Reflective practice and its contributions to corporate education/A pratica reflexiva e suas contribuicoes para a educacao corporative/La practica reflexiva y sus contribucionespara la educacion corporative.
Reis, Germano Glufke ; da Silva, Leilianne Michelle Trindade ; Eboli, Marisa Pereira 等
1. INTRODUCAO
Nos ultimos anos, o tema educacao corporativa vem merecendo atencao
no cenario organizacional; as razoes para isso sao bastante praticas.
Como apontam Allen (2002), Eboli (2004) e Meister (1999), a educacao nas
empresas pode e deve ser compreendida como elemento-chave para a
competitividade e para a consecucao das estrategias de negocios. Nesse
sentido, e possivel observar uma vinculacao da educacao corporativa com
a gestao de competencias organizacionais e individuais (EBOLI, 2004).
Tambem se observa que este tema tem encontrado cada vez mais conexoes
com a propria dinamica da aprendizagem organizacional, envolvendo a
adocao de praticas que privilegiam nao apenas o nivel individual, mas
tambem os niveis grupais e organizacionais. Como consequencia, a
educacao sai da "sala de aula" e se dissemina por toda a
organizacao, em acoes que vao alem de programas estruturados, como
treinamentos e cursos.
Eboli (1999, 2004) situa o tema educacao corporativa no contexto da
modernidade--cultural, politica, social, administrativa, economica,
tecnologica--, colocando a propria educacao como alicerce central para a
construcao da modernidade. Vale lembrar que, mais recentemente, o escopo
da educacao passou a ir alem do treinamento tecnico e operacional. Nesse
sentido, o homem moderno e: "[...] informado e participante, possui
acentuado sentido de eficacia pessoal, e altamente independente e
autonomo, tem a mente relativamente aberta e flexibilidade
cognitiva" (EBOLI, 1999:69). Alinha-se a essas colocacoes a
ponderacao de Souza (2005), que afirma serem necessarias para a
educacao, na sociedade do conhecimento e em um mundo global, a educacao
permanente e o desenvolvimento da capacidade de aprender (o
"aprender a aprender"). Com relacao a essas dimensoes do homem
moderno e da educacao em um "mundo novo", o desenvolvimento da
pratica sistematica de reflexao pode trazer preciosas contribuicoes,
como sera esclarecido mais a frente neste trabalho.
O atual imperativo da plasticidade, da flexibilidade e das mudancas
constantes requer capacidade de adaptacao e demanda educacao continua,
por meio da habilidade de saber aprender (SOUZA, 2005). Meister (1999)
enumera um conjunto de competencias que tem sido requeridas dos
individuos nesse contexto e que se desdobram em iniciativas de educacao
corporativa. Sao elas: aprendendo a aprender; comunicacao e colaboracao;
raciocinio criativo e resolucao de problemas; conhecimento tecnologico;
conhecimento de negocios globais; desenvolvimento de lideranca;
autogerenciamento de carreira. Essa autora tambem menciona que hoje os
profissionais precisam saber como interpretar informacoes para
emprega-las no trabalho e tomar decisoes.
Esse cenario requer paradigmas educacionais que vao alem da visao
positivista e cartesiana (ROGLIO, 2006), da racionalidade tecnica
(SCHON, 1983), passando a contemplar a complexidade e a inter-relacao
entre conhecimentos e saberes. Nesse caso, a complexidade representa uma
trama na qual diferentes campos, frequentemente abordados de maneira
fragmentada, encontram-se na realidade entrelacados, interagindo de
maneira nao linear e em um cenario de imprevistos e incertezas (MORIN;
LE MOIGNE, 2000). Diante desses elementos e desafios, Roglio, Light e
Coelho (2006) reafirmam a importancia da pratica reflexiva no
aprendizado, desenvolvimento e atuacao profissionais.
A pratica reflexiva e um conceito do campo da educacao de adultos
cuja acomodacao para o universo organizacional vem, nos ultimos anos,
renovando-se
(DENSTEN; GRAY, 2001; SLEEZER, 2004; BOUD, 2006; BOUD; CRESSEY;
DOCHERTY, 2006; REIS; NAKATA; DUTRA, 2009; VINCE; REYNOLDS, 2009).
Baseia-se, de um lado, na premissa de que a experiencia no ambiente
organizacional e potencialmente uma das principais formas de aprendizado
e, de outro lado, na proposicao de que o exercicio da reflexao e uma
estrategia que maximiza o aprendizado a partir da experiencia (BOUD;
WALKER, 1990; BOUD, 1994).
Alinhados a esse debate, Antonello e Godoy (2009:279-280) destacam
a importancia de uma perspectiva baseada em praticas, que se constituem
em um modo de adquirir conhecimento em acao, construindo-o a partir de
um contexto de interacao. Para as autoras, "a nocao de pratica e
rica a medida que articula a nocao de espaco-tempo do fazer dos atores,
isto e, como praticas 'situadas', implicando incertezas,
conflitos e incoerencias como caracteristicas intrinsecas a essas
praticas".
O presente ensaio teorico visa resgatar os principais conceitos
relacionados a pratica reflexiva, propondo aplicacoes no contexto da
educacao corporativa. O proposito e indicar pontos de partida gerais
para futuros estudos e inspirar iniciativas por parte de praticantes,
sem contudo definir especificidades relacionadas a tipos de industria,
areas de conhecimento, niveis hierarquicos, entre outras. Sao propostas,
tambem, alternativas para articular a pratica reflexiva tanto no nivel
individual quanto no organizacional, integrando-a aos esforcos de
aprendizagem organizacional.
