Women in management of information technology: an analysis of expressions of empowerment/Mulheres na gerencia em tecnologia da informacao: analise de/Mujeres en la gerencia en tecnologia de la informacion: analisis de expresiones de empoderamiento expressoes de empoderamento.
de Sousa, Rosa Maria Borges Cardoso ; Melo, Marlene Catarina de Oliveira Lopes
1. INTRODUCAO
Sao inegaveis o ritmo e a forca com os quais a globalizacao
engendra mudancas no mundo das organizacoes. Entre essas mudancas,
destaca-se o fato de a diversidade de genero passar a ser a tonica na
constituicao da forca de trabalho, antes caracterizada por grande homogeneidade masculina. Tal fato, no entanto, nao reduziu a agudeza com
que a desigualdade de genero se apresenta na cultura e na sociedade
brasileira.
As consideracoes de Melo, Mageste e Mendes (2006) remetem a
compreensao de que as bases da desigualdade de genero estao nas
construcoes sociais, descartando razoes ou fontes puramente biologicas
para as diferencas entre o masculino e o feminino. A perspectiva de que
a diferenca entre os generos e construcao sociocultural abre
possibilidades para que se vislumbre como potencial viavel a
transformacao das estruturas sociais. Tal possibilidade acena, tambem,
com a esperanca de que se possam reverter os processos geradores de
desigualdade e criar outros capazes de produzir igualdade, inclusao e
abertura para a diversidade.
As relacoes de genero sao vistas tambem como uma agenda de trabalho
com premissa inequivocadamente etica. Tal concepcao implica a construcao
de estruturas participativas e igualitarias, nas quais as mulheres nao
sejam vistas como pessoas vulneraveis e passivas ou, simplesmente, como
recurso util ou massa de manobra, mas sim como agentes ativas das suas
proprias historias. Ou seja, sujeitos, de direito e de fato. Essa
premissa precisa ser internalizada na concepcao das varias estruturas
organizacionais e nas diferentes areas e dimensoes do mercado e das
relacoes de trabalho, assim como na definicao das acoes, das politicas e
das estrategias das empresas, no planejamento, gestao e avaliacao dos
processos, e na participacao nos espacos em que as decisoes sao tomadas
(OLIVEIRA, 2005).
As estatisticas sobre a insercao da mulher nas esferas
organizacionais refletem, como um fato ja consolidado, o aumento da
participacao feminina no mercado de trabalho brasileiro. O IBGE (2008)
aponta dois fatores que explicam esse crescimento: a melhor escolaridade
da mulher em comparacao aos homens e a queda da fecundidade. O acesso
mais amplo e mais frequente a cargos de lideranca e comando tambem e
sinal da efetividade dessa mudanca social.
No que se refere a ocupacao das mulheres na area de informatica,
constata-se que a TI demonstra ser setor de atividade em que a
participacao feminina avanca com um pouco mais de liberdade. Rapkiewicz
(1998) mostra que o setor de informatica no Brasil e o que tem contado com maior participacao feminina, considerando-se os setores
tecnologicos. Em suas palavras "a capilaridade da microinformatica,
presente em todos os setores da sociedade, permitiu a desmistificacao da
tecnologia da informacao, abrindo diversas possibilidades e
oportunidades de crescimento e ascensao para as mulheres neste
segmento" (RAPKIEWICZ, 1998:197).
Entre 2000 e 2002, o setor de TI registrou crescimento medio anual
do numero de empregos formais em Belo Horizonte, passando do total
absoluto de 14.678 para 16.698. As atividades de processamento e de
banco de dados foram as que mais cresceram nesse periodo, apresentando
elevacao no numero de empregos de 53% e 155% respectivamente (VIEIRA;
SANTOS; PEREIRA, 2007). Em 2005, o numero de postos de trabalho foi de
12.653, 7.227 dos quais foram ocupados por homens e 5.426 por mulheres
(42,88%) (MTE, 2007a, 2007b).
Ao se analisar a participacao das mulheres gerentes no setor de
informatica em Belo Horizonte no periodo de 2004 a 2006, verificou-se
crescimento bastante expressivo do numero de cargos ocupados por
mulheres na atividade gerencial. A quantidade de cargos por elas
ocupados cresceu, em media, 44,35%. Em numeros absolutos, do total de
753 cargos ocupados no periodo, 335 foram ocupados por mulheres,
representando 44,49%, enquanto 55,51% foram ocupados por homens. No
mesmo periodo, os cargos ocupados por mulheres tiveram crescimento de
90,9%, superando os cargos ocupados por homens, que cresceram 75%. No
ano de 2007, de janeiro a agosto, a media de ocupacao de cargos
gerenciais por mulheres foi de 35,65%. Os segmentos que tiveram maior
representacao feminina em relacao aos homens nos cargos de gerencia
foram consultoria em hardware (7%) e processamento de dados (6%) (MTE,
2005, 2006, 2007b, 2007c).
