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文章基本信息

  • 标题:Analysis of housing cooperatives in light of the structuring factors of network society/Analise de cooperativas habitacionais a partir dos fatores estruturantes da sociedade em rede/Analisis de cooperativas habitacionales a partir de los factores estructurantes de la sociedad en red.
  • 作者:Giglio, Ernesto Michelangelo ; Gamba, Jose Roberto
  • 期刊名称:Revista de Gestao USP
  • 印刷版ISSN:1809-2276
  • 出版年度:2015
  • 期号:April
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Faculdade de Economia, Administracao e Contabilidade - FEA-USP
  • 摘要:O objetivo do trabalho e analisar e apresentar exemplos do argumento de que todas as organizacoes estao em rede, quer utilizem, quer nao, suas conexoes. A partir da analise das convergencias de textos sobre o tema, elegeram-se os fatores estruturantes das redes e criou-se a proposicao orientadora de que e possivel investigar a presenca/ausencia desses fatores em qualquer empresa, obtendo-se um desenho da organizacao da rede na qual essa empresa esta imersa.
  • 关键词:Cooperatives;Cooperatives (Associations)

Analysis of housing cooperatives in light of the structuring factors of network society/Analise de cooperativas habitacionais a partir dos fatores estruturantes da sociedade em rede/Analisis de cooperativas habitacionales a partir de los factores estructurantes de la sociedad en red.


Giglio, Ernesto Michelangelo ; Gamba, Jose Roberto


1. INTRODUCAO

O objetivo do trabalho e analisar e apresentar exemplos do argumento de que todas as organizacoes estao em rede, quer utilizem, quer nao, suas conexoes. A partir da analise das convergencias de textos sobre o tema, elegeram-se os fatores estruturantes das redes e criou-se a proposicao orientadora de que e possivel investigar a presenca/ausencia desses fatores em qualquer empresa, obtendo-se um desenho da organizacao da rede na qual essa empresa esta imersa.

A proposta decorre do fato de que as redes de negocios, incluindo as redes de cooperacao, constituem um tema de interesse atual, tanto no que diz respeito ao formato das organizacoes, quanto pela indicacao de alguns caminhos alternativos de desenvolvimento e competitividade de organizacoes, fundados na acao coletiva, que os modelos tradicionais de competicao isolada nao conseguem explicar adequadamente. Como esses modelos de competicao isolada sao dominantes entre pesquisadores e empreendedores do tema de redes (GIGLIO, 2010), e interessante e justificado discutir e investigar o argumento de que todas as empresas estao em rede, oferecendo uma alternativa a visao dominante. O trabalho pretende contribuir para a compreensao e valorizacao da abordagem da sociedade em rede, e investigar sua capacidade explicativa diante de fenomenos de acao coletiva, como as cooperativas.

Como parte da argumentacao, foram analisadas as relacoes interorganizacionais de cooperativas habitacionais, ja que estas organizacoes sao muito caracteristicas, contando com funcoes e processos tipicos de empresas que concorrem no mercado da construcao civil e, ao mesmo tempo, com funcoes e processos tipicos de organizacoes de ajuda, com apoio do governo, com incentivos e ausencia de objetivos de lucro.

A tarefa tambem se justifica porque existem sinais de que os ramos de negocio que lidam com relacionamentos complexos na producao, comercializacao e prestacao de servicos, caso da construcao civil, cada vez mais se organizam em formas associativas como cooperativas, consorcios, aglomerados locais e redes de negocios. Secundariamente, o estudo pode oferecer algumas sugestoes de acoes gerenciais as cooperativas habitacionais.

Como base teorica, utilizam-se os argumentos da sociedade em rede. Para Castells (1999), a sociedade atual se caracteriza por seu formato em rede, em substituicao a estrutura anterior, formada por pequenos grupos, como familia e grupos de trabalho. Nesta nova estrutura modificam-se os padroes de estrategia e de competicao das empresas, agora definidos pela rede de relacoes em que a empresa esta imersa. Outra base teorica encontra-se em Nohria e Ecles (1992), que afirmam que todas as empresas estao em rede, quer utilizem, quer nao, suas conexoes.

A pesquisa se caracteriza como um estudo de casos multiplos, considerando-se que se analisou mais de uma cooperativa e sua rede de relacoes, e de multitecnicas, ja que se realizaram levantamentos bibliograficos e coleta de dados secundarios e primarios, buscando as convergencias das informacoes.

A escolha das cooperativas habitacionais e resultado de trabalhos anteriores dos autores (referencias omitidas) e motivada pela especificidade dessas organizacoes, que apresentam elementos comerciais bem definidos e elementos sociais (a inclusao de pessoas sem capacidade de comprar um imovel individualmente), nao sendo exclusivamente nem uma organizacao de negocios nem uma cooperativa social. Dessa forma, as relacoes sociais de aproximacao entre os atores, tais como as relacoes de confianca e comprometimento, e as relacoes sociais de conflito, tais como as relacoes de poder, estao inextrincavelmente unidas as relacoes comerciais, numa intrincada teia. Neste caso, afirma-se que a funcao de um gerente de rede e desenvolver as relacoes de aproximacao, resolver as relacoes conflituosas e criar os mecanismos de acoes coletivas de producao.

O trabalho esta estruturado da seguinte forma: inicia com esta Introducao, apresentando a tarefa e sua justificativa; na secao 2 apresenta-se um painel de trabalhos sobre cooperativas, mostrando que a abordagem de redes esta ausente; a secao 3 expoe as afirmativas da abordagem da sociedade em rede, que fundamenta o argumento principal do trabalho e a proposicao orientadora--nesta secao ja se apresentam os fatores determinantes da organizacao em rede que serao utilizados na pesquisa; a secao 4 discorre sobre a metodologia, seguida da secao 5, que apresenta e analisa os dados; a secao 6 e dedicada aos comentarios finais.

2. O CAMPO DE INVESTIGACAO DAS COOPERATIVAS

Neste item comenta-se a tendencia das pesquisas e artigos brasileiros sobre cooperativas, especialmente as habitacionais, e a lacuna no raciocinio de redes, o qual, conforme aqui se defende, seria capaz de explicar o desenvolvimento, os limites e os problemas das organizacoes envolvidas.

O cooperativismo surgiu da necessidade das pessoas de trabalhar em conjunto, como forma de alcancar seus objetivos (HOJER, 2011). Segundo Santos (2005), ha registros desde 1844, na Franca e na Inglaterra, de sociedades com caracteristicas de cooperativas, baseadas no conceito de ajuda mutua, igualdade, associativismo e autogestao. O nascimento de cooperativas esta associado a procura de alternativas economicas a existencia de grupos dominantes que criavam barreiras para os pequenos empresarios e comerciantes, alem de oferecerem condicoes pouco adequadas aos trabalhadores.