2. EDUCACAO CORPORATIVA E SEU CONTEXTO
Compreender a educacao corporativa, o seu surgimento e os seus
ideais passa por conhecer as transformacoes da propria educacao de forma
geral, relacionando-as ao contexto historico social e economico.
Numa perspectiva historica, Souza (2005) faz sua analise baseado
nas tres revolucoes industriais. A primeira revolucao industrial, que
ocorreu na segunda metade do seculo XVII, deu-se pela substituicao da
producao artesanal pela producao fabril. Essa mudanca foi acompanhada da
migracao urbana e da instauracao da miseria. No ramo da educacao, em
razao do avanco da tecnologia, surgiu a preocupacao com a sistematizacao
do conhecimento e a universalizacao do acesso ao ensino. A segunda
revolucao industrial aconteceu no inicio do seculo XX, trazendo a
automacao e a producao em massa. Nessa epoca, estabeleceu-se a economia
do bem-estar social, com o aumento de empregos, salarios e beneficios. A
educacao passou a fundamentar-se no desenvolvimento do raciocinio, em
valores eticos e na acumulacao do conhecimento de forma organizada. Ja a
terceira revolucao industrial teve origem nos anos 1970 e e
caracterizada pelo surgimento da informatica e pelo avanco das
comunicacoes. Ela estabelece um carater social excludente e a educacao
torna-se um pre-requisito para o cidadao em tres dimensoes: producao,
consumo e vida social. Surge tambem a sociedade do conhecimento.
Tais transformacoes sociais, economicas e tecnologicas tambem
impactaram a gestao das organizacoes. Ate a terceira revolucao,
predominava o paradigma taylorista/fordista, caracterizado pela divisao
entre o trabalho manual e o intelectual. Essa dicotomia se refletia na
divisao social da educacao, na qual a elite recebia educacao superior
para gerenciar as empresas e a massa recebia educacao tecnica para
realizar operacoes repetitivas (ARANHA, 1996). O ambiente de constantes
mudancas gerado pela terceira revolucao industrial estabeleceu a gestao
flexivel nas organizacoes. Tornou-se imperativo desenvolver pessoas com
autonomia, iniciativa e dinamismo, voltadas para o autodesenvolvimento e
para a aprendizagem continua (EBOLI, 2004).
O campo da educacao precisava acompanhar e suprir as necessidades
das organizacoes flexiveis e da sociedade do conhecimento. A educacao
nos moldes de antes, oferecida de maneira pontual as pessoas, tornou-se
insuficiente. Assim, de acordo com Souza (2005), o grande desafio atual
e oferecer educacao permanente ao longo de toda a vida e para todos.
Essa nocao de educacao permanente abre espaco para o surgimento da
educacao corporativa. A partir do momento em que deixou de haver separacao entre o tempo para o estudo e o tempo para o trabalho, as
organizacoes assumiram um importante papel no sentido de facilitar a
construcao e a renovacao do conhecimento dos seus empregados. Do mesmo
modo, diante da influencia que a vida economica exerce no sistema
educacional, a demanda das empresas de empregados que aprendam
continuamente tambem reforca a possibilidade de acesso a educacao por
meio das corporacoes.
A educacao corporativa, tambem denominada por alguns autores de
universidade corporativa (MEISTER, 1999; ALLEN, 2002), e um termo
recente que vem ganhando cada vez mais destaque no mundo organizacional.
Segundo Meister (1999:1), existem cinco forcas centrais que sustentam
esse fenomeno, a saber:
[...] a emergencia da organizacao nao-hierarquica, enxuta e
flexivel; o advento e a consolidacao da "economia do conhecimento";
a reducao do prazo de validade do conhecimento; o novo foco na
capacidade de empregabilidade/ocupacionalidade para a vida toda em
lugar do emprego para a vida toda; e uma mudanca fundamental no
mercado da educacao global.
E possivel encontrar diversas definicoes de educacao corporativa,
mas normalmente elas apresentam pontos convergentes. Tomando por base
autores de destaque no assunto (MEISTER, 1999; ALLEN, 2002; EBOLI, 2004;
BORGES-ANDRADE; ABBAD; MOURAO, 2006), pode-se aqui entender educacao
corporativa como um programa educacional voltado para o desenvolvimento
de competencias individuais e organizacionais, que tem como missao
favorecer o alcance das metas organizacionais. Desse modo, a educacao
corporativa representa, antes de qualquer coisa, uma ferramenta
estrategica organizacional.
Diante disso, ressalta-se que a educacao corporativa nao se
caracteriza por um conjunto de cursos e programas de treinamento e
desenvolvimento oferecidos pelas organizacoes de forma desarticulada. O
fundamental do conceito e que existe um objetivo maior que integra todas
as acoes educacionais. Nesse sentido, Mannheim e Stewart (1962:30)
afirmam que a educacao tem a capacidade de modificar a natureza do
educando e que e importante tracar objetivos educacionais. Segundo os
autores, "muita coisa se pode fazer no sentido de influenciar
pessoas atraves da pratica e da organizacao educacionais".
Acredita-se, pois, que as organizacoes conseguiram visualizar o poder
transformador da educacao e estao procurando aproveita-lo para alcancar
os beneficios desejados.
Um desses beneficios e a competitividade. Autores como Meister
(1999) e Eboli (1999) defendem que ha uma estreita relacao entre
educacao e vantagem competitiva. Dessa forma, reforcando a visao de
Ioschpe (2004) sobre o valor da educacao, os autores acima citados
afirmam que no ambiente organizacional a educacao e vista como um
investimento consciente que proporcionara rendimentos futuros.