Diante desse cenario, parece instigante a analise da trajetoria das
mulheres gerentes na area de tecnologia, verificando-se as
particularidades e adentrando nos conceitos de empoderamento. O
empoderamento associa-se ao reconhecimento das relacoes sociais e ao
processo de alcance de bemestar. Nesse processo, entender questoes
relativas as relacoes de poder, especialmente nas relacoes de genero, e
de fundamental importancia para a compreensao das praticas sociais,
pessoais e economicas (COSTA, 2004).
Em funcao dessa premissa, este artigo apresenta e analisa
expressoes que evidenciam ou nao o empoderamento de mulheres gerentes na
area de tecnologia da informacao. Para tanto, procedeu-se a uma pesquisa
de campo, de carater exploratorio-descritivo, por meio de entrevistas
semiestruturadas com 12 mulheres gerentes da area de TI em empresas
situadas na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Os dados foram
submetidos as tecnicas de analise de conteudo comumente usadas em
pesquisas de natureza qualitativa, e sao apresentados a frente. Antes,
porem, e apresentada uma analise teorica para a construcao e o
entendimento do conceito de empoderamento.
2. EMPODERAMENTO
O conceito de empoderamento foi elaborado na decada de 1970,
relacionado estreitamente aos movimentos de direitos civis nos Estados
Unidos, como expressao de autovaloracao da raca negra e conquista de
cidadania plena (COSTA, 2004).
O termo empoderamento foi e e utilizado com multiplos significados,
nem sempre com o sentido de emancipacao, controle e busca de poder
social ou politico. Ainda assim, percebe-se nos muitos usos a nocao de
pessoas obtendo controle sobre suas proprias vidas e planejando seu
futuro, como expressao de mudanca desejada e planejada (LEON, 2000;
DEERE; LEON, 2002; OAKLEY; CLAYTON, 2003).
Na Terceira Conferencia da ONU sobre a Mulher, em Nairobe, no ano
de 1985, o conceito de empoderamento foi empregado como "estrategia
conquistada por mulheres do Terceiro Mundo para mudar as proprias vidas,
ao mesmo tempo em que isto gera um processo de transformacao
social" (DEERE; LEON, 2002:53). Naturalmente, a questao do
empoderamento nao diz respeito unicamente as mulheres do Terceiro Mundo,
mas, de maneira geral, tambem as formas pelas quais as mulheres promovem
visoes alternativas para a transformacao das relacoes existentes em uma
determinada sociedade.
Na decada de 1990, nos estudos sobre desenvolvimento, o conceito de
empoderamento tornou-se central nos discursos como sinonimo da
participacao e integracao das pessoas, homens e mulheres, no
planejamento e desenvolvimento interativo e compartilhado, pelas quais
poderiam ser reconhecidas as habilidades e conhecimentos pessoais
(LISBOA, 2007).
Realizada em Beijing, em 1995, a IV Conferencia Mundial das
Mulheres foi considerada marco historico para o movimento feminista, uma
vez que passou a atribuir aos governantes a responsabilidade pela
desigualdade de genero. Nessa conferencia, apontaram-se duas estrategias
para o empoderamento da mulher e o alcance da democracia de genero: a
equidade de genero em todas as areas de politicas publicas e a inclusao
das mulheres como protagonistas conscientes na transformacao das
desigualdades existentes no acesso aos recursos, a tomada de decisao e
ao controle sobre os resultados (LISBOA, 2007).
No Brasil, em 2003, foi criada a Secretaria de Politicas Publicas
para Mulheres, cujo objetivo era propor, coordenar e executar politicas
publicas para mulheres que contemplassem a equidade de genero e o
empoderamento. Foram criados os Conselhos dos Direitos da Mulher, nos
niveis nacional, estadual e municipal, uma das conquistas do movimento
de mulheres que colocou em debate nacional demandas no campo do
empoderamento da mulher e das relacoes de genero (LISBOA, 2007).
