Culture and international positioning of services brands/Cultura e posicionamento internacional de marcas de servicos/Cultura y posicionamiento internacional de marcas de servicios.
Ikeda, Ana Akemi ; Garran, Vanessa Gabas
1. INTRODUCAO
Assim como atitudes e experiencias facilitam o processo decisorio
de compra e consumo, tambem as marcas assumem uma funcao preponderante
na decisao do consumidor entre as multiplas opcoes existentes tanto para
bens quanto para servicos. As marcas conseguem se diferenciar da
concorrencia, distinguir-se dentre outras marcas, reduzindo, assim, o
esforco do consumidor em seus momentos de escolha. A marca, como simbolo
de consumo, pode exercer um encantamento sobre os consumidores e lhes
oferecer a possibilidade da autorrealizacao por meio da posse de bens ou
da contratacao de servicos.
Dessa forma, a gestao de marcas possui grande importancia no
marketing das organizacoes, que compreende desde a concepcao e o
desenvolvimento de um produto ate as estrategias de comunicacao dele.
A globalizacao implicou novos rumos para praticamente todos os
negocios e exerceu uma influencia crescente sobre os mercados e sobre as
marcas. Para os gestores das organizacoes e, consequentemente, das
marcas, o desafio de avancar as barreiras de seus proprios paises de
origem se torna preponderante.
Nesse sentido, a construcao de marcas deve considerar tambem os
desafios e as dificuldades inerentes ao processo de internacionalizacao,
e nao se limitar aos aspectos da gestao local, no proprio pais de
origem. Assim, um dos principais pontos de atencao na gestao
internacional de marcas passa a ser a escolha da combinacao adequada de
fatores, para que a marca seja comercializada de maneira bem-sucedida em
diferentes paises e culturas.
Assim, a questao de pesquisa que norteou o presente trabalho foi a
seguinte: quais os fatores que orientam o posicionamento de uma marca de
servicos no mercado externo, considerando-se tanto a manutencao da
essencia da marca quanto os aspectos culturais locais?
A partir da questao-problema proposta, foi definido o seguinte
objetivo geral do estudo: identificar o processo de criacao da
identidade, proposicao e comunicacao (posicionamento) da marca de
servico no ambiente de internacionalizacao no segmento bancario a luz
dos aspectos culturais locais.
2. PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS ADOTADOS NA PESQUISA
Dado o pouco conhecimento existente sobre o assunto, a pesquisa
utilizada foi exploratoria e qualitativa. Qualitativa, pela procura de
compreensao dos significados e caracteristicas situacionais apresentados
pelos entrevistados (RICHARDSON, 1999), e estudo de caso, porque seu
uso, segundo Yin (2005), e apropriado quando se trata de uma
investigacao empirica que examina um fenomeno contemporaneo dentro de
seu contexto da vida real, principalmente em situacoes em que os limites
entre o fenomeno e o contexto nao estao claramente definidos. Bonoma
(1985) tambem argumenta que a utilidade do metodo reside no fato de que
muitos fenomenos nao podem ser estudados fora de seu contexto natural,
nao sendo passiveis de mensuracao, o que se aplica adequadamente aos
fenomenos de marketing e, especificamente, a este trabalho, que analisou
o Banco Itau e o Banco Santander. Essas instituicoes foram escolhidas
por terem passado por um forte processo de internacionalizacao nos
ultimos anos. De um lado, um banco brasileiro (Itau) ingressando em
paises estrangeiros, e, de outro, um banco estrangeiro (Santander)
implementando suas operacoes no Brasil e adaptando-se aos aspectos
culturais locais.
O roteiro de entrevistas foi elaborado em funcao do objetivo e da
questao de pesquisa, e foi guiado pelos principais topicos levantados na
pesquisa bibliografica. Foram feitas entrevistas pessoais com quatro
executivos do Banco Itau responsaveis por assuntos externos, America
Latina e marcas, e dois do Banco Santander ligados a gestao de marcas e
a comunicacao, pelas proprias pesquisadoras nas respectivas instalacoes
dos bancos. Essas entrevistas foram gravadas com a permissao dos
entrevistados no periodo de dezembro de 2009 a marco de 2010, com tempo
medio de entrevistas de uma hora e meia. Em seguida, procedeu-se a
categorizacao e classificacao das respostas, com analises individuais e
comparativas que levaram a descobertas descritas no item "analise
de casos", apresentado posteriormente.
Espera-se com isso contribuir para ampliar a compreensao do
processo de internacionalizacao de marcas no setor bancario, que tem
sido bastante significativo nos ultimos anos. A seguir sao apresentados
e discutidos os principais assuntos que contextualizaram e nortearam o
direcionamento da pesquisa: (i) cultura e (ii) gestao de marcas de
servicos no mercado externo. Apos essa discussao, faz-se a analise dos
casos e finaliza-se com o quadro comparativo entre ambos e as
consideracoes finais.
3. CULTURA
Para Kroeber (1952:136), a cultura "e uma forma habitual de
agir, sentir, e pensar de maneira canalizada por uma sociedade, que se
destaca em um numero variavel e infinito de maneiras potenciais de se
viver". Essa maneira de se comportar inclui varios detalhes de
conduta, e cada um deles representa a reacao normal e antecipada de
qualquer dos membros da sociedade a um evento particular. Tal evento ou
situacao configura um consenso de conduta e opiniao, que se constitui em
um padrao cultural, ou seja, na cultura como um conjunto organizado de
tal padrao.
Kluckhohn (1962) tambem apresenta seu conceito de cultura:
Cultura [...] e o nosso legado social, contrastado com nossa
heranca organica. E o principal fator que nos permite viver juntos em
sociedade, proporcionando-nos solucoes pre-fabricadas para nossos
problemas, ajudando-nos a predizer o comportamento de outras pessoas, e
permitindo com que outros saibam o que esperar de nos (KLUCKHOHN,
1962:25).