O cooperativismo evoluiu e conquistou um espaco proprio, definido por uma forma alternativa de pensar o homem, o trabalho e o desenvolvimento social. Com seus principios coletivos e sociais, o cooperativismo e aceito pelos governos e reconhecido como formula democratica para a solucao de problemas socioeconomicos, especialmente nos ramos de cooperativas agricolas, de trabalho, de credito, de consumo e habitacional.

Sendo uma interessante resposta alternativa as pressoes de mercado, era de esperar um relativo volume de investigacao e modelos gerenciais de cooperativas, comparativamente a temas como associacoes, fusoes e aquisicoes, mas nao e o que ocorre. A busca de trabalhos cientificos no banco de dados do Proquest e no motor de busca do Google Academico mostra a existencia de trabalhos de varias ciencias, entre elas a Economia, o Direito, a Sociologia Critica, mas pouco material sobre a cooperativa como organizacao de negocio (quando o foco tende mais para os aspectos economicos e produtivos) ou como rede de cooperacao (quando o foco tende mais para os aspectos das acoes coletivas). A expressao cooperativa circunscrita ao titulo gera em torno de 8 mil referencias nos dois modos de busca, e a expressao cooperativa e redes gera 55 referencias. A leitura dos titulos e dos resumos dessas referencias indica um leque de temas sociais, de Informatica, de Pedagogia e alguns poucos de Administracao, como em Oliveira e Goncalves (2011). A expressao cooperativas habitacionais gera 24 resultados, com dominancia de temas politicos (5) e economicos (5). As expressoes cooperativas habitacionais e redes de negocios, ou rede de cooperacao, geram zero resultados. Na pagina de busca da Anpad, que e a associacao que congrega o maior contingente de trabalhos de pesquisa e gerencia em Administracao no Brasil, a expressao cooperativa gera em torno de 120 referencias e as outras combinacoes geram resultado zero.

Mesmo considerando a simplicidade da busca bibliografica, as relacoes entre os numeros sao claras. Num universo de referencias em dois motores de busca, a relacao entre trabalhos sobre cooperativas e a perspectiva de redes e praticamente nula. Existe uma lacuna a ser preenchida, ja que o tema do cooperativismo contem aspectos politicos, economicos e sociais de grande interesse, particularmente na perspectiva de redes e de acoes coletivas (OLIVEIRA, 2012). A propria palavra cooperativa ensejaria trabalhos na perspectiva de redes e de acoes coletivas.

Especificamente no caso de habitacao, as cooperativas habitacionais brasileiras constituem um campo interessante de estudo, no aspecto de analise das relacoes de cooperacao e no aspecto gerencial. Segundo informacoes do censo divulgado pela Organizacao das Cooperativas do Brasil, cerca de 53% das cooperativas compram o terreno com recursos proprios e mais de 56% realizam a obra e disponibilizam imoveis por meio do autofinanciamento. A maioria das cooperativas (84%) visa construir exclusivamente moradias, enquanto as restantes (16%) se ocupam tambem da manutencao e reformas dos imoveis ocupados (SESCOOP, 2011).

Ainda utilizando dados desse relatorio (SESCOOP, 2011), o Brasil tem 226 Cooperativas Habitacionais inscritas e ativas, que geram 2.472 empregos diretos, seja na administracao, seja na gestao de obras, tendo 104.908 socios cooperados. Esses dados sugerem, por exemplo, estudos comparativos entre as cooperativas.

Segundo Santos (2005), as cooperativas habitacionais do tipo autogestionarias, ou seja, aquelas que nascem sem a interferencia direta do governo, constituem uma alternativa de habitacao no Brasil, bem como em varios paises de diversos niveis de desenvolvimento economico. Elas estao inseridas numa nova forma de politicas publicas, na qual se unem os interesses do governo, das empresas e da sociedade civil. Este tema tambem e raramente desenvolvido no Brasil. Um dos trabalhos e o de Bonduki (1997), que aplicou a perspectiva de redes ao tema de politicas habitacionais.

Essa configuracao de um campo organizacional de instituicoes conectadas sugere temas interessantes de pesquisa, praticamente ausentes na producao cientifica brasileira, como a estrutura da cooperativa, a posicao e importancia de uma cooperativa em suas relacoes com outras instituicoes, os beneficios e limites de uma cooperativa em suas ligacoes em rede. Uma possivel explicacao para a ausencia de trabalhos sobre o tema e a dominancia do paradigma das formas de competicao isolada. Como sera exposto na proxima secao, e possivel ver o campo organizacional como uma teia de ligacoes, o que e mais do que um conjunto de instituicoes competindo entre si. Dito de outra maneira e utilizando o argumento da sociedade em rede, entende-se que os participantes nao percebem a rede de relacoes na qual estao envolvidos e que os pesquisadores reutilizam e reforcam essa lente perceptiva.

3. OS ARGUMENTOS DO PARADIGMA DA SOCIEDADE EM REDE

O fenomeno de redes tem gerado discussoes crescentes nas ultimas decadas, principalmente sobre os fatores de nascimento, desenvolvimento, resultados e governanca delas (NOHRIA; ECLES, 1992; EBERS; JARILLO, 1997-98; GULATI; GARGIULO, 1999; CASTELLS, 1999; VERSCHOORE; BALESTRIN, 2008). As teorias de redes desenvolveram-se basicamente a partir de tres fenomenos: as aglomeracoes agroindustriais da Italia, o sistema Toyota e as fusoes de empresas. Aos poucos, a area foi incorporando os conceitos das redes sociais e criando as condicoes para a afirmativa de que todas as organizacoes operam em rede (NOHRIA; ECLES, 1992). Nas duas ultimas decadas, a visao se estendeu aos arranjos de coordenacao dos programas do governo, principalmente na saude, turismo e habitacao. A nocao de redes esta estreitamente vinculada a situacoes sociais, politicas e de negocios que envolvem relacionamento entre muitas partes, as quais criam uma interdependencia. Entende-se que esse e o caso das cooperativas habitacionais.

Como as redes compreendem acoes colaborativas conscientes para estabelecer e manter um grupo de organizacoes com objetivos comuns, elas podem ser chamadas de redes de cooperacao (ANTONI; SABATINI, 2013). As redes de cooperacao tem, portanto, a capacidade de facilitar a realizacao de acoes conjuntas e a integracao de recursos para alcancar objetivos comuns.

A teoria da sociedade em rede tem como base os escritos de Castells (1999) e Nohria e Ecles (1992). Para Castells (1999), a sociedade atual caracteriza-se por seu formato em rede, em substituicao a estrutura anterior, formada por pequenos grupos, como a familia. Nesse formato, o poder nao e centralizado, mas disseminado em inumeras ligacoes, e o controle e minimo. A afirmativa principal da teoria da sociedade em rede e que cada vez mais se torna inevitavel que cada pessoa se envolva em conexoes com muitas outras, o mesmo ocorrendo com as organizacoes. Uma empresa esta numa rede, mesmo que seus integrantes nao a reconhecam. O fato basico da constituicao das redes e a existencia de interdependencia, ja que atualmente uma empresa isolada nao consegue realizar todas as complexas tarefas de planejamento, producao, comercializacao, atendimento, adaptacao legal e ambiental, entre outras. Nohria e Ecles (1992) afirmam que o termo redes tornou-se o modo atual de descrever e investigar organizacoes, conforme se ve exemplificado em Wang et al. (2013).

