Low income consumers and online shopping: apprehensions in consuming through the internet/Consumidores de baixa renda e compras on-line: receios em consumir pela internet/Consumidores de baja renta y compras on-line: temores al consumir por internet.
Dias, Juan Pablo da Silva ; Hemais, Marcus Wilcox
I. INTRODUCAO
Desde que Prahalad referiu-se a fortuna na base da piramide
(PRAHALAD; HART, 2002), atencao empresarial e academica tem sido dada a
questoes relacionadas a consumidores de baixa renda. Esse segmento de
mercado, ainda pouco explorado, e formado por uma massa de bilhoes de
individuos cujo poder de compra, em conjunto, representa uma
oportunidade de negocios valiosa (PRAHALAD, 2006).
O advento do plano Real, em 1994, e considerado um marco na
historia brasileira sob o ponto de vista da inclusao de individuos de
baixa renda no consumo (ROCHA, 2009). Antes disso, associava-se a esse
segmento somente a compra de bens de natureza essencial, pois seus
escassos recursos financeiros restringiam seu acesso a superfluos
(BARROS, 2006). A partir do momento em que a economia se estabilizou,
aumentando o poder de compra dos brasileiros, o segmento da base da
piramide social passou a comprar produtos e servicos antes so acessiveis
a consumidores de classes economicas mais elevadas.
No Brasil, um setor que vem crescendo, em parte em razao do aumento
do poder de compra dos individuos de baixa renda, e o de internet. O
aumento das vendas de computadores para as classes pobres, juntamente
com acoes governamentais, tais como os programas "Computador para
todos" e "Computador na sala de aula", facilitou o acesso
desse segmento a rede virtual (BARROS, 2009). Mesmo quando nao possuem
meios proprios em seus domicilios, individuos de baixa renda usam lan
houses e telecentros para acessar a internet. Esses estabelecimentos,
comumente localizados em bairros populares, tornaram-se pontos de
encontro de jovens para socializacao tanto pessoal quanto virtual
(NAZARIO; BOHADANA, 2012).
Apesar do aumento da relacao entre a internet e o segmento de baixa
renda, percebe-se uma escassez de estudos academicos que dedicam atencao
ao tema. As poucas pesquisas que se debrucam sobre a questao apontam que
esses consumidores percebem a internet como uma ferramenta para buscar
entretenimento, educacao e, principalmente, relacionamentos (BARROS,
2009, 2011). Dados sobre a participacao dos brasileiros nas redes
sociais mostram o quanto internautas pertencentes as classes C, D e E
estao engajados em sites dessa natureza. Enquanto na classe C 72% de
usuarios de internet frequentam redes sociais, nas classes D e E esse
porcentual e de 69% (MACIEL, 2013).
Barros (2009) mostra que, embora a internet esteja presente na vida
de individuos de baixa renda, a compra de produtos e servicos on-line
ainda e uma atividade que gera desconfianca nos mesmos. Morgado (2003)
tambem aponta esse fato, quando chama a atencao para a existencia de um
grupo de consumidores, cuja renda mensal varia de R$ 2 mil a R$ 3 mil
(considerado de baixa renda), que demonstra pouca propensao a comprar
pela internet. Pouco se sabe, entretanto, sobre os motivos de esses
consumidores possuirem receios de compras virtuais.
Estudos dedicados a entender receios associados a compras pela
internet sao realizados com publicos, predominantemente com segmentos
cujos niveis de renda sao mais elevados, tanto no Brasil (GONCALVES
FILHO, 2000; KOVACS; FARIAS, 2004) quanto no exterior (GLOVER; BENBASAT,
2011; SOOPRAMANIEN, 2011). Por se restringirem a tais amostras, esses
estudos nao permitem afirmar que as mesmas logicas utilizadas por esses
individuos podem ser aplicadas a consumidores de baixa renda.
O presente trabalho, portanto, tem como objetivo analisar os
motivos pelos quais a populacao de baixa renda tem receios em realizar
compras on-line. Dessa forma, as informacoes trazidas aqui podem
contribuir para entender melhor se ha semelhancas ou diferencas nos
receios que esses consumidores possuem de consumir pela internet.
2. REFERENCIAL TEORICO
Para comecar a entender o fenomeno estudado, a presente pesquisa
faz uso de dois eixos teoricos, como base para sua analise. Em um
primeiro instante, e apresentada a literatura que versa sobre o uso da
internet por consumidores de baixa renda. Em seguida, debatem-se os
riscos percebidos em consumir pela internet.
2.1. A internet e o consumidor de baixa renda
Segundo Lemos e Martini (2010), o aumento do numero de computadores
e do acesso a internet por consumidores de baixa renda, no Brasil, e
consequencia das politicas de inclusao digital do governo federal. Por
meio de programas como o "Computadores para Todos", sao
oferecidas linhas de credito a esse publico, para que possa adquirir
tais equipamentos pagando mensalmente parcelas de baixos valores. O
programa tambem foi responsavel por impulsionar o crescimento expressivo
das lan houses espalhadas pelo pais, incentivando individuos desse
segmento a se tornar empreendedores.
A proposta de possibilitar acesso a tecnologias aos consumidores de
baixa renda e, assim, introduzi-los na realidade digital e uma
iniciativa registrada nao somente no Brasil, mas tambem em varios paises
com grandes segmentos de populacao de baixa renda, tais como China,
India, Mexico e Paquistao (AKHLAQ; AHMED, 2013; KESHARWANI; BISHT, 2012;
NDUNG'U; WAEMA; MITULLAH, 2012; ZHENG et al, 2012). Nesses
contextos, percebe-se a boa aceitacao dessa populacao em navegar pela
rede, embora a falta de maiores niveis de educacao formal dificulte a
adocao da pratica por mais consumidores (AKHLAQ; AHMED, 2013; GUTIERREZ;
GAMBOA, 2010). Em todos os casos, o objetivo de tal iniciativa e
melhorar a qualidade de vida desses individuos, ajudando-os a construir
capacidades e aprendizado. Mais do que apresenta-los a uma nova
realidade, o que se busca e sua inclusao social (MADON et al., 2009).
Bier et al. (1997) mostram quanto o acesso a internet transforma a
vida de familias de baixa renda. Em seu experimento, os autores
constataram que, apos pouco mais de um ano com acesso irrestrito para
navegar na rede, os pesquisados alegavam mudancas em sua autopercepcao.
Por conseguirem dominar uma tecnologia antes desconhecida e considerada
complexa, reportaram sentir-se mais confiantes, sem sentimentos de
inferioridade em relacao a seus pares economica e socialmente
superiores. Manifestaram, tambem, que conseguiram aprender e, com isso,
crescer intelectualmente, por estarem expostos a mais informacoes e
desafios. Servon e Kaestner (2008), similarmente, mostram que
consumidores de baixa renda possuem interesse em se tornar
tecnologicamente letrados, e que, por isso, intervencoes a favor dessa
iniciativa devem ser incentivadas.