2.1. Em busca de uma concepcao de empoderamento
O empoderamento pode ser definido como estrategia ou dispositivo
por meio do qual os varios sujeitos e atores sociais, individuais e
coletivos tomam consciencia de que possuem habilidade e competencia para
produzir, criar, gerir e transformar suas proprias vidas, seus entornos,
tornando-se protagonistas de suas historias (COSTA, 2004).
Segundo Martins (2003), a palavra empoderamento tem origem no termo
da lingua inglesa empowerment e seu uso tem sido ampliado para o
espanhol empoderamiento e para o portugues autonomizacao ou
empoderamento, um neologismo.
Empoderar e um verbo que conota acao e poder. O individuo associado
a essa acao torna-se agente ativo nos processos que envolvem o
estabelecimento de vinculos com outros individuos.
A definicao de empoderamento se entrecruza com a nocao de
autonomia, pois refere-se a capacidade dos individuos e grupos de
decidir sobre as questoes que lhes dizem respeito. Trata-se de "um
atributo, mas tambem de um processo pelo qual se aufere poder e
liberdades negativas e positivas" (HOROCHOVSKI; MEIRELLES, 2007:2).
Em perspectiva emancipatoria, empoderar e o processo pelo qual os
individuos, organizacoes e comunidades angariam recursos que lhes
permitam ter voz, visibilidade, influencia e capacidade de acao e
decisao.
O termo empoderamento chama a atencao para a palavra poder. Para
Lisboa (2007), o conceito de poder, enquanto relacao social, tanto pode
envolver opressao, autoritarismo, abuso e dominacao, como emancipacao e
forma de resistencia, permitindo um novo olhar as relacoes de poder no
campo dos estudos sobre relacoes de genero. Mesmo que esse conceito de
poder nao possa ser descartado na analise do empoderamento feminino,
nesta perspectiva o poder ganha contornos de reconhecimento e
valorizacao da mulher.
Para Oakley e Clayton (2003), o reconhecimento do poder como
elemento central no processo de empoderamento instrumentaliza-se nos
esforcos de promocao de mudanca social efetiva, que procuram apoiar
ativamente os desprovidos de poder para que eles possam empoderar-se.
Pode-se, pois, compreender o processo de empoderamento como a busca
de entendimento das relacoes de poder e do contexto nos quais os atores
sociais estao inseridos. Para Sen (2001), a realizacao da condicao de
ator social de uma pessoa refere-se a realizacao dos objetivos e valores
dessa pessoa, estejam eles conectados ou nao ao seu proprio bem-estar.
No contexto do empoderamento, a busca do bemestar e do sucesso e um
dos objetivos importantes desse individuo. Ainda segundo Sen (2001), o
sucesso e baseado na comparacao entre os objetivos tracados e a
ocorrencia real desses objetivos. Ha que considerar que o exito depende
precisamente do papel que o sujeito desempenha na promocao da realizacao
dos objetivos (1).
2.2. Dimensoes do empoderamento
Deere e Leon (2002) desenvolvem o conceito de empoderamento como o
poder interior (2) capaz de gerar forcas para que o individuo seja capaz
de enfrentar e desafiar as relacoes sociais preestabelecidas.
No entanto, segundo as autoras, o empoderamento nao se reduz ao
terreno do individual e do psicologico, manifestando-se por meio de
expressoes de autoajuda. Pelo contrario, ha uma dimensao pessoal que
requer, no social, a transformacao no acesso pela mulher tanto aos bens
quanto ao poder. As relacoes de genero tornam-se o campo e pre-condicao
para a obtencao da igualdade entre homens e mulheres na pratica social.
A autonomia do individuo requerida pelo empoderamento nao e algo
puramente psicologico.
Por outro lado, o empoderamento nao e exclusivamente social ou
exogeno, nem e uma acao exclusiva ou independente de agentes externos,
ou seja, de outros atores sociais. De varias maneiras os outros atores e
o complexo social podem impulsionar a formacao da mulher para os
processos de poder de forma positiva, quer dizer, apoia-la para que
obtenha maior controle seja sobre as fontes de poder, seja sobre os
recursos: o conhecimento, a informacao e as relacoes (NEGRAO; VISCARRA,
2007).
A ideia de empoderamento implica a dimensao endogena ou
psicologica, pois demanda que se promova conscientizacao, pelas
mulheres, de que elas podem decidir sobre sua propria vida tanto nos
espacos publicos quanto nos privados, bem como exercer poder em locais
onde sao tomadas decisoes sobre acontecimentos relativos aos rumos da
sociedade (AGENDE, 2002). No entanto, o empoderamento vai alem, pois
envolve a construcao e a vivencia da subjetividade.
