremo da religiosidade servil, em plena
"Servid?o Volunt��ria" (Baudrillard, 1995) ou
formando uma "Gera??o de Senhoritos" (Ortega y
Gasset, 1993).
Em outras palavras:
Da�� o paradoxo da era p��s-moralista: quanto mais se
manifestam os desejos de autonomia individualista, mais as
a??es morais de generosidade s?o impulsionadas,
estimuladas pelo exterior. Quanto mais h�� exig��ncia de
autogoverno, mais a vida moral �� tribut��ria de palavras, de
imagens, de mensagens exteriores a n��s mesmos (Lipovetsky, 2003,
p.29)
Da rela??o de poder e domina??o entre a
nega??o da vida e vontade de afirma??o (Nietzsche,
2004) o personagem de Norton faz surgir, na visibilidade exterior de sua
pr��pria neurose, um vendedor de sab?o feito com gordura
humana, Tyler Duren (Brad Pitt), seu superego. Neste ponto vale
ressaltar a quest?o do consumo de qualquer res��duo
organico, social, industrial ou digital pela pr��pria sociedade
das pr��ticas de consumo.
Reciclar a gordura extra��da de pacientes obesos que se
submeteram �� cirurgia de lipoaspira??o, �� uma
��cida cr��tica ao canibalismo est��tico e consumista da
cultura dos Estados Unidos, como p��lo de irradia??o, mas
tamb��m de todo o Ocidente, que �� atingido por cont��gio.
Pela "virul��ncia dos signos" (Baudrillard, 2004).
Nega??o cont��nua, ressentimento, recalque. Ao longo
da pel��cula, o inconsciente se torna vis��vel, superego
dissociado, mas incorporado como imagem. Tr��s pessoas dentro de um
corpo. Triangulo da pr��pria alma.
O processo se d�� em tr��s fases:
1 A primeira fase est�� dividida. Na primeira parte do filme, o
personagem est�� Perdido de si e do mundo. �� inferior e fraco.
Seu padr?o de Consumo �� compulsivo ao extremo, atuando como
religi?o. Ins?nia sem cura, culpado por si e por n?o ter
prazer duradouro ap��s comprar tudo.
H��, ent?o, uma mudan?a na maneira de Jack lidar com
o conflito de seu inconsciente com seu superego. Parte para um tipo de
voyeurismo s��dico, intera??o com o inferno existencial de
grupos de doentes perto da morte. Suic��dio em pot��ncia de si e
de seu pr��prio recalque.
2 Na segunda fase, h�� a majorit��ria influ��ncia do
superego na comunica??o existencial com o mundo exterior.
Tyler diz que as coisas que nos pertencem acabam tomando conta de
n��s. S�� depois de perder tudo �� que ficamos livres para
fazer qualquer coisa (Tyler-Durden).
O inconsciente parece render-se �� for?a. O inverso de si
mesmo predomina. Surge Tyler, o dominador, dogm��tico, l��der,
superior, forte. O superego traz filosofia de for?a ��
impot��ncia existencial de Jack:
Voc�� abre a porta e entra
Est�� dentro do seu cora??o
Imagine que sua dor �� uma bola de neve que vai
curar voc��
Esta �� sua vida
�� a ��ltima gota pra voc��
Melhor do que isso n?o pode ficar
Esta �� sua vida
Que acaba um minuto por vez
Isto n?o �� um semin��rio
Nem um retiro de fim de semana
De onde voc�� est�� n?o pode imaginar como ser�� o
fundo
Somente ap��s uma desgra?a conseguir�� despertar
Somente depois de perder tudo, poder�� fazer o que
quiser
Nada �� est��tico
Tudo �� movimento
E tudo esta desmoronando
Esta �� sua vida
Melhor do que isso n?o pode ficar
Esta �� sua vida
E ela acaba um minuto por vez
Voc�� n?o �� um ser bonito e admir��vel
Voc�� �� igual �� decad��ncia refletida em tudo
Todos fazendo parte da mesma podrid?o
Somos o ��nico lixo que canta e dan?a no mundo
Voc�� n?o �� sua conta banc��ria
Nem as roupas que usa
Voc�� n?o �� o conte��do de sua carteira
Voc�� n?o �� seu cancer de intestino
Voc�� n?o �� o carro que dirige
Voc�� n?o �� suas malditas cal?as
Voc�� precisa desistir
Voc�� precisa saber que vai morrer um dia
Antes disso voc�� �� um in��til
Ser�� que serei completo?
Ser�� que nunca ficarei contente?
Ser�� que n?o vou me libertar de suas regras r��gidas?
Ser�� que n?o vou me libertar de sua arte inteligente?
Ser�� que n?o vou me libertar dos pecados e do
perfeccionismo?
Digo: voc�� precisa desistir
Digo: evolua mesmo se voc�� desmoronar por dentro
Esta �� sua vida
Melhor do isso n?o pode ficar
Esta �� sua vida
e ela acaba um minuto por vez
Voc�� precisa desistir
Estou avisando que ter�� sua chance (Tyler Durden).