Alem de um fator de inclusao, o acesso de consumidores de baixa
renda a computadores e a internet e visto por Barros (2009) como uma
forma de sociabilizacao. Em seu estudo com jovens de uma favela do Rio
de Janeiro, a autora aponta que as preferencias de navegacao de seus
pesquisados sao sites de relacionamento, tais como o Orkut, e o programa
de mensagens instantaneas MSN Messenger. Seu uso serve para fortalecer
vinculos entre o usuario e amigos, cuja maioria e conhecida pessoalmente
e faz parte de seu dia a dia. Tais espacos virtuais somam-se ao contato
face a face do individuo com seus pares.
Barros (2009) tambem defende que a internet e percebida como uma
ferramenta fundamental para potencializar a educacao. No contexto
familiar de individuos de baixa renda, pais acreditam que a posse de um
computador, muitas vezes obtida com esforco, e um meio para aumentar o
acesso de seus filhos a informacoes, facilitando assim seu desempenho
academico. A preocupacao em ensinar que o computador nao e somente um
meio de entretenimento leva os pais a restringir o acesso de seus filhos
ao "micro" quando estes nao obtem resultados satisfatorios na
escola (BARROS, 2011).
Campos (2010) descreve quanto a internet e um passatempo tipico de
jovens de baixa renda. Em sua pesquisa, a autora constatou a
familiaridade que meninas possuem com sites de jogos on-line ligados a
moda e ao universo da beleza, nos quais e possivel brincar de maquiagem,
pet shop e salao de beleza, e ate mesmo selecionar roupas para
utiliza-las nas bonecas virtuais da Barbie e da Polly.
Mesmo quando nao possuem acesso a internet em seus domicilios,
consumidores de baixa renda fazem uso de lan houses para navegar na
rede. Alem de "ficarem por dentro" do que ocorre em redes
sociais, divertem-se com jogos on-line, que, em diversos casos, permitem
que mais de um usuario jogue ao mesmo tempo. Tais espacos acabam se
tornando locais de socializacao entre os jogadores, que se ajudam a
prosseguir no jogo, compartilhando dicas sobre como vencer (BARROS,
2011).
Embora consumidores de baixa renda possuam familiaridade com a
internet, ainda ha restricoes quanto ao que realizam na rede. O uso
desse canal como meio para o consumo, por exemplo, e visto negativamente
por individuos desse segmento, conforma relata Barros (2009). A autora
aponta que seus entrevistados sentem grande desconfianca de comprar pela
internet. A base para tais sentimentos sao casos de compras feitas pelos
proprios respondentes ou por amigos, que resultaram em um alto grau de
insatisfacao. Consumir algo que seja do universo virtual, na visao
desses individuos, e potencialmente enganoso e, por isso, evitado. Mesmo
quando as promocoes feitas por sites de empresas na internet sao
tentadoras, o receio de "pegar um virus", de "ser
rastreado", de o produto nao chegar ou, ate mesmo, de o que foi
pedido nao ser entregue leva esses consumidores a descartar esse tipo de
compra.
Diferentes autores (GIRARD; KORGAONKAR; SILVERBLATT, 2003; GONG;
STUMP; MADDOX, 2013; NASERI; ELLIOTT, 2011) mostram que essa realidade
nao e exclusiva do Brasil. Em outros paises, tais como Estados Unidos,
Australia e China, tambem foram encontradas evidencias de que o nivel de
renda e um fator determinante do consumo on-line. Em geral, quanto mais
baixo o nivel de renda, menor a probabilidade de o consumidor adquirir
algo pela internet. Explicacao para isso sao as preocupacoes do segmento
de baixa renda com os riscos percebidos em comprar produtos e servicos
por meio desse canal.
Mesmo com evidencias de que ha diferentes visoes e comportamentos
de consumo pela internet entre consumidores com distintos niveis de
renda, poucos estudos tem se dedicado a entender o consumo on-line de
segmentos de baixa renda (BARROS, 2009). Dessa forma, sao escassos os
conhecimentos sobre os receios que esse segmento manifesta pela compra
por meio desse canal de vendas.
2.2. Riscos percebidos em consumir pela internet
Diferentes estudos (HERRERO; MARTIN, 2012 GLOVER; BENBASAT,
2010-2011) apontam que os receios em consumir por meio da internet estao
associados a uma gama de riscos percebidos nessa forma de
comercializacao. Crespo, Bosque e Sanchez (2009) discutem que, em geral,
tais riscos podem ser classificados em seis categorias: economicos,
sociais, temporais, psicologicos, de desempenho e de privacidade. Os
autores mostram, todavia, que ha diferencas na forma pela qual
consumidores percebem a intensidade de cada um desses riscos, sendo os
economicos e de desempenho os que oferecem maior preocupacao.
Similarmente, Goncalves Filho (2000) discute que os principais riscos
associados a compra on-line sao: a possibilidade de o numero do cartao
de credito ser utilizado por um terceiro, o pagamento adiantado sem
garantia de recebimento da mercadoria e a falta de informacoes em geral.
De maneira a entender se tais percepcoes de riscos variam entre
diferentes grupos de individuos, alguns estudos fizeram comparacoes
entre distintos perfis de consumidores, chegando a diferentes
conclusoes. Kovacs e Farias (2004), por exemplo, mostram que usuarios da
internet que compram por esse meio percebem menor risco do que aqueles
que nunca compraram. Ambos os grupos reconhecem que compras pela
internet apresentam riscos fisicos (relacionados a danos a mercadoria
durante seu transporte), de futura oportunidade perdida (relacionados a
perdas de melhores condicoes de compra fora da rede) e de transmissao da
informacao na compra pela internet (relacionados a interceptacao e
divulgacao nao autorizada de dados pessoais do consumidor). Alem desses,
o grupo dos nao compradores tambem percebem outros riscos na compra
on-line: o de satisfacao (relacionado a sentimentos negativos na
pos-compra do produto), o funcional (relacionado as dificuldades no
processo de compra) e o de perda da socializacao (relacionado a falta de
contatos pessoais durante a compra).
Outros estudos, entretanto, demonstram nao haver diferencas nos
riscos percebidos por usuarios e nao usuarios da Internet (CRESPO;
BOSQUE; SANCHEZ, 2009). Liebermann e Stashevsky (2002), por exemplo,
defendem que, tanto para consumidores experientes em consumir pela
internet quanto para consumidores que nao consomem na rede, os fatores
de maior risco sao o roubo das informacoes do cartao de credito e a
exposicao de dados pessoais.
No que tange a comparacao entre consumidores com distintos niveis
de renda, estudos mostram que ha diferencas na percepcao de risco entre
eles. Macieira, Carvalho e Lima (2011), por exemplo, mostram que
consumidores com rendimentos mais elevados percebem como menores os
riscos financeiros e maiores os de privacidade do que seus pares que
possuem baixa renda. Bart et al. (2005) tambem apontam que, para
consumidores de baixa renda, mesmo que um site comercialize produtos de
marcas conhecidas, isso nao seria motivo suficiente para desenvolver
confianca na compra por meio desse canal. Diferentemente, consumidores
com niveis de renda mais elevados tendem a demonstrar maior confianca em
sites de vendas quando eles oferecem produtos de marcas.