Essa nocao de vantagem competitiva como um beneficio resultante da
valorizacao da educacao esta relacionada a um dos sete principios de
sucesso da educacao corporativa, conforme definido por Eboli (2004:59):
1) Competitividade; 2) Perpetuidade; 3) Conectividade; 4)
Disponibilidade; 5) Cidadania; 6) Parceria; 7) Sustentabilidade. Alem do
principio da competitividade, destacam-se aqui os principios da
conectividade, da disponibilidade e da parceria, pois eles dao
sustentacao a associacao entre a educacao corporativa e a pratica
reflexiva. O principio de conectividade enfatiza a gestao do
conhecimento em suas quatro etapas: geracao, assimilacao, comunicacao e
aplicacao. Diante da velocidade das mudancas, Eboli (2004:128) enfatiza
a necessidade de "criar um ambiente e um processo de trabalho que
estimulem a geracao de novos conhecimentos e novas conexoes e aplicacoes
de conhecimentos ja existentes". O principio da disponibilidade
ressalta a realizacao da aprendizagem "a qualquer hora e em
qualquer lugar". Ja o principio da parceria reforca a atuacao dos
lideres como educadores, responsabilizando-os pelo processo de
aprendizagem de suas equipes. Esses principios fundamentam a utilizacao
da pratica reflexiva como um mecanismo de aprendizado que possibilita ao
individuo fazer conexoes entre a teoria e a pratica organizacional
durante a propria realizacao do trabalho, de forma acessivel, flexivel,
dinamica e eficaz, numa constante (re)aplicacao de conhecimentos.
Eboli (1999:74) tambem destaca a necessidade de "passar de um
aprender estatico e passivo para uma forma dinamica e critica, superando
a corrente positivista que predomina no ensino da administracao".
Segundo a autora, os sistemas de educacao corporativa devem, entre
outras coisas, favorecer o desenvolvimento da capacidade critica,
estimulando as pessoas a pensar, refletir, questionar e construir de
forma criativa. Mais uma vez, a pratica reflexiva se adequa a essa
postura educacional ativa e construtivista.
Alguns autores (MEISTER, 1999; EBOLI, 1999, 2004; BORGES-ANDRADE;
ABBAD; MOURAO, 2006) reforcam ainda a necessidade de adotar novos
metodos de aprendizagem, que nao se prendam aos programas educacionais
formais e que proporcionem experiencias inovadoras e ajudem os
funcionarios a construir o seu proprio conhecimento, enfrentar desafios
e encontrar solucoes, por meio da incorporacao da atitude de aprender a
aprender no cotidiano do seu trabalho. E nesse contexto que se insere a
pratica reflexiva.
3. PRATICA REFLEXIVA
Schon (2000) advoga que, hoje, a construcao do conhecimento
profissional deve estar menos calcada na concepcao da racionalidade
tecnica e mais na nocao de que a pratica profissional, nos diversos
campos, envolve zonas de ambiguidade, indeterminacao e surpresas, nas
quais aquele tipo de concepcao tende a ser insuficiente. A racionalidade
tecnica, enquanto visao positivista da pratica profissional, "[...]
diz que os profissionais sao aqueles que solucionam problemas
instrumentais, selecionando os meios tecnicos mais apropriados para
propositos especificos" (SCHON, 2000:15). Subjacente a esse enfoque
esta a ideia de que os profissionais lidam com problemas claros e
relacoes de causa e efeito lineares, aplicando tecnicas bem definidas.
No entanto, tal perspectiva nao parece fazer sentido nos contextos
organizacionais atuais, onde se lida com incertezas, problemas pouco
delineados, mudancas constantes e relacoes de causa e efeito altamente
complexas.
Nesse sentido, o continuo exercicio de reflexao por parte dos
profissionais e assinalado como componente-chave para a pratica e o
desempenho diferenciados, para o "talento artistico"
profissional (SCHON, 1983, 2000), para o aprendizado continuo a partir
de experiencias praticas (DEWEY, 1979; SCHON, 1983; BOUD, KEOGH; WALKER,
1985; BOUD, 2006; HEDBERG, 2009), para a revisao critica de perspectivas
pessoais (MEZIROW, 1991, 2009) e de "teorias em uso" (ARGYRIS,
1992) e para o aprendizado organizacional (HOYRUP, 2004). Em razao
desses aspectos e que se defende, neste ensaio, a necessidade de dar
atencao ao fortalecimento e desenvolvimento da pratica reflexiva entre
profissionais nas praticas de educacao corporativa.
Dewey (1979), um dos pioneiros no tema, caracteriza a pratica
reflexiva como um exame cuidadoso e questionador de conhecimentos,
pressupostos, conclusoes. Ha dois elementos centrais em jogo: a
experiencia-acao, que ocorre em um fluxo continuo, e a capacidade de
julgamento daquele que reflete. Schon (1983) tambem e um precursor nesse
campo, tendo introduzido a nocao de aprendizado reflexivo no contexto
organizacional: a reflexao continua--sobre a acao e na acao--como trilha
para a evolucao e melhoria da atuacao profissional.
E possivel desdobrar e compreender esse conceito a partir das
perspectivas descritas nos topicos seguintes.