Assim, a cultura, compreendida como um modo de pensar, sentir e
agir, pode ser entendida tambem como a atitude de uma sociedade. Tal
definicao encontra correspondencia na ideia que Hsu (1954:195) apresenta
sobre cultura:
Cultura e a acumulacao de comportamentos
aprendidos, sendo que esse termo pode ser
usado em seu sentido mais amplo para incluir
nao somente os padroes do comportamento
manifesto, mas tambem sistemas de valoratitude
e respostas emocionais condicionadas,
que sao transmitidas de geracao a geracao em
uma sociedade [...]. Sociedade e um conjunto
organizado de individuos; cultura e um conjunto
organizado de ideias, habitos, e respostas
emocionais condicionadas, implementado e
transmitido pelos membros de uma sociedade
especifica
Portanto, o conceito de cultura tem sido apresentado de varias
formas. Kroeber e Parsons (1958 apud HOFSTEDE, 2001:25) chegaram a
definicao interdisciplinar de cultura como "conteudo transmitido e
criado, e padroes de valores, ideias, e outros sistemas
simbolicosignificativos como fatores que moldam o comportamento humano e
os artefatos produzidos por meio do comportamento".
Dentre os principais aspectos manifestos de uma cultura, podem ser
citados os produtos industriais, os artefatos, a propria conduta publica
dos individuos, os costumes, a linguagem, as artes e as atividades de
lazer. Tres aspectos manifestos se destacam no estudo do comportamento
humano: os costumes, a linguagem e a conduta publica ou comportamento.
A linguagem e parte da cultura, uma caracteristica aprendida e nao
simplesmente herdada, uma vez que as pessoas podem aprender outras
linguas alem de sua propria. "A linguagem nao e um veiculo neutro.
Nosso pensamento e afetado pelas caracteristicas e palavras disponiveis
em nossa lingua" (HOFSTEDE, 2001:34).
Para Useem (1971), os padroes linguisticos de qualquer grupo humano
sao fatores essenciais no estabelecimento da maneira pela qual as
pessoas se socializam, pensam e agem, em como codificam e expressam seus
valores, na escolha das pessoas com as quais elas podem se comunicar
significativamente, nas chances de conseguir uma educacao superior e um
emprego.
Os aspectos manifestos da cultura se apresentam como produto ou
resultado dos aspectos ocultos, que sao todos aqueles que englobam os
fenomenos psicologicos, ou seja, tudo aquilo que nao pode ser observado,
mas apenas inferido. Dentre os principais aspectos ocultos encontram-se
as crencas e os valores, que por fim acabam determinando grande parte
dos padroes manifestos de uma cultura.
Crencas sao tradicionalmente definidas como conceitos e conexoes
percebidas que os individuos consideram como verdadeiros (MARKOCZY,
2000). As crencas sao as imagens mentais, o conhecimento e a avaliacao
de uma pessoa a respeito de algo, e geralmente sao expressas por meio da
exposicao da opiniao de um individuo sobre algum assunto, tema,
situacao, circunstancia, etc. (SCHIFFMAN; KANUK, 2000).
Os valores tambem sao guias de comportamento, e representam as
normas internalizadas pelos individuos. Apesar de geralmente serem
poucos em termos numericos, sao duraveis, independentes das
circunstancias e aceitos de forma geral, como o valor do trabalho e da
familia.
Assim, e apropriado dizer que a cultura pode ser conceituada como a
personalidade de uma sociedade, um senso de identidade, com suas
proprias crencas, valores, costumes e normas (comportamento aceitavel),
que direcionam tambem o consumo (valores transferidos para a avaliacao
dos produtos). Cada sociedade tem seu proprio idioma, leis, religioes,
habitos alimentares, arte, produtos, tecnologia, vestuario,
relacionamentos, conveniencias, padroes de saude, etc. Assim, a cultura
representa um conjunto de padroes de comportamentos sociais adquiridos e
transmitidos simbolicamente, pela linguagem ou outros meios, aos membros
de uma sociedade.
Os aspectos mais arraigados de uma cultura nao desaparecem
facilmente; para isso, e necessario que outros elementos culturais sejam
oferecidos. Alguns tracos culturais podem ser extremamente duradouros,
ainda que influenciados sutilmente por novos conceitos. Alem disso, ha
que considerar tambem que sociedades diferentes seguirao trajetorias
tambem diferentes, e que cada regiao pode reagir de forma mais ou menos
lenta a pressao global pela universalizacao de produtos e ideias.
Apesar da aparente suave transposicao das fronteiras nacionais,
muitas das barreiras culturais, apesar de nao totalmente intactas, ainda
permanecem. Grande parte dessas barreiras culturais acaba por determinar
ou influenciar os habitos de consumo da populacao.
Considerando-se os conceitos apresentados sobre cultura,
levantam-se os seguintes questionamentos sobre as diferencas culturais e
a atuacao internacional de marcas de servicos: como as organizacoes
consideram os aspectos culturais de outros paises nos quais pretendem
atuar? Tais organizacoes consideram os aspectos manifestos e ocultos da
cultura local? Como lidam com as barreiras culturais com as quais se
defrontam nessa tentativa de internacionalizacao? Houve, de fato, uma
queda das barreiras culturais apos a globalizacao, ou as culturais
locais se mantiveram inalteradas?
O proximo item abordara os conceitos de imagem e identidade de
marca, posicionamento e gestao internacional de marcas de servicos,
assim como as peculiaridades e caracteristicas desse tipo de
gerenciamento, a luz do conceito de cultura, conforme apresentado.
4. GESTAO DE MARCAS DE SERVICOS NO MERCADO EXTERNO
Ellwood (2004) considera que a marca funciona como um tipo de
bandeira, que sinaliza ao consumidor o conjunto de caracteristicas que
proporcionam valor agregado a um produto ou servico, alem de seu
beneficio tangivel, provocando, assim, a consciencia ou lembranca do
produto e diferenciando-o da concorrencia. O autor oferece uma metafora
muito interessante sobre o que e, de fato, o produto, e sobre papel que
a marca exerce nesse contexto:
O produto ou servico pode ser imaginado ou visualizado como uma
bola de golfe dura, branca, enquanto a marca e um balao de gas
transparente, multicolorido, grande, envolvendo a bola de golfe. A
pelicula do balao e a personalidade flexivel que pode ser comprimida e
mudada para adquirir diferentes tracos de personalidade, enquanto a bola
de golfe subsiste. A decisao de compra do consumidor baseia-se
principalmente na caracteristica do balao, embora o uso subjacente
sempre se baseie na caracteristica da bola de golfe (ELLWOOD, 2004:353).
