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  • 标题:Strategy formation as a collective process and multiple cultural perspectives: a qualitative study in an exclusive furniture store/ Formacao de estrategia como um processo coletivo e multiplas perspectivas culturais: um estudo qualitativo em uma loja exclusiva de moveis/ Formacion de estrategia como un proceso colectivo y multiples perspectivas culturales: un estudio cualitativo en una tienda de muebles exclusiva.
  • 作者:Larentis, Fabiano ; Milan, Gabriel Sperandio ; De Toni, Deonir
  • 期刊名称:Revista de Gestao USP
  • 印刷版ISSN:1809-2276
  • 出版年度:2012
  • 期号:January
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Faculdade de Economia, Administracao e Contabilidade - FEA-USP
  • 关键词:Corporate culture;Furniture

Strategy formation as a collective process and multiple cultural perspectives: a qualitative study in an exclusive furniture store/ Formacao de estrategia como um processo coletivo e multiplas perspectivas culturais: um estudo qualitativo em uma loja exclusiva de moveis/ Formacion de estrategia como un proceso colectivo y multiples perspectivas culturales: un estudio cualitativo en una tienda de muebles exclusiva.


Larentis, Fabiano ; Milan, Gabriel Sperandio ; De Toni, Deonir 等


1. INTRODUCAO

Os estudos sobre cultura organizacional ganharam forca a partir da popularizacao dos metodos japoneses de gerenciamento no final da decada de 70 (MARTIN; FROST, 2001), cujo sucesso poderia, aparentemente, ser em grande parte explicado por suas peculiaridades culturais. Em razao disso, conforme Martin e Frost (2001), a analise da cultura organizacional se tornou, nos Estados Unidos, um dos trabalhos mais requisitados no mercado de servicos de consultoria. Isso indicava que a cultura organizacional poderia ser gerenciada, e sem muitos problemas. Essa era, segundo os autores, a perspectiva de integracao da cultura organizacional, em uma visao puramente consensual.

Ao longo da decada de 80, o conceito de cultura organizacional tambem permeou a imaginacao de pesquisadores e executivos (WILSON, 1997). Nessa epoca, apregoava-se que a chave para o sucesso das organizac0es era a existencia de uma cultura organizacional fortemente unificada (PETERS; WATERMAN JR., 1982), e que a alta administracao das organizac0es deveria construir e consolidar tal cultura por meio da articulacao de um conjunto de valores, os quais deveriam ser reforcados com politicas tanto formais quanto informais, e partilhados e respeitados por todos os colaboradores, levando-os a um compromisso mais elevado (WILSON, 1997). Wilson (1997) comenta que, de modo nao surpreendente, a cultura organizacional se transformou rapidamente em uma "arma secreta" para negocios bem-sucedidos.

Comecou-se, entao, a atribuir a cultura organizacional a responsabilidade por todas as mazelas e resistencias que assolam as empresas, ja que a complexidade do mundo organizacional moderno torna cada vez mais dificil encontrar respostas para inumeros problemas nas organizac0es. Isso inclui os processos de formacao das estrategias dentro das organizac0es. Dessa forma, interferir na cultura tornar-se-ia a solucao para todos os males de uma organizacao (CAVEDON, 2004).

Considera-se a cultura organizacional profundamente complexa em razao de um conjunto de crencas, valores e principios, muitas vezes latente, que depende da interpretacao dos individuos e e influenciado por outras perspectivas e sistemas culturais internos e externos a organizacao. Elementos culturais, por outro lado, interferem nos processos de formacao das estrategias, encaradas como um processo coletivo (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). O objetivo central deste trabalho, que consiste em um estudo qualitativo e exploratorio realizado em uma loja exclusiva de moveis modulares, e identificar e avaliar as perspectivas culturais propostas por Martin e Frost (2001)--integracao, diferenciacao e fragmentacao --no ambiente em analise, tendo como pano de fundo a formacao de estrategias como um processo coletivo (cultural).

Esta pesquisa mostra-se relevante por identificar, em primeiro lugar, os aspectos de homogeneidade e de heterogeneidade da cultura organizacional (CAVEDON, 2003), vista nao somente como um todo coeso (perspectiva integradora); em segundo lugar, e aqui se considera seu valor de complemento a outros estudos, por identificar as relac0es entre as perspectivas culturais de Martin e Frost e a estrategia vista como um processo coletivo, segundo a abordagem de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000).

Para deixar mais clara essa complementaridade, tendo em vista outros estudos brasileiros que utilizaram a abordagem de Martin e Frost, Cavedon e Facchin (2002) avaliaram a heterogeneidade e a homogeneidade das significac0es em uma universidade publica, partindo da nocao de cultura organizacional como uma complementaridade entre fragmentacao, diferenciacao e integracao. Na mesma linha, Leite-da-Silva et al. (2006) investigaram o papel do gestor como um agente nao so integrador, mas tambem diferenciador e fragmentador na disseminacao da cultura organizacional. Avila, Sa e Valadao Jr. (2009), por seu turno, consideraram como os diversos atores de um hospital interpretam as manifestac0es culturais associadas as tres perspectivas. Dornelas et al. (2009), por outro lado, utilizaram a abordagem cultural em questao para compreender as relac0es entre cultura organizacional e poder; Larentis, Antonello e Slongo (2010) identificaram a existencia de uma cultura intitulada interorganizacional, oriunda de relacionamentos entre organizac0es, tambem tendo como pano de fundo as perspectivas de Martin e Frost. Buzatto, Valadao Jr. e Castro (2010) estabeleceram relacao entre as perspectivas culturais respectivas e a avaliacao de desempenho. Ferraz (2011), por sua vez, analisou a cultura da Feira do Livro de Porto Alegre mediante a identificacao dos aspectos culturais compartilhados ou nao pelos membros de sua comissao executiva.

O artigo esta estruturado da seguinte forma. A secao inicial, o referencial teorico, discorre sobre a visao de multiplas perspectivas culturais de Martin e Frost (2001), algumas definic0es de cultura organizacional e a relacao entre cultura organizacional e formacao de estrategia. Em seguida, apresenta-se o metodo de pesquisa utilizado. No momento subsequente, sao expostos e analisados os resultados, considerando-se as caracteristicas e a trajetoria da empresa estudada, bem como as evidencias da relacao entre estrategia como processo coletivo e as perspectivas culturais. Por fim, algumas considerac0es finais sao pontuadas.

2. REFERENCIAL TEORICO

2.1. A Cultura organizacional e suas multiplas perspectivas

Cultura pressup0e uma coletividade. Organizac0es sao entidades simbolicas, pois funcionam de acordo com modelos, implicitos nas cabecas de seus membros e culturalmente determinados. Cultura e algo vivo, e o produto historico de um grupo e guia o comportamento (VAN MAANEN; BARLEY, 1985; ALVESSON, 2003). Organizac0es, assim, devem ser compreendidas dentro de um espaco social e de uma epoca especificos (FREITAS, 2002).

Martin e Frost (2001) identificam tres diferentes perspectivas de cultura organizacional: as perspectivas da integracao, da diferenciacao e da fragmentacao. Na perspectiva da integracao, a cultura e vista como um "pacote", internamente consistente, de manifestac0es culturais, que geram o consenso de toda a organizacao, especialmente em torno de um conjunto de valores compartilhados. De acordo com essa perspectiva, o sucesso financeiro do negocio viria de uma cultura fortemente unificada, consensual, em razao do maior comprometimento e da maior produtividade que ela poderia gerar. Uma cultura organizacional forte seria, portanto, uma resposta para todos os problemas.

Na perspectiva da diferenciacao, o foco esta direcionado para grupos internos da organizacao, para a cultura dos trabalhadores, por exemplo, ou a cultura das elites profissionais, que formarao a cultura organizacional a partir de conflitos de ideias, de entendimentos, de interesses e comportamentos. A cultura, entao, nao e considerada unitaria, como a concebe a perspectiva da integracao, um monolito unitario composto de valores claros e interpretac0es percebidas, estabelecidas e compartilhadas por todos, em um consenso que envolveria toda a organizacao. Pelo contrario, e uma conexao (nexus) em que se cruzam influencias ambientais, as quais criam um conjunto de subculturas que se sobrep0em e se abrigam dentro das fronteiras permeaveis da organizacao. Nesse caso, o consenso so ocorre dentro das fronteiras subculturais.