3.1. Reflexao e Aprendizado na Acao e na Solucao de Problemas
Os estudos de Schon (1983, 2000) sobre como os profissionais pensam
na acao e como o conhecimento e aplicado no desempenho pratico revelaram
que ha um continuo dialogo introspectivo no trabalho do profissional com
situacoes, problemas e imprevistos. Nesse dialogo interno sao
construidos e remodelados planos, experimentos, hipoteses e testes virtuais, realizados no espaco mental; nele, problemas sao definidos e
redefinidos e os sentidos das situacoes praticas sao continuamente
elaborados. No exercicio da reflexao encontra-se a oportunidade de
temperar a pratica com aquilo que o autor chama de "talento
artistico": a "[...] competencia que os profissionais
demonstram em certas situacoes de pratica que sao unicas, incertas e
conflituosas" (SCHON, 2000). De acordo com o autor, e possivel
criar, por meio da reflexao, o desempenho diferenciado e habilidoso.
A nao linearidade da pratica profissional revela-se em momentos de
imprevistos e nas necessidades de adaptacao e ajustes de trajetoria, que
vao pontuando, continuamente, a acao do praticante. Nesses momentos, em
que muitas vezes os problemas e tambem situacoes positivas inesperadas
aparecem no caminho, os profissionais podem dar pouca atencao aos novos
sinais e continuar empregando padroes de acao preestabelecidos; ou
podem, ao contrario, engajar-se no exercicio da reflexao. Esta, segundo
Schon (1983, 2000), pode ocorrer de duas maneiras: a reflexao na acao,
durante o proprio fluxo da pratica, e a reflexao sobre a acao, nas
pausas e momentos que sucedem a pratica, que realiza um exame
distanciado e retroativo, alem de elaboracoes sobre acoes futuras. Tais
praticas, geralmente relacionadas as situacoes de solucao de problemas,
sao condicoes para o aprendizado e aprimoramento continuo do desempenho
e para a construcao do "talento artistico" na atuacao
profissional.
3.2. Reflexao sobre a Acao e o Aprendizado a partir de Experiencias
Alguns autores tem avancado na ideia de reflexao como mecanismo que
facilita o aprendizado a partir da experiencia, da atuacao diaria do
profissional. E uma forma de dar sentido a contextos complexos que
dificilmente podem ser simplificados e apreendidos pelo uso de conceitos
e modelos (BOUD, 2006), e envolve intencionalidade: o profissional
engaja-se conscientemente e por vontade propria no exame de sua atuacao,
para optar por acoes de melhoria (BOUD; KNIGHTS, 1996). Boud e
colaboradores definem essa forma de reflexao do modo descrito a seguir:
Reflection is an important human activity, in which people
recapture their experience, think about it, mull it over and evaluate
it. Reflection in the context of learning is a generic term for those
intellectual and affective activities in which individuals engage to
explore their experiences in order to lead to new understanding and
appreciations (BOUD; KEOGH; WALKER, 1985:19).
O processo de reflexao envolve a aplicacao de tres estrategias:
revisitar experiencias, observar as emocoes nelas presentes e reavaliar
a experiencia e seus resultados (BOUD; KEOGH; WALKER, 1985), como
apresenta a Figura 1. Essa pratica distanciada de examinar o que e
vivido na dinamica organizacional permite a tranquilidade de pensar
sobre acoes estando "longe" delas; envolve observar emocoes
negativas e positivas que as acompanham, percebendo suas interferencias.
Reavaliar experiencias significa refletir sobre elas a luz dos objetivos
do aprendiz (BOUD; KEOGH; WALKER, 1985), observando conhecimentos ja
existentes e outros que devem ser adquiridos, percebendo a sua
interconexao com a pratica e com entregas profissionais em curso. Nesse
sentido, remete a um entendimento ou tomada de consciencia do
conhecimento enquanto aplicacao pratica, o que se aproxima da ideia de
competencia como "inteligencia pratica" trazida por Zarifian
(FLEURY, 2002). Este tipo de reflexao depois da acao tem, no entanto,
compromisso com a acao; testam-se, no campo das experiencias, novas
perspectivas, novas possibilidades, e a seguir retorna-se a reflexao.
[FIGURE 1 OMITTED]
Boud e Knights (1996) descrevem um conjunto de tecnicas que, entre
outros objetivos, produzem praticas reflexivas em sala de aula:
contratos de aprendizado, diarios de aprendizagem (journals), exercicios
de autoavaliacao, entre outras.
Cowan apud Jolly e Radcliffe (2000b) sintetiza as ideias de
reflexao apresentadas ate aqui situandoas em um fluxo continuo de
experiencias, no qual o profissional deve refletir antes, durante e apos
suas acoes, conforme representado na Figura 2. Esse movimento, segundo o
autor, tende a fortalecer o aprendizado continuo a partir das
experiencias.
[FIGURE 2 OMITTED]
3.3. Reflexao Critica e a Revisao de
Pressupostos e Perspectivas
Esta modalidade de reflexao envolve o exame de pressupostos,
crencas e valores pessoais estabelecidos (HEDBERG, 2009), revisa
"perspectivas de significados" e e elemento central da
aprendizagem transformativa (MEZIROW, 2000, 2009). Reynolds (1999a)
destaca o papel da reflexao critica no questionamento de pressupostos e
crencas existentes tanto na teoria como na pratica organizacional. A fim
de promover mudanca de postura nas relacoes com o ambiente, por meio da
revisao de padroes que orientam analises, decisoes e acoes, a reflexao
critica se propoe a "transformar perspectivas":
Perspective transformation is the process of becoming critically
aware of how and why our assumptions have come to constrain the way we
perceive, understand, and feel about our world; changing these
structures of habitual expectation to make possible a more inclusive,
discriminating, and integrating perspective; and, finally, making
choices or otherwise acting upon these new understandings (MEZIROW,
1991:167).