Negrao e Viscarra (2007) associam o empoderamento a um processo de
aquisicao de autoestima e autoconfianca individual, gerado a partir das
aprendizagens e exercido na convivencia com base nas relacoes sociais
democraticas e no estimulo ao poder compartilhado.
Empoderar e impulsionar os processos de assimilacao de poder, ou
tomada de poder, procurando obter maior controle sobre as fontes que
determinam esse poder. Para as autoras citadas, na experiencia feminina
o poder condiciona em duplo sentido: como fonte de opressao, quando
objeto de abuso, e como fonte de emancipacao. Portanto, o empoderamento
da mulher implica mudancas nao apenas nas proprias experiencias dos
sujeitos empoderados, mas tambem nas experiencias das outras pessoas,
grupos e entidades envolvidos, bem como nas politicas publicas e nas
estruturas culturais.
Rowlands (1997), ao tratar do conceito de empoderamento, diferencia
quatro tipos de poder: "poder sobre, poder para, poder com e poder
dentro". Tal diferenciacao e importante, uma vez que o
empoderamento e poder e acao, ou seja, habilitacao e competencia para,
alem de assumir o poder e a autonomia, lidar e relacionar-se com eles.
Mesmo que haja uma concepcao determinista nessa proposta, ela permite
uma leitura visivel do empoderamento em um campo de analise.
O "poder sobre" representa o aumento de poder de alguem
sobre outra pessoa; isto e, significa que alguem perde espaco para outra
pessoa assumir mais poder. O "poder para" serve para
impulsionar a mudanca quando uma pessoa assume a acao dos outros com
entusiasmo, gerando um poder criador e facilitador que abre a
possibilidade de acoes sem dominacao. O "poder com" refere-se
ao poder compartilhado, que se manifesta quando um grupo propoe solucoes
coletivas para problemas comuns, permitindo que todos expressem e
potencializem suas ideias. O "poder dentro" diz respeito ao
poder interno, a forca interior do sujeito. Esta associado a autoestima
e a autoconfianca, manifestando-se nas habilidades para resistir ao
poder de outros. As tres ultimas formas apresentadas sao "positivas
e aditivas: um aumento no poder de uma pessoa aumenta o poder total
disponivel ou o poder de todos" (ROWLANDS, 1997).
No processo de empoderamento, Romano e Antunes (2002) enfatizam que
e fundamental a analise das relacoes de poder existentes em determinado
contexto. Deve-se saber qual e a forma de poder exercido, quem exerce o
poder, qual campo essas relacoes de poder delimitam e quais sao as
formas de resistencia. Enfim, e preciso coletar a maior quantidade de
dados possivel, favorecendo a leitura da pratica social em analise.
Ainda segundo Romano e Antunes (2002), o empoderamento pode ser
analisado com base em duas perspectivas. A primeira coloca as pessoas e
o poder no centro dos processos de desenvolvimento, ou seja, parte da
premissa de que a acao social leva a transformacao. A segunda
perspectiva refere-se ao processo no qual as pessoas percebem sua
competencia para produzir, criar e gerir, e assumem o controle sobre
seus proprios assuntos, sobre sua propria vida, agindo em prol de uma
mudanca nas relacoes de poder existentes.
Em sua analise, Stromquist (1997) parece reunir os conceitos de
Rowlands (1997) para propor cinco parametros de avaliacao do nivel de
empoderamento do sujeito: 1) a construcao de uma autoimagem e confianca
positivas; 2) o desenvolvimento da habilidade de pensar criticamente; 3)
a construcao da coesao de grupo; 4) a promocao da tomada de decisoes; e
5) a acao. Dessa forma, a autonomizacao configura-se como dimensao
basica do empoderamento.