Bacha (2005) defende, igualmente, que a marca vai alem da funcao de
diferenciacao de um produto, porque conquista, na mente do consumidor,
uma posicao de exclusividade:
A marca e na realidade o ponto de referencia das impressoes, sejam
elas positivas ou negativas, formadas pelos consumidores, ao entrarem em
contato com o produto, a distribuicao, a comunicacao, ou o pessoal. Por
outro lado, capitalizando os esforcos de marketing, a marca adquire uma
"aura de exclusividade", o que permite que ela represente,
pelo menos a curto prazo, uma referencia de qualidade (BACHA, 2005:4).
Para gerenciar esse importante ativo, as organizacoes e seus
administradores de marketing possuem uma ampla gama de conceitos,
classificacoes e decisoes estrategicas a serem tomadas, a fim de que
suas marcas sejam conhecidas e valorizadas no mercado. Portanto, a
gestao de marcas tem se tornado um assunto cada vez mais preponderante
nas estrategias de marketing das empresas, em uma epoca de crescente
competitividade e aumento da qualidade de bens e servicos em quase todos
os mercados.
Uma gestao de marcas bem construida deve considerar aspectos
internos e externos a marca. Como aspectos internos citam-se a criacao
de um significado, de uma identidade e de um posicionamento para a
marca, bem como de sua personalidade e grau de diferenciacao; garantia
de qualidade dos produtos ou servicos da marca e sua relevancia para o
cliente; e a manutencao de constante busca pela inovacao. Como aspectos
externos, podem ser citados: a garantia de credibilidade da marca no
publico-alvo; o conhecimento e analise dos beneficios esperados pelos
clientes e de suas percepcoes da marca; a deteccao correta e antecipada
de tendencias por meio de pesquisas; e a correta comunicacao, ao
cliente, de tudo que a marca representa, isto e, sua essencia e
proposicao.
Nas palavras de Lovelock e Wright (2003:299), "o fato de que
os clientes frequentemente encontram dificuldades para avaliar os
servicos os tornam mais dependentes das comunicacoes de marketing para
informacoes e conselhos". Tal afirmacao ratifica a importancia de
uma adequada gestao da marca de servicos, para que o cliente possa se
basear na identidade e posicionamento de uma marca como um indicio de
confiabilidade e de qualidade do servico a ser contratado. Portanto,
para Lovelock e Wirtz (2006:95-96), empresas de servicos devem
[...] transformar uma serie de elementos e
processos de servico em uma experiencia de
servico consistente e reconhecivel, oferecendo
um resultado definivel e previsivel a um preco
especificado. Infelizmente, na maioria das vezes
sao poucas as diferencas discerniveis--alem do
nome--entre a oferta de marca de um banco e a
de outro, e a proposicao de valor nao e clara.
As marcas adquirem um significado simbolico para os consumidores,
ultrapassando os limites dos beneficios obtidos com a compra de um
produto ou com a contratacao de um servico. Mas ate que se alcance esse
estagio, a marca deve estar devidamente posicionada na mente do
consumidor, conforme afirma Lencastre (2007:25-26):
Na verdade, uma marca so concretiza a sua
razao de ser se trouxer agarrada a si uma ou
mais associacoes mentais que a tornem
conhecida, se possivel, estimada, comprada e
mantida pelos seus publicos. Uma marca so e
marca se tiver uma imagem junto dos seus
publicos-alvo ... e esse o fundamento mais direto
do seu valor.
A imagem da marca, sob a perspectiva mercadologica, pode ser
compreendida a partir de duas dimensoes: a imagem visual
"concreta" emitida pela organizacao (tambem chamada de
identidade da marca) e a imagem mental "imaterial", construida
pelos diferentes publicos a partir de sua emissao e da elaboracao de
cada uma das pessoas, tendo como base seu proprio repertorio e campo de
experiencia.
Identidade e imagem sao conceitos que precisam ser diferenciados.
Aaker (1996) e Kotler e Keller (2006) entendem que imagem de marca
refere-se ao modo pelo qual a marca e percebida em determinado momento
pelos consumidores; e a sintese dos sinais emitidos pela marca, sintese
feita pelo publico, conforme visto. Os autores entendem identidade como
a concepcao que a marca tem de si mesma, a maneira pela qual os gestores
querem que a marca seja percebida. Assim, a imagem passa a ser
considerada como um conceito de recepcao, resultado, decodificacao,
enquanto a identidade precede a imagem e esta ao nivel da emissao de
sinais pela empresa.
Aaker (2007:89) apresenta um conceito interessante sobre a
identidade da marca, dividindo-a em duas estruturas: uma identidade
central e outra expandida. Os elementos da identidade "sao
organizados em padroes de significado duradouro, com frequencia ao redor
dos elementos da identidade central. [...] A identidade central
representa a essencia atemporal da marca".
Para o autor, e na identidade central que se encontram as
associacoes com maior possibilidade de continuar constantes a medida que
a marca se desloca para novos mercados e produtos, e isso inclui a
internacionalizacao. Assim, enquanto a identidade expandida e mais
flexivel e sujeita a mudancas, semelhantemente as posicoes da marca e as
estrategias de comunicacao, os elementos da identidade central sao mais
resistentes a mudanca e mais atemporais.
Apos a construcao da identidade da marca, a empresa deve decidir de
que maneira comunicara tal identidade ao seu publico-alvo, ou seja, como
fara o posicionamento da marca no mercado. Portanto, posicionamento de
marca refere-se as estrategias de marketing adotadas pela organizacao
para inserir a identidade de marca na mente dos consumidores, a fim de
que eles formem uma imagem consistente com a identidade pretendida.
O posicionamento esta no cerne da estrategia de marketing e pode
ser entendido como o ato de planejar a oferta da empresa e a descoberta
da "localizacao" adequada desse posicionamento na mente do
consumidor ou publico-alvo, a fim de que a imagem de marca formada ocupe
um lugar distinto e valorizado para esse mesmo segmento de pessoas
(KELLER; MACHADO, 2006).
O posicionamento de uma marca, do ponto de vista da organizacao,
refere-se a maneira pela qual os gestores da marca criam e comunicam uma
identidade aos diversos publicos de interesse. Uma vez que as
organizacoes nao podem ignorar os efeitos resultantes da globalizacao, a
decisao de internacionalizar ou nao a marca tambem deve permear sua
administracao.