Alguns campos e temas da Administracao, tais como turismo, sistemas financeiros e cadeias automotivas, ja contam com varias publicacoes sobre a aplicacao do paradigma de redes. No campo de cooperativas habitacionais, conforme se demonstrou na secao anterior, os estudos sao raros, apesar de o campo oferecer temas muito interessantes na perspectiva de analise (a cooperacao, a confianca, as formas de controle, a construcao de objetivos coletivos comuns, as assimetrias entre os associados) e na perspectiva gerencial (solucao de conflitos, desenvolvimento da confianca, desenvolvimento de objetivos coletivos, formas de incentivo e controle, competitividade no mercado).

O tema de redes teve um impulso cientifico mais forte na decada de 1980. Autores como Miles e Snow (1986), Jarillo e Ricart (1987), Granovetter (1985), Nohria e Eccles (1992) e, mais recentemente, Rusbult e Kubacka (2009) abordaram temas como vantagens obtidas nas redes, estrategias de empresas nas redes, estrutura e gestao de redes, interdependencia. Nesse periodo de valorizacao do tema de redes surgiram os tres grandes paradigmas que orientam as pesquisas da area: (a) o paradigma racional e economico, voltado para os ganhos de custos e processos nas acoes coletivas; (b) o paradigma social-tecnico, voltado para variaveis sociais tais como cooperacao, comprometimento e luta por poder, caracterizando o equilibrio dinamico das redes; (c) o paradigma da sociedade em rede, que parte da afirmativa de que esta em desenvolvimento um novo formato social, fundado nas multiplas relacoes, no poder disseminado e em sistemas nao hierarquicos de producao.

Sobre o paradigma racional economico encontram-se varios artigos brasileiros de Logistica, tal como o de Borges (2004), e de Engenharia, tal como o de Amato Neto (2005). Na linha social-tecnica encontram-se trabalhos como os de Wegner e Dahmer (2004) e de Sacomano Neto e Truzzi (2010), que discutem estrutura e governanca. Ja na linha da sociedade em rede os artigos sao mais raros, como os de Giglio (2010) e Zaccarelli (2005), este ultimo apresentando uma conceituacao de rede como unidade competitiva.

Apesar da existencia de tres paradigmas, os trabalhos convergem nos aspectos essenciais a serem considerados tanto para analise quanto para gerencia, dentre os quais a coordenacao da rede, a solucao das assimetrias (principalmente de capacidades e de objetivos), a aceitacao e operacao da interdependencia entre as partes, os incentivos e mecanismos de controle para incrementar a cooperacao e inibir comportamentos oportunistas e o desenvolvimento de um fluxo de informacoes tecnicas e sociais. Essas conjuncoes apontam para os fatores estruturantes das redes.

3.1. Fatores Estruturantes de uma Rede

Neste item apresentam-se os fatores que caracterizam a formacao, o desenvolvimento e a conducao das acoes gerenciais nas redes.

A teoria de redes esta fundada na ideia das inter-relacoes e esse e o foco das pesquisas academicas e das acoes gerenciais. O objetivo basico do pesquisador e do gerente e conhecer a forma e o conteudo das trocas entre os participantes, considerando as trocas sociais (de confianca, por exemplo) e as trocas tecnicas (de conhecimentos sobre um processo, por exemplo). A quantidade e a qualidade dessas transacoes caracterizam a natureza e o grau de organizacao e desenvolvimento de uma rede.

A partir de reflexoes sobre pesquisa bibliografica previa, que apontou as conjuncoes na literatura, conforme apresentado ao final da secao anterior, afirma-se que os seguintes pontos merecem atencao do pesquisador e do gerente:

a. Interdependencia. E a situacao que retrata a dificuldade de uma organizacao em dominar todas as especialidades necessarias para o negocio, surgindo a necessidade de uma troca, em que cada empresa busca na outra o recurso necessario. A interdependencia exige a atitude de acao coletiva e comprometida, ou seja, o objetivo coletivo deve prevalecer (NOHRIA; ECLES, 1992; RUSBULT; KUBACKA, 2009).

b. Assimetrias. Sao as diferencas de objetivos, capacidades, expectativas e recursos entre as organizacoes. Numa rede ideal, todos disponibilizam seus recursos para que eles possam ser utilizados coletivamente, diminuindo as assimetrias. E claro que, na realidade, existem diferencas e resistencias entre os participantes, mas o que importa e que essas diferencas nao ocasionem desconfiancas, ou oportunismos, ou falta de comprometimento. Quando ha compartilhamento e as assimetrias sao gradativamente resolvidas, a rede se desenvolve (GRANDORI; SODA, 1995; HAKANSSON; FORD, 2003).

c. Estrutura. E o conjunto de relacoes cotidianas, repetitivas e com papeis mais definidos dos atores. A estrutura pode ser formalizada quando existe um documento que define funcoes, regras e punicoes dentro do grupo (BURT, 2004; TICHY; TUSHMAN; FOMBRUN, 1979). A estrutura tambem pode ser flexivel, quando as posicoes nao sao fixas, caso de pequenas redes de artesanato.

d. Governanca. Sao as regras explicitas e implicitas para promover o desenvolvimento da rede e restringir as acoes oportunistas. Os estudos demonstram que, quanto mais confianca e comprometimento existem nas relacoes entre os atores, mais facilmente sao resolvidas questoes de grupo e menos necessario se torna elaborar regras formais e criar controles (GRANDORI; SODA, 1995; JONES; HESTERLY; BORGATTI, 1997).

e. Formas de compartilhamento e dominancia de fluxos. As trocas tem o objetivo de resolver as assimetrias e circular os recursos necessarios. Associados aos fluxos tecnicos encontram-se os fluxos sociais, que tambem contribuem para a solucao de conflitos, quando se trata de relacoes de confianca e comprometimento, ou criam os conflitos, quando as relacoes sao de poder e competicao interna. A natureza (tecnica e social) e a forma dos fluxos (livre, controlada, entre subgrupos) influenciam o desenrolar da rede e as decisoes dos participantes (GULATI; GARGIULO, 1999; LATOUR, 2005).

f Resultados. Um grupo opera sempre buscando alcancar objetivos coletivos e individuais. Em redes de negocios estes sao predominantemente economicos, mas existem outros resultados possiveis, tais como acesso a mercados, aprendizagem de novos processos, difusao de marca coletiva. A obtencao de resultados positivos e fator importante na motivacao do grupo em continuar na rede (MILES; SNOW, 1986).