Entre os diferentes aspectos das culturas das organizac0es, distinguem-se a aura externa (reputacao de mercado), a cultura organizacional (valores e objetivos esposados pela alta administracao, mas nao necessariamente aceitos ou notados pelos funcionarios de nivel mais baixo, hierarquicamente) e as culturas dos trabalhadores (refletindo a jornada cotidiana de trabalho daqueles que compartilham as tarefas). Em relacao a isso, Schein (1996) afirma que os grupos de referencia, as elites profissionais, como, por exemplo, executivos e engenheiros ou tecnicos, estao frequentemente fora da organizacao, atuando mais junto ao mercado, e sua definicao das melhores praticas pode diferir do que e aceito dentro da organizacao. Esses profissionais aprendem e se entendem mais entre si do que com seus subordinados.

Motta e Vasconcelos (2002), por sua vez, utilizam o termo cultura dos subgrupos organizacionais para indicar diferentes conjuntos de individuos e atores sociais que possuem padr0es e vis0es de mundo particulares. Assim, individuos que possuem experiencias de trabalho similares tendem a desenvolver valores e vis0es de mundo semelhantes, no que se refere a sua pratica profissional: uma especie de identidade social. Todavia, mesmo que as organizac0es abranjam diversos subgrupos de individuos que possuem seus proprios padr0es culturais, formados a partir de suas experiencias, seus membros tem acesso a alguns padr0es culturais comuns, que so os membros dessas organizac0es possuem, e que estabelecem as fronteiras do sistema organizacional.

Por outro lado, na perspectiva da fragmentacao, as relac0es entre as manifestac0es da cultura nao sao nem muito consistentes nem muito inconsistentes. Sao complexas e contem muitos elementos de contradicao e de confusao. Dessa forma, o consenso nao abrangeria toda a organizacao e tampouco seria proprio de determinada subcultura. Seria transitorio e estaria especificamente vinculado a determinada questao ou situacao, produzindo afinidades de curta duracao entre individuos e podendo ser rapidamente substituido por modelos diferentes, de acordo com a modalidade das quest0es ou situac0es em foco.

Finalmente, Martin e Frost (2001) apresentam uma estrutura de multiplas perspectivas, segundo a qual existem, em qualquer contexto organizacional, certos valores, interpretac0es e praticas que geram consenso em toda a organizacao, outros que provocam conflitos, e alguns que nao estao bem definidos. Para esses autores, pode existir uma combinacao de acordos, discuss0es e confus0es das ou nas organizac0es, enquanto gerentes e outros colaboradores procuram alcancar seus objetivos, para depois se reagruparem em torno dos problemas, das quest0es e das oportunidades resultantes.

Nas organizac0es, portanto, verifica-se a coexistencia de elementos de integracao e de conflito, de poder e de incerteza. E essa a perspectiva de analise mais adequada, visto que conjuga as caracteristicas das outras tres perspectivas e parece corresponder mais precisamente a realidade das organizac0es. Alias, Motta e Vasconcelos (2002) salientam que a cultura de uma organizacao nao e um todo solido e bem acabado, facil de compreender.

Pautando-se pelos pontos de vista de Martin e Frost (2001), Cavedon (2003) evidenciou as perspectivas da integracao, da diferenciacao e da fragmentacao em um estudo comparativo de duas universidades, uma publica e outra privada. A autora encontrou significac0es partilhadas por individuos de diferentes grupos, significac0es especificas, restritas a determinados grupos, e uma significacao dominante (integradora).

Na universidade publica identificaram-se significac0es partilhadas por alguns grupos de atores, segundo a perspectiva da fragmentacao, como a escassez de recursos e a imagem de "universidade renomada", compartilhadas por alunos e professores. Foram tambem constatadas, por outro lado, significac0es restritas a determinados grupos, segundo a perspectiva da diferenciacao: tal e o caso da liberdade universitaria, significacao partilhada somente pelos professores. Ja a representacao da universidade publica sob a otica da deficiencia e comum tanto aos professores e alunos como aos funcionarios, ou seja, e uma representacao integradora.

2.2. Conceitos de Cultura Organizacional e sua relacao com as perspectivas culturais de Martin e Frost

Embora a lucratividade e a rentabilidade de uma empresa estejam parcialmente conectadas a eficiencia, a estrategia competitiva, a alocacao de recursos e ao posicionamento mercadologico, tambem sao func0es da cultura organizacional (BESANKO et al., 2006). Nesse contexto, a cultura organizacional pode ser definida como um complexo conjunto de valores, crencas, pressupostos, normas de comportamento compartilhadas e simbolos que definem a forma como uma empresa conduz seus negocios, determinando nao somente quem sao os colaboradores, os clientes, os fornecedores e os concorrentes relevantes, mas tambem as interac0es da empresa com esses atores-chave (BARNEY, 1986; BESANKO et al., 2006).

Para Cavedon (2003), a cultura organizacional pode ser vista como uma rede de significac0es circulando dentro e fora do espaco organizacional, simultaneamente ambiguas, contraditorias, complementares, dispares e analogas, o que implica um circuito de ressemantizac0es que revelam a homogeneidade e a heterogeneidade organizacionais. Segundo a autora, os gestores, cientes das consequencias simbolicas de suas ac0es, podem influenciar a cultura organizacional, criando e recriando os contextos nos quais vivem, mas jamais devem prescrever as mudancas a serem realizadas, uma vez que a cultura se desenvolve durante o curso da interacao social, o qual desvela o carater essencialmente humano da cultura intrinseca a uma organizacao.

Schein (1992), por sua vez, define cultura organizacional como um padrao de pressuposic0es basicas de um determinado grupo de pessoas, relacionado a forma como esse grupo aprende a lidar com seus problemas de adaptacao externa e de integracao interna, e que, por se ter mostrado eficiente, e considerado valido e ensinado aos novos membros incorporados ao grupo como a maneira correta de perceber, pensar e agir em face dos problemas que surgirem.

A cultura organizacional e um conjunto de pressupostos tacitos e basicos, concernentes a "como o mundo e" e "como o mundo deve ser", que um grupo de pessoas compartilha e que determina suas percepc0es, pensamentos, sentimentos e, em certa medida, explica seu comportamento. Por conseguinte, a cultura organizacional pode se manifestar em tres niveis: (i) nos pressupostos tacitos e nas crencas profundas, que sao a essencia da cultura; (ii) no nivel de valores expostos, que frequentemente refletem o que um grupo deseja idealmente ser e a forma como quer se apresentar publicamente; (iii) no comportamento rotineiro, que representa um compromisso complexo entre os valores expostos, as crencas profundas e as exigencias imediatas de certa situacao (SCHEIN, 1996).

Portanto, a cultura organizacional se refere aos valores subjacentes aquilo que a organizacao recompensa, apoia e espera; as normas que fundamentam suas politicas, praticas e procedimentos; e ao significado resultante da incumbencia de partilhar e disseminar os valores e as normas da organizacao (SCHNEIDER, 1988). Nessa direcao, Stuart (1998) afirma que a cultura de uma empresa embasa a definicao de suas politicas de atuacao, os processos, os procedimentos e as normas, os criterios para recrutamento, selecao, contratacao, treinamento e desenvolvimento (capacitacao e aperfeicoamento) de pessoal, os procedimentos de controle e as maneiras de lidar com o atendimento e as reclamac0es de clientes.

E importante ressaltar, tambem, que a cultura organizacional e construida ao longo do tempo e serve de chave para distinguir diferentes coletividades, as quais destoam umas das outras sob o fogo cruzado da multiplicidade de maneiras de ser, ou das formas com que as pessoas reagem quando irrompe a necessidade inadiavel de inovar, de implementar novas tecnologias, de alterar a forma de gerir suas atividades, de adotar uma nova postura moral ou de mudar o processo produtivo (choque cultural) (SROUR, 2004).