No processo de refletir sobre perspectivas e pressupostos, um
elemento catalisador e a eclosao de "dilemas desorientadores".
Tambem caracterizando os imprevistos, surpresas e necessidades de
adaptacao que invadem a realidade (neste caso, a realidade da pratica
profissional), o dilema desorientador representa um contexto ou variavel
que coloca em cheque perspectivas existentes, mobilizando a pessoa e
dando inicio a uma revisao de posturas que origina a aprendizagem
transformativa. As etapas deste tipo de aprendizagem podem ser
sintetizadas como segue, a partir do trabalho de Mezirow (1991, 2009):
* Dilema desorientador.
* Autoexame, envolvendo sentimentos diversos: medo, raiva,
vergonha, etc.
* Reflexao critica de pressupostos e valores pessoais.
* Exploracao de possiveis novos papeis e acoes.
* Planejar acoes.
* Adquirir conhecimentos e habilidades necessarios aos planos.
* Experimentacao de novos papeis.
* Fortalecer competencias e autoconfianca nos novos papeis.
* Integracao das novas perspectivas a atuacao da pessoa.
No cenario organizacional, a reflexao critica prioriza mais a
revisao de perspectivas, crencas e premissas do que a enfase
politico-social, que e o nucleo da teoria critica (BROOKFIELD, 2005) e
que se encontra presente no cerne de propostas educacionais como as de
Mezirow (1991, 2009) e de Freire (1978), que tem um carater
emancipatorio. Trata-se, no contexto apresentado neste artigo, de um
processo que prioriza a dimensao cognitiva e comportamental da analise
critica, preservando entretanto a dinamica de poder e o status quo.
Embora esse componente politico seja possivel, especialmente onde se
almejam mudancas organizacionais--as quais envolvem questoes de cultura
e poder--, ele e menos provavel no cotidiano de organizacoes
capitalistas. Reynolds (1999b), apesar de defensor de pedagogias
criticas, ressalta os cuidados e riscos que circundam tal enfoque, que
pode trazer efeitos colaterais para individuos e grupos.
Este enfoque de reflexao critica pode ser observado, por exemplo,
no caso descrito por Tsao et al. (2006), no qual um grupo de arquitetos
de uma organizacao especializada em arquitetura antiga teve de rever
valores e pressupostos para compreender a necessidade de adotar novas
ferramentas tecnologicas de design.
No universo organizacional, dilemas desorientadores, que colocam em
xeque referencias conhecidas e pressupostos, podem incluir elementos
variados: movimentacoes na dinamica competitiva de uma industria,
avancos tecnologicos, mudancas organizacionais, entre outros.
Cranton (1994) e Mezirow (1991) descrevem tres grupos de
perspectivas que dao sentido a experiencias pessoais e que podem ser
revisadas nesse processo: psicologicas/intrapessoais--Que percepcoes e
crencas tenho de mim mesmo? Como se estabeleceram e de que maneira
influenciam minhas acoes?; sociolinguisticas/interpessoais -Quais sao as
expectativas, objetivos e normas sociais/interpessoais? Como se inserem
nas relacoes?; e epistemicas--Quais sao as competencias e conhecimentos
que tenho? Qual e sua origem e como se aplicam ao contexto atual? Com
base no trabalho de Mingers (2000), Mumford e Gold (2004) propoem que a
reflexao envolva aspectos como:
* Critica a retorica: verificar em que medida argumentos e
proposicoes tem consistencia, sao embasados e logicos.
* Critica a tradicao: adotar postura cetica ante visoes e praticas
organizacionais convencionais, ja estabelecidas, observando os
pressupostos em que se apoiam.
* Critica a autoridade: conciliar ceticismo diante de uma visao
dominante com a abertura para perspectivas multiplas.
* Critica ao conhecimento: reconhecer o valor presente no
conhecimento e na informacao e a maneira como estes sao formatados pela
dinamica social e de poder. Envolve, assim, uma postura cetica em face
da objetividade do conhecimento.
De fato, a reflexao critica representa uma garimpagem de premissas
individuais e mesmo grupais, como explica Mezirow (1991:111):
"premise reflection is the dynamic by which our belief
systems--meaning perspective--become transformed". Essa revisao de
perspectivas envolve um aprendizado que se encaminha para a
experimentacao e o fortalecimento de novas premissas e,
consequentemente, de novas acoes, ate mesmo no contexto da pratica
gerencial (CUNLIFFE, 2004).
E interessante perceber que esse conceito converge para a ideia de
rever determinados pressupostos ("teorias em uso"), no sentido
de se viabilizarem "circuitos duplos de aprendizagem" nas
organizacoes (ARGYRIS, 1992). Para Argyris e Schon (1978), a
aprendizagem de ciclo duplo se refere a um processo de mudanca mais
profunda, em que ocorre a revisao de pressupostos, enquanto a
aprendizagem de ciclo simples envolve apenas mudancas operacionais, o
que implica a permanencia das normas organizacionais.
Assim, essa primeira conexao entre aprendizagem transformativa e
aprendizagem organizacional sugere um tema a ser explorado no proximo topico: que a reflexao nao se encapsula nos individuos, uma vez que pode
ser compreendida como uma pratica que pode ocorrer tambem a nivel grupal
e organizacional.