Os fatores apresentados, com a indicacao de autores que se dedicaram ao tema, somam-se a outros, como o numero de participantes, formando a organizacao especifica daquele grupo. A observacao constante do conteudo e da frequencia das trocas entre os atores indica a situacao ou estagio de desenvolvimento de uma determinada rede. Conforme Larson (1992), o desenvolvimento de uma rede segue alguns passos definidos, ate adquirir um balanco estrutural e dinamico e ser nem muito estatico nem extremamente volatil, mas apresentando um estado de equilibrio-desequilibrio, conforme os seis fatores sao implantados.

Ser gerente de uma rede significa, basicamente, promover o desenvolvimento do grupo ate esse estado de equilibrio dinamico, alimentando as capacidades coletivas e controlando o comportamento oportunista (MILES; SNOW, 1986).

Escolhidos e explicitados os fatores, criou-se a proposicao orientadora de que e possivel investigar sua presenca/ausencia em qualquer empresa, obtendo-se um desenho da organizacao da rede na qual a empresa esta imersa. No proximo item apresenta-se a metodologia desenvolvida para responder a proposicao.

4. METODOLOGIA

Neste item apresentam-se as afirmativas sobre o plano, a coleta e as formas de analise da pesquisa realizada.

A pesquisa caracteriza-se como estudo de casos multiplos, considerando-se que se analisou mais de uma cooperativa e sua rede de relacoes, e de multitecnicas, ja que se realizaram levantamentos bibliograficos e coleta de dados secundarios e primarios, buscando as convergencias das informacoes. O trabalho pode ser classificado como exploratorio, ja que o paradigma da sociedade em rede e raramente aplicado no campo de investigacao das redes (COLLIS; HUSSEY, 2003).

Como primeiro passo, realizou-se uma investigacao bibliografica sobre os conceitos, os modelos e as teorias que buscam explicar o associativismo, as cooperativas e, em especial, as cooperativas habitacionais. A conclusao, relatada ao final da secao 2, e de que sao raros os trabalhos que buscaram aplicar as afirmativas da sociedade em rede ao tema e campo das cooperativas habitacionais, o que traz certo ineditismo ao presente trabalho.

O segundo passo foi realizar uma investigacao bibliografica sobre a convergencia de afirmativas relativas ao paradigma da sociedade em rede, que pudesse fundamentar a escolha dos fatores que caracterizam a rede nessa perspectiva. O resultado foi explicitado na secao 3.1, com os fatores interdependencia, assimetria, estrutura, governanca, formas e dominancia de fluxos e resultados. Para cada um indicou-se o conceito dominante.

O terceiro passo foi planejar e realizar a coleta e analise de dados secundarios e primarios. A partir dos fatores explicitados na secao 3.1, criouse um roteiro de observacao sobre a presenca/ausencia desses fatores. A proposicao orientadora e de que e possivel encontrar e desenhar redes de relacoes a partir dos fatores estruturantes de uma rede e iniciando a investigacao com qualquer empresa do ramo selecionado. A proposicao e decorrente das afirmativas da sociedade em rede, explicitadas na secao sobre a base teorica.

A coleta de dados secundarios reuniu documentos, atas e material impresso sobre o cooperativismo habitacional. Esses dados foram disponibilizados nas empresas visitadas, nos arquivos das prefeituras e nos documentos de posse dos cooperados.

A coleta de dados primarios realizou-se com entrevistas semiabertas. A orientacao basica das questoes referia-se a presenca/ausencia dos fatores e a busca de exemplos que sustentassem as respostas. Foram selecionados 11 sujeitos a partir de criterios tecnicos, sendo 3 gerentes de bancos de financiamento habitacional, 4 presidentes de cooperativas, 2 tecnicos e 2 engenheiros das construtoras parceiras, cada qual participante de uma das quatro redes investigadas. O acesso a eles foi facilitado pelos contatos dos autores, atuantes nessa area.

Os dados foram analisados conforme os preceitos da analise de conteudo (BARDIN, 2007), especificamente da analise tematica. De acordo com essa tecnica, os discursos, sejam escritos, sejam gravados, sao analisados buscando-se o tema central presente nas frases.

5. APRESENTACAO E ANALISE DOS DADOS

Nesta secao apresentam-se e discutem-se os dados das fontes secundarias e primarias, incluindo os dados da pesquisa bibliografica relatada na secao 2. Os dados sao analisados a partir das afirmativas da sociedade em rede, considerando-se os fatores selecionados. Secundariamente, para servir de teste da capacidade desses fatores em indicar acoes gerenciais, foram construidas sugestoes de acoes e analisadas sua logica e operacionalidade.

Para iniciar a analise, serao apresentados os dados secundarios sobre as caracteristicas e historia das cooperativas habitacionais.

5.1. Organizacao das Cooperativas Habitacionais

Na literatura especializada observam-se diversos conceitos para o termo cooperativismo, dominando a ideia de vantagem economica (EMELIANOFF, 1948; COSGROVE, 1994; GONZALEZ, 2001; BENINI, 2003; ALMEIDA; BRIONES PENALVER; FERNANDES, 2012). Um ponto importante e que a cooperativa e uma associacao voluntaria, na qual ha a presenca de disposicao para a acao coletiva. Outro ponto importante e que, por definicao, a cooperativa e de todos, o que implica a disseminacao do poder, mesmo existindo um centro gestor.

A pesquisa de dados secundarios mostrou que o marco do surgimento das cooperativas de habitacao no Brasil e a Lei no. 4.380/64, que criou o chamado Sistema Financeiro Habitacional-SFH, o qual atribuiu as cooperativas o papel de agentes promotores. Os agentes promotores do SFH seriam entidades publicas, ou particulares, que associariam a execucao de programas setoriais de construcao de habitacoes as atividades financeiras referentes a sua comercializacao. Estao nessa categoria as companhias de habitacao, as cooperativas habitacionais e outras entidades.

No inicio do Plano Nacional de Habitacao, as cooperativas habitacionais recebiam os recursos diretamente do Banco Nacional de Habitacao (BNH) e elas proprias eram responsaveis pela captacao de associados, elaboracao do projeto de construcao e orcamento das obras. O Decreto no. 58.377/66 restringiu o credito do BNH somente as chamadas cooperativas operarias, cujo funcionamento dependia de autorizacao governamental. Essas cooperativas eram organizacoes fechadas, sem fins lucrativos, com numero prefixado de associados, constituidas apenas de trabalhadores sindicalizados e cujo objetivo exclusivo era a realizacao de um plano habitacional para atendimento de seus associados mediante um sistema de poupanca e amortizacao.

O mesmo Decreto criou os chamados INOCOOPs--Institutos de Orientacao de Cooperativas Habitacionais, em ambito estadual, que passaram a exercer funcoes de intermediarios na relacao entre as cooperativas e o BNH, objetivando a eficiencia da engenharia financeira dos investimentos.