Hernandez, Jimenez e Martin (2010) defendem que o nivel de renda
somente deixa de ser uma variavel que diferencia o comportamento dos
segmentos de alta e de baixa renda quando o consumidor adquire diversas
experiencias positivas consumindo pela internet. Isso ocorre porque o
aumento das experiencias de utilizacao da internet e a percepcao de
conhecimento sobre como comprar por meio desse canal de vendas diminuem
a percepcao de risco em compras online (HERNANDEZ, 2004).
Embora exista conhecimento sobre os riscos percebidos em compras
realizadas pela internet, pouco se sabe sobre como tais riscos sao
observados pelos consumidores de baixa renda. E possivel que fatores
geradores de desconfianca sobre o consumo na rede em individuos de
classes de maior renda sejam percebidos similarmente por seus pares de
menor renda. Afirmar a validade de tal pensamento, todavia, e dificil
sem que pesquisas proprias sobre esse segmento possam corrobora-la.
3. METODOLOGIA
O presente estudo tem como objetivo analisar os motivos pelos quais
a populacao de baixa renda tem receio em realizar compras on-line. Em
razao da escassez de estudos dessa natureza (BARROS, 2009), escolheu-se
realizar uma pesquisa que trouxesse mais conhecimento sobre o tema.
Para isso, dados foram coletados por meio de entrevistas em
profundidade com consumidores de baixa renda. De maneira a garantir que
os entrevistados fossem desse segmento, foi necessario, inicialmente,
escolher o criterio que seria utilizado para tal definicao, em razao de
existirem diferencas entre classificacoes no Brasil. Enquanto ha
criterios que classificam as classes sociais a partir da renda familiar
mensal, tais como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (PNAD),
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (2012),
outros consideram a quantidade de bens e o grau de instrucao do chefe do
domicilio, tais como o Criterio Brasil, elaborado pela Associacao
Brasileira de Empresas de Pesquisa (2012).
Para o presente estudo, escolheu-se utilizar a classificacao de
Neri (2010), baseada no IBGE, que define, por renda familiar mensal, as
cinco classes sociais brasileiras da seguinte forma:
* Classe A: acima de R$ 6.329;
* Classe B: de R$ 4.854 ate R$ 6.329;
* Classe C: de R$ 1.126 ate R$ 4.854;
* Classe D: de R$ 705 ate R$ 1.126;
* Classe E: abaixo de R$ 705.
Outra discussao importante e a de quais classes sociais podem ser
consideradas de baixa renda. No Brasil, na area de marketing, esta
tarefa tem se mostrado desafiadora, em razao da duvida sobre se a classe
C deve ser considerada classe media ou incluida na base da
piramide--formada tambem pelas classes D e E (MATTOSO, 2013; NOGAMI;
PACAGNAN, 2011). De maneira a seguir apenas um criterio, para o presente
estudo os consumidores de baixa renda sao aqueles pertencentes as
classes C, D e E, segundo a classificacao do IBGE e seguindo sugestao de
Limeira (2008).
Ao todo, foram realizadas 23 entrevistas com consumidores de baixa
renda, sendo nove da classe C, dez da classe D e quatro da classe E.
Desse total, todos utilizavam a internet, porem somente cinco alegaram
ja ter comprado algo pela internet no ultimo ano (no caso, entre janeiro
de 2012 e janeiro de 2013). Nenhum entrevistado possuia mais do que tres
experiencias de consumo pela rede, o que caracteriza esse grupo como nao
experiente em compras on-line (HERNANDEZ; JIMENEZ; MARTIN, 2010).
Assim, o perfil de entrevistados que se buscou foi o de
consumidores de baixa renda que utilizavam a internet, porem nao
compravam ou evitavam comprar pela internet. O acesso a eles se deu por
acessibilidade, e um grupo inicial de entrevistados, conhecidos pelos
pesquisadores, indicou os demais participantes da pesquisa, conforme
efeito de bola de neve (NOY, 2008). Tal pratica e comum em estudos com
consumidores de baixa renda, como visto em outras pesquisas (CASOTTI;
SUAREZ; DELIZA, 2009; CHAUVEL; SUAREZ, 2009). Em posse do contato
(numeros de telefone ou e-mail) dos individuos indicados, os
pesquisadores os contatavam, a fim de agendar uma entrevista, que
ocorria nas residencias dos entrevistados ou em seus locais de trabalho.
Diferentemente do estudo de Barros (2009), cujo foco e a relacao de
jovens de baixa renda com a internet, os entrevistados da presente
pesquisa possuiam idades que variavam de 19 a 57 anos. Suas profissoes
eram diversas, tais como porteiros, manicures, faxineiras, balconistas,
donas de casa e vendedores, e, embora todos fossem moradores do
municipio do Rio de Janeiro, residiam em distintos bairros. Foram
entrevistados 14 homens e 10 mulheres, cujos niveis de educacao variaram
do 1 grau incompleto ao terceiro grau completo. A diversidade de perfis
dos entrevistados foi proposital, para que as visoes sobre o objeto
estudado pudessem ser abrangentes, oferecendo um panorama mais completo
dos receios de consumidores de baixa renda em comprar pela internet.
As entrevistas foram guiadas por um roteiro previamente testado com
quatro consumidores que possuiam o perfil do publico-alvo da pesquisa,
seguindo orientacoes de Casotti, Suarez e Deliza (2009). Dois
importantes fatos foram constatados durante o pre-teste. Uma das
perguntas feitas aos entrevistados, ao final da pesquisa, era sobre sua
renda familiar mensal. Percebeu-se que houve desconforto dos
entrevistados em declarar abertamente quanto ganhavam. Para resolver
essa questao, foi elaborado um cartao somente com a pergunta sobre
renda, que foi entregue ao respondente ao final da pesquisa, para que
marcasse sua resposta. Depois de devolvido ao pesquisador, o cartao era
numerado, de forma a identificar o entrevistado e corresponder sua
resposta a entrevista realizada. Essa solucao pareceu agradar os
participantes da pesquisa, pois assim nao precisavam verbalizar seus
rendimentos, algo que, aparentemente, os deixava constrangidos.
Outro problema, talvez ainda mais grave, foi a falta de
entendimento dos respondentes do preteste sobre o conceito de faixa de
renda. Em alguns casos, os entrevistados ficaram em duvida sobre em qual
faixa seriam enquadrados, visto que nao compreendiam que o valor de seus
rendimentos deveria estar contido entre um extremo e outro. Para eles,
uma alternativa de resposta com o valor correspondente aos seus ganhos
mensais deveria estar explicita. Um respondente ficou receoso de marcar
uma das opcoes, pois seus rendimentos eram um pouco acima do extremo
mais baixo da faixa, e nao um valor intermediario. Para minimizar esse
problema, era esclarecido aos entrevistados, antes de preencherem o
cartao com a pergunta sobre rendimentos, como assinalar sua resposta.
Os dados coletados na pesquisa de campo foram analisados em duas
etapas. Na primeira, as transcricoes do audio gravado das entrevistas
foram codificadas. Seguindo recomendacoes de Rubin, H. e Rubin, I.