O conflito Jack/Tyler encontra na dor a forma de
resolu??o, e no sangue, a forma de purifica??o. Em
raz?o do pr��prio t��tulo, as luzes da m��dia e o
pr��prio imagin��rio da "ap��s a orgia" centraram
nesta parte da obra, suas maiores aten??es. O clube surge como
exterioriza??o, imagin��rio tribal e organiza??o
interna digna da Sociedade Disciplinar (Foucault, 1983). Em termos de
pr��ticas da cibercultura nas redes sociais, como orkut ou my space,
e potencializados pelas pr��prias cenas do filme no youtube.com, as
cenas de luta, mas principalmente, as regras, como comando de voz em
nome do segredo, s?o cultuadas:
As 8 regras do Clube da Luta
1. Voc�� n?o fala sobre o Clube da Luta
2. Voc�� n?o fala sobre o Clube da Luta
3. Quando algu��m gritar "p��ra!", ficar no
ch?o ou desmaiar, a luta acaba
4. Somente duas pessoas por luta
5. Uma luta de cada vez
6. Sem camisa, sem sapatos
7. As lutas duram o tempo que for necess��rio
8. Se for a sua primeira noite no clube da luta, voc�� tem que
lutar
Chama a aten??o a repeti??o das regras 1 e 2
como forma neur��tica de negar a exist��ncia interna de algum
segredo a partir de sua comunica??o. A plenitude da cis?o
entre oculto e revelado. O mundo interior, ainda que na fronteira da
alma e da tribo, permanece intocado, escondido, intoc��vel em seus
rituais e purificante como exorcismo coletivo.
As demais regras dizem respeito �� regula??o interna
do clube. S?o geradoras de imagin��rio hooligan e espalham a
id��ia de que o filme �� n?o apenas violento, mas
plataforma de lan?amento para casos ocorridos de viol��ncia
f��sica e social, como nos Estados Unidos e no Brasil, quando um
jovem que assistia ao filme em um shopping center de S?o Paulo,
tornou-se um serial killer de apenas uma cena, quando come?ou a
disparar com uma metralhadora dentro da sala escura. O detalhe da
dissocia??o hipod��rmica argumentada �� que n?o
aparecem armas de fogo ao longo do filme. Seria um s��mbolo
f��lico dispens��vel, avan?ando nas hip��teses
freudianas, dado que o superego de Jack era pr��digo neste aspecto,
o filme traz um triangulo amoroso imagin��rio entre uma mulher,
mais o inconsciente e o superego de um mesmo homem. Jack sofria de
ci��mes de si mesmo e via a si mesmo, na imagem de Tyler, enquanto
fazia sexo com sua namorada.
3 A terceira fase �� definitiva:
"Somente ap��s uma desgra?a conseguir�� despertar
Somente depois de perder tudo, poder�� fazer o que quiser
Nada �� est��tico
Tudo �� movimento
E tudo esta desmoronando
Esta �� sua vida
e ela acaba um minuto por vez"
(Tyler Durden)
Com o processo crescente, que culmina com o ego implodindo como os
edif��cios da cena final.
Desde que se pensa, se enfrenta necessariamente uma linha onde
est?o em jogo a vida e a morte, a raz?o e a loucura, e essa
linha nos arrasta. S�� �� poss��vel pensar sobre esta linha
de feiticeira, e digase, n?o �� for?osamente perdedor,
n?o se est�� obrigatoriamente condenado �� loucura ou
�� morte (Deleuze, 2004, p.129).
O clube da luta �� uma zona da alma onde os dem?nios
interiores se enfrentam quase at�� a morte. Pot��ncia da
puls?o de morte. Simulacro de destino. As regras impedem a morte,
assim como sua revela??o enquanto imagin��rio de grupo e
como met��fora da rela??o com o inconsciente e o superego.
S��ntese do Processo silencioso e invis��vel que acompanha
o personagem desde o in��cio do filme. A viol��ncia do conflito
acompanha as fases de voyeur do mundo por meio do consumo,
intera??o com a dor de outros e a funda??o do clube
como solu??o para a guerra interior que se torna tribo de
rituais. Sangue e ferimentos como purifica??o e al��vio
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Papirus. 2004.
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ORTEGA Y GASSET, J. La rebeli��n de las Masas. Madrid. Espasa
Calpe, 1993.
Francisco Menezes Martins
Professor e pesquisador do mestrado em Comunica??o e
Linguagens da
UTP/PR/BR e Professor do Curso de
Comunica??o/Feevale/RS/BR
frqnciscomenezes2004@yahoo.com.br
L��via Meimes
Mestrando do Programa de P��s-Gradua??o em
Comunica??o Social da
PUCRS/RS/BR
livia_meimes@yahoo.com.br