De acordo com Plsek (2000), a cultura, os valores e principios e a historia da organizacao podem ser vistos, metaforicamente, como seu material genetico. Nesse sentido, e possivel estabelecer uma relacao entre o comportamento organizacional, a gestao dos recursos humanos, as ac0es relativas a melhoria continua, os processos de trabalho e as relac0es industriais (VAN DER WIELE; BROWN, 2000), e a relacao destes com aspectos como: ambiente interno e externo, estilo de gestao, estrategias e politicas empresariais, estrutura organizacional e processo de mudanca adotado pela organizacao, sob uma otica evolutiva do negocio (DALE et al., 1997a, 1997b; AMBROZ, 2004).

Pelos conceitos e linhas de pensamento apresentados, pode-se perceber a presenca de todas as tres perspectivas destacadas por Martin e Frost (2001). Exemplificando, quando se fala em valores compartilhados por um grupo de pessoas, se pensarmos tal grupo como uma organizacao, como prop0e Schein (1992, 1996), esta presente a perspectiva da integracao. Se esse grupo se caracterizar como uma subcultura organizacional, esta presente a perspectiva da diferenciacao. Quando Srour (2004) aponta para as diferentes coletividades, emerge a perspectiva da diferenciacao. Por outro lado, quando Barney (1986) aborda a ideia de cultura organizacional relacionada a valores complexos, e Cavedon (2003) discorre sobre a visao de multiplas perspectivas, com a incidencia de elementos de homogeneidade e heterogeneidade organizacionais, percebe-se a perspectiva da fragmentacao.

2.3. Cultura organizacional e formacao de estrategia

A estrategia pode ser percebida nao apenas como um plano (curso de acao para alcancar objetivos), como um padrao (consistencia de comportamento ao longo do tempo), como um estratagema (ou truque) ou como uma posicao ocupada em determinado mercado. Pode tambem ser identificada como perspectiva, ou seja, com a maneira fundamental de fazer as coisas, ou a forma de ver e interpretar o mundo e nele agir (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). E sob esse aspecto que a formacao de estrategia adquire um carater cultural, por ser encarada como um processo coletivo (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). Ademais, tanto cultura quanto estrategia imp0em coerencia, ordem e significado (WEICK, 1985).

Cultura organizacional, assim, trata daquilo que diferencia uma organizacao de outra, do que e caracteristico ou peculiar. Mesmo que a cultura apresente um carater universal (e o caso, por exemplo, das culturas nacionais), tambem apresenta uma face unica, de diferenciacao, que tambem tem se refletido na sua aplicacao a administracao estrategica. A cultura, alem disso, por influenciar o estilo de pensar e de analisar em uma organizacao, interfere no processo de formacao das estrategias (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). Paralelamente, a ambiguidade e apontada como aspecto fundamental da cultura organizacional e as manifestac0es culturais, com efeito, sao multifacetadas (ALCADIPANI; CRUBELLATE, 2003).

Considerando a formacao de estrategia como um processo coletivo, que tem, portanto, relacao com a estrategia enquanto perspectiva (a chamada escola cultural da formacao de estrategia), Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) apresentam cinco premissas relacionadas:

a) A formacao de estrategia e um processo de interacao social, e funda-se nas interpretac0es e crencas comuns aos membros de uma organizacao. Afinal, cultura e algo vivo e resulta de uma coletividade (VAN MAANEN; BARLEY, 1985; ALVESSON, 2003).

b) Um individuo adquire crencas e as respectivas interpretac0es atraves de um processo de socializacao em grande parte tacito e nao verbal. Como defende Gagliardi (1986), o desenvolvimento de uma cultura organizacional e um processo de aprendizagem;

c) Os membros de um grupo podem descrever parcialmente as crencas que sustentam sua cultura;

d) A estrategia, em funcao disso, assume a forma de uma perspectiva acima de tudo, enraizada em intenc0es coletivas e refletida nos padr0es em que os recursos ou capacidades da organizacao sao utilizados (a estrategia e mais bem descrita como deliberada, mesmo nao sendo plenamente consciente);

e) A cultura e, em especial, a ideologia (uma cultura forte) nao encorajam tanto as mudancas estrategicas quanto a perpetuacao da estrategia existente. Tendem, na melhor das hipoteses, a promover mudancas de posicao dentro da perspectiva estrategica da organizacao. Tal como indica Weick (1985), culturas fortes podem ser instrumentos conservadores de adaptacao.

A organizacao pode ser encarada como um pacote de recursos, tangiveis e intangiveis. Todavia, o que torna este pacote um sistema unico e uma rede de interpretac0es comuns. E essa rede que mantem, renova e molda esses recursos, juntando o economico ao social (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). Com indica Alvesson (2003), a cultura organizacional e vista como sistema de simbolos e significados comuns, partilhados no contexto organizacional. Segundo ele, significado refere-se a como um objeto ou expressao/discurso e interpretado: e o que torna, portanto, um objeto relevante e significante. Simbolo e a riqueza significativa--condensa um conjunto mais complexo de significados em um objeto particular e os comunica de forma economica. A formacao de estrategia como um processo coletivo, por conseguinte, depende tanto dos aspectos tangiveis (os simbolos) como dos aspectos intangiveis (os significados).

Nesse aspecto, tendo em vista a formacao de estrategia como um processo coletivo, respostas a uma organizacao por parte dos seus membros sao formuladas nao apenas para resolver um problema particular, mas, tambem, para reduzir a ansiedade a respeito dele (GAGLIARDI, 1986). A medida que determinado grupo aprende a lidar com seus problemas de adaptacao externa e de integracao interna, a cultura organizacional se desenvolve, sendo transmitida a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relacao aqueles problemas (SCHEIN, 1991). Todavia, individuos e grupos com maior poder em uma organizacao podem influenciar os outros na forma de interpretar os eventos (LUCAS; KLINE, 2008). Assim, mudancas na cultura, alem de aspectos materiais manifestos, tambem incluem a redefinicao de significados, mas nao necessariamente de valores e significados-chave (ALVESSON, 2003). Por outro lado, aspectos mais enraizados da cultura sao dificeis de mudar, e, alem disso, a cultura pode mudar para permanecer o que ela sempre foi (GAGLIARDI, 1986). Fica evidente, portanto, que a formacao de estrategia, segundo uma perspectiva cultural, depende de aprendizagem, e influenciada pelo poder e apresenta carater eminentemente conservador.

3. METODO DA PESQUISA

O metodo de pesquisa utilizado foi qualitativo e exploratorio, tendo como estrategia o estudo qualitativo basico ou generico (MERRIAN, 1998). Segundo Merrian, o estudo qualitativo basico ou generico busca descobrir e entender um fenomeno, um processo ou as perspectivas e vis0es de mundo das pessoas envolvidas: nao foca em cultura (como etnografia) e nao se aprofunda, nao e intensivo como o estudo de caso. Deve-se ressaltar que estudos de natureza qualitativa, com enfoque nao gerencialista, sao recomendados para investigar a cultura organizacional e desvendar suas homogeneidades e heterogeneidades (ALCADIPANI; CRUBELLATE, 2003; SILVA; FADUL, 2010). O estudo segue como base para a analise, a abordagem das tres perspectivas culturais de Martin e Frost (2001).

O estudo contou com a colaboracao de proprietarios e funcionarios de uma loja exclusiva de moveis. A escolha dessa loja, como campo de estudos, deveu-se principalmente as circunstancias que vem enfrentando e as suas peculiaridades, que suscitaram o interesse dos pesquisadores, ja que o objeto em questao manifesta a presenca das tres perspectivas propostas por Martin e Frost. As peculiaridades e circunstancias que possibilitaram identificar a cultura organizacional de maneira multifacetada se fizeram presentes na sucessao de quatro gest0es diferentes, em um periodo de tres anos, nas relac0es familiares dos atuais proprietarios com os dirigentes do fornecedor, na diversidade de profissionais empregados, como arquitetos, projetistas e administradores, assim como na dificuldade do fornecedor (industria) em compreender melhor as significac0es do varejo.