(2005), alguns codigos surgiram a partir do referencial teorico,
enquanto outros emergiram de fatos identificados nos relatos. Essa etapa
foi importante, entre outros beneficios, por determinar o momento em que
se alcancava a saturacao dos dados, ja que a codificacao era feita em
paralelo as entrevistas. Quando novos codigos pararam de surgir dos
dados coletados, foram encerradas as entrevistas (GUEST; BUNCE; JOHNSON,
2006). Na segunda etapa, as informacoes codificadas na primeira etapa
foram refinadas, compondo o que vieram a ser as categorias de analise do
estudo. Esse refinamento se deu por um processo de comparacao dos
relatos entre si e com o referencial teorico (CARSON et al, 2005;
GUMMESON, 2005; RUBIN, H.; RUBIN, I. 2005), para encontrar as categorias
de analise do estudo.
4. ANALISE DOS RESULTADOS
O item a seguir e dividido em seis subitens, que discutem a relacao
de consumidores de baixa renda com a internet, a preferencia por comprar
em lojas fisicas e nao em sites comerciais, as visoes sobre a falta de
seguranca dos sites de lojas virtuais, as opinioes sobre a falta de
compromisso das empresas que vendem pela internet, a crenca de que os
mesmos episodios negativos de compras pela internet que ocorreram com
outros podem ocorrer com os entrevistados, e a importancia de um
terceiro como fator incentivador ao consumo pela internet.
4.1. Relacao com a internet
Inicialmente, buscou-se entender os pensamentos dos respondentes
sobre a internet, de uma forma geral, e os acessos a rede. Em seus
relatos, falaram sobre o quao "maravilhoso" e poder usar a
internet para buscar informacoes de qualquer natureza, e que isso
representa uma "melhora" em suas vidas, ja que passam a obter
"mais conhecimento". O entusiasmo com que falaram sobre os
beneficios proporcionados pelo mundo virtual os levou a expressar que a
rede e "o maior invento do seculo", e a agradecer a seu
"criador" por disponibiliza-la a todos: "Bendito seja
quem inventou a internet, muito mais do que quem inventou o
trabalho!".
Embora diferentes autores apontem o quanto a internet se tornou um
importante meio para o desenvolvimento de empreendimentos lucrativos
entre segmentos de baixa renda (DEGEN, 2008; PRAHALAD, 2006), esse nao
parece ser o caso dos entrevistados, que se restringiram a apontar a
rede como instrumento de entretenimento, lazer e estudos. Acima de tudo,
a rede possibilita "boas" interacoes sociais, ja que e
possivel "encontrar amigos", "conhecer novas
pessoas" e usar as redes sociais (tais como Facebook e Orkut) para
se "divertir".
Mesmo admitindo que a internet permite tais interacoes sociais, os
entrevistados tambem demonstraram preocupacao com os perigos que essa
socializacao virtual pode representar. Por permitir que relacionamentos
entre pessoas sejam estabelecidos mais facilmente, a internet
possibilita que situacoes extremas ocorram, conforme aponta Miranda:
A internet, para mim, e um pouco complicada.
E que nem uma arma, voce pode usar para o
bem e para o mal. Se a pessoa quiser fazer
maldade com a outra, faz pela internet. Ja sei
que um montao de coisas pode acontecer: uma
pessoa marca com a outra pra conhecer e pode
fazer algum mal, se quiser.
As formas de uso da internet variavam de acordo com a situacao em
que o usuario se encontrava. Os entrevistados relataram diferencas entre
os momentos em que precisavam usar a rede virtual em seus trabalhos, em
locais publicos ou em seus domicilios. No primeiro caso, a internet
serve de instrumento de trabalho, utilizado somente para auxiliar na
execucao de alguma tarefa. Sair desses limites profissionais e
"perigoso", pois "alguem pode estar vendo ou
vigiando" se o usuario esta entrando em sites de entretenimento, o
que pode ocasionar repreensoes ou demissoes. Segundo os entrevistados,
como a internet permite o acesso a qualquer site, cabe a eles impor a si
restricoes quando estao em local de trabalho, como medida preventiva
contra possiveis danos a suas carreiras.
Nos segundo e terceiro casos ha maior liberdade quanto ao que se
pode fazer ou quais sites podem ser navegados. Nesses ambitos, nao ha
preocupacoes com vigilancia sobre o uso da rede, e o usuario pode
"ficar vendo alguma fofoca ou alguma coisa da novela" ou,
ainda, acessando sites de jogos virtuais.
Os entrevistados que possuiam computadores em casa relataram que
nao sao os unicos a usa-los para acessar a internet. Alem deles, seus
filhos, ou outras criancas que residiam em seus domicilios, realizavam
buscas na rede, a fim de encontrar informacoes para trabalhos escolares
ou entretenimento. Diferentemente de alguns entrevistados mais velhos,
que precisaram aprender a usar computadores e a navegar na internet
quando ja eram adultos, a nova geracao da camada de baixa renda parece
se inserir no mundo virtual desde jovem, mostrando intimidade com a
rede. Em alguns casos, os entrevistados relataram como aprenderam a
usufruir da internet com a ajuda de seus filhos e netos. "Agora,
tenho ate e-mail", afirma orgulhosamente Alcione, de 57 anos.
Alem do tradicional computador, os entrevistados citaram o acesso a
internet por meio de aparelhos celulares. Novas promocoes de companhias
telefonicas, que permitem aos usuarios de aparelhos pre-pagos acessarem
a rede, foram citadas por alguns dos respondentes como responsaveis por
eles terem conhecimento sobre o assunto. "E muito mais pratico,
voce ve (em referencia a sites) em qualquer lugar, a qualquer
hora", afirma um entrevistado.
Vale frisar, entretanto, que mesmo conhecendo a possibilidade de
acesso a internet por meio de aparelhos celulares, essa pratica ainda
nao e amplamente difundida entre os entrevistados. Em parte, isso ocorre
porque e um novo servico, que demanda aparelhos tecnologicamente mais
avancados e, em diversos casos, mais caros. Alem disso, e possivelmente
mais importante ainda, segundo alguns entrevistados, ha o fato de o
servico ser visto como mais um gasto, nao considerado de alta
prioridade, o que restringiria sua adesao: "Tenho internet no
celular, mas nao uso. Para consumir os meus creditos? Nem pensar!",
afirma Alexandre.
4.2. A preferencia por comprar em lojas fisicas do que em sites
comerciais
Ao relatarem os motivos pelos quais preferiam nao comprar pela
internet, os entrevistados apontaram fatores relacionados ao ato de
comprar em lojas fisicas que dificilmente poderiam ser substituidos por
experiencias de consumo virtual. Entre eles, descreveram a importancia
de poder tocar aquilo que desejam comprar, do prazer que sentiam ao
fazer compras e do contato com vendedores.