3.4. Reflexao: do Nivel Individual para o Nivel Organizacional
Se diferentes autores investigam prioritariamente como o processo
de reflexao se da no nivel individual (SCHON, 1983; MEZIROW, 1991; MOON,
1999; TAYLOR, 2009), Hoyrup (2004) assinala que boa parte desse processo
requer algum tipo de interacao interpessoal para ocorrer. O autor
menciona exemplos de praticas que potencializam a reflexao e que
demandam algum tipo de interacao: compartilhar experiencias e
conhecimentos, solicitar feedback, aprender com os erros, entre outras.
Expandindo um pouco mais o escopo da pratica reflexiva, Hoyrup
(2004) a situa tambem no nivel organizacional, como um processo
direcionado a aprendizagem da organizacao e que abrange todas as formas
mencionadas anteriormente neste ensaio (reflexao na acao e sobre a acao,
reflexao na solucao de problemas, reflexao critica). Vince (2002), por
exemplo, cita quatro metodologias que envolvem diferentes tipos de
reflexao e que tem impactos de maior amplitude na organizacao: grupo de
pares sem funcoes gerenciais (trios que solucionam questoes
organizacionais, seguindo procedimentos especificos), grupos de analise
de papeis organizacionais, comunidades de pratica e
"conferencias" sobre dinamicas grupais.
A reflexao critica, em particular, tem sido percebida como um
mecanismo de grande potencial se empregada no nivel do grupo e da
organizacao, ja que possibilita a revisao de pressupostos
organizacionais (DENSTEN; GRAY, 2001; WOERKOM; NIJHOF; NIEUWENHUIS,
2002; HOYRUP, 2004). Sua utilizacao tem sido defendida, por exemplo, na
exploracao de pressupostos e crencas envolvidos na eclosao e gestao de
conflitos (FISHER-YOSHIDA; GELLER; WASSERMAN, 2005) ou em decisoes e
acoes organizacionais, e propicia a reflexao sobre comportamentos
eticos, estimulando a sua adocao (MEISEL; FEARON, 2006). Outros autores
ressaltam que a reflexao critica e elemento de especial relevancia para
o desenvolvimento de liderancas (DENSTEN; GRAY; 2001; HOMER, 2008; HART;
CONKLIN, 2008), pois ensina os lideres a revisar as suas perspectivas
continuamente.
4. EDUCANDO O PROFISSIONAL REFLEXIVO NAS ORGANIZACOES
A utilizacao do modelo de Vicere e Fulmer (1998), chamado de
"ciclo de criacao do conhecimento", pode contribuir como ponto
de partida para o entendimento e articulacao da integracao da educacao
corporativa com a pratica reflexiva. Esse modelo foi originalmente
concebido como forma de estabelecer uma conexao logica entre as
diferentes estrategias de desenvolvimento, de maneira a orienta-las e
sintoniza-las com esforcos voltados ao aprendizado organizacional. Ele
tambem caracteriza o desenvolvimento profissional como um processo
sistematico que integra diferentes abordagens, partindo da aprendizagem
individual e expandindo-se para o grupo, para o nivel organizacional,
gerando disseminacao de conhecimento. A Figura 3 apresenta a adocao de
diferentes praticas ligadas a reflexao, propondo a vinculacao destas a
diferentes etapas do ciclo.
[FIGURE 3 OMITTED]
Os principais componentes do modelo sao:
* Experiencia: e o conjunto de aprendizados ja adquiridos e em
aquisicao pelo profissional a partir de sua atuacao e experiencia.
* Perspectiva: significa providenciar contrapontos as experiencias,
propiciando feedback e reflexao (reflexao critica, reflexao "na
acao" e "apos a acao"). Tais contrapontos podem ser
viabilizados por meio de abordagens que possibilitam maior grau de
interacao grupal, como no caso de treinamentos formais.
* Aprendizagem: a aprendizagem ocorre a partir de insights
promovidos por novas perspectivas e pela reflexao sobre a experiencia.
* Conhecimento: envolve o intercambio de aprendizados individuais
com o nivel grupal e organizacional, por meio de trabalho conjunto e
interacao intensa e sistematica, em equipes de projetos e comunidades de
aprendizagem, por exemplo. Nesse contexto, a reflexao passa a atender
tambem a esses niveis.
* Desafio e nova aprendizagem: para dar prosseguimento ao processo
de aprendizagem e criacao do conhecimento continuo, os profissionais
devem ser continuamente desafiados--e suas perspectivas novamente
examinadas--, a fim de estimular a emergencia de aprendizado individual
e organizacional e de geracao de conhecimentos em novos contextos e
situacoes.
A ideia proposta aqui e situar a pratica reflexiva, de um lado, em
um processo continuo que leve da experiencia a aprendizagem individual
e, de outro, em um encaminhamento sistematico que va do aprendizado
individual ao organizacional. Alem disso, a pratica reflexiva
possibilita articular e sintonizar a propria educacao corporativa com um
circuito mais abrangente de aprendizagem e de geracao de conhecimento.
Na visao de Schon (2000), a pratica reflexiva pode e deve ser
incorporada na educacao de profissionais, de forma que viabilize o
desempenho diferenciado, ou seja, o "talento artistico" na
pratica; deve tambem ser realizada sistematicamente na atuacao
profissional. Do ponto de vista educacional, trata-se de viabilizar uma
alianca entre teoria e pratica, entre conhecimento e atuacao, por meio
da reflexao. Envolve o aprendizado a partir da acao e da habilidade de
lidar com surpresas e imprevistos impostos pela atuacao no cotidiano
organizacional. Nesse processo, e primordial o envolvimento e a
participacao das liderancas, que devem assumir o papel de facilitadores,
oferecendo estimulos e criando condicoes para a realizacao da
aprendizagem. Destaca-se ainda que a pratica reflexiva, em si, tambem
pode configurar uma via para o desenvolvimento de lideres
organizacionais, construindo aprendizados sobre gestao de pessoas e
equipes a partir da pratica diaria.