Na perspectiva de uma rede de interacoes sociais, Friedmann (1996)
destaca os componentes cognitivo, psicologico, politico e economico como
pilares do processo de empoderamento das mulheres:
a) Componente cognitivo - refere-se a compreensao que as mulheres
tem da sua subordinacao, assim como das causas dessa subordinacao nos
niveis micro e macro da sociedade. Envolve a compreensao de ser e a
necessidade de fazer escolhas, mesmo aquelas que possam ir de encontro
as expectativas culturais e sociais. Inclui um novo conhecimento sobre
as relacoes e ideologias de genero, a sexualidade, os direitos legais,
as dinamicas conjugais, etc.
b) Componente psicologico - inclui o desenvolvimento de sentimentos
que as mulheres podem por em pratica nos niveis pessoal e social para
melhorar sua condicao na sociedade, assim como a enfase na crenca de que
podem ter exito nos seus esforcos por mudancas. Autoconfianca e
autoestima sao fundamentais.
c) Componente politico - supoe a habilidade para analisar o meio
circundante em termos politicos e sociais. Isso tambem significa
capacidade para organizar e promover mudancas sociais.
d) Componente economico - supoe a independencia economica das
mulheres e e fundamental apoio ao componente psicologico.
Na perspectiva de genero, Costa (2004) salienta que o empoderamento
das mulheres representa um desafio as relacoes patriarcais e a
manutencao dos privilegios do genero masculino, pois pode levar ao
desempoderamento do homem e, certamente, a perda da posicao que este
desfrutou no sistema do patriarcado. Ora, significa, efetivamente,
mudanca na dominacao tradicional dos homens sobre as mulheres,
assegurando a estas autonomia no controle dos seus corpos, da sua
sexualidade, das suas opinioes e do seu direito de ir e vir.
O empoderamento da mulher, segundo Deere e Leon (2002:45), da-se a
partir de maior igualdade, que e detalhada em cinco niveis: (1)
bem-estar; (2) acesso aos recursos; (3) conscientizacao; (4)
participacao; e (5) controle. Essa igualdade pode ser entendida como uma
"igualdade entre", estabelecida por uma relacao de
similaridade reciproca estabelecida horizontalmente entre individuos do
mesmo nivel.
A questao da igualdade, discutida no Forum Economico Mundial de
2005 (LOPEZ-CLAROS; ZAHIDI, 2005; LISBOA, 2007), levou a construcao de
cinco dimensoes importantes para a analise do empoderamento das
mulheres, com base nas proposicoes do Fundo de Desenvolvimento das
Nacoes Unidas para a Mulher (UNIFEM). A premissa e a da negacao da
igualdade, ou seja, de que existe desigualdade entre homens e mulheres
nos seguintes aspectos: (1) participacao economica; (2) oportunidade
economica; (3) empoderamento politico; (4) avanco educacional; e (5)
saude e bemestar. Essa abordagem permite a analise comparativa e
evolutiva de genero e do processo de empoderamento, porque verifica os
niveis tanto de reducao da desigualdade quanto de desenvolvimento de
possibilidades de acesso a igualdade.
Pra (2006) conceitua o empoderamento na perspectiva de genero, que
inclui a compreensao das relacoes de poder na sociedade:
Fortalecer ou empoderar se refere a permitir que a pessoa assuma o
comando de sua propria vida. No caso das mulheres, o empoderamento
insiste na importancia de aumentar seu poder e controle sobre as
decisoes e problematicas que determinam a sua vida. O empoderamento da
mulher se refere ao poder e as relacoes dentro da sociedade que se
entrecruzam com o genero, a classe social, a raca, a cultura e a
historia. O poder esta identificado com a equidade e a igualdade da
mulher e do homem, no que se refere ao acesso aos recursos e vantagens
(PRA, 2006:40-41).
2.3. O empoderamento no espaco organizacional
No processo de empoderamento das mulheres, um dos desafios e romper
a barreira do poder de decisao tanto na esfera publica quanto na
familiar, o qual, ao longo dos seculos, pertenceu aos homens. As
mulheres restava a possibilidade de utilizar estrategias de influencia,
as quais podiam recorrer quando precisavam exercer o poder. Essas
posicoes de poder diferenciadas foram perpetuadas cultural e
institucionalmente. A crenca por parte das proprias mulheres nas
barreiras ao seu acesso ao poder e ao exercicio dele estabeleceu-se como
um dos principais desafios ao processo de empoderamento. A subordinacao
de genero foi de forma intensa e profunda introjetada tambem pelas
mulheres e e ponto critico para as transformacoes demandadas no processo
de empoderamento (MARTINS, 2003).
Pensar a relacao de subordinacao de genero requer, todavia,
cuidado, para que nao se caia na armadilha das formulas simplificadoras,
que convertem o masculino e o feminino em campos rigidos e homogeneos,
como se homens e mulheres nao apresentassem convergencias nas suas
experiencias e representacoes ou como se entre homens e homens e entre
mulheres e mulheres nao existissem tambem divergencias (SORJ, 1992).