Diferentemente do que ocorre pela internet, onde "voce so ve a
foto do produto", para os entrevistados era importante poder tocar
aquilo que visavam comprar. O contato com o bem desejado tornava sua
avaliacao menos sujeita a erros, pois eles verificavam pessoalmente, por
exemplo, "se a roupa cabe" ou "se a cor e bonita". A
proximidade fisica com o produto parece ser uma garantia de que ele e
compativel com as necessidades e os desejos do consumidor, o que
dificilmente seria possivel analisar no ambiente virtual, onde somente o
sentido visual e estimulado, no caso, por meio de fotos e descricoes de
produtos.
O prazer em se dirigir a uma loja para ter contato com o produto
tambem apareceu nos relatos dos entrevistados como algo que os fazia
preferir compras em ambientes fisicos a virtuais. Ir a um
estabelecimento comercial constituia um momento de lazer, pois nao
englobava somente a busca do bem. Significava, tambem, um momento de
"distrair a cabeca", uma atividade que ocupava o tempo ocioso
de maneira agradavel, conforme relata Monica:
"Eu gosto de ir para o Shopping comprar,
dar uma volta, no final de semana. As lojas
(em) que eu compro, que 'tem' na internet,
'tem' todas no Shopping. Entao, eu nunca
tive curiosidade de comprar (on-line). Se
quero comprar alguma coisa, vou pro
Shopping mesmo".
Barki e Parente (2010) tambem apontam o prazer que consumidores de
baixa renda sentem em ir a estabelecimentos comerciais para fazer
compras, pois, alem de um lazer para o proprio individuo, torna-se uma
forma de entretenimento para os demais membros da familia, especialmente
as criancas.
A ida a uma loja em busca do produto desejado nao e feita somente
com o objetivo de saciar desejos de lazer dos entrevistados. Tem tambem
o cunho de obter mais informacoes sobre a compra com a ajuda de
vendedores, conforme discute Aloizio: "Nao e bem melhor quando voce
tem alguem que entende do assunto para te orientar? Entao, os vendedores
podem me ajudar com qualquer coisa que eu tiver duvida."
Vendedores apareceram como um importante elemento nas
justificativas dos consumidores para nao gostarem de consumir on-line:
"nao 'tem' vendedor 'pra' ajudar". Alem de
ser "estranho" realizar uma compra com "uma
maquina", pois nao ha interacao com outro humano, os entrevistados
apontaram como gostam de ser atendidos, algo tambem discutido por Barki
e Parente (2010). Em parte, isso e explicado pelo sentimento de
satisfacao que sentem ao terem alguem atentando as suas necessidades, e
tambem pelo fato de poderem dialogar com alguem fora de suas rotinas,
conforme aponta Jose Maria: "Comprar na loja e muito melhor...
Mesmo se voce nao comprar nada, se o vendedor for gente boa, ja vale
pelo bate-papo".
Os relatos dos entrevistados mostram o pouco (ou nenhum)
conhecimento que possuiam sobre as ferramentas on-line que as lojas
virtuais oferecem. Alem do servico de atendimento ao consumidor (SAC)
por telefone, diversas empresas disponibilizam o SAC on-line, por meio
de chats nos quais um consumidor pode interagir virtualmente com um
funcionario da empresa, com o intuito de resolver qualquer duvida ou
problema que possua.
A preferencia por comprar em lojas fisicas levava os entrevistados
a perceber as ofertas online como fontes de pesquisa para comparar
produtos, precos e outras caracteristicas. Mesmo sendo expostos "o
tempo todo" a promocoes em redes sociais ou sites de noticias nos
quais navegavam, pouco se interessaram em exercer a compra por canais
virtuais. Ao inves disso, tais comunicacoes de marketing serviam de um
motivador a mais para esses consumidores se dirigirem a lojas, a fim de
realizarem suas compras.
4.3. "Falta de seguranca" dos sites de lojas virtuais
A questao da seguranca das compras on-line oferecidas por sites foi
outro ponto comum entre os relatos coletados, e coincidentes com os
achados de Kovacs e Farias (2004) e de Liebermann e Stashevsky (2002).
Embora existam sistemas tecnologicos de protecao aos sites, que impedem
que dados pessoais de clientes sejam roubados, os entrevistados ainda
acreditam que ha falta de seguranca nas compras pela internet.
Em alguns casos, a falta de conhecimento sobre os sistemas de
protecao existentes e um motivo para desconfianca dos entrevistados
quanto a seguranca em sites de lojas virtuais. Eles alegaram que podem
"pegar um virus" ou ser enganados ao colocar dados pessoais em
"sites falsos", e que por isso nao confiam em compras pela
internet. Em outros casos, todavia, os entrevistados demonstraram
conhecimento sobre as maneiras de garantir que um site comercial seja
seguro: "Eu sei que, para comprar na internet, (o site) tem que ter
aquele selo, 'pra' dizer que e garantido", afirma
Vanessa. Mesmo com tal esclarecimento, isso nao parece ser motivo
suficiente para essa consumidora adotar a pratica de compras pela
internet, pois ela afirma que "Comprar em site e uma
'furada'".
Entendendo que ha sites confiaveis, alguns entrevistados
questionaram: "como que eu sei quais sao os sites seguros?",
ja que a dificuldade em distinguir os de confianca dos demais e uma
restricao a compra on-line. Joaquim resolveu essa questao realizando
compras somente por meio do computador do local onde estava empregado.
Em vez de o proprio entrevistado descobrir qual site era ou nao seguro,
ele confiava essa tarefa a um "sistema de seguranca nos
computadores da empresa", que nao permitia que funcionarios
entrassem em sites fraudulentos, garantindo assim a seguranca de todas
as informacoes transmitidas pela internet. Em sua casa, todavia, Joaquim
nao se "aventurava" a realizar tais transacoes comerciais,
pois a mesma seguranca nao era percebida.
Esse comportamento de desconfianca quanto a seguranca dos sites
comerciais pareceu se diluir quando o consumidor passou a ter uma
relacao mais proxima com a empresa que oferecia o canal on-line. Bruno,
por exemplo, revendia produtos de duas empresas de cosmeticos para
aumentar sua renda. Para solicitar os pedidos feitos por seus clientes,
ele usava o site de ambas as empresas, comprando os produtos em seu
nome. O entrevistado, entretanto, negava-se a comprar qualquer produto
ou servico em outros sites, pois nao confiava neles. Ao ser questionado
sobre qual seria a diferenca entre os tipos de compras, Bruno explicou
que "no site da (nome de uma empresa de cosmeticos) e diferente,
porque ja tenho meu cadastro, eles sabem quem eu sou, por eu ser
consultor."
Para os entrevistados, uma transacao comercial segura e aquela que
ocorre quando ha outra pessoa envolvida no processo que possa lhes
atender, mesmo que o contato seja somente verbal, por televendas. O
problema dos sites passa, tambem, pela certeza de que a loja, de fato,
existe. Ha a percepcao entre esses consumidores de que a loja virtual
nao existe, nao possui um "endereco", e que, por isso, e
falsa, conforme apontou Anderson:
Eu ja comprei coisas por telefone, tipo esses
telemarketing que te ligam 'pra' vender alguma
coisa, sabe? Pelo menos, eu sabia com quem
estava falando. E, tambem, a loja existe. Eu sei
onde fica, tem um endereco. Se tiver um
problema muito grande, eu vou la, resolvo
pessoalmente. Mas, na internet, eu vou resolver
com quem? 'Aonde'?