Com base na literatura, algumas praticas concretas podem ser
exemplificadas, compondo um conjunto de estrategias que potencializam a
reflexao e que podem vir a ser integradas a praticas de educacao
corporativa. Sao elas:
Em nivel individual:
* Praticas reflexivas pessoais, com maior ou menor grau de
estruturacao--reflexao na acao e depois da acao (SCHON, 1983, 2000;
BOUD; 1994)--e de revisao de perspectivas pessoais--reflexao critica a
partir de "dilemas desorientadores" (MEZIROW, 1991, 2009;
MOON; 1999).
* Pratica reflexiva em programas em sala de aula, com foco na
reflexao individual (HEDBERG, 2009).
* Utilizacao de diarios (journals), para registro e analise
sistematicos das experiencias e acontecimentos criticos (BOUD; KNIGHTS,
1996; MOON; 1999).
* Mapas conceituais (MOON, 1999; JOLLY; RADCLIFFE, 2000a, 2000b).
* Exercicios de autoavaliacao (BOUD; KNIGHTS, 1996).
* Parceiros de aprendizagem: colegas de quem podem ser obtidos
feedbacks ou com quem podem ser debatidos aspectos especificos da
pratica (BOUD; KNIGHTS, 1996).
* Processos de feedback (BROCKBANK; MCGILL, 2006; REIS, 2007).
* Coaching individual como dialogo reflexivo (JACKSON, 2004; REIS,
2007) e como suporte a reflexao critica e a revisao de perspectivas
pessoais (FISHER-YOSHIDA, 2009).
Em nivel grupal/organizacional:
* Exame de dilemas desorientadores em processos grupais--revisao de
pressupostos, perspectivas de significado e "teorias em uso"
(MEZIROW, 1991, 2009; ARGYRIS, 1992; TSAO et al, 2006).
* Pratica reflexiva em programas em sala de aula, com foco na
reflexao grupal, coletiva (HEDBERG, 2009).
* Utilizacao de experiencias estruturadas e do ciclo de
aprendizagem (KOLB, 1984) em programas de desenvolvimento.
* Reflexao a partir do compartilhamento de casos e historias
pessoais (storytelling). Engloba compartilhar e processar experiencias
diretas dos profissionais em suas interacoes internas (pares, equipes,
etc.) e externas (clientes, fornecedores, governo, etc.) (TYLER, 2009).
* Reflexao a partir da analise de incidentes criticos (MOON, 1999;
JOLLY; RADCLIFFE, 2000a, 2000b; VERDONSHOT, 2006).
* Reflexao critica sobre aspectos da conduta organizacional etica,
a partir da exposicao a situacoes e dilemas ficticios, tal como na forma
de vinhetas (MEISEL; FEARON, 2006).
* Coaching reflexivo em grupos e em times de projetos (REIS, 2007;
MULEC; ROTH, 2005). Envolve o que Marsick e Maltbia (2009) denominam de
conversacoes para o aprendizado na acao: dialogos reflexivos entre os
membros de um projeto, por exemplo, com o suporte de coaches. Nesta
proposta, a conversacao enfatiza questionamentos e a reflexao critica.
* Utilizacao de ciclos do tipo investigacao-acao. De forma geral,
os ciclos envolvem as seguintes etapas: AGIR-DESCREVER-AVALIAR-PLANEJAR
(TRIPP, 2005); sao uteis na solucao de problemas e na implementacao de
mudancas.
* Outras estrategias mencionadas na literatura (WOERKOM; NIJHOF;
NIEUWENHUIS, 2002; HOYRUP, 2004; VERDONSHOT, 2006) sao:
--Comunidades de pratica.
--Aprendizados a partir de erros.
--Debater e compartilhar visoes.
--Compartilhar conhecimentos/experiencias.
--Intercambio intensivo de feedback.
--Experimentacao de ideias.
--Questionar o pensamento grupal e pressupostos coletivos.
--Identificar, observar e debater "descontinuidades"
(mudancas significativas e seus resultados) e "experiencias de
pico" (eventos de desempenho excepcional).
--Avaliacao formativa (confrontar objetivos almejados com
resultados efetivamente alcancados, debatendo causas, consequencias,
alternativas).
--Reflexao imaginativa (idealizar e examinar tendencias, o futuro,
novas possibilidades).
Cabe aqui mencionar dois exemplos de praticas organizacionais que
empregam estrategias dessa natureza, estimulando a pratica reflexiva. Um
deles e o caso da Astrazeneca e sua experiencia com pesquisa-acao,
coaching e reflexao em grupos (MULEC; ROTH, 2005), objetivando o
aprendizado de times globais de pesquisa e desenvolvimento. Outra
experiencia e a da Kraft, onde celulas de producao reunem-se diariamente
para analisar resultados obtidos no dia anterior, visando repetir
experiencias que deram certo, corrigir erros e buscar sugestoes de
melhoria e de solucoes para os problemas (EBOLI, 2004). Essa pratica da
Kraft assemelha-se aos processos de investigacao-acao e de analise de
incidentes criticos, descritos acima. Vale destacar que, neste segundo
caso, trata-se de uma acao vinculada as iniciativas gerais de educacao
corporativa da companhia.