Em tese, segundo Belle (1993), na contemporaneidade empresarial nao
existem mais espacos reservados, papeis atribuidos em carater
definitivo, separacoes estritas ou muros intransponiveis entre o
feminino e o masculino. O que se nota, porem, e uma segregacao velada e
manifestada de forma disfarcada, que atinge as mulheres no ambiente de
trabalho. Consiste em uma barreira sutil e transparente, mas
suficientemente forte para bloquear a ascensao das mulheres a niveis
hierarquicos mais altos. Esse fenomeno e conhecido como "teto de
vidro" (STEIL, 1997).
A segregacao ocorre em funcao do genero, e nao da qualificacao da
mulher (BELLE, 1993). Visa a manutencao das desigualdades como forma de
opressao e esta presente em quase todos os aspectos organizacionais,
desde brincadeiras, metaforas e linguagem utilizadas ate politicas
administrativas.
Cappelle et al. (2004) escrevem que as organizacoes se configuram
como redes emaranhadas de relacoes, nas quais as questoes de genero
encontram-se arraigadas e profundamente conflituosas. Esses conflitos no
espaco organizacional, de acordo com Melo, Mageste e Mendes (2006), sao
frequentemente encobertos ou escondidos nas entrelinhas do que as
pessoas falam e fazem, refletindo formas sutis de discriminacao. Para
romperem com todas essas questoes e ultrapassarem o teto de vidro, as
mulheres precisam desenvolver aliancas, manobras e estrategias voltadas
para as exigencias organizacionais especificas e para o ambiente, o qual
pode ser favoravel ou desfavoravel ao seu desempenho.
Para Deere e Leon (2002), o empoderamento inicia-se pela
sensibilizacao, para que se crie consciencia da discriminacao de genero
e para que a mulher mude sua percepcao negativa sobre sua propria
capacidade e seus direitos. Nao existem formulas ou projetos, receitas
ou modelos prescritos que ensinem a mulher a se empoderar, pois o
empoderamento nao e um processo com um comeco bem delineado e um final
com experiencias iguais para todas as mulheres. E moldado para e por
cada individuo, com base em suas experiencias individuais, seus
contextos e suas historias, ocorrendo, assim, de acordo com a posicao de
subordinacao de cada um nos niveis pessoal, familiar e profissional.
Diante dessa perspectiva, embora permanecam visiveis as
desigualdades de genero, ha evidencias de que o trabalho feminino vem se
profissionalizando, diversificando e ocupando progressivamente mais
espaco e maior importancia no mercado de trabalho. Verifica-se, ainda, o
desbloqueio de algumas situacoes estabelecidas dentro das organizacoes.
E correto afirmar que nao se trata de situacao homogeneizada, mas de
mudancas bem localizadas. Acredita-se que essas mudancas sao sinais de
empoderamento de mulheres em termos gerais.
3. METODOLOGIA
A pesquisa desenvolvida (3) caracterizou-se como descritiva.
Buscou-se identificar, compreender e comparar aspectos, caracteristicas
e atributos individuais e coletivos da populacao-alvo: mulheres que
ocupam cargo de gerencia em tecnologia da informacao em Belo Horizonte.
No que se refere a natureza, esta pesquisa pode ser classificada como
qualitativa, tendo em vista que procurou obter entendimento de motivos e
razoes subjacentes a situacoes e fatos descritos (COZBY, 2003; TRTVINOS,
1987) pelas mulheres que atendem a especificacao da populacao-alvo
identificada.
O instrumento utilizado para a coleta de dados, conforme
tipificacao de Bruyne et al. (1977), foi uma entrevista semiestruturada
com 12 mulheres gerentes que atuam na area de tecnologia da informacao
em empresas localizadas na cidade de Belo Horizonte, com o objetivo de
identificar aspectos vinculados a ascensao da mulher ao cargo gerencial.
As entrevistas foram analisadas a luz das tecnicas de analise de
conteudo (TRIVINOS, 1987; BARDIN, 1979; MINAYO, 2006; LAVILLE; DIONE,
1999; RICHARDSON, 1999), comumente usadas em pesquisas de natureza
qualitativa. O processo de analise dos dados passou pelas seguintes
fases de tratamento: preparacao, tabulacao quantitativa e tabulacao
tematica (MELO, 2007).
4. ANALISE DOS RESULTADOS
A pesquisa foi realizada com 12 mulheres gerentes que atuam na area
de tecnologia da informacao em empresas da cidade de Belo Horizonte.