Com essas regras, mais voltadas aos aspectos economicos, o BNH passou a oferecer financiamento somente a obras de larga escala e baixa qualidade, visando a quantidade de habitacoes construidas. Houve tambem o uso politico desses financiamentos para a classe operaria. Assim, as cooperativas habitacionais eram passivas nas relacoes entre o BNH, o INOCOOP e as construtoras contratadas. Estas ultimas captavam a demanda, faziam as inscricoes, dispunham do local para a sede da Cooperativa, elaboravam projetos, incumbiam-se de todas as providencias administrativas, bem como das construcoes, e solicitavam ao BNH o financiamento do projeto.

Esse foi o quadro durante alguns anos, num sistema hierarquico de producao, no qual a cooperativa tinha uma posicao secundaria, sem os sinais dos fatores estruturantes de redes.

Mudancas politicas e de mercado extinguiram o BNH. Como o governo nao acenava com novos movimentos de instituicoes voltadas para a solucao do problema habitacional, foram surgindo cooperativas habitacionais por acoes voluntarias, com o principio cooperativo mais puro de os associados contribuirem cada qual com um pouco para que o grupo todo tivesse o suficiente para os projetos. Aqui surgiram os sinais da organizacao em rede, entre eles a interdependencia entre os cooperados e o comprometimento. As cooperativas habitacionais passaram a atuar como sociedades empresariais sem fins lucrativos, com o objetivo de comercializar unidades imobiliarias para seus cooperados a um custo inferior ao das construtoras, com prazos de pagamento semelhantes e formas distintas de entregar os produtos a cada associado.

Apesar da presenca desse principio voluntario e coletivo, as cooperativas habitacionais brasileiras surgiram por decreto, por intervencao estatal, o que deu uma caracteristica distinta a essa area. Para serem percebidas como cooperativas de fato, foi necessario sair dessa condicao de decreto para uma condicao de voluntariado. A intervencao estatal, no entanto, nunca foi completamente eliminada, porque a habitacao sempre foi um tema de intenso uso politico. Outra caracteristica interessante e que o sistema cooperativo apresenta uma condicao especial nas relacoes comerciais, que e o principio da identidade (FRANKE, 1973). Nele, os proprietarios do servico sao os proprios usuarios, o que, em teoria de rede, no fator comprometimento, e uma condicao otima para o desenvolvimento de acoes coletivas.

Conforme a Lei no. 5.764/71, a formacao de uma cooperativa habitacional se da por meio da uniao de, no minimo, 20 pessoas fisicas, as quais sao donas e usuarias da cooperativa. A constituicao da diretoria no primeiro momento e feita por votacao entre os cooperados, o que implica a existencia de conhecimentos previos sobre o perfil, reputacao e acoes dos candidatos. O processo de escolha da diretoria, portanto, tem ligacao com as relacoes sociais anteriores dos participantes.

Os cooperados decidem sobre o valor das contribuicoes a serem pagas para a construcao das moradias, a compra do terreno e as despesas administrativas, o que implica um alto grau de fluxo de informacoes, pois assimetrias existentes (por exemplo, alguns bem informados, outros nao; alguns com mais capital, outros com menos) podem comprometer a discussao e decisao final. Alem dessas decisoes sobre questoes basicas, os participantes tambem podem decidir sobre outras questoes financeiras e administrativas, o que reforca a necessidade de intensa troca de informacoes.

Outra regra interessante que deve ser aceita pelos cooperados, semelhantemente ao sistema de consorcios, e que a entrega do produto e feita por meio de sorteio durante as assembleias.

Como se percebe, na perspectiva das relacoes internas de uma cooperativa encontram-se alguns sinais que caracterizam as redes, tais como interdependencia (se alguem falhar, o sistema todo fica prejudicado), objetivo comum acima dos interesses individuais, fluxo intenso de informacoes para diminuir assimetrias e decisoes coletivas.

Na proxima secao examina-se a presenca, ou ausencia, dos seis fatores estruturantes de redes em quatro exemplos de cooperativas habitacionais do Estado de Sao Paulo, unindo dados secundarios e primarios.

5.2. Analise de quatro cooperativas habitacionais do Estado de Sao Paulo

As cooperativas habitacionais do Estado de Sao Paulo em sua totalidade sao autogestoras, constituidas de acordo com a Lei no. 5.764/71, complementada pela Lei de Politica Estadual de Apoio ao Cooperativismo--Lei no. 12226/06, de 11 de janeiro de 2006.

Presentes na Grande Sao Paulo, interior e litoral, as cooperativas sao uma forma alternativa de aquisicao de casa propria, contam com subsidios fiscais por parte do governo e tem como missao basica apoiar tecnica, financeira e operacionalmente o cooperativismo no Estado de Sao Paulo. Espera-se que as cooperativas promovam parcerias para o desenvolvimento do sistema cooperativista, estimulando a forma cooperativa de organizacao social, economica e cultural na habitacao. Como tarefas complementares, as cooperativas habitacionais pretendem estimular a inclusao do estudo do cooperativismo nas escolas, oferecendo uma visao alternativa as formas de producao, consumo e trabalho e divulgando as politicas governamentais para o setor.

Segundo a Organizacao das Cooperativas do Estado de Sao Paulo (OCESP, 2012), o Estado de Sao Paulo possui 50 cooperativas habitacionais, algumas delas localizadas no municipio de Sao Paulo e atendendo bairros carentes como Jardim Marajoara, Butanta e Interlagos.

Considerando essa situacao organizacional, bem como os objetivos das cooperativas e o universo delas em Sao Paulo, foram levantados dados secundarios e primarios de quatro cooperativas na cidade de Sao Paulo em documentos das instituicoes, informacoes publicas em enderecos da Internet, informacoes de relatorios das associacoes como a OCEP, artigos em revistas academicas e revistas especializadas e entrevistas com sujeitos tecnicos. A seguir, apresentam-se os dados resumidos das quatro instituicoes.

a) COOP--A. Esta cooperativa foi fundada em 1991 e esta localizada no centro da cidade de Sao Paulo. Constituida somente de cooperados, entregou ate o momento 4.630 moradias, que representam 95,7% das 4.835 unidades sob sua responsabilidade. A cooperativa construiu predios de apartamentos em varios bairros do municipio.

b) COOP--B. Foi fundada em 1996 e esta localizada num bairro da zona sul de Sao Paulo. Ate o momento a cooperativa entregou 5.697 moradias, o que representa 85,9% das 6.630 unidades sob sua responsabilidade. Das 933 unidades a entregar, 504 foram repassadas a cooperados. As 429 restantes estao a disposicao para adesao ou sao permutas para o pagamento de servicos e do terreno.

c) COOP--C. Foi fundada em 2002 e suspendeu suas atividades durantes alguns anos. Foi recentemente reativada para atender aos projetos ja iniciados. Esta localizada na zona norte da cidade de Sao Paulo e seu produto e uma casa. Para a retomada das atividades da cooperativa foi necessario realizar uma nova eleicao entre os cooperados, o que constitui um caso interessante de rearranjo das relacoes comerciais e sociais da cooperativa.

d) COOP--D. Foi fundada em 2001, localiza-se na zona leste da cidade de Sao Paulo e atua em varias regioes, inclusive no litoral, o que mostra sua capacidade de criar e ampliar ligacoes geograficas e de negocios. Seus produtos sao apartamentos e sobrados e os dados indicam que o cronograma de entregas nao tem atrasos.

