Uma analise sociologica das relacoes entre a midia e os intelectuais.
Pereira, Fábio Henrique
BUXTON, David & JAMES, Francis (orgs.). Les intellectuels de
m��dias em France. Paris: L'Hamarttan, 2005
[ILUSTRACI��N OMITIR]
J�� faz algum tempo que onipresen?a de nomes como
Bernard-Henry L��vy, Andr�� Glucykmann, Alain Finkielkraut, Luc
Ferry e R��gis Debray no espa?o p��blico franc��s
�� motivo de pol��mica. Eles integrariam o grupo dos
intelectuais da m��dia - ou intelectuais midi��ticos numa
acep??o mais pejorativa. Sobre essa nova intelectualidade,
v��rios manifestos foram publicados. O mais famoso deles, Sobre a
televis?o, escrito por Pierre Bourdieu se prop?s a desvendar
as condi??es de interven??o dos fast thinkers no
meio televisivo. �� an��lise bourdieusiana somamse as
acusa??es de Serge Halimi em Os Novos c?es de Guarda e,
mais recentemente, do dossi�� Intellectuels M��diatiques,
penseurs de l'ombre ("Intelectuais midi��ticos, pensadores
da sombra"), publicado em maio de 2006 pelo Le Monde Diplomatique.
Em comum, essas obras tendem a polemizar os efeitos negativos do
intelectual midi��tico no debate p��blico, sem se proporem a
analisar a emerg��ncia, a identidade e as condi??es de
interven??o dessa categoria. Esse �� o grande m��rito
de Les intellectuels de m��dias em France ("Os intelectuais da
m��dia na Fran?a"). O livro, que combina discuss?es
conceituais e estudos de caso, re��ne trabalhos de oito
pesquisadores europeus, apresentados em junho de 2003, por ocasi?o
de um semin��rio realizado na Universidade de Paris 10.
A necessidade de um esfor?o conjunto de an��lise se
justifica pelas imprecis?es do objeto escolhido. J�� no texto
de abertura (Un probl��me de d��finition, "Um problema de
defini??o"), David Buxton explica que nem mesmo o
intelectual "tradicional" pode ser facilmente enquadrado.
"Os intelectuais", afirma, "n?o sendo uma classe ou
uma categoria social objetivamente defin��vel, [disso resulta que]
toda tentativa de defini??o torna-se funcional ou normativa,
ou ainda os dois (1)" (p.14).
Por isso a necessidade de definir o intelectual midi��tico
dentro de uma perspectiva hist��rica e sociol��gica, situando-a
no conjunto de transforma??es que atinge os modos de
exerc��cio dessa atividade na Fran?a. Em G��nese et
��volution d'une cat��gorie floue ("G��nese e
evolu??o de uma categoria imprecisa"), Philippe Riutort
busca justamente escapar de uma defini??o normativa desse
objeto, o que daria "a ilus?o de uma novidade radical e
confere de in��cio uma identidade global a um processo que precisa
ser analisado e se liga ��s condi??es de
transforma??o - sempre em curso - do exerc��cio da
atividade intelectual (2)" (p. 29-30). Assim, o intelectual
midi��tico encanaria os novos constrangimentos impostos ��
produ??o cultural, decorrentes do crescimento dos
p��blicos consumidores e do esfor?o de cria??o de uma
cultura m��dia. O jornalismo tamb��m emerge como instancia
maior de consagra??o desse novo intelectual, que se v��
obrigado a ajustar permanentemente sua imagem ��s demandas da
audi��ncia.
Gerard Cornu inaugura a se??o dos estudos de caso com uma
an��lise da revista L'Express. Na seq����ncia, Francis
James, no texto Foucault, philosophe-journaliste (1926-1984), narra a
atividade jornal��stica e o engajamento pol��tico do autor de
Vigiar e punir. Ele explica as rela??es entre a filosofia de
Michel Foucault, como um trabalho de diagn��stico do presente, e o
seu projeto de intelectual espec��fico. Foucault, na verdade, busca
romper com a figura prof��tica de intelectual, estilo Jean-Paul
Sartre. Ele defende a necessidade de um engajamento restrito �� sua
especialidade acad��mica, embora n?o descarte o uso de
t��cnicas e procedimentos do jornalismo. Esse modelo seria uma forma
de exortar os intelectuais-pesquisadores ao engajamento pol��tico,
um espa?o que j�� estava sendo ocupado pelo discurso
moralizante dos intelectuais midi��ticos.
Erwan Poiraud analisa as estrat��gias de
relegitima??o do fil��sofo e escritor Bernard-Henry
L��vy, nome freq��entemente associado ao ideal-tipo do
intelectual da m��dia. "Seu an?nimo 'BHL' ��
amplamente conhecido, seu traje de cena (camisa branca grande aberta
facilmente identific��vel, seu estilo enf��tico e arrebatado)
fazem dele um cliente procurado pelos jornalistas (3) (p. 136). O autor
explica como a posi??o de Bernard-Henry L��vy no meio
intelectual decorre de um conjunto de fatores: o uso da
posi??o editorial e da notoriedade junto aos meios de
comunica??o; a capacidade de adapta??o a diferentes
formatos na m��dia e a mobiliza??o de redes sociais nos
campos intelectual e midi��tico. Poiraud escreve, ainda, um artigo
com Thierry Teboul, onde investigam a participa??o da
intelectualidade francesa durante os debates no conflito na
ex-Iugusl��via. Os autores revelam como a aceita??o das
regras do jogo midi��tico por esse grupo de intelectuais resulta
numa profissionaliza??o de suas interven??es, agora
submetidas ��s injun??es do apresentador e ��
l��gica de dramatiza??o do debate p��blico.