A partir da globalizacao, duas tendencias dialeticamente opostas
surgiram. De acordo com Ioris (2007), de um lado houve o reconhecimento
da unidade do mundo como um todo, numa especie de
"compressao/compreensao" do mundo, com processos rapidos e
crescentes de formacao de uma "agenda comum global" de
assuntos ou interesses amplamente aceitos em todo o globo. De outro
lado, tambem ocorre uma dinamica de diferenciacao de identidades
socioculturais, em um processo de autoafirmacao dos modos locais de
vida, em resposta a crescente sensacao de uma homogeneizacao cultural
cada vez mais presente e aos desafios, medos e reacoes, por parte de
grupos culturais especificos, relativos a questao da disseminacao de
padroes e modelos globais de existencia.
Dessa forma, um processo de hibridizacao cultural estaria se
instalando, com estilos de vida sendo distanciados de suas praticas
locais originais e recombinados com novos modos de vida em novas
praticas sociais. "Padroes de identidade tornam-se mais complexos
dado que mais pessoas afirmam lealdades locais e ao mesmo tempo buscam
tomar parte em valores e estilos de vida globais" (IORIS, 2007:53).
Assim, culturalmente, a globalizacao poderia ser caracterizada pelo
desenraizamento de aspectos culturais de origem particular e por seu
novo enraizamento em outra realidade cultural, com novos atributos sendo
recombinados, em um processo global de criacao da localidade e do
particular--a hibridizacao cultural anteriormente mencionada.
Furrier (2008) aborda a questao do posicionamento em nivel global:
Ao se falar de marcas globais, o posicionamento enfrenta o desafio
de lidar com declaracoes de beneficios para publicos cujos gostos podem
nao ser perfeitamente homogeneos. A caracteristica desafiadora da
globalizacao de marcas esta em prever se as diferencas existentes entre
usuarios nos diversos mercados requerem ou nao posicionamentos,
execucoes e marcas diferentes (FURRIER, 2008:194).
Talvez a principal e mais urgente decisao a ser tomada envolva o
dilema da customizacao ou da padronizacao de uma marca que atua em nivel
global. Em que nivel a identidade de marca deveria ser customizada ou
padronizada a fim de construir e manter seu valor? "Pense
globalmente, aja localmente" parece ser a conclusao mais bem aceita
em termos de estrategia internacional. Mas sera que deve ser assim? O
mundo esta tao globalizado a ponto de nao ser mais necessario adaptar-se
ao local, ou a globalizacao e um mito?
Nos esforcos de comunicacao global de uma marca, as empresas devem
conhecer a cultura local, a fim de lidar adequadamente com os dilemas
linguisticos e culturais impostos pela internacionalizacao de produtos e
servicos. Assim, uma marca nao pode ser difundida e trabalhada em nivel
global sem adaptacoes pertinentes a cultura local.
Embora uma marca possa estar adequadamente posicionada em seu pais
de origem, um novo e adaptado posicionamento pode ser imprescindivel
para sua atuacao no exterior, a fim de que se torne relevante nas mentes
dos consumidores estrangeiros.
Considerando-se os aspectos abordados nesta parte do estudo,
pretendeu-se conduzir a pesquisa de campo a partir dos conceitos de
criacao de identidade e de comunicacao desta ao publicoalvo
(posicionamento), atentando para as questoes sobre identidade central e
expandida.
Pela necessidade de limitacao do escopo do trabalho, adotou-se a
dimensao do posicionamento de marca pela forma com que a empresa
comunica sua identidade ao publico-alvo estrangeiro pretendido
(considerando-se a cultura local), apesar de existirem outras atividades
concernentes a ideia de posicionamento, como a analise da concorrencia.
Apos a realizacao e finalizacao do levantamento bibliografico dos
assuntos que permeiam o problema de pesquisa e o objetivo do presente
estudo, serao discutidos, no proximo item, os procedimentos
metodologicos da pesquisa de campo, com a justificativa das escolhas
realizadas a respeito da natureza da pesquisa e da tecnica utilizada.
5. ANALISE DOS CASOS
No presente estudo, foram considerados como unidades de analise os
proprios casos apresentados, relacionados diretamente com o objetivo
proposto no inicio do estudo (analisar o posicionamento internacional de
marcas de servicos sob o enfoque das divergencias culturais locais). Por
se tratar de um estudo de caso multiplo incorporado ou encaixado, foram
definidas tambem subunidades de analise:
* Analise Estrategica de Marca (analise do cliente)
* Sistema de Identidade de Marca (identidade e proposta)
* Sistema de Implementacao de Identidade de Marca (posicionamento e
acompanhamento)
As analises dos casos foram feitas, primeiramente, de maneira
individual, por meio da apresentacao das subunidades de analise (ou
categorias), e posteriormente de maneira consolidada, analisando-se as
informacoes obtidas durante a pesquisa de campo a luz dos fundamentos
teoricos deste trabalho.
5.1. Itau
Para a operacionalizacao do caso Itau foram escolhidos tres paises
em que o banco passou a realizar operacoes: a partir de 2007, com a
compra do BankBoston no Chile e no Uruguai, e a partir de 1998, com a
aquisicao do Banco Del Buen Ayre, na Argentina.
Para os executivos entrevistados, apesar das influencias
interculturais ocorridas a partir da globalizacao, as pessoas de
diferentes nacoes ainda tenderao a manter alguns aspectos principais de
suas culturas, garantindo, assim, algum nivel de diferenciacao entre os
povos. Com habitos e costumes diferentes, as necessidades tambem
continuarao sendo diferentes (LINTON, 1945), o que resulta em diferentes
estrategias de posicionamento de marca nos diversos mercados mundiais.
Assim, a cultura de cada pais tambem possui um componente essencial, que
tende a se manter inalterado.
Particularmente no caso do Itau, ha uma forte caracterizacao da
marca relacionada a aspectos culturais brasileiros, como cores
utilizadas, situacoes do cotidiano, alegria e otimismo presentes nas
pecas de comunicacao, etc. Isso fica claro quando se reconhecem certos
valores (como o da familia, do trabalho e da realizacao de sonhos),
habitos (gosto por futebol, telenovela e carnaval) e a tendencia a maior
afetividade, em detrimento da racionalidade e/ou frieza, tipicas de
outros paises.
Esse "excesso" de brasilidade presente na marca precisou
ser amenizado por ocasiao da internacionalizacao, visto que alguns dos
aspectos culturais brasileiros nao eram favoravelmente avaliados por
alguns povos.