Como tecnicas de coleta de dados, foram utilizadas a observacao direta e entrevistas em profundidade nao estruturadas (sem a presenca de um roteiro). As entrevistas ocorriam no decorrer da atividade de observacao, quando se considerava oportuno realiza-las, em vista dos eventos ocorridos. As entrevistas, em conjunto com as observac0es, fornecem meios para o entendimento mais profundo dos valores, motivos e praticas daqueles que estao sendo observados (COLLIS; HUSSEY, 2005).

Ao todo, foram quatro momentos de observacao, quatro visitas a loja, com uma duracao media de tres horas por periodo, ocorridas em um periodo de um mes e meio, no ano de 2006. E importante observar que, na primeira visita a loja, um dos proprietarios apresentou os pesquisadores aos cinco funcionarios. Nesse momento, explicou-se aos funcionarios o proposito da pesquisa, ou seja, realizar um estudo sobre a cultura organizacional da loja, envolvendo principalmente a observacao direta e a realizacao de entrevistas individuais em profundidade. As entrevistas individuais em profundidade foram efetuadas com cinco dos sete funcionarios da loja (duas arquitetas, uma projetista, um vendedor e um auxiliar de servicos gerais) e com um dos dois proprietarios, e abordou aspectos como as caracteristicas da atividade de trabalho, as estrategias comerciais e de recursos humanos, o desempenho da empresa, o relacionamento entre os colegas, com os proprietarios, com a empresa fornecedora de moveis e com os clientes, assim como conflitos e quest0es de poder.

As respostas dos entrevistados e os momentos e reflex0es da observacao foram registrados em um diario de campo. Para facilitar sua analise e interpretacao, adotou-se a tecnica de analise de conteudo, que consiste em um conjunto de tecnicas de analise das comunicac0es verbalizadas pelos entrevistados, visando obter indicativos que permitam a inferencia de conclus0es a partir das mensagens ou conteudos coletados (BARDIN, 2004; HAIR JR. et al., 2006). Definiram-se como aspectos norteadores da analise: o desenvolvimento da cultura organizacional (GAGLIARDI, 1986; SCHEIN, 1992); as manifestac0es da cultura organizacional (ALVESSON, 2003; CAVEDON, 2003); as perspectivas culturais de integracao, diferenciacao e fragmentacao (MARTIN; FROST, 2001; CAVEDON, 2003) e a formacao de estrategia como um processo coletivo (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).

4. APRESENTACAO E ANALISE DOS RESULTADOS

4.1. Ambiencia da Pesquisa: a loja

Em relacao ao ambiente de estudos, foi escolhida uma loja exclusiva de moveis, situada em uma zona nobre comercial de Porto Alegre (RS), que vende moveis planejados (modulares), tais como cozinhas e dormitorios, de apenas um fabricante. Cabe especificar que tal marca de moveis esta posicionada no mercado para atender a publicos da classe A e B. A loja se encontra em uma antiga casa reformada, e ao seu redor ha tambem outras lojas exclusivas de moveis, que comercializam marcas conhecidas do ramo.

As lojas exclusivas de moveis, que tambem incluem franquias--nao e esse o caso, porem, da empresa (loja) em estudo--, formam-se quando um varejista, em uma regiao definida, vende a marca de somente um fabricante de determinada(s) linha(s) de produtos. Tal estrategia de distribuicao vem sendo utilizada por diversas industrias de moveis nos ultimos anos.

Cabe mencionar que o fabricante da marca em questao esta estabelecido na cidade de Bento Goncalves (RS). Alem dessa marca, que denominaremos pelo codinome Planejare, que surgiu no final da decada de 90, o fabricante tambem comercializa a marca Firenze (outro codinome), cujos produtos sao direcionados principalmente para a classe C. A marca Firenze, existente no mercado ha 36 anos, e o carro-chefe da empresa, correspondendo a aproximadamente 80% de seu faturamento total. A marca Planejare surgiu pelo interesse da empresa em participar de um segmento com produtos de maior valor agregado.

O imovel (uma casa) onde a loja esta situada tem um aspecto antigo, parecendo ter sido construido nos anos 50, e foi recentemente reformado. Por fora, parece bastante amplo. Atras da casa ha um patio, que serve de estacionamento, e uma antiga garagem, que serve de deposito de

alguns acessorios, componentes e materias-primas para os moveis. Nesse deposito tambem sao realizados alguns arremates ou acabamentos nos moveis que serao entregues aos clientes, havendo no local uma maquina de corte de madeira e de perfis. Alem disso, a fabrica oferece ao cliente a possibilidade, com um adicional no preco, de encomendar modulos com medidas especificas, fora dos padr0es normalmente utilizados.

Na loja trabalham sete funcionarios. Ha duas Vendedoras Internas, Ana e Lidia, formadas em arquitetura, que atendem aos clientes; uma Projetista de Moveis, Denise, estudante de design; uma Auxiliar de Limpeza, Maria; e um Porteiro, Raul. Tambem trabalham na loja Pedro (Vendedor), que faz vendas internas e um trabalho de prospeccao de clientes, externamente, e que tem formacao superior em artes cenicas e curso tecnico em decoracao, e Rafael (Auxiliar Geral), palhaco de circo nas horas vagas, que cuida do deposito e dos estoques e faz o trabalho de arremates nos moveis, quando necessario.

Havia ainda uma Gerente, Andreia, e uma Decoradora, Carmen, demitidas uma semana antes do inicio dos trabalhos de campo. O cargo de gerente ficou vago no periodo em que a pesquisa foi realizada e foi posteriormente preenchido por Susana, uma das proprietarias da empresa.

A loja possui dois andares. No andar inferior ficam Ana e Lidia. No andar superior, Denise e Pedro. No entanto, ao final da pesquisa, os proprietarios definiram que Pedro ficaria mais tempo dentro da loja, na parte inferior. Ha tambem, no andar superior, a sala da antiga gerente e um espaco aberto (uma area descoberta). Com excecao da sala da antiga gerente, nenhum dos espacos onde os funcionarios trabalham possui divisorias, estando todos em contato com os moveis expostos. O porque de a sala da gerencia estar separada por paredes, segundo os funcionarios, e que, no projeto de reforma do ambiente, feito por um arquiteto, aquela seria uma sala de reuni0es. Como nao havia espaco suficiente para uma sala de reuni0es, aquele se converteu num espaco para conversas mais reservadas.

A ambientacao da loja e muito boa. Ha bastante iluminacao, moveis bem acabados, com design moderno, e eletrodomesticos diferenciados, bem como quadros de arte moderna. No andar inferior ha uma gourmeteria, um tipo de cozinha onde e possivel servir doces e salgados aos clientes, que nao esta sendo utilizada no momento. A vitrine da loja e bastante ampla, ocupando a altura dos dois andares do imovel. O intuito da ambientacao, conforme o Sr. Andre, e dar a impressao de que os moveis fazem parte de uma casa da familia real. Essa forma de colocacao dos moveis em uma casa nao e feita somente pela Planejare, mas em quase todas as outras cinco lojas exclusivas de moveis existentes em seu entorno.

Como os moveis devem ser montados, uma vez que o que vem da fabrica sao modulos, ha a necessidade de uma equipe de montadores. No caso da Planejare, os montadores sao terceirizados, mas praticamente nao trabalham com as lojas de outras marcas. Quando ha montagens de grande vulto, como, por exemplo, montar moveis de uma residencia inteira, Rafael, que ja trabalhou na equipe de montadores terceirizada, os auxilia.

4.2. Cultura organizacional da loja e seu desenvolvimento

Cultura organizacional e um sistema de simbolos e significados comuns, partilhados no contexto organizacional. Significado refere-se a como um objeto ou uma expressao/discurso e interpretado; simbolo e a riqueza significativa, a cultura manifestada em objetos, discursos e artefatos (ALVESSON, 2003). Por outro lado, a cultura se desenvolve em funcao dos fundadores da organizacao e de suas convicc0es, do processo de interacao dos individuos, da socializacao e aprendizagem de tarefas, procedimentos e significac0es, assim como da interpretacao dessas significac0es (GAGLIARDI, 1986).