Todas elas foram fundadas conforme as disposicoes legais e as regras internas de cada cooperativa. Essas regras sao semelhantes nas instituicoes e se referem a itens de administracao tais como eleicao de diretoria, decisao sobre a contribuicao de cada um, acoes de controle dos empreendimentos, entre outros. Tambem existe convergencia nas taxas de administracao, que sao mais baixas que as taxas das construtoras e empreendedoras. Conforme dados levantados em entrevista com um tecnico financeiro, um imovel que e oferecido por uma construtora no valor de R$ 136.787,96 reais, pela cooperativa e oferecido por R$ 97.858,64 reais.

As acoes das cooperativas sao orientadas e controladas por entidades gestoras como o INOCOOP--Instituto de Orientacao de Cooperativas Habitacionais; a OCB Organizacao das Cooperativas Brasileiras; o SINDICOOPERATIVAS--Sindicato das Cooperativas do Estado de Sao Paulo; o SINCOHAB--Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas e Cooperativas Habitacionais e Desenvolvimento Urbano no Estado de Sao Paulo; o SINDUSCON--Sindicato dos Trabalhadores na Construcao Civil; e a OCESP--Organizacao das Cooperativas do Estado de Sao Paulo.

Considerando os fatores estruturantes descritos na secao 3.1 e os dados coletados sobre as cooperativas, construiram-se as analises descritas nos paragrafos seguintes. Para fins estritamente didaticos, utiliza-se a expressao "rede interna" para indicar as relacoes dos cooperados entre si e "rede externa" para indicar as relacoes da instituicao cooperativa com outras organizacoes. Na logica da sociedade em rede essa divisao nao tem muito sentido.

5.2.1. Sobre Interdependencia

As cooperativas so realizam suas funcoes se os cooperados fizerem sua parte (o todo depende de cada um) e se ela, cooperativa, estabelecer lacos de reciprocidade com agentes proximos, tais como construtoras, bancos e governo local. Os dados coletados sugerem que a rede interna das cooperativas pesquisadas esta funcionando de forma adequada, isto e, com consciencia e atitude de acao coletiva, embora existam conflitos e luta por poder, alem de ingerencia politica. Ja na rede de relacoes com outras instituicoes nao se encontram sinais de reciprocidade e consciencia de interdependencia. Na verdade, as cooperativas parecem se posicionar num plano secundario e sao assim percebidas na perspectiva das construtoras e do governo. Um sinal mais evidente que sustenta essa conclusao e a falta de poder, de reputacao e de participacao nas decisoes. Essa ausencia, conforme Rusbult e Kubacka (2009) e Burt (2004), indica a dominancia de ligacoes fracas e poucas trocas da cooperativa com outras instituicoes.

Como exercicio gerencial, uma acao que poderia modificar essa situacao de posicao secundaria (e de assimetria de reputacao e poder) seria a promocao mais frequente de eventos sociais em comunhao com eventos comerciais, tais como a entrega de unidades, a assinatura de um contrato com uma construtora, a obtencao de uma linha de credito. Essas acoes poderiam ser capitalizadas para a cooperativa, fortalecendo seus lacos.

5.2.2. Sobre Assimetrias

Na rede interna das cooperativas existem sinais de baixa assimetria, ja que os cooperados tem um objetivo comum (a aquisicao do imovel) e convergem em aspectos economicos, sociais e culturais. Nessa situacao, nao existem conflitos relativos a diferencas a serem resolvidas, o que e consoante com as afirmativas de Grandori e Soda (1995) e Hakanson e Ford (2003). Ja na rede externa as assimetrias sao fortes, com a cooperativa apresentando pouca forca de presenca quando contrastada com interesses, capacidades e recursos de construtoras, bancos e governo local. O quadro tende mais para conflitos de interesses do que para cooperacao.

Numa linha gerencial, uma acao importante seria desenvolver a valorizacao de um objetivo coletivo social (oferecer moradia para pessoas) entre as instituicoes, colocando interesses economicos e politicos em segundo plano. Nao e facil, mas e possivel argumentar para as instituicoes que um objetivo coletivo social pode garantir resultados economicos e politicos para os participantes. Em outras palavras, e o esforco para colocar a palavra cooperativa em evidencia nas ligacoes entre as instituicoes.

5.2.3. Sobre Estrutura

Embora as cooperativas tenham que seguir certas normas do governo, sua estrutura (isto e, a posicao relativa de cada cooperado) e decidida internamente, conforme afinidades e experiencias sociais previas. Ja na rede externa a posicao das cooperativas analisadas e de lacos fracos e de baixa frequencia, ou seja, as cooperativas nao fazem parte das relacoes diarias de outras instituicoes, o que ocasiona fluxos extemporaneos e basicamente tecnicos. A dominancia de lacos fracos apresenta vantagens e problemas, conforme Granovetter (1985). Uma das vantagens e a empresa usufruir de certo grau de liberdade para buscar novas ligacoes, fora do grupo mais proximo, que tragam inovacoes. No caso das cooperativas analisadas, seus lacos fracos nao apresentam as vantagens afirmadas por Granovetter, incluindo a inovacao.

A Figura 1 ilustra o ideal de uma rede de relacoes fortes das quatro cooperativas com outras instituicoes, incluindo elas mesmas. Nao e o que se encontrou na pesquisa. Para tornar o exemplo mais claro, a ilustracao desconsiderou as relacoes cruzadas entre as instituicoes que nao sao cooperativas, mas e claro que essas relacoes tambem existem.

[FIGURE 1 OMITTED]

Numa linha gerencial, uma acao importante seria aumentar a presenca da cooperativa nos fluxos de informacoes entre os participantes do negocio. Rede social poderia ser um caminho para maior visualizacao desses atores e sua proximidade com outras instituicoes (muitas das quais tambem construiram suas redes sociais e de relacionamento com o mercado).

5.2.4. Sobre Governanca

Conforme se viu nas secoes anteriores, existem varias regras a serem seguidas para a constituicao e acoes das cooperativas. Imbricada com as acoes tecnicas, a existencia de relacoes sociais foi indicada pelos dados, por exemplo, na escolha de diretoria, na discussao de problemas comuns do bairro, num certo controle social para evitar oportunismos (nos mecanismos de sorteio das unidades, por exemplo), o que indica a existencia de uma governanca informal. Na rede externa, as relacoes sao estritamente tecnicas, sem sinais de governanca informal. Conforme Grandori e Soda (1995), as relacoes formais e informais apresentam-se lado a lado nas redes e criam uma especie de equilibrio entre as relacoes tecnicas e sociais dos atores. A dominancia, ou fraca presenca de uma delas, cria uma assinatura especifica para aquela rede (DeLEON; VARDA, 2009). A assinatura da rede na qual as cooperativas estao imbricadas e de dominio dos fluxos tecnicos.