Um ponto relevante e identificar como se podem articular tais
praticas reflexivas aos esforcos mais amplos de educacao de uma
organizacao. Um caminho e pensar na insercao da reflexao, como
metodologia, em diferentes tipos de programas desenvolvidos pela
organizacao. Jolly e Radcliffe (2000a, 2000b), por exemplo, descrevem a
insercao de atividades e metodologias reflexivas em diferentes etapas de
um programa de formacao de engenheiros de uma prestigiosa universidade
australiana. A intencao da iniciativa foi estimular o aprendizado de
praticas reflexivas e contribuir para sua utilizacao, como exercicio
constante, por alunos e futuros profissionais.
Tendo como base esse relato, e possivel pensar na integracao de
diferentes estrategias reflexivas, como as listadas acima, aos
curriculos das iniciativas educacionais de uma corporacao (ver Figura
4). Nesse sentido, pode-se recuperar a definicao de universidade
corporativa de Allen (2002) como ferramenta estrategica que orquestra
atividades que cultivam geracao de conhecimento, bem como aprendizado
individual e organizacional.
[FIGURE 4 OMITTED]
No amplo escopo da "conducao de atividades" que leva a
tais objetivos e possivel situar o exercicio sistematico da reflexao, da
aprendizagem reflexiva a partir da pratica, do pensamento critico,
enfim, da reflexao nos niveis individual e organizacional; tais
atividades podem ser integradas a diferentes "oportunidades de
aprendizagem", tais como as que tem sido adotadas por grandes
corporacoes em suas iniciativas de educacao corporativa: planos de
desenvolvimento de pessoas, sistemas de avaliacao e feedback,
treinamentos on-the-job, treinamentos tradicionais, conferencias,
projetos, programas oferecidos por universidades, mentorias,
treinamentos multifuncionais, entre outras (CORPORATE UNIVERSITY
XCHANGE, 2004).
5. CONSIDERACOES FINAIS
Este trabalho procurou visitar ideias centrais sobre a pratica
reflexiva (do campo da educacao de adultos), no intuito de evidenciar
suas possiveis contribuicoes ao contexto da educacao corporativa. Ainda
ha muito a ser feito nesse debate, do ponto de vista teorico e empirico,
mas o encontro desses dois temas parece estimulante e potencialmente
enriquecedor. A pratica reflexiva propoe-se a promover aprendizados e
mudancas a partir da acao, num processo de tomada de consciencia que
envolve uma observacao distanciada, e pode ser integrada as diferentes
oportunidades de aprendizagem (cursos, educacao a distancia,
desenvolvimento de liderancas, etc.) oferecidas pelos sistemas de
educacao corporativa.
Trata-se de uma alternativa a estrategias educacionais
tradicionalmente empregadas, pautadas pelo paradigma positivista e pela
racionalidade tecnica. Como foi ressaltado neste ensaio, e importante
que as organizacoes criem, em seus ambientes, as condicoes necessarias
para a construcao do conhecimento de forma continua--antes, durante e
apos as experiencias--, potencializando, entre os seus profissionais, a
capacidade de se desenvolver e de aprender fazendo. Devem, portanto,
estimular uma postura ativa nas pessoas, de forma que elas busquem,
continuamente, por meio do pensamento critico, do questionamento e da
reflexao, tanto no nivel individual como grupal, solucoes criativas e
inovadoras para os dilemas e imprevistos que emergem no cotidiano
organizacional.
Nao foi proposta deste ensaio debater especificidades relativas a
praticas a serem adotadas em determinadas industrias, campos do
conhecimento, funcoes, niveis hierarquicos especificos, etc., mas sim
apresentar pontos iniciais para futuros estudos e mesmo para iniciativas
de praticantes no ambito da utilizacao da pratica reflexiva em contextos
de educacao corporativa. Futuras pesquisas poderiam concentrar-se em
analisar justamente essas especificidades, identificando praticas
reflexivas que melhor se ajustem a cada uma delas. Outro caminho seria
identificar tipos de praticas reflexivas que tem sido empregados pelas
empresas nos sistemas de educacao corporativa ja em andamento.
Finalmente, um percurso instigante seria pesquisar que tipos de
estrategias reflexivas se alinham melhor as diferentes oportunidades de
aprendizagem (cursos, educacao a distancia, desenvolvimento de
liderancas, etc.) oferecidas pelos sistemas de educacao corporativa.
Recebido em: 15/2/2009
Aprovado em: 5/5/2010
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Germano Glufke Reis
Mestre em Administracao pela Fundacao Getulio Vargas (FGV-EAESP).
Doutorando em Administracao na Faculdade de Economia, Administracao e
Contabilidade da Universidade de Sao Paulo (FEA-USP). Professor da
FGV-EAESP e da Faculdade de Campinas (FACAMP)--Sao Paulo-SP, Brasil
E-mail: germano.reis@fgv.br
Leilianne Michelle Trindade da Silva
Mestre em Administracao pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Pesquisadora nas areas de Gestao de Pessoas e Turismo.
Doutoranda em Administracao na FEA-USP--Sao Paulo-SP, Brasil
E-mail: leilianne_mts@hotmail.com
Marisa Pereira Eboli
Doutora em Administracao pela FEA-USP. Pesquisadora e Consultora na
area de Educacao Corporativa. Professora do Programa de Pos-Graduacao em
Administracao da FEA-USP--Sao Paulo-SP, Brasil
E-mail: meboli@usp.br