A cultura organizacional da loja compreende a forma como os funcionarios e outros envolvidos interpretam o que ocorre no contexto organizacional; os simbolos sao as formas como a cultura se manifesta, em estruturas, modos de organizacao do ambiente, discursos, conversas, objetos e artefatos. Os simbolos ficam evidentes na ambiencia descrita na secao anterior, nas formas de organizacao do espaco de atendimento e da parte administrativa, bem como no espaco de trabalho dos funcionarios, Denotam aspectos associados diretamente a atividade de varejo, mas tambem elementos de gestao, o que inclui relac0es de poder e hierarquia.

O desenvolvimento da cultura, por outro lado, sofreu a interferencia das caracteristicas da empresa fornecedora, dos proprietarios que passaram pela loja e das interac0es dos envolvidos, pessoas com diferentes trajetorias pessoais e profissionais. Detalhes a respeito disso sao apresentados a seguir.

4.2.1. Trajetorias das gest0es e relacao com aspectos culturais

Desde agosto de 2004, a loja passou por tres gest0es. Ate esse periodo, o responsavel pela comercializacao da marca Planejare na cidade de Porto Alegre (RS), proprietario da loja, era o Sr. Robson. Em razao de problemas de gestao, principalmente financeira, e de dividas junto ao fabricante, o Sr. Robson deixou o negocio. A loja, entao, foi transferida para o fabricante como forma de pagamento das dividas. Assim, a partir de 2004, o fabricante de moveis assumiu a loja e colocou um Supervisor de Vendas para administra-la. Nesse periodo, segundo os funcionarios da loja, a gestao tornou-se complicada, embora nao tenham ocorrido quedas nas vendas.

Alguns meses depois, no final do ano de 2004, o fabricante, por meio do Sr. Henrique, contratou uma Gerente de Vendas, Andreia, com experiencia no varejo (ela possuia uma loja de colch0es e ja havia trabalhado em loja de moveis, alem de ter formacao academica adequada, em Administracao de Empresas). Andreia permaneceu na loja por quase um ano e meio, tendo sido demitida em junho de 2006. Um pouco antes dessa data, os Srs. Andre e Henrique e a Sra. Susana, irmaos, todos formados em Administracao de Empresas e acionistas da fabrica de moveis, assumiram o controle da loja Planejare em Porto Alegre (RS).

Ate maio de 2006, o Sr. Henrique, o irmao mais velho, era o unico que havia trabalhado na Firenze, tendo saido por raz0es pessoais. Alem da necessidade de terminar sua dissertacao de mestrado, uma das possiveis raz0es para sua saida, conforme alguns comentarios, teve relacao com desavencas entre ele e os diretores da Firenze, seus tios. Por enquanto, o Sr. Henrique nao esta trabalhando diretamente na gestao da loja, que esta a cargo do Sr. Andre, principalmente, e da Sra. Susana. O Sr. Andre e conhecido pelo seu temperamento forte e por sua falta de paciencia.

Os funcionarios tem um tempo de trabalho na loja que varia de um a tres anos. Ana, por exemplo, trabalhou com os diversos gestores da empresa. Lidia esta ha menos tempo, comecou a trabalhar na loja na epoca da gestao de Andreia. Na visao dos funcionarios, o Sr. Robson tinha um grande carinho pela Planejare e pela qualidade de seus produtos, apesar de as outras marcas de moveis que ele vende serem mais rentaveis. O Sr. Robson, antes de comecar a vender moveis de forma exclusiva na decada de 90, tinha experiencia no varejo de moveis multimarcas, lojas onde sao vendidos moveis de varios tipos e fabricantes.

Com a gestao do fabricante, houve reducao na flexibilidade da negociacao de precos com os clientes, principalmente no inicio. Adotou-se, posteriormente, uma visao um pouco mais relacionada com o setor varejista, e percebeu-se a necessidade de contratar um Gerente, que nao fosse funcionario do fabricante e que tivesse experiencia no varejo. Neste caso, Andreia.

Percebeu-se que todos os funcionarios tinham grande apreco por Andreia; alguns ainda se encontram com ela nas horas vagas. Conforme os funcionarios, principalmente Ana e Lidia, que foram as pessoas com quem mais se conversou na loja, Andreia demonstrava preocupacao em fechar as vendas, em resolver os problemas dos clientes e dos funcionarios e, segundo as palavras delas, era a pessoa mais comprometida com o negocio. Por outro lado, deixava a desejar na parte mais burocratica de seu trabalho. Os funcionarios acreditam que essa tenha sido uma das raz0es de sua demissao. Em contrapartida, o Sr. Henrique comentou que um dos problemas de Andreia era acatar, mas nao implementar as diretrizes definidas pelos gestores (proprietarios) da empresa. Ele inclusive opinou que escolher a Andreia para a gerencia foi um erro.

Quanto aos novos proprietarios, fica claro que os funcionarios nao estao contentes, principalmente com o Sr. Andre, ate porque a Sra. Susana dificilmente aparece na loja. Varios se dizem desmotivados, nao tendo mais prazer em trabalhar na loja. Segundo eles, o Sr. Andre, que tem pouca experiencia no varejo, e arrogante, pouco humilde, e facilmente perde a paciencia. Fala muito em concorrencia, em estrategia, e, de fato, o proprio Sr. Andre comentou, na primeira visita a loja, que a vitrine, por onde se enxergam as outras lojas de moveis e a movimentacao dos clientes, e uma especie de trincheira, e discorreu sobre planilhas de controle. Carece o Sr. Andre, no entanto, de habilidade para a solucao de problemas dos clientes. Seu foco e mais em economia e em custos, nao em satisfazer os clientes. Parece nao ter "tino comercial" e estar sempre preocupado em ver se as pessoas estao trabalhando e nao conversando. Alem disso, muitas vezes culpa principalmente as vendedoras por nao fechar negocios. Segundo uma funcionaria:
   Nao ha dialogo com o Andre. Ele ate pergunta o
   que ha, mas depois nao gosta do que escuta.


As ultimas semanas, que coincidiram com a realizacao da pesquisa, foram bastante complicadas, conforme a percepcao dos funcionarios da loja; diversos erros ocorreram, cometidos principalmente pelos proprietarios, e ainda mais pelo Sr. Andre. Os funcionarios ate comentaram ter ficado muito desconfiados com a presenca dos pesquisadores na loja, no inicio, em razao das atitudes do Sr. Andre e das demiss0es que haviam ocorrido recentemente, mas que, depois, perceberam que nao se tratava de "espi0es dos proprietarios".

Houve por exemplo, a demissao da responsavel por agendar montagens e enviar pedidos a fabrica, e os funcionarios comentaram que foi por ela "bater de frente" com o Sr. Andre e estar muito sobrecarregada de servico. No entanto, ninguem foi treinado anteriormente de forma adequada. Somem-se a isso as gafes que o Sr. Andre comete na frente de alguns clientes. De acordo com alguns funcionarios:
   Antes, a gente sabia ate onde ir [referindo-se ao
   processo de negociacao].

   O Andre nao admite que errou, que perdeu uma
   venda. Ja falou que todos [os funcionarios] sao
   um bando de incompetentes.

   Quando trocaram o showroom, o Andre sugeriu
   dar de graca um depurador de ar do showroom
   antigo, todo riscado, a um cliente que recem
   havia fechado um negocio. No outro dia, estava
   atendendo uma cliente que queria um novo

   projeto, pois ela ja havia comprado moveis na
   loja, e agora estava interessada em mudar
   alguma coisa, e ele veio me perguntar sobre o
   tal do depurador, na frente da cliente. Falei a ele
   que nao seria adequado dar um depurador todo
   riscado ao cliente. Ele disse, com jeito de quem
   sabe tudo, que isso nao importava, que era um
   brinde, tudo na frente daquela cliente
   interessada em um novo projeto. Geralmente,
   quando se faz um novo projeto para um cliente
   que ja comprou antes, e venda certa. A cliente
   nao apareceu mais, nem telefonou.

   Irrita a tranquilidade dele [do Sr. Andre] com
   tantos problemas, mas ainda bem que esta
   semana nao tem muitas montagens, senao queria
   so ver.