No Brasil, o Itau estabeleceu uma forte correspondencia entre a
identidade comunicada e a imagem formada na mente das pessoas (BACHA,
2005). Um dos principais elementos da marca, a cor laranja e fortemente
reconhecida pelo brasileiro como sendo Itau; pesquisas apontaram muitos
tipos de significacao dessa cor para o publico, ainda que esta nao se
encontre no logotipo da marca. A opcao por essa cor possibilitou um
diferencial importante para a marca, visto que nao ha nenhum outro banco
no mercado brasileiro que utilize a cor laranja.
Apesar de seu grande sucesso em nivel nacional, fora do Brasil o
Itau nao era reconhecido como marca bancaria, chegando a ser confundido
com marca de operadoras de turismo (por causa das estrelas na fachada
das agencias). Dessa forma, houve a necessidade de estudar de maneira
mais profunda o publico-alvo dos paises de interesse.
Um aspecto interessante dessas pesquisas nos mercados externos e a
decisao do Itau de sempre contratar agencias locais de propaganda, visto
que estas conhecem a cultura local e, portanto, podem facilitar o
processo de construcao e comunicacao da identidade da marca de maneira
mais acertada. Essa preocupacao em trabalhar com agencias locais ao
inves de com agencias nacionais ou mesmo internacionais permitiu que a
marca fosse comunicada mais apropriadamente e em menor tempo aos
diversos publicos.
Apesar de as agencias serem locais, uma questao importante desse
processo e a manutencao da essencia da marca Itau. Assim, as agencias
fazem uma traducao dos valores da marca para que a sociedade local possa
fazer a leitura apropriada de tais valores a luz de seus aspectos
culturais.
O que se pode notar, a partir das informacoes obtidas durante a
realizacao do estudo no Itau, e que todas as pesquisas realizadas nos
paises externos visavam conhecer o comportamento do cliente em relacao
aos servicos bancarios, sem mencao aos aspectos culturais locais, visto
que o processo de internacionalizacao nesses paises ocorreu pela
aquisicao de operacoes ja existentes (com excecao da Argentina, em que o
banco iniciou suas operacoes de maneira independente em 1978, partindo
para a compra local apenas posteriormente). Outros aspectos pesquisados
foram as possiveis imagens dos publicos sobre o Brasil e o Itau, caso
conhecessem previamente a marca. Os aspectos intrinsecos aos clientes
limitaram-se a preferencias, valores e habitos que, de certa forma, sao
componentes da cultura, e foram considerados apenas no momento de
comunicar o posicionamento da marca.
Relativamente a identidade central da marca (KAPFERER, 2003; AAKER;
JOACHIMSTHALER, 2000), as entrevistas revelaram que esta e composta das
seguintes dimensoes: foco no cliente, solidez e consistencia,
performance (eficiencia e resultado), qualidade, confianca e
transparencia, inovacao e modernidade, valorizacao dos funcionarios e
sustentabilidade. De alguma forma, todas essas dimensoes sao mantidas na
identidade da marca quando o Itau passa a atuar em mercados externos.
Uma dimensao importante e muito presente na comunicacao da
identidade tanto local quanto externa e a preocupacao com o cliente,
demonstrada por meio do slogan "Feito para Voce". Como afirmou
um dos entrevistados, o foco no cliente reflete muito bem o conceito
central da identidade, visto que muitas das outras dimensoes da marca
resultam dessa, que e uma das principais.
Considerando-se que as dimensoes citadas anteriormente sao
consideradas essenciais para a identidade da marca, as adaptacoes
realizadas por ocasiao da internacionalizacao acabaram sendo muito
sutis, limitadas, muitas vezes referindo-se somente ao formato da
comunicacao da identidade (o posicionamento), o que possibilitou que a
marca mantivesse sua essencia ao longo dos anos e em varios paises.
Embora a cor laranja seja um diferencial de grande destaque para a
marca no Brasil, ela nao foi bem recebida no Chile e no Uruguai a
principio, por ter sido relacionada ao setor de supermercados, de
atributos mais populares. Essa foi uma decisao particularmente dificil
para o Itau, visto que a cor laranja e parte integrante da essencia de
sua marca. Os chilenos e os uruguaios valorizavam a cor preta e objetos
feitos em metal e vidro, e nao apreciavam a cor laranja, nao a
relacionando a servicos bancarios.
A saida encontrada pelo banco foi muito apropriada, com a mistura
de metal com a cor laranja, ou seja, de um lado atendendo aos apelos do
publico local ao utilizar metal e, de outro, mantendo a essencia da
marca ao utilizar a cor laranja, ainda que de forma sutil. Assim, a
manutencao da cor laranja nas agencias pode ser citada como um dos
exemplos mais simbolicos de preservacao da essencia da marca.
Entretanto, a fim de nao chocar os clientes que se desejava manter e
conquistar, a solucao foi acrescentar uma ou outra caracteristica mais
apreciada pelos chilenos, como o brilho, no caso da cor (alem do emprego
de outra cor, o titanio), e metal, no caso da escolha de materiais.
Quanto a um dos componentes mais importantes de uma cultura, a
linguagem (HOFSTEDE, 2001; USEEM, 1971), o Itau tambem procurou adaptar
seu slogan, mantendo, entretanto, a ideia que pretendia comunicar, de
que o cliente era o foco do banco e que o objetivo deste era satisfazer
todas as suas necessidades. Apesar de se tratar de paises de lingua
espanhola (Chile, Uruguai, Argentina), a direcao do banco entendeu que
ate mesmo diferencas no uso de pronomes (como "usted" e
"vos") deveriam ser atendidas, a fim de que a comunicacao
fosse mais bem feita.
Como as operacoes na Argentina foram um pouco diferentes, por se
tratar de um mercado no qual o setor bancario estava desacreditado, as
pesquisas realizadas no pais mostraram que os argentinos nao possuiam
qualquer tipo de restricao quanto a empresas brasileiras que viessem a
operar no pais, o que se configurou como uma grande oportunidade para o
Itau. Assim, a principal dimensao utilizada da identidade da marca foi a
da qualidade no atendimento, levando-se em conta a ausencia de um
sistema bancario eficaz.