Vale destacar que a percepcao de falta de seguranca em compras
on-line por parte dos entrevistados pode ter sido decorrente de sua
pouca vivencia com esse tipo de comercializacao. Nenhum entrevistado
possuia mais do que tres experiencias de consumo pela rede ate o momento
das entrevistas. E possivel que, se tivessem mais experiencias de
consumo on-line e conhecessem melhor o ambiente de compras virtual,
esses consumidores percebessem menor risco nesse canal (HERNANDEZ,
2004).
Alem da visao de que falta seguranca nos sites comerciais, os
entrevistados tambem relatam preocupacoes com o descompromisso das lojas
on-line com seus consumidores.
4.4. "Falta de compromisso" de sites comerciais com
consumidores
Outro fator visto pelos entrevistados como barreira para
ingressarem nas compras pelo mundo virtual e o que consideraram falta de
compromisso das empresas que comercializam pela internet com seus
consumidores. Quando falaram sobre essa questao, os entrevistados nao
pareceram reconhecer que uma mesma empresa pode vender tanto em lojas
fisicas quanto em sites, sendo este somente outro canal de vendas. Para
eles, sao duas organizacoes diferentes, apesar de possuirem o mesmo nome
de marca. Ate quando reconhecem que uma empresa possui lojas fisicas e
virtuais, acreditam que o site nao adota a mesma conduta percebida em
lojas fisicas.
A "falta de compromisso" dos sites comerciais com os
consumidores foi descrita pelos entrevistados de tres principais formas:
problemas na entrega de mercadorias, informacoes nao claras a respeito
do processo de compra e formas de pagamento dificultadas.
Ao discutirem os receios de comprar pela internet, os entrevistados
apontaram que possuiam tais sentimentos porque acreditavam que nao havia
garantias de que o produto comprado em um site seria entregue
corretamente. Alem dos problemas de o produto "nao chegar" ou
"ir para o endereco errado", tambem citaram o fato de que
"e bem provavel" que chegasse quebrado, conforme o
entrevistado Marcio:
Esse negocio de comprar na internet nao da
muito certo. E se o produto nao chegar? E se
vem quebrado ou estragado? E muito
complicado. Nao da vontade de comprar nada
na internet. Ainda mais porque eu tenho que
esperar pra chegar e eu nao gosto de ficar
esperando.
Ainda que problemas com compras pela internet jamais tivessem
ocorrido com o entrevistado, sua opiniao a respeito da
"aporrinhacao" que poderia ter com os problemas da entrega de
mercadorias compradas pela internet o impedia de aderir a essa forma de
comercializacao, conforme aponta Maria
Aparecida:
Nunca comprei nada pela internet. Ate pelo fato
do meu primo ja ter comprado, e deu problema.
Primeiro, ele nao recebeu o produto. Ele ligou e
reclamou, e disseram que mandariam o produto.
Ele tinha comprado um celular pela internet e,
quando o produto chegou, nao tinha nada na
caixa, so um pedaco de telha. 'Dai', ele
comunicou, e depois veio o celular, mas chegou
no endereco errado. So depois que chegou certo,
na casa dele. Eu nao sei o site que ele comprou,
mas, por esse motivo, eu nao compro nada na
internet.
A opiniao entre os entrevistados de que falta compromisso de
empresas que vendem pela internet com os consumidores tambem foi
alimentada pela analise de que informacoes nao sao claras nos sites.
Reclamaram da quantidade de informacoes escritas nos sites, que os
confundiam quanto ao que estava sendo oferecido e em quais condicoes.
Assim, descobriram, apos terem comprado o produto, que havia "uma
taxa a mais 'pra' pagar", que "tinha que tirar o
produto no Correio" ou que "as condicoes de pagamento nao eram
aquelas que o site mostrava". Em razao disso, deixaram de comprar
novamente, pois se sentiam "enganados", "perdidos",
ja que, a principio, as condicoes de compras foram expostas no site, mas
eles nao atentaram ou conseguiram entender isso. Acreditavam que as
empresas nao deixam informacoes claras propositadamente, para que
"o consumidor compre, mas nao tenha direito de reclamar".
Cabe questionar, entretanto, ate que ponto tal analise dos
entrevistados e correta, visto que e comum consumidores de baixa renda
possuirem baixos niveis de educacao formal (BARKI; PARENTE, 2010).
Assim, e possivel que a dificuldade de compreender, ou mesmo ler, as
informacoes comunicadas em sites leve a interpretacoes equivocadas sobre
o que esta sendo oferecido ao consumidor (VISWANATHAN; ROSA; HARRIS,
2005).
Outro fato que levava os entrevistados a questionar o compromisso
de empresas que vendem pela internet e a dificuldade existente para
pagar compras em sites. Comumente, esses consumidores alegavam nao
possuir cartao de credito ou impressora para imprimir o boleto bancario,
necessario para o pagamento das compras. Apontavam que, se precisavam
sair de casa e ir ate um banco para pagar o boleto, "qual e a
vantagem de comprar pela internet? E mais facil ir direto na loja".
Alem disso, acreditavam que ha falta de "flexibilidade de
credito" nas compras pela internet. Pelo fato de alguns deles nao
estarem empregados formalmente e nao possuirem renda declarada,
necessitavam de facilidades para pagar suas compras. Lojas fisicas que
se voltam a segmentos de baixa renda, e percebem essa caracteristica de
seus clientes, oferecem crediarios e financiamentos. No comercio
eletronico, entretanto, essa alternativa de pagamento nao e comum,
segundo esses consumidores. Eles viam tais medidas como "uma
escolha dos sites", que nao querem "se comprometer com o
pobre".
A visao de que falta compromisso dos sites comerciais com seus
consumidores levou os consumidores a generalizar esse pensamento a todas
as lojas virtuais. Assim, imaginavam que, se alguem proximo a eles havia
sofrido algum reves em uma compra on-line, era grande a probabilidade de
ocorrer o mesmo com eles.
4.5. Fracasso de consumo on-line de terceiros como referencia para
nao consumir pela internet
Em diversos casos, os motivos apontados para justificar nao
consumir pela internet nao eram associados as mas experiencias dos
proprios entrevistados, mas sim as de terceiros: "Eu conheco uma
pessoa que comprou pela internet e o produto nunca chegou. Depois ela
teve que entrar na justica, porque apareceu um boleto pra ela
pagar", afirmou Aloizio. A partir das experiencias desses
terceiros, os entrevistados passaram a imaginar que: "se aconteceu
com os outros, com certeza vai acontecer comigo", conforme
Francisca.
Quando questionados sobre se conheciam alguem que havia comprado na
internet sem ter experimentado problemas, os entrevistados alegavam que
sim. Em alguns casos, listavam tres ou quatro pessoas que compravam
"toda hora" online. Por outro lado, quando citavam os
consumidores que haviam vivenciado problemas, normalmente falavam
somente de um terceiro proximo a eles. Comumente, entretanto, contavam
estorias que haviam ouvido de outros, sem que conhecessem o consumidor
que havia sofrido a situacao insatisfatoria na rede virtual.