Numa linha gerencial, uma acao importante e manter e desenvolver cada vez mais a rede social interna, pois ela joga um importante papel na confianca no comportamento dos participantes e em seu controle. Na rede externa, onde predominam as relacoes tecnicas, fica muito dificil desenvolver governanca informal, mas isso ainda pode ser tentado naquelas situacoes sociais ja comentadas na analise do item A, sobre interdependencia, mediante a criacao de eventos sociais.

5.2.5. Sobre formas de compartilhamento e dominancia de fluxos

Os dados indicam que na rede interna da cooperativa existem intensos fluxos de informacoes, com conteudos tecnicos e sociais, o que proporciona certo equilibrio dinamico intraorganizacional, conforme afirmativas de Gulati e Gargiulo (1999) e de Latour (2005). Na rede externa, conforme ja comentado, os fluxos sao essencialmente tecnicos e com acesso parcial, pois algumas informacoes nao chegam aos cooperados, sendo recebidas e resolvidas pela diretoria.

Uma possivel acao gerencial, seguindo a logica das sugestoes anteriores, seria criar formas de relacionamento social entre as instituicoes. Esses vinculos, quando existentes, criam maior comprometimento nas acoes (por exemplo, um banco nao colocar obstaculos na liberacao de verba).

5.2.6. Sobre resultados

Os dados indicam que o resultado mais importante, a entrega da moradia, ocorre com certa regularidade nas cooperativas. Resultados secundarios, tais como ganhos de imagem e ganhos politicos, tambem foram observados. Na rede externa, no entanto, mesmo com os resultados das cooperativas, nao se observaram mudancas, ou satisfacao, ou resultados sobre interesses particulares de outras instituicoes, que criassem maior comprometimento e frequencia nas relacoes com as cooperativas, conforme se esperava que ocorresse (MILES; SNOW, 1986).

Numa linha gerencial, alem das acoes cotidianas de comunicacao com os cooperados, quando da entrega das unidades, seria interessante realizar a mesma acao para a comunicacao com as instituicoes parceiras e, se possivel, indicacao dos ganhos e resultados a esses parceiros. Entre os possiveis ganhos, podem-se citar os ganhos politicos para o governo, economicos para os bancos, sociais para a comunidade do bairro e ganho de imagem para a construtora.

5.3. Resposta a proposicao orientador

As analises realizadas sustentam o argumento da sociedade em rede. Nas quatro cooperativas foi possivel detectar a presenca dos seis fatores estruturantes de redes, mesmo com a dominancia de lacos fracos entre as cooperativas e outras instituicoes. Encontraram-se sinais de interdependencia, assimetrias, estrutura, governanca, fluxos de trocas e resultados.

Na chamada "rede interna" esses sinais foram mais evidentes. Ja na chamada "rede externa" a percepcao que outras instituicoes parecem ter do lugar e da importancia secundaria das cooperativas inibe e esconde alguns sinais de redes, tais como os referentes a interdependencia e aos fluxos de troca. No entanto, num exame mais cuidadoso, percebe-se que as proprias regras do governo criaram artificialmente a interdependencia (cada instituicao depende da outra para realizar sua tarefa), obrigando organizacoes assimetricas a trabalhar em conjunto. Ha uma estrutura formal, os fluxos sao essencialmente tecnicos e os resultados sao pouco partilhados. A rede, no entanto, esta la, so que pouco organizada, ou desenvolvida, considerandose os seis parametros.

Essa posicao secundaria das cooperativas habitacionais e interessante e polemica, uma vez que autores como Burt (2004) afirmam que as organizacoes que se posicionam como intermediarias numa rede--neste caso, entre as empresas construtoras, as instituicoes do governo e os consumidores-cooperados--tem mais chances de se tornar importantes, ou poderosas, ou referentes, porque funcionam como roots, como pontes entre partes. No caso das cooperativas, interpreta-se que lhes falta a consciencia de rede e, especificamente, do papel de intermediarias nessa teia. Conforme dados apresentados, as incorporadoras e construtoras acabaram assumindo parte das relacoes que caberiam as cooperativas, tais como a captacao de consumidores e as relacoes com os bancos. O problema habitacional e de tal importancia no pais que a instituicao que melhor capitalizar as solucoes sera vista como central na rede de relacoes, o que gerara mais procura e mais centralidade, num movimento de retroalimentacao.

Entende-se tambem que falta o sentido coletivo entre as proprias cooperativas, que atuam de forma mais isolada, como organizacoes que competem entre si. Conforme Verschoore e Balestrin (2008), organizacoes com a mesma missao e estrutura podem se unir, formando redes horizontais, fortalecendo-se como elo de uma cadeia e incrementando as trocas de informacoes.

Em outros trabalhos com a mesma linha de investigacao e ainda nao publicados, os autores deste artigo perceberam a mesma lacuna de visao de redes em gerentes de escolas e de panificadoras, mais dedicados aos processos internos e nao desenvolvendo suas relacoes.

6. CONSIDERACOES FINAIS

O objetivo do trabalho foi analisar e apresentar exemplos do argumento da sociedade em rede, resumido na afirmativa de que todas as organizacoes estao em rede, quer utilizem, quer nao, suas conexoes. A proposta de investigacao esta alinhada com as evidencias sobre a crescente importancia do tema de redes, nas suas manifestacoes nos negocios, nas politicas publicas, nas redes sociais (GIGLIO, 2010). A expressao redes tem sido cada vez mais utilizada para a compreensao dos novos arranjos institucionais (BORZEL, 1998); conforme Nohria e Ecles (1992), e uma perspectiva teorica que apresenta vantagens na capacidade explicativa e nos modos operacionais de investigar as instituicoes.

O trabalho, portanto, esta inserido nessa corrente de valorizacao da abordagem da sociedade em rede. Reflexoes anteriores dos autores e pesquisa bibliografica apresentada na secao 3 deste trabalho indicaram que ha convergencia na literatura sobre quais fatores caracterizam a existencia e configuracao de redes. Os fatores sao: interdependencia, assimetrias, estrutura, governanca, formas de compartilhamento e resultados. Considerando a afirmativa basica e a convergencia dos fatores, criou-se a proposicao orientadora, segundo a qual e possivel encontrar e desenhar redes de relacoes a partir dos fatores estruturantes de uma rede, iniciando a investigacao com qualquer empresa do ramo selecionado, isto e, a partir de qualquer no da rede.