Da mesma maneira como ocorreu no Chile e no Uruguai, procurou-se
destacar as qualidades mais importantes da marca a luz nao somente dos
aspectos culturais locais, mas tambem das necessidades especificas
daquele mercado, o que resultou em um posicionamento de cunho mais
emocional (ELLWOOD, 2004), principalmente por ocasiao de cada abertura
de nova agencia (com comunicacao a respeito das caracteristicas e
historia do bairro onde a agencia era aberta).
Assim, embora os atributos essenciais tenham sido mantidos, as
principais dimensoes da marca nos paises externos sao a solidez, a
performance, a qualidade e o foco no cliente, alem da manutencao dos
aspectos centrais da identidade visual. O Itau procura sempre apresentar
pessoas nos anuncios, acrescendo um pouco mais de afeto para com o
cliente e intimidade com ele, que passa a compreender o enfoque do
"Feito para Voce", dado pelo banco, e a identificar-se com
ele. A Figura 1 apresenta o processo de posicionamento da marca no
mercado externo:
[FIGURE 1 OMITTED]
A primeira etapa do processo consiste em proceder a aquisicao de
negocios bancarios ja existentes no pais. Na segunda etapa sao feitas
reunioes com os principais executivos e gerentes de todas as areas do
banco, a fim de conhecer melhor o negocio e de apresentar a marca Itau.
Concomitantemente, sao realizados estudos sobre o pais, feitos em
parceria com as agencias de pesquisa locais e direcionados pela
administracao do banco no Brasil. Sao estudadas as caracteristicas
gerais da populacao e do publicoalvo do banco, suas crencas, valores e
costumes, por meio de pesquisas sobre percepcao (sobre os bancos do
pais, os bancos estrangeiros, o Brasil, o banco no Brasil e o Itau e
seus signos de marca) e sobre habitos de consumo de servicos bancarios
(fatores de decisao, a maneira pela qual os moradores locais escolhem um
banco, o que valorizam e o que esperam de um banco).
A terceira e ultima etapa consiste em um forte alinhamento da
essencia e dos valores da marca, para que as agencias locais de
comunicacao facam a traducao desses valores e os comuniquem a populacao
local, de acordo com suas principais caracteristicas.
No caso da Argentina, em que o Itau iniciou suas operacoes antes
mesmo da aquisicao do Banco Del Buen Ayre, a primeira etapa realizada
foi estudar o pais, a situacao do setor bancario argentino e as
caracteristicas gerais da populacao local. As demais atividades do
processo se mantiveram, com a contratacao de agencias de pesquisa e de
comunicacao locais.
Portanto, resumindo toda a analise efetuada, entende-se que o Itau
conseguiu realizar adaptacoes necessarias na identidade e comunicacao da
marca em paises externos, mas manteve sua identidade central inalterada,
o que representou um fator critico de sucesso para o banco (AAKER;
JOACHIMSTHALER, 2000). A reinterpretacao da identidade da marca foi
feita de maneira sutil, sem descaracteriza-la. A direcao do Banco Itau
sempre entendeu a necessidade de estudar os padroes locais, sejam os
relativos a comportamentos dos clientes, sejam os relacionados a atuacao
da concorrencia, identificando diferencas culturais e sociais que deviam
ser consideradas e nao ignoradas pelo banco.
5.2. Santander
Apesar de atuar desde 1957 no Brasil, apenas a partir do ano 2000 o
banco Santander passou a ser conhecido pelo grande publico brasileiro,
ao adquirir o controle do banco estadual Banespa e centralizar sua
administracao. Desde o inicio de suas operacoes no pais, o Santander
efetuou diversas aquisicoes de outros bancos, dentre as quais uma das
mais significativas foi a do Banco Real, do holandes ABN AMRO, realizada
em 2007. O estudo de caso realizado teve como enfoque o posicionamento
da marca Santander no Brasil a partir da compra do banco Real.
A associacao ocorrida entre as identidades de ambos os bancos
possibilitou ao Santander nao ter que investir em estudos aprofundados
sobre a cultura brasileira, pois muitos dos executivos locais, que foram
mantidos, ja estavam familiarizados com ela. Por se tratar de um setor
de servicos considerado nao atrativo ao publico, relacionado a dividas,
taxas e problemas financeiros de maneira geral, o banco despende um
esforco muito maior na construcao de identidade e de comunicacao efetiva
com o publico-alvo para o posicionamento de sua marca bancaria. Nesse
sentido, a associacao com o banco Real agregou aspectos vantajosos para
o Santander, por se tratar de uma marca conhecida e admirada pelos
brasileiros.
Apesar de nao priorizar pesquisas culturais no Brasil, em certo
sentido o banco tem orientado seu posicionamento da marca pela cultura
local, uma vez que houve a manutencao dos executivos brasileiros na alta
administracao do banco, associada a incorporacao de muitas das dimensoes
da marca Real na construcao da nova identidade do Santander no Brasil.
Para os executivos entrevistados, ainda ha uma forte tendencia a
valorizacao dos aspectos regionais, apesar da globalizacao, visto que as
pessoas, de certa forma, temem o novo e as mudancas. Assim, defendem que
ocorre muito mais uma hibridizacao cultural do que uma homogeneizacao de
diferentes culturas.
A inovacao, essencia da marca, esta contemplada na assinatura
mundial da marca ("O Valor das Ideias"), juntamente com a
questao da pujanca financeira. O banco cresceu de forma organica baseado
nessa inovacao de produtos e servicos, que esta presente nos 40 paises.
O aspecto da inovacao possui muitas dimensoes, englobando inovacoes em
produtos, servicos, solucoes, gestao de pessoas e de fornecedores,
relacionamento com acionistas e com a sociedade, ou seja, inovacao, como
um todo, no jeito de fazer banco.
As entrevistas revelaram que a identidade central da marca
Santander (KAPFERER, 2003; AAKER; JOACHIMSTHALER, 2000) e composta das
seguintes dimensoes: fortaleza de balanco, agressividade, gerenciamento
do risco, lideranca no mercado mundial, vigor, orientacao ao cliente,
etica profissional e sustentabilidade. Dessa maneira, embora tais
dimensoes sejam consideradas inegociaveis e essenciais para a identidade
da marca, as operacoes locais do Santander sao autorizadas a proceder as
adaptacoes necessarias, a fim de que encontrem correspondencia junto ao
publico-alvo local. Mas, de alguma forma, todas essas dimensoes sao
mantidas na identidade da marca quando o Santander passa a atuar em
mercados externos.