   Nosso trabalho e vender, contatar os clientes,
   ainda mais nesta epoca de vendas baixas, e nao
   resolver problemas de agendamento de
   montagem, de ver se tal peca esta ou nao no
   estoque.


As informac0es a respeito das mudancas na gestao da loja e de como ocorrem os relacionamentos permitem inferir que a resistencia dos funcionarios a novas formas de trabalho se deve tambem a aspectos culturais, ou seja, prendese a formas de interpretar os comportamentos dos envolvidos e a simbolos, tal como atestaram Beppler e Pereira (2011). Por outro lado, as caracteristicas dos proprietarios, tanto da loja quanto da empresa fornecedora, parecem interferir na forma como as ac0es sao interpretadas e as estrategias sao formadas.

Fica claro, tal como indicaram Larentis, Antonello e Slongo (2010), que a historia dos envolvidos importa e que a saida de pessoas de um ambiente de trabalho nao faz necessariamente desaparecer suas praticas, discursos e significac0es para quem fica. Por outro lado, evidencia-se, conforme relatam Silva e Fadul (2010), que a organizacao nao e uma unidade totalmente integrada, mas sim um conjunto de individuos que, em algum aspecto, podem compartilhar totalmente determinados valores; outros valores, no entanto, sao compartilhados somente por alguns individuos e alguns grupos, e ha valores, enfim, que sao compartilhados apenas temporariamente. Em outras palavras, as perspectivas culturais de Martin e Frost (2001), analisadas a seguir.

4.3. Multiplas perspectivas culturais na loja

Organizac0es podem ser pensadas como culturas unicas e integradas. Pode-se postular que possuem culturas diferenciadas, que variam em funcao dos varios grupos dentro da organizacao. De resto, a cultura tambem pode ser avaliada como completamente ambigua e paradoxal (MARTIN; FROST, 2001; CAVEDON, 2003; SILVA; FADUL, 2010).

Na loja pesquisada, continuamente se necessita de soluc0es inovadoras, em razao da concorrencia e das exigencias dos clientes-alvo. Cada projeto, por ter de se adequar a espacos residenciais unicos e por exigir adaptac0es das dimens0es modulares predefinidas pelos fabricantes, pode ser visto como uma inovacao quando a venda e fechada. No entanto, diversos individuos e grupos de individuos da organizacao interagem nesse processo, com suas crencas, valores e significados, interferindo nas relac0es com os clientes e na formacao das estrategias.

Conforme se indicou anteriormente, Martin e Frost (2001) sugerem a existencia de diferentes perspectivas para o estudo da cultura organizacional: as perspectivas da integracao, da diferenciacao e da fragmentacao. Em qualquer contexto organizacional, segundo os autores, existem determinados valores, interpretac0es e praticas que geram consenso em toda a organizacao, outros que provocam conflitos, discuss0es e confus0es, e alguns que nao sao bem definidos, em razao da existencia simultanea de elementos de integracao e de conflito, de poder e de incerteza.

A partir desses pontos de vista, constata-se a existencia de elementos da cultura de producao, industrial, que enfatiza o produto, a producao e os custos, e elementos da cultura de marketing, varejista, que sublinha a importancia da marca, comunicacao e do relacionamento com os clientes. Ha tambem elementos da cultura profissional, assim como elementos de culturas gerenciais diferentes (aspecto temporal), dos proprietarios e dos funcionarios.

Elementos de uma cultura de producao de industria estao presentes nas preocupac0es dos novos proprietarios, que pertencem a familia que dirige a empresa fabricante de moveis (Firenze). Exemplo disso e a tendencia de economizar com fretes de pecas que deveriam ser entregues com urgencia e de perceber os produtos que fabricam como os melhores do mundo, uma vez que sao feitos com as melhores materias-primas. A cultura de producao de industria esta tambem presente na primeira gestao da fabrica na loja, principalmente no inicio, quando quase nao havia flexibilidade em precos, mas o imperativo de cumprir o preco definido pelo fabricante.

Alem disso, muitos dos conflitos entre o Sr. Henrique e seus tios, diretores da Firenze, se davam, de acordo com seus proprios comentarios, pela natureza e pelo posicionamento dos produtos da marca Planejare e dos produtos da marca Firenze. Os produtos da Planejare, diferenciados, vendidos a clientes exigentes, demandam muitas vezes processos de producao especificos e custos industriais mais elevados, mais investimentos em construcao e consolidacao de marca, e trabalho com formadores de opiniao, tais como arquitetos, com foco em marketing e no relacionamento com os clientes. Os da Firenze, ao contrario, sao padronizados, de menor valor agregado, nao necessitam de personalizacao, sao vendidos em lojas multimarcas e requerem pouco investimento na gestao da marca.

Significac0es de uma cultura de marketing de varejo ou de foco no cliente estao presentes na preocupacao dos vendedores da loja em vender, mesmo que isso possa significar conflito com a formacao universitaria. As vendedoras, por exemplo, formadas em arquitetura, que passam as informac0es, as necessidades e os desejos dos clientes para que a projetista os configure no computador, muitas vezes tem que aceitar o que o cliente quer (sao elas mesmas que o dizem), mesmo que isso contrarie algumas coisas que elas estudaram na faculdade. Isso nao significa que elas nao possam argumentar com os clientes e mostrar seus pontos de vista. Vale assinalar, tambem, que uma parte dos salarios dos Vendedores provem de comiss0es sobre as vendas, o que certamente os influencia, sublinhando a importancia de vender.

Procurar resolver os problemas dos clientes, mesmo que isso acarrete maiores gastos, e um aspecto da cultura de marketing de varejo. E de notar, alias, que os projetos vendidos na loja geralmente sao de valor consideravel. Por exemplo, uma das vendas presenciadas pelos pesquisadores, em funcao de uma acao da loja, especificamente do Pedro, junto a arquitetos, para influenciar a escolha dos clientes, consistiu em mobiliar todo um apartamento, o que resultou em aproximadamente R$ 70.000,00. No entanto, os clientes de renda elevada sao bastante exigentes, o que implica a necessidade de uma boa prestacao de servicos, alem de um produto de qualidade.

Diferentemente do fabricante, cujos clientes nao sao os consumidores finais, mas sim os varejistas (lojistas), o cliente do varejo e o consumidor final, aquele que ira utilizar o produto. Isso nao significa que os fabricantes nao tenham preocupacao com as necessidades e os desejos dos clientes, uma vez que suas expectativas sao levadas em conta no momento de desenvolver e lancar um produto. Significa, sim, que contatos do fabricante com o consumidor final, no momento das vendas, serao infinitamente menores que os contatos do varejista com o consumidor final: a chamada "hora da verdade" (SWARTZ; IACOBUCCI, 2000).

Elementos da cultura profissional tambem parecem estar presentes. Neste caso, e visivel a diferenca entre os valores dos arquitetos, no caso, as duas Vendedoras Internas, e os dos administradores (os proprietarios). Os arquitetos preocuparam-se mais com a qualidade do projeto, o design dos produtos e a ambientacao a ser desenvolvida. Os administradores, por sua vez, mais com as planilhas e com o controle, principalmente dos custos e das vendas (faturamento, receitas). Convem ressaltar que ha o contato dos funcionarios e dos proprietarios da loja com outros arquitetos, que funcionam como formadores de opiniao, podendo influenciar a compra de determinados clientes. Nem sempre esse relacionamento e cordial. Segundo diz uma das arquitetas, em relacao a cultura dos administradores e ao contato com outros arquitetos:
   So ha preocupacao agora em preencher
   planilhas [burocracia, controles].

   E melhor nao bater de frente com os arquitetos
   que recomendam a venda, a loja pode ficar mal
   falada por ai.