Verificou-se que 58% das entrevistadas trabalham em empresas de grande
porte e 42% em empresas de medio porte. O espaco organizacional dessas
mulheres e constituido por empresas do setor publico (3) e do setor
privado (9).
Os dados demograficos das entrevistadas mostram que 50% tem entre
41 e 50 anos; 4, ate 40 anos; e 2, entre 51 e 60 anos. Quanto ao arranjo
familiar, estado civil e numero de filhos, 11 entrevistadas sao casadas
e 1 e solteira. Das entrevistadas, 67% possuem 2 filhos; uma gerente
possui 1 filho e 3 nao possuem filhos.
Quanto a formacao academica, 100% das entrevistadas possuem
graduacao e especializacao; 4 entrevistadas possuem titulacao de mestre.
Entre as areas mais citadas na formacao academica, processamento de
dados e analise de sistemas correspondem a 58% da formacao; ciencia da
computacao e gerenciamento de projetos, a 25%; administracao de empresas
e estrategia de gestao empresarial, a 17%; engenharia eletrica e civil,
a 17%. As areas de marketing, direito, artes plasticas, educacao,
ciencia da informacao, gestao de negocios, arquitetura, administracao
publica, MBA internacional em e-Business, gerencia e tecnologia da
qualidade, melhoria de processos, geoprocessamento e engenharia
economica tambem foram citadas pelas entrevistadas.
A priorizacao da qualificacao academica e estrategia fundamental
para as mulheres na trajetoria de acesso aos cargos gerenciais. Esse tem
sido um diferencial competitivo na disputa de espacos nas organizacoes
(CASTELLS, 1999; MELO; ROSA; MENDES, 2006). A procura por melhor posicao
no mercado alinha-se as exigencias de formacao academica.
Quanto ao tempo que as entrevistadas atuam em cargos de gerencia, 5
responderam que ha mais de 10 anos; 2, entre 8 e 10 anos; 2, entre 5 e 8
anos; e 3, ha menos de 3 anos. Todas as entrevistadas indicaram
trajetoria exclusivamente na area de tecnologia da informacao.
Tais informacoes propiciaram entendimento sobre o perfil das
entrevistadas e abertura para a analise das expressoes de empoderamento
(4).
4.1. Expressoes de empoderamento
Por expressoes de empoderamento entendem-se as manifestacoes,
atitudes e acoes que reforcam o empoderamento da gerente mulher, dentre
as quais destacam-se: bem-estar e sucesso, reconhecimento da familia,
acoes para a ascensao de outras mulheres, ascensao profissional,
reconhecimento por merito e participacao em processos decisorios.
4.1.1. Bem-estar e sucesso
O empoderamento parece relacionar-se com certo nivel de busca
pessoal por bem-estar e sucesso. Para Sen (2001), como ja se fez
referencia, o sucesso poderia ser verificado na comparacao entre os
objetivos tracados e a ocorrencia real desses objetivos. Para Friedmann
(1996), o componente psicologico seria um dos pilares do processo de
empoderamento e alcance do bem-estar e sucesso. Incluiria o
desenvolvimento de sentimentos por parte das mulheres de que elas podem
por em pratica os objetivos tracados (SEN, 2001) para melhorar sua
condicao na sociedade. O nascedouro e a desembocadura do processo sao
no, do e para o social.
O sucesso e o bem-estar na trajetoria profissional requerem
esforcos no ambito pessoal, ou seja, investimentos no plano da
identidade do individuo no social, traduzida como autoconfianca e
autoestima. Para algumas pessoas, ter sucesso significa reconhecimento
pelo trabalho desenvolvido. Para outras, pode denotar ocupar um cargo de
relevancia ou ter boa condicao financeira. Para a entrevistada E2, o
sucesso foi se sentir "poderosa" e ter acesso as bases de
poder.
Eu cheguei aqui muito poderosa, eu nem sabia que era
um cargo tao poderoso assim, pois eu to como agente
do governador aqui dentro, e a gente se reune, as
vezes com a presenca do governador. (E2p13)
Outro sentimento de bem-estar e sucesso pode ser percebido no
relato da gerente E11, sobre como ela se sentiu quando percebeu que a
familia se orgulhava dela. Ela relaciona trabalho bem feito e
visibilidade no mercado com aprovacao familiar:
E gratificante chegar em casa no final do dia e poder
contar o que aconteceu durante o dia. Eles vibram
comigo, pois e um trabalho que tem visibilidade no
mercado, e se sentem orgulhosos por isso. Entao, eu
acho que e uma troca e e o que eu tenho conseguido
fazer. Eu devo isso muito a eles. (E11p11)
Para outra entrevistada, o bem-estar e o sucesso significam
simplesmente gostar do que faz: "atuar como gerente".