Houve uma forte proximidade entre as dimensoes centrais das
identidades de ambas as marcas, visto que o banco Real tambem se
encontrava em um momento de valorizacao da inovacao em gestao, em
sustentabilidade e em foco nas pessoas. Assim, a assinatura mundial do
Santander, "O Valor das Ideias", correspondeu ao que ja estava
sendo trabalhado no Real no Brasil por ocasiao da compra pelo Santander.
Portanto, a fim de deixar a marca Santander com um aspecto mais emotivo
e mais simpatico ao publico brasileiro, foi possivel proceder a uma
juncao das marcas com poucas modificacoes na identidade, mas com
significativas alteracoes na forma de comunicacao com o publico local.
Assim, a complementacao de uma identidade de marca (Santander) com
aspectos da identidade da outra marca (Real) foi uma solucao
satisfatoria encontrada pelo banco espanhol, que procurou reforcar
aspectos da identidade da marca brasileira, agregados ao que o Santander
tambem possuia de melhor em valores e premissas da marca relativamente
as necessidades locais. Ao mesmo tempo, considerou o que a marca
comprada possuia de valor e identidade complementares a sua propria
marca, o que resultou em um posicionamento de cunho mais emocional
(ELLWOOD, 2004).
Uma questao fundamental, e que e parte essencial da marca Santander
em todo o mundo, e a questao do vigor e da utilizacao da cor vermelha.
Enquanto o espanhol nao se sente intimidado com o significado da cor
(agressividade), principalmente por aspectos culturais fortes (as
touradas sao exemplos emblematicos), foi necessario, para comunicar a
marca ao brasileiro, atribuir um novo significado a cor da marca,
considerando-se que o vermelho, como essencia do Santander, nao poderia
ser amenizado ou substituido por outro tipo de cor.
Assim, todas as pecas de comunicacao foram feitas mantendo-se o
vermelho (e, em muitos casos, ate mesmo enfatizando-o), procurando
associa-lo a coisas consideradas positivas pelo brasileiro: coracao,
emocao, paixao, vibracao, a marca Ferrari, a Formula 1, o piloto
brasileiro Felipe Massa, etc.
Fica bem clara a diferenca de posicionamento entre ambos os paises,
pois a comunicacao com os espanhois e bem pautada na questao racional,
de ganho financeiro, em um compromisso puramente de troca entre cliente
e banco. A campanha do "Juntos" foi a maneira escolhida para
comunicar esse novo conceito que o banco assumiu no Brasil. E a
interpretacao brasileira sobre a questao da inovacao com que o banco
procura gerenciar todas as suas relacoes. Mais uma vez percebe-se o
forte direcionamento emocional contido na campanha, que convida o
cliente (ou potencial cliente) a abracar alguma causa pessoal ou social
com o apoio do banco.
A Figura 2 apresenta o processo de posicionamento da marca no
Brasil. A primeira etapa do processo consiste em analisar as premissas
conforme recebidas do pais de origem (Espanha). Tais premissas englobam
os valores da empresa (alinhamento global), a visao da empresa e a
essencia da marca, que deve ser unica no mundo. A missao do banco no
mundo contem aspectos que servem de orientacao para as premissas
iniciais. A segunda etapa refere-se a interpretacao de tais premissas de
acordo com os principais aspectos da cultura local, enquanto a terceira
etapa consiste em fazer uma releitura e atribuicao de novos significados
a identidade da marca, conforme as caracteristicas locais. Nesse
momento, para o Santander, houve tres principais motes para a
interpretacao e a releitura: o Nosso Compromisso, o Nosso Modelo e a
identidade do banco Real no Brasil.
[FIGURE 2 OMITTED]
A quarta e ultima etapa resume-se a comunicar a proposta da marca
ao publico-alvo (posicionamento), o que resultou, para o Santander no
Brasil, dentre outras coisas, no slogan que permeia todas as suas
comunicacoes ("Vamos Juntos?").
Portanto, de maneira resumida, a analise efetuada mostrou que o
Santander tem obtido sucesso ao proceder as alteracoes na identidade da
marca e em sua forma de se comunicar com o publico brasileiro,
principalmente a partir da decisao de utilizar o Banco Real como
plataforma de tal posicionamento. Entretanto, a essencia da marca
Santander nao se perdeu durante esse processo, tendo sido apenas
complementada com aspectos importantes da identidade da marca Real
(AAKER; JOACHIMSTHALER, 2000), o que possibilitou ao Santander,
posicionar-se de forma a gerar identificacao com o publico brasileiro
sem ignorar seus principais valores e crencas.
Feitas as analises individuais, no proximo item sera apresentada a
analise comparativa dos casos estudados.
5.3. Quadro comparativo dos casos
O Quadro 1 apresenta um resumo comparativo entre os casos Itau e
Santander, seguido por comentarios e reflexoes a respeito das principais
diferencas e similaridades entre eles.
O proximo item apresenta as consideracoes finais do estudo
realizado a luz do problema de pesquisa apresentado, bem como as
limitacoes inerentes a metodologia escolhida.
6. CONSIDERACOES FINAIS
Apesar da globalizacao e da aparente queda das barreiras culturais,
as nacoes de todo o mundo ainda mantem suas principais tradicoes,
valores, crencas e costumes, adotando aspectos culturais de outras
nacoes sem, no entanto, que isso implique o desaparecimento da essencia
cultural que permeia cada pais. Assim, tem-se observado uma hibridizacao
cultural entre as nacoes, em um processo de aculturacao misturado a uma
tentativa de manutencao dos principais componentes culturais locais. A
historia e a tradicao de cada nacao constituem-se em importantes
obstaculos a homogeneizacao dos povos. Portanto, sociedades com
historicos, experiencias e necessidades diferentes requerem propostas de
marcas tambem diferentes.
Embora o processo de posicionamento dos bancos estudados tenha
ocorrido por meio de aquisicoes de outras organizacoes, mantendo-se os
executivos dessas empresas, tal fato nao excluiu, em nenhum dos dois
casos, a necessidade de repensar o modo de posicionar-se junto ao novo
publico-alvo.
Apesar de as pesquisas realizadas nao terem como foco a cultura
local, os resultados indicaram a necessidade de uma adaptacao da
identidade das marcas, a fim de que estas correspondam aos anseios e aos
habitos da populacao local. Ambas as organizacoes perceberam que alguns
aspectos importantes de suas identidades de marca nao poderiam ser
comunicados aos novos publicos sem que antes passassem por pequenas
alteracoes.