Quanto as gest0es precedentes, constatou-se que a anterior a agosto de 2004, quando o Sr. Robson era o proprietario, era visivelmente influenciada pela cultura de marketing de varejo. A gestao do fabricante, mesmo que o gestor fosse um Supervisor de Vendas, ressaltava o elemento forte da cultura de producao industrial. Na gestao da gerente Andreia, que tinha formacao em Administracao, o foco incidia sobre os valores mercadologicos. Agora, com os novos proprietarios, confere-se maior importancia aos valores industriais. Vale lembrar o forte conflito dos funcionarios, trabalhadores do varejo, com a atual gestao, e o bom relacionamento destes com a gerente anterior, que parece ter sido demitida por nao conseguir conciliar as diretrizes da industria com os valores do marketing, do varejo, dos clientes.

Os proprietarios, formados em Administracao, estao fortemente imbuidos da cultura de producao, de industria, e de profissao (do administrador), e preocupam-se em reduzir custos e controlar as atividades, os processos e as pessoas. De acordo com um dos funcionarios, o desejo do Sr. Andre e que todos ficassem, mesmo que nao houvesse trabalho, na frente dos computadores, sem sair do lugar e sem conversar. Evidenciam-se tambem, aqui, elementos da cultura do proprietario, similares aos da cultura industrial e administrativa, que atribui importancia capital aos controles e a rentabilidade; alem desses, notam-se elementos da cultura dos funcionarios, desejosos de salarios adequados. Uma das ultimas reclamac0es dos funcionarios, em razao da qual os almocos passaram a ser feitos na loja, em uma cozinha localizada no andar superior, denunciava o atraso na entrega dos vales-refeicao, que interferiu na motivacao para trabalhar e para haver um bom ambiente de trabalho.

Os funcionarios, principalmente os vendedores, estao imbuidos dos valores e comportamentos relacionados ao varejo, ao atendimento das necessidades, aos desejos dos consumidores e, consequentemente, a inovacao em servicos. Conforme os vendedores, o foco e fechar a venda, e prestar um bom servico. A Planejare, que tem um produto considerado de alta qualidade, poderia vender mais se a fabrica investisse mais em midia, trabalhasse mais com os formadores de opiniao. Nao que os proprietarios nao tenham preocupac0es com as necessidades e com os desejos dos consumidores, mas parece nao ser essa sua preocupacao maior. Ademais, as duas vendedoras internas, que sao arquitetas, estao imbuidas dos valores inerentes a cultura de sua formacao profissional; para elas mesmo reconhecendo sua importancia, a reducao dos gastos

nao e fundamental para uma loja que quer vender produtos de alto valor agregado para pessoas exigentes, de elevado poder aquisitivo.

4.3.1. Predominancia da Perspectiva da Diferenciacao

Diante do exposto, o que mais se evidencia no estudo da loja e a perspectiva da diferenciacao, o que implica a existencia de subculturas organizacionais. Notam-se, no entanto, nao somente uma diferenciacao, mas varias diferenciac0es, relacionadas com diferentes grupos de individuos. Dentro da loja, os proprietarios possuem valores de producao industrial proprios da atividade do administrador e do proprietario. Os funcionarios possuem valores de varejo, de comercio, proprios de sua profissao e de sua condicao de empregados. Isso implica, inclusive, maneiras diferentes de interpretar os processos de inovacao.

O proprietario anterior a gestao da industria nao manifestava essa combinacao. Era entao forte a cultura de marketing de varejo. A gerente Andreia parecia sofrer de um conflito de valores, pois, mesmo concordando com as decis0es da direcao do fabricante, da Firenze, pendia para o lado dos funcionarios e para os valores do varejo. Embora exercesse o cargo de gerencia, e tivesse formacao em Administracao, nao se via como proprietaria e nao tinha os valores dominantes da direcao da Firenze, diferentemente dos atuais proprietarios.

Por outro lado, e possivel supor que, por influencia do contato com as caracteristicas do varejo e com os consumidores finais, os atuais proprietarios, que tem pouca experiencia nas praticas varejistas, ainda cheguem a compartilhar os valores dos funcionarios (cultura de marketing de varejo), segundo a perspectiva da fragmentacao.

Pelos conflitos e pelas demiss0es ocorridos em um curto espaco de tempo, aparentemente mais em razao de valores divergentes do que por falta de competencia (os funcionarios desconfiam, alias, que algumas decis0es do Sr. Andre foram influenciadas pelo Sr. Henrique, seu irmao mais velho), nota-se o interesse dos proprietarios em implementar uma cultura integradora. Isso se explica pelo contato e convivencia dos proprietarios com a cupula da industria, bem como por serem acionistas da mesma. O interesse em haver uma cultura unica, e gerenciavel (como variavel, na otica dos proprietarios), tambem pode ter sido influenciado pela formacao universitaria dos proprietarios da loja: Administracao. Ressaltese, no entanto, que, mesmo nao havendo elementos de integracao na loja estudada, o interesse em promover essa integracao interfere nas ac0es dos seus funcionarios e nos relacionamentos com os clientes e com a concorrencia.

Estudar culturas por uma perspectiva de fragmentacao e sempre dificil, uma vez que elas implicam crencas, valores, atitudes e comportamentos compartilhados por alguns grupos de individuos em carater transitorio. Isso fica mais dificil quando se esta lidando com uma loja, com um pequeno numero de individuos, e quando e exiguo o tempo que se pode destinar a pesquisa. Se pensassemos em valores compartilhados entre funcionarios e proprietarios, a perspectiva seria a de integracao, e nao de fragmentacao, uma vez que os dois grupos representam toda a organizacao. Por outro lado, valores relacionados ao varejo e a satisfacao dos clientes eram compartilhados pelo proprietario anterior a gestao da fabrica, pela gerente demitida, representante da direcao da fabrica, e pelos funcionarios. O relacionamento dos funcionarios com o antigo proprietario e com a antiga Gerente, no caso da loja, foi transitorio. Todavia, como fora da loja ainda existe um relacionamento entre alguns funcionarios e a antiga Gerente, e possivel supor que esta, de alguma forma, ainda interfere nas ac0es e no desempenho dos funcionarios da loja.

Do ponto de vista dos gestores e da busca por uma cultura integradora, importa destacar o que ponderam Avila, Sa e Valadao Jr. (2009). Segundo eles, colocar os gestores como um grupo capaz de desenvolver a integracao e o consenso organizacional implica considerar os membros como agentes que concordam, tambem de forma consensual e integrada, com as ac0es prescritas pela direcao e com tudo que ela se prop0e disseminar e construir. Entretanto, em virtude de ambiguidades inerentes ao contexto organizacional, parece ser mais coerente afirmar que a homogeneizacao da organizacao e, no minimo, restrita como um todo.

Dessa forma, os conflitos e o convivio entre os atuais proprietarios e os funcionarios, e as influencias que os diversos individuos que integram a loja sofrem, tanto interna quanto externamente, suas experiencias e seus contatos, assim como seus momentos de discordancia, concordancia e coesao transitoria, indicam que o uso das multiplas perspectivas culturais, tal como teorizado por Martin e Frost (2001), neste caso, foi adequado. Ficou clara a presenca predominante da perspectiva de diferenciacao, mas tambem foram identificados elementos das perspectivas de fragmentacao e integracao, mesmo que somente na intencao, no interesse. O carater institucional das diversas perspectivas culturais interfere, portanto, na prestacao de servicos, nos seus processos de inovacao e na formacao das estrategias.

4.4. Formacao de estrategia como um processo coletivo e multiplas perspectivas culturais

Entendendo-se a formacao de estrategia como um processo coletivo e a estrategia como perspectiva, o que se pode perceber e que as multiplas perspectivas culturais tambem geram estrategias com multiplas perspectivas, multiplas maneiras fundamentais de fazer as coisas. Parta Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), organizac0es com culturas diferentes, operando no mesmo ambiente, interpretam-no de maneiras muito diversas. Neste caso, todavia, pode-se dizer que ha culturas diferentes dentro de uma mesma organizacao (dentro de um mesmo ambiente). Ha, portanto, diversas interpretac0es relativas ao ambiente e, portanto, diversas formas fundamentais de fazer as coisas.

Por outro lado, considerando-se a natureza conservadora das culturas (GAGLIARDI, 1986), muitas das significac0es permanecem na empresa. Mesmo com a saida de gestores, as significac0es permanecem em alguns funcionarios, Saem, portanto, as pessoas, mas permanece a cultura, mesmo que de forma mais especifica (LARENTIS; ANTONELLO; SLONGO, 2010).