Esse pensamento de generalizacao negativa por parte dos
entrevistados tambem ocorre em relacao a empresas. Se um episodio
negativo de compra on-line ocorreu com um site, podera ocorrer em
qualquer outro. O melhor, portanto, e evitar esses canais de vendas,
pois comprar por meio deles e "uma loteria", ja que existem
("altas") probabilidades de "algo dar errado".
Embora conhecessem exemplos positivos de consumidores que haviam
comprado pela internet sem problemas, os entrevistados pareceram se
prender mais a crenca de que, com eles, episodios negativos ocorreriam.
"Eu conheco amigos que ja compraram pela internet e nao tiveram
problemas. Ja falaram ate para eu comprar, mas eu nao pretendo comprar
nao. Pode dar alguma coisa errada. Sei la. E a Lei 'do'
Murphy", alegou Eduardo.
Uma explicacao para essa forma de pensamento pode estar relacionada
a crenca de que desejar algo alem do que esta dentro da realidade
pessoal pode causar castigos maiores a consumidores de baixa renda, pela
ousadia de fugirem das dificuldades que normalmente vivenciam (SUAREZ;
MOTTA; BARROS, 2009). Assim, explorar um canal de vendas que os
entrevistados normalmente associam com consumidores de rendas mais
elevadas e "transgredir" suas realidades. Vivenciar problemas
com essa forma de comercializacao, portanto, seria um
"castigo" por essa ousadia.
4.6. A importancia de um terceiro para realizar compras on-line
Apesar de demonstrarem diversos receios e justificativas para nao
consumir pela internet, os entrevistados declararam que o incentivo
moral por parte de pessoas proximas seria importante para motiva-los a
comprar on-line. Mais do que um simples apoio, a aprovacao de um
terceiro revelou-se importante para esses consumidores, pois parece lhes
dar coragem para se "arriscar" a realizar uma atividade
"muito complicada" e demasiadamente "perigosa" para
ser feita sem ajuda, conforme aponta Silvia: "Se eu conhecesse
alguem que ja tivesse comprado sem ter problema nenhum, eu poderia ate
comprar. Mas tinha que ser uma pessoa de confianca minha, ne? Nao pode
ser qualquer um nao". Outros estudos tambem mostram a importancia
que consumidores de baixa renda dao a presenca de um terceiro que os
ajude a enfrentar situacoes que consideram dificeis (CHAUVEL; SUAREZ,
2009; BARROS; ROCHA, 2009), ate mesmo no que diz respeito a compras
on-line (FERREIRA et al, 2012).
Alem do incentivo moral, ha o fato de o terceiro, em diversos
casos, possuir mais conhecimento sobre como comprar pela internet do que
o entrevistado. O fato de esses consumidores terem tido nenhuma ou
poucas experiencias de consumo on-line faz com que os terceiros precisem
lhes ensinar os "caminhos", para que "nada de errado
possa acontecer". O entrevistado, entao, passa a ter alguem com
quem "dividir os riscos" da transacao pela rede virtual, ja
que outra pessoa se envolve no processo.
Carla, por exemplo, conta que foi convencida a comprar uma
mercadoria pela internet, apesar de seus receios. Embora o preco mais
barato fosse um importante atrativo para a entrevistada, o fato que mais
pesou em sua decisao de consumir pela rede virtual foi a oferta de ajuda
de um terceiro, que efetuou a transacao para ela. "Se ela (o
terceiro) aceitou fazer isso por mim, quem sou eu 'pra'
reclamar?", questiona a entrevistada. Dessa forma, Carla relata que
sentia "menos pressao" em sua decisao, pois "era como se
a minha amiga fosse a garantia de que eu ia receber a mercadoria".
Vale ressaltar tambem que a presenca de um terceiro na compra de um
produto ou servico pela internet, em alguns casos, e necessaria para
viabilizar a transacao comercial, pois parte dos entrevistados nao
possui cartao de credito. Embora existam outras formas de pagamento de
compras on-line, essa e uma das principais. Pedir emprestado o cartao de
credito de um terceiro, entretanto, e relatado como
"constrangedor", um "incomodo" para quem o empresta,
conforme relatou Adriana:
Eu tive que comprar uma passagem (de aviao)
para minha filha, uma vez. Eu pedi ajuda de
outra pessoa, porque eu nao tinha e nao tenho
ideia de como se faz isso. Como minha filha
disse que tinha que comprar pela internet, entao,
procurei ajuda. Mas, foi chato, pois eu tive que
usar o cartao dessa pessoa, porque eu nao tenho
cartao de credito. Mas ele comprou, parcelou e
fui pagando... Eu nem olhei para o computador.
Nao sei como ele fez, so sei que deu certo.
Possuir um produto que foi comprado pela internet nao parece ser um
fato incomodo para os entrevistados, ja que eles entendem que a
qualidade do produto independe de ele ser de um site ou de uma loja
fisica. O que e visto como problema e a acao de comprar na rede virtual,
em razao das diversas desconfiancas, riscos e dificuldades que eles
percebem existir nesse ato. A presenca de um terceiro e importante na
realizacao da compra on-line porque esse individuo, aparentemente, sabe
como "driblar as coisas negativas" desse tipo de consumo,
deixando ao entrevistado somente a obrigacao de pagamento e usufruto da
mercadoria, acoes que estao alem do mundo virtual.
5. CONSIDERACOES FINAIS
Este estudo buscou analisar os motivos pelos quais a populacao de
baixa renda tem receio em realizar compras on-line. Para isso, 23
entrevistas em profundidade foram realizadas com consumidores desse
segmento, a fim de entender os motivos pelos quais nao compram em sites
comerciais, apesar de utilizarem a internet para outros fins.
Consumidores de baixa renda apresentam limites para o quanto se
relacionam com a internet, que sao determinados pelas consequencias
transferidas do mundo virtual ao mundo real. Enquanto exercem atividades
on-line que acreditam nao impactar em sua seguranca (tais como buscar
informacoes ou relacionar-se com amigos), sentem-se confortaveis, pois
tem controle dos efeitos que a rede pode lhes causar. A partir do
momento em que percebem uma possivel ameaca, por desconhecerem o que
pode ocorrer, resistem em expandir seus limites.
Essa visao e a que parece permear a relacao dos consumidores de
baixa renda com o comercio eletronico. Por nao conhecerem o local fisico
no qual a empresa se encontra, desconfiam dos possiveis males que esta
possa lhes causar. O mais provavel, em sua otica, e que os sites vao
errar o pedido ou sequer enviarao a mercadoria, gerando perdas para o
comprador. Seu julgamento da idoneidade da empresa nao se baseia na
reputacao dela, mas sim no que ocorreu com terceiros conhecidos por
eles.
Dessa forma, os resultados da presente pesquisa contribuem para
contextualizar melhor os receios de consumidores de baixa renda em
realizar compras on-line, ao apresentar pensamentos desse segmento que
sao similares e diferentes dos que sao discutidos na literatura sobre
percepcao de risco em consumir pela internet.