Assim, em parceria com agencias locais de pesquisa e comunicacao,
ambos os bancos puderam proceder a uma traducao dos valores e da
essencia das marcas ao publico-alvo local, atribuindo novos significados
a algumas dimensoes da identidade central que poderiam nao ser bem
avaliadas pelos locais. Alem disso, ambas as organizacoes resolveram
manter algumas dimensoes importantes das marcas compradas e que eram bem
percebidas pelos clientes, o que resultou em uma releitura feita sob
medida para aqueles paises.
O processo de posicionamento envolveu, em primeiro lugar, uma
revisao dos valores essenciais das marcas sob um forte direcionamento
das matrizes dos bancos. Apos a efetivacao da compra, ambos os bancos
iniciaram um processo de conhecimento da marca comprada e das principais
caracteristicas do publico-alvo. Os valores e as premissas essenciais
das marcas estudadas foram revistos, reinterpretados, complementados,
mantidos e transmitidos de maneira a corresponder as expectativas locais
sem, entretanto, serem descaracterizados em seus formatos originais.
Para ambos os bancos, as essencias e identidades centrais foram
consideradas inegociaveis e deveriam ser mantidas. Portanto, pode-se
concluir que os fatores que orientam o processo de posicionamento de uma
marca de servicos no mercado externo incluem uma revisao dos valores e
da essencia da marca; um estudo das caracteristicas do publico-alvo
local, incluindo alguns aspectos culturais essenciais; uma
reinterpretacao e traducao da essencia da marca; e uma nova maneira de
comunicar a identidade da marca e seu conjunto de beneficios (proposta
ao cliente).
Entende-se, pelo exposto, que as identidades das marcas nao devem
ser identicas em todos os paises, visto que os aspectos culturais nao
desapareceram com a globalizacao. Porque influenciam a construcao de uma
identidade original, os aspectos culturais tambem devem ser considerados
para gerenciar uma marca de servicos em mercados externos, visto que
exercem grande influencia na formacao de opiniao e nos habitos de
consumo de uma populacao. Uma marca deve ser readaptada de acordo com as
caracteristicas locais, pois, de outra forma, nao podera ser
adequadamente comunicada e posicionada junto ao publico-alvo.
Entretanto, um dos riscos da adaptacao local e a descaracterizacao
da essencia da marca em nivel global. Para que isso nao aconteca, alguns
tracos mais nucleares de sua identidade devem ser mantidos, ainda que
com pequenas alteracoes ou releituras. As organizacoes estudadas
provaram ser possivel proceder a uma adaptacao sem a descaracterizacao
das marcas. A manutencao dos tracos nucleares ou das dimensoes
essenciais da identidade assegurara que a marca seja reconhecida como a
mesma em diferentes paises.
Vale ressaltar que as conclusoes obtidas refletem apenas as
consideracoes dos entrevistados e a interpretacao das informacoes por
parte das pesquisadoras, alem de terem como base o levantamento teorico
e os dados secundarios. Portanto, nao possuem natureza conclusiva nem
podem ser generalizaveis a quaisquer outras marcas que nao aquelas
estudadas no trabalho, sejam marcas do setor bancario ou de quaisquer
outros setores. Esperase, no entanto, que o estudo amplie o conhecimento
e sirva de referencia a estudos posteriores, assim como auxilie o gestor
de marcas a tomar melhores decisoes.
Alem disso, outras limitacoes encontram-se na escolha do metodo de
pesquisa (estudo de caso), cujas tecnicas de pesquisa empregadas
(entrevistas) podem guardar vieses impostos pelos proprios entrevistados
e pela percepcao da entrevistadora (autora do estudo), incluindo-se a
interpretacao das demais fontes de evidencia consultadas.
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DOI: 10.5700/rege490
Recebido em: 23/11/2012
Aprovado em: 26/6/2012
Ana Akemi Ikeda
Professora Titular da FEA/USP. Bolsa Produtividade CNPQ 1D--Sao
Paulo-SP, Brasil
Vice-coordenadora do MBA Marketing (FIA)
E-mail: anaikeda@usp.br
Vanessa Gabas Garran
Doutora em Marketing pela FEA/USP. Mestre pela PUC-SP--Sao
Paulo-SP, Brasil
Pesquisadora e Especialista em Marcas
E-mail: vanessagarran@yahoo.com
Quadro 1--Resumo da analise comparativa: Banco Itau e Banco Santander
Banco Itau (Brasil) Banco Santander
(Espanha)
Cultura do pais Considerada Considerada na
de origem na formacao da formacao da
identidade da marca identidade da marca
Paises em que Chile, Uruguai e Brasil
passaram a operar Argentina
(e que foram
contemplados no
estudo de caso)
Inicio das Operacoes Aquisicao do Aquisicoes de varios
BankBoston e do bancos nacionais e,
Banco Del Buen Ayre notadamente, do
(posteriormente) Banco Real
Manutencao de Sim Sim
Executivos Locais
Pesquisas culturais Nao Nao
especificas sobre o
pais
Realizacao de Sim Sim
pesquisas sobre o
comportamento do
cliente local
Manutencao da Nao, apenas alguns Nao, apenas alguns
identidade da aspectos aspectos
marca comprada
Manutencao da Sim Sim
essencia da marca
Essencia da marca Nao revelada Inovacao
Manutencao dos Sim Sim
aspectos centrais
da identidade
Adaptacoes na Sim Sim
identidade da marca
Trabalho com Sim Sim
agencias locais
de pesquisa e
comunicacao
Caracteristicas Consideradas na Consideradas na
comportamentais do comunicacao do comunicacao do
publico-alvo do posicionamento posicionamento
mercado externo da marca da marca
Assinatura do banco "Feito para Voce" "O Valor das Ideias"
Color code Laranja Vermelho
Adaptacao do Suavizado no mercado Enfatizado e
color code externo ressignificado
no mercado externo
Caracteristica Marca confiavel, Marca solida,
da comunicacao com apelo emocional com apelo racional
no pais de origem e proxima ao cliente de trocas vantajosas
Caracteristica Marca solida e Marca bancaria
da comunicacao seria, com apelo diferente, com apelo
no mercado externo sutil de descontracao emocional pautado no
relacionamento e no
otimismo
Fonte: Elaboracao propria.