Como campo de investigacao, escolheu-se a rede de relacoes de cooperativas habitacionais. Esse campo apresenta caracteristicas especiais, porque coexistem objetivos de negocios, como producao com preco e qualidade, com objetivos sociais, como a inclusao de pessoas sem recursos para obtencao de moradia. Alem do fato de os autores terem facilidade de acesso a pessoas e documentos, essa escolha tambem se justificou pela conclusao da analise bibliografica sobre o tema, conforme se verifica na secao 2, que indicou a raridade de artigos sobre cooperativas, apesar de sua importancia social e economica. Quando se colocou o filtro de trabalhos na perspectiva especifica de redes, o resultado foi zero.

Com essas informacoes e com os principios teoricos construiu-se o plano da pesquisa, objetivando investigar dois pontos: (A) A presenca dos fatores, sustentando a afirmativa de que todas as organizacoes estao em rede; (B) A possibilidade de os dados indicarem acoes gerenciais, o que poderia indicar a forca do modelo explicativo e a validade dos instrumentos de pesquisa. O detalhamento metodologico encontra-se na secao 4.

Foram levantados dados das redes nas quais participam quatro cooperativas habitacionais do Estado de Sao Paulo.

Sobre o ponto (A), as analises indicaram a sustentacao da afirmativa. Foi possivel verificar a presenca dos seis fatores na rede de relacoes das cooperativas. Conforme os dados foram sendo coletados e analisados, surgiu a possibilidade, estritamente academica, de separar as relacoes "internas", isto e, entre os cooperados, das relacoes "externas", isto e, da cooperativa com outras instituicoes. Essa divisao artificial foi interessante porque deu origem a um quadro de uma rede bem configurada das relacoes internas (todos os seis fatores com fortes sinais de presenca) e um quadro de uma rede pouco desenvolvida das relacoes externas (todos os fatores com sinais, mas por vezes bem fracos).

Os resultados tambem possibilitaram o exercicio do objetivo secundario do trabalho, o ponto (B). Foi possivel construir sugestoes de acoes gerenciais, indicando que os fatores sao discriminantes para compreender a situacao, ou estado, ou estagio de desenvolvimento da rede na qual a cooperativa esta inserida. Uma das conclusoes interessantes desse exercicio gerencial foi verificar que as cooperativas nao aproveitam sua posicao de intermediarias nas relacoes com outros atores, tais como construtoras, governo e sociedade, uma vez que autores (BURT, 2004) afirmam que a organizacao que ocupa uma posicao intermediaria tem mais chances de se tornar um ator central na rede.

As conclusoes do trabalho estao alinhadas com os principios do paradigma da sociedade em rede. Conforme Castells (1999) e Nohria e Ecles (1992), a sociedade se organiza cada vez mais no formato em rede, substituindo o padrao de pequenos grupos, fechados e com lacos redundantes, como e o caso de grupos familiares e pequenas empresas. No foco mais especifico dos negocios, modificam-se os padroes de producao e estrategias das empresas, cada vez mais definidos pela rede de relacoes em que a instituicao esta imersa. A pesquisa mostrou, no entanto, que as cooperativas habitacionais investigadas ocupam posicao secundaria na rede de relacoes, embora sejam as principais responsaveis pela producao e entrega do imovel. Sinais oriundos das entrevistas possibilitam a interpretacao de que faltam aos representantes das cooperativas a visao e a consciencia de uma sociedade em rede, uma vez que seguem a trilha de estrategias de competicao isolada.

O trabalho tem como um de seus limites a discussao teorica, ja que os autores optaram por apresentar diretamente os argumentos da sociedade em rede, sem discutir os outros dois paradigmas existentes, o paradigma racionaleconomico de redes e o paradigma social-tecnico. Esse trabalho comparativo ensejaria um ensaio completo. Um segundo limite refere-se ao painel de cooperativas escolhidas. O acesso aos dados foi possibilitado principalmente pelos contatos dos pesquisadores, mas subsiste a duvida sobre se esses casos poderiam ser representativos do que ocorre com o universo das cooperativas, seja no Estado de Sao Paulo, seja no Brasil. Como o objetivo principal era discutir uma afirmativa, aceita-se o limite, mas se entende que ele nao prejudica a discussao apresentada. Na verdade, o limite apresenta um incentivo para novas pesquisas.

Sobre os beneficios, o primeiro deles refere-se a colocar em pauta o tema das cooperativas habitacionais na perspectiva de redes, dentro do campo da Administracao, uma vez que predominam trabalhos de Direito e Politicas Publicas. Em trabalhos anteriores dos autores (referencias omitidas) o tema das redes na construcao civil, nos servicos imobiliarios e nas politicas publicas de habitacao ja havia sido tratado. A conclusao comum nesses estudos e de que sao raros os trabalhos na perspectiva de redes, apesar da complexidade do negocio, o que indica que esta lente teorica tem competencia para explicar o fenomeno.

Outro beneficio, resultado do exercicio de construcao de acoes gerenciais, e mostrar uma linha alternativa de desenvolvimento de organizacoes, no caso, as cooperativas, a partir de suas conexoes, diferentemente do padrao de utilizar os chamados recursos internos. A analise demonstrou que um dos problemas das cooperativas e sua posicao secundaria na rede de relacoes, com as consequencias que isso implica em sua reputacao, poder e legitimidade. As construtoras estao assumindo funcoes das cooperativas, levando a fama, a responsabilidade e a visibilidade.

Concluindo, pode-se afirmar que o argumento da sociedade em rede encontrou sustentacao na analise das relacoes das cooperativas habitacionais com outros atores. As cooperativas estao imersas numa trama de relacoes com inumeras organizacoes, e os dados indicam que seus gestores nao veem essa rede, atuando no padrao tradicional de mercado. Afirma-se que a consciencia do formato em redes poderia trazer beneficios as cooperativas, pois indica um caminho alternativo de aproximacao com as organizacoes, ao inves de relacoes estritamente comerciais. Tecnicamente, afirma-se que as cooperativas estao imersas em redes num estado de latencia, isto e, as redes existem, mas nao se organizaram e nao se desenvolveram.

Na perspectiva metodologica, o trabalho modestamente indica um campo de pesquisas promissor, utilizando um conjunto de fatores que pode ser aprimorado e utilizado num instrumento de pesquisa.

DOI: 10.5700/rege548

Recebido em: 17/12/2012

Aprovado em: 22/9/2014

Ernesto Michelangelo Giglio

Professor e Pesquisador do Programa de Mestrado em Administracao da Universidade Paulista (UNIP)--Sao Paulo-SP, Brasil

Doutor em Administracao pela Universidade de Sao Paulo

E-mail: ernersto.giglio@gmail.com

Jose Roberto Gamba

Professor de Administracao do Grupo Drummond--Sao Paulo-SP, Brasil

Mestre em Administracao pela Universidade Paulista (UNIP)

E-mail:jose.roberto335@gmail.com

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