A cultura, alem disso, pode ser encarada como poderosa barreira interna a mudancas (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000). Tendo a formacao de estrategia como um processo cultural, ou seja, a estrategia como perspectiva, o caso aqui estudado evidencia, a partir dos conflitos identificados, que esse aspecto funciona como um obstaculo a mudanca das estrategias, quando vistas como plano ou como posicao. Reforca-se, por outro lado, a estrategia como padrao, ou seja, como comportamento consistente ao longo do tempo, pela rotina herdada da estrategia como perspectiva.

Assim, considerando-se as cinco premissas da formacao de estrategia como um processo coletivo (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000), percebe-se que, na loja pesquisada, a formacao de estrategia e um processo social e de aprendizagem, e assume, acima de tudo, a forma de uma perspectiva (maneira fundamental de fazer as coisas), que vai adquirindo, rejeitando, alternando ou confirmando caracteristicas, em resposta a mudanca de gestores e de funcionarios, aos conflitos internos e as press0es externas, tendo como pano de fundo principalmente a perspectiva cultural da diferenciacao.

Deve-se neste ponto, ademais, mencionar o carater conservador e resistente da cultura, uma vez que, segundo Weick (1985), tanto a estrategia como a cultura imp0em coerencia, ordem e significado. No entanto, dentro das perspectivas culturais de integracao, diferenciacao e fragmentacao, esse carater conservador assume formas multifacetadas e ambiguas. Tendo por base Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), cabe afirmar que a formacao de estrategia pode ocorrer nao somente de forma integrada (mais relacionada a estrategia como plano, de maneira deliberada), mas tambem de maneira diferenciada ou fragmentada (estrategia como padrao, com maior presenca do carater emergente), influenciando e sendo influenciada pela interacao dos relacionamentos interpessoais e suas consequencias, significac0es culturais e relac0es de poder.

5. CONSIDERAC0ES FINAIS

Quando se analisam as organizac0es apenas por seus elementos "tangiveis", isto e, seus objetivos diretivos, as estrategias adotadas, as linhas dos produtos comercializados, a tecnologia utilizada, a estrutura organizacional, os resultados financeiros, etc., verifica-se somente a "ponta do iceberg". A fundamentacao, os pressupostos que norteiam grande parte das ac0es das organizac0es sao permeados por elementos intangiveis, que nem sempre sao perceptiveis, "visiveis aos olhos".

A cultura, os mitos, as crencas, os valores, os ritos, as imagens, etc. sao todos elementos simbolicos que dao vida e substancia ao comportamento organizacional. Assim, o conceito de cultura remete a uma discussao sobre o peso e a importancia da dimensao simbolica nas organizac0es (DE TONI, 2004; LARENTIS; ANTONELLO; SLONGO, 2010). Por outro lado, em contraste com as tendencias desprovidas de preocupac0es historicas, que veem as estrategias como planejamento e como posicionamento (escolas do planejamento e do posicionamento), nas quais se muda de estrategia como se muda de roupa, a escola cultural (estrategia como processo coletivo) embute a estrategia na rica tapecaria da historia de uma organizacao (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000).

Este estudo teve por objetivo identificar e avaliar as perspectivas culturais propostas por Martin e Frost (2001) no ambiente analisado, tendo como pano de fundo a formacao de estrategias como um processo coletivo (cultural). Utilizando os termos cultura de producao, de industria, cultura de marketing, de varejo, cultura de proprietario, cultura de funcionarios e cultura de profiss0es, e identificando-os no estudo efetuado na loja em questao, a partir principalmente da perspectiva da diferenciacao, o estudo revela as redes de significac0es que circulam dentro e fora da organizacao, interferindo na prestacao de servicos e evidenciando a cultura como perspectivas (no plural, em razao da perspectiva da diferenciacao e da fragmentacao) e a estrategia tambem como perspectivas (em razao da diversidade dos processos coletivos de formacao de estrategia presentes).

Cavedon (2003), citado anteriormente, conceitua cultura organizacional como uma rede de significac0es circulando dentro e fora do espaco organizacional, simultaneamente ambiguas, contraditorias, complementares, dispares e analogas, o que implica ressemantizac0es que revelam a homogeneidade e a heterogeneidade organizacionais. Cabe ressaltar, ainda, que as subculturas e as relac0es de poder e de interesses inseridas no cotidiano nao sao necessariamente aspectos negativos, que se devam eliminar, pois indicam a diversidade existente no ambiente de trabalho. Algumas subculturas existentes na empresa, oriundas ou nao das ac0es e do comportamento dos gestores e dos colaboradores, podem ser tanto favoraveis quanto desfavoraveis ao alcance dos objetivos organizacionais (LEITE-DA-SILVA et al., 2006), gerando conflitos a serem administrados.

As mudancas nas gest0es indicam o contraditorio e o complementar, revelam a homogeneidade e a heterogeneidade organizacionais, a partir das ressemantizac0es das significac0es. Afinal, no caso aqui estudado, mudaram-se os proprietarios, mas nao foram mudadas ou substituidas todas as pessoas que passaram pelas gest0es anteriores: em outras palavras, a historia importa. As maneiras fundamentais de ver o mundo (a estrategia como perspectiva) de outros gestores ainda estao presentes, ainda que tenham recebido, lentamente, contribuic0es de novas perspectivas, com as modificac0es que ocorreram posteriormente. E a natureza conservadora da cultura organizacional e da estrategia em evidencia.

Este trabalho identifica, entao, os elementos culturais e/ou simbolicos que tem um forte poder de interferir nas atividades de uma organizacao, o que abrange a formacao de estrategias. Apesar de apenas retratar o contexto de uma empresa em quatro momentos, o estudo serviu para a identificacao de alguns elementos simbolicos em uma loja, em um ambiente de varejo, e de como isso se relaciona com o processo de formacao de estrategia.

Quer-se mostrar com isso a importancia que esse tipo de investigacao tem para a construcao de diagnosticos organizacionais mais profundos, capazes de identificar os reais motivos que impulsionam as ac0es dos gestores no direcionamento estrategico das organizac0es. Dessa forma, ao se fazer um diagnostico organizacional, alem de saber diagnosticar tal ambiente do ponto de vista externo (clientes, concorrentes, fornecedores, etc.), deve-se estudar, tambem, os elementos simbolicos (cultura, ritos, representac0es, etc.) presentes no contexto e na percepcao de seus participantes (VILLAFANE, 2002), considerando-se, todavia, as diversas perspectivas culturais, e nao apenas a perspectiva da integracao, como comumente ocorre (MARTIN; FROST, 2001). Acredita-se que desse modo e possivel construir diagnosticos organizacionais mais consistentes e mais proximos da realidade na qual as organizac0es estao inseridas.

DOI: 10.5700/rege 453

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Fabiano Larentis

Docente do Centro de Ciencias Sociais Aplicadas, do Campus Universitario da Regiao dos Vinhedos da Universidade de Caxias do Sul--Caxias do Sul-RGS, Brasil

Integrante do Programa de Pos-Graduacao em Administracao (PPGA-UCS) Doutor em Administracao pela UFRGS E-mail: flarenti@ucs.br

Gabriel Sperandio Milan

Docente do Centro de Ciencias da Administracao da Universidade de Caxias do Sul--Caxias do Sul-RGS, Brasil

Integrante do Programa de Pos-Graduacao em Administracao (PPGA-UCS) Doutor em Engenharia da Producao pela UFRGS. Mestrado em Administracao e Doutorado em Administracao (associacao UCS/PUCRS) E-mail: gabmilan@terra.com.br

Deonir De Toni

Docente do Centro de Ciencias Sociais Aplicadas, do Campus Universitario da Regiao dos Vinhedos da Universidade de Caxias do Sul--Caxias do Sul-RGS, Brasil.

Integrante do Programa de Pos-Graduacao em Administracao (PPGA-UCS) Doutor em Administracao pela UFRGS. E-mail: deonirdt@terra.com.br

Recebido em: 14/6/2010

Aprovado em: 15/9/2011

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