Na mesma linha, Antoine Schwartz (La publication du Rappel ��
ordre et a la pol��miue sur les "nouveaux
r��actionaires") e Thierry Teboul (L'affaire des nouveaux
r��actionaires: le retour �� l'ordre) analisam os debates
em torno da obra Rappel �� ordre ("Chamada �� ordem").
O livro, uma enqu��te sobre nos "novos reacion��rios"
na Fran?a, foi publicado em 2002 pelo historiador e jornalista
Daniel Lindenberg, Os artigos de Schwartz e Teboul evidenciam a maneira
como a pol��mica em torno do livro �� conduzida e neutralizada
pelo modus operandi dos meios de comunica??o. Eles determinam
a estrutura das interven??es intelectuais: suas rotinas,
conven??es e pr��ticas. Fecham o livro, as an��lises
da trajet��ria individual de dois intelectuais da m��dia:
Bernard Tapie, escrita por Philippe Riutort e Alain Minc, de autoria de
David Buxton.
Apesar de terem sido extra��dos de um semin��rio, os
artigos reunidos em Les intellectuels de m��dias em France partilham
de uma unidade te��rica e anal��tica de matriz bourdieusiana.
Nesse ponto, existe uma rela??o entre as trajet��rias
individuais desses intelectuais da m��dia e as
transforma??es na estrutura do espa?o p��blico e do
campo de produ??o cultural na Fran?a. Percebe-se um
verdadeiro esfor?o de uma an��lise da "economia dos bens
simb��licos", sem que isso resulte em posi??es
normativas ou polemistas. Por outro lado, ao adotarem preceitos comuns,
esses autores reduzem o escopo de an��lise apenas ao que pode ser
apreendido pela teoria bourdieusiana. De certa forma, o determinismo
impl��cito ��s dinamicas de domina??o que marcam
o campo reduzem a diversidade de posi??es e de identidades que
podem ser encontradas num grupo heterog��neo como o dos intelectuais
midi��ticos. Nesse sentido, talvez fosse interessante para os
organizadores do Les intellectuels des medias em France abandonarem um
pouco o bairrismo da escola bourdieusiana, abrindo a obra para outras
contribui??es.
Cabe perguntar qual a aplica??o das an��lises sobre
os intelectuais da m��dia ao contexto brasileiro. �� preciso
levar em conta que o am��lgama franc��s do intelectual, ou seja,
a forma como a sua identidade coletiva se consolida na Fran?a a
partir do engajamento no Affaire Dreyfus �� totalmente diverso do
intelectual �� brasileira. Isso explica a aus��ncia dessa
pol��mica sobre os intelectuais midi��ticos no Brasil,
exce??o feita talvez ao livro As Mis��rias do Jornalismo
Brasileiro, de Juremir Machado da Silva.
Contudo, na medida em que sa��mos de uma an��lise centrada
na figura do intelectual, para pensar em como ela remete a
transforma??es mais amplas no mercado cultural e
midi��tico, o estudo ganha uma nova dimens?o. Numa analogia ao
caso franc��s, o livro ajuda a entender como certas vedetes da
produ??o cultural e intelectual no Brasil devem sua
posi??o a essa rede de rela??es com os jornalistas e
tamb��m pela submiss?o das suas interven??es aos
constrangimentos midi��ticos. Finalmente, ele disponibiliza
ferramentas te��ricas e metodol��gicas aos pesquisadores da
��rea de comunica??o interessados na an��lise do campo
midi��tico. O livro aplica com clareza e compet��ncia conceitos
da sociologia de Bourdieu, que nem sempre s?o f��ceis de serem
assimilados
F��bio Henrique Pereira
Professor do Insituto de Ensino Superior de Bras��lia
lesb/DF/BR
fabiohpereira_unb@yahoo.com.br
NOTAS
(1.) Livre tradu??o de: "Les intellectuels
n'��tant pas une classe ou une cat��gorie sociale
objectivement d��finissable, toute tentative de d��finition
devient fonctionnelle ou normative, voire les deux".
(2.) Livre tradu??o de: "donne l'illusion
d'une nouveaut�� radicale et conf��re d'embl��e
une identit�� globale �� un processus qui reste �� analyser
et s 'apparente aux conditions de transformation - toujours en
cours - d'exercice de l'activit�� intellectuelle"
(3.) Livre tradu??o de: "Son anonyme 'BHL'
est largement connu, son costume de sc��ne (chemise blanche grande
ouvert) facilement identifiable, son style emphatique et emport��
font de lui un client recherch�� par les journalistes"