Similarmente aos achados de pesquisadores tanto do Brasil (BARROS,
2009; GONCALVES FILHO, 2000; KOVACS; FARIAS, 2004) quanto do exterior
(BART et al, 2005; GIRARD; KORGAONKAR; SILVERBLATT, 2003; GONG; STUMP;
MADDOX, 2013; LIEBERMANN; STASHEVSKY, 2002; NASERI; ELLIOTT, 2011), a
presente pesquisa mostra que consumidores de baixa renda possuem
resistencia em comprar on-line por nao confiarem que esse canal de
vendas seja seguro ou compromissado com clientes, resultado de problema
na entrega de mercadorias e informacoes obscuras quanto ao processo de
compra. A falta de contato com vendedores e outro motivo de resistencia
a compra on-line apontado pelos entrevistados, fato tambem discutido na
literatura sobre o assunto (KOVACS; FARIAS, 2004). Os achados indicam,
portanto, que existem receios comuns entre consumidores de baixa renda e
seus pares de niveis de renda mais elevados em consumir pela internet.
Alguns achados, entretanto, somam-se a literatura sobre consumo
pela internet, ao mostrarem pensamentos dos consumidores de baixa renda
entrevistados que, em geral, sao deixados de lado. A importancia de
poder tocar aquilo que se pretende comprar, o prazer em ir a um local
fisico para fazer compras e as dificuldades de pagamento aparecem como
outros fatores que inibem a compra on-line desse publico. Talvez, por
serem vistos como mais importantes por consumidores desse segmento,
acabem sendo esquecidos pela literatura, ja que, em sua maioria, estudos
sobre receios em compras pela internet sao realizados com publicos
majoritariamente de niveis de renda mais elevados (GLOVER; BENBASAT,
2011; KOVACS; FARIAS, 2004; SOOPRAMANIEN, 2011).
Entre os aspectos que mais merecem atencao em relacao aos receios
de consumidores de baixa renda em consumir pela internet esta a questao
dos grupos de referencia. Amigos, familiares e conhecidos servem de
exemplos de casos negativos que justificam a resistencia dos
entrevistados em utilizar a internet como canal de consumo. As mas
experiencias dos outros influenciam opinioes desses individuos, que
formam julgamentos sobre o funcionamento da compra on-line,
atribuindo-lhe uma conotacao negativa, como se o proprio consumidor ja
tivesse vivenciado situacao similar.
Ao mesmo tempo em que servem de exemplos negativos de consumo pela
internet, grupos de referencia tambem se apresentam como importante
apoio para consumidores de baixa renda realizarem compras on-line. Sua
ajuda, nesse momento, parece ser um guia por "territorios
desconhecidos", amenizando receios e dividindo o "peso"
da possivel culpa, caso a troca comercial com a empresa virtual seja
malsucedida. Nesse sentido, a experiencia de alguem que consome pela
internet e e visto como uma referencia por esses consumidores torna-se
um aval, legitimando compras realizadas por esse canal de vendas.
A importancia que grupos de referencia tem na opiniao de
consumidores de baixa renda em rejeitar ou aceitar o comercio on-line
parece natural quando observados os riscos que o publico em questao
percebe com esse tipo de consumo. Com um orcamento restrito, tais
consumidores dificilmente se dao ao luxo de adquirir algo que, em sua
visao, possui elevada probabilidade de nao atender a necessidades ou
desejos. Recorrem a opiniao de grupos de referencia, portanto, para
minimizar sua percepcao de risco ou legitima-la. Embora tais receios
tambem possam ser encontrados em consumidores de niveis de renda mais
elevados, as consequencias negativas de uma compra malsucedida podem ser
consideradas maiores entre aqueles de baixa renda (KARNANI, 2011).
Em razao disso, consumidores desse segmento confiam mais em compras
feitas em lojas "fisicas" simplesmente porque podem "ver
e tocar" o produto e sabem aonde devem ir, caso surjam problemas.
Opinioes de grupos de referencia, nesses casos, podem ser substituidas
por experiencias proprias, ja que, no mundo "real", o
consumidor de baixa renda conhece a relacao de troca.
A presente pesquisa conclui que, apesar de receosos, consumidores
de baixa renda possuem motivacoes para o consumo virtual. A fim de
aproveitar essa oportunidade, empresas que comercializam produtos ou
servicos pela internet e que se interessam em vender para consumidores
de baixa renda devem utilizar linguagens que sejam mais proximas da
realidade desse publico, para que individuos desse segmento deem
credibilidade ao site, gerando, consequentemente, confianca no mesmo.
Dada a importancia que esses consumidores dao ao contato mais
proximo, pessoal, com a empresa (ou o vendedor) que esta realizando a
venda, sugere-se que a comunicacao de sites comerciais seja mais clara,
destacando os itens de servicos de atendimento ao consumidor. Dessa
forma, pode gerar mais confianca no comprador, pois ha uma pessoa, mesmo
que por meio de um chat, "escutando" e "dialogando"
com ele sobre suas duvidas e reclamacoes.
Alem disso, sugere-se que empresas que comercializam produtos ou
servicos pela internet atentem para a necessidade da flexibilidade das
formas de pagamento, para que consumidores de baixa renda sejam atraidos
mais facilmente ao consumo on-line. Como foi apontado, nao sao todos os
entrevistados que possuem cartoes de credito, razao pela qual, para
comprarem em sites, precisam de um emprestado de terceiros, algo visto
por esses consumidores como constrangedor.
O presente estudo contribui para entender melhor o assunto
abordado, mas esta longe de esgotar o tema. Demais estudos devem avancar
no assunto, para que a relacao entre consumidores de baixa renda e a
internet seja mais bem explorada. Outras pesquisas poderiam abordar um
caminho diferente do percorrido aqui, estudando consumidores de baixa
renda que realizam compras pela internet e descobrindo os motivos de o
fazerem e as categorias de produtos e servicos que os mesmos se sentem
confortaveis em adquirir. Alem disso, cabe explorar os grupos de
referencia que incentivam consumidores desse segmento a utilizar a
internet para fins de consumo de bens e servicos.
DOI: 10.5700/rege554
Recebido em: 5/9/2013
Aprovado em: 8/12/2014
Juan Pablo da Silva Dias
Graduado em Administracao de Empresas pela Pontificia Universidade
Catolica
do Rio de Janeiro--Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Extensao para Marketing Digital: SEO--Search Engine Optimization
pela
Coordenacao Central de Extensao da PUC-Rio
E-mail: diasjuan@gmail.com
Marcus Wilcox Hemais
Professor do Departamento de Administracao da Pontificia
Universidade Catolica do Rio de Janeiro--Rio de Janeiro-RJ, Brasil
Doutor em Administracao de Empresas pelo Instituto Coppead de
Administracao da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em
Administracao de Empresas pela Pontificia Universidade Catolica do Rio
de Janeiro Graduado em Administracao de Empresas pela Pontificia
Universidade Catolica do Rio de Janeiro.
E-mail: mhemais@gmail.com
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