Eu gosto do que eu faco. Eu gosto de atuar como
gerente. (E9p2)
Ocupar um cargo de gerencia por seus proprios meritos foi
importante para a entrevistada E3.
Eu tenho muito orgulho de chegar onde eu cheguei
pelos meus meritos tecnicos. [...] e isso da um prazer
muito grande e e gostoso voce saber que voce esta no
lugar que voce esta. [...] Eu fiquei muito feliz por
passar por um crivo desse. Isso me envaideceu.
(E3p13)
Destacam-se outras expressoes que representam sucesso e bem-estar
na trajetoria das mulheres gerentes: "Receber o premio
Informatizacao do Ano"; "Atuar na formacao do primeiro
escritorio de projetos em empresa publica do Estado de Minas
Gerais"; "Ter o reconhecimento do trabalho pela presidencia da
empresa"; "Atuar em projetos estrategicos do governo do
Estado"; "Realizar viagens de negocio ao exterior"; e
"Ocupar o cargo por merecimento e competencia, e nao por indicacao
politica".
4.1.2. Reconhecimento da familia
A construcao da identidade da mulher profissional vem provocando
mudancas tambem nas representacoes sociais relativas a familia. O homem
tem assumido de maneira diferente o seu papel de marido e ampliado a sua
participacao como pai na criacao e educacao dos filhos (MELO, 2002).
O reconhecimento e o incentivo por parte da familia sao avaliados
por uma das entrevistadas como diferenciais na sua trajetoria
profissional.
Meu marido e o meu maior incentivador profissional.
Entao, ele acha que eu devo ir mesmo atras das
oportunidades. Ele quer mais do que eu que o tempo
que eu fico em casa eu fique satisfeita, realizada,
motivada, e que eu tenha meu espaco profissional.
Entao, ele valoriza isso muito, e eu o valorizo muito
por ter esses valores, porque eu sei que muitos
maridos hoje em dia nao tem esse tipo de visao. Entao,
o perfil do meu marido me ajuda muito e os meus
filhos tambem. (E11p10)
Da mesma forma, a imagem da mae como profissional tem transformado
a concepcao que os filhos possuem dela.
Eles entendem o meu trabalho e nao me dao trabalho.
Sao responsaveis, gostam de estudar, tem
independencia de buscar as proprias coisas para
depender menos de mim. Eu acho que eu tenho sorte
de ter uma familia que valoriza o meu trabalho.
(E11p11)
No caso da entrevistada E11, a sua familia nao representou um
obstaculo a sua trajetoria. Mas o reconhecimento por parte da familia e
o rompimento com padroes rigidos de comportamento representam um
processo dinamico, que ainda se encontra em construcao, no qual os
papeis do homem e da mulher estao sendo redefinidos (MELO, 2002).
Muitas mulheres ainda encontram obstaculos familiares na sua
ascensao, dada a concepcao sexista e patriarcal ainda presente nas
organizacoes. Costa (2004) ressalta que, para ocorrer o empoderamento da
mulher, e necessario que haja desafio as relacoes patriarcais, as
concepcoes de familia e a manutencao dos privilegios do genero
masculino. Significa mudanca nos esquemas de percepcao e acao dos
sujeitos.
O processo de empoderamento e constitutivamente integral, ou seja,
alcanca toda a vida da mulher. Nesse sentido, o apoio familiar, unidade
basilar do social, e fundamental. Pais, maridos e filhos atuam como
parceiros e aliados nesse processo de crescimento e valorizacao da
mulher.
4.1.3. Acoes para a ascensao de outras mulheres
As entrevistadas relatam que quando se percebem fortalecidas sao
capazes de agir para que outras mulheres tambem melhorem sua autoestima
e autoconfianca e busquem um espaco de crescimento e emancipacao. Os
relatos demonstram que ha varias formas de colaborar para o crescimento
profissional de outras mulheres.
A expressao de empoderamento nao e apenas um sentimento ou
consciencia. O empoderamento exige acao no social. O fortalecimento do
individuo acarreta, motiva e estimula o fortalecimento dos demais
individuos da rede de relacionamento em situacao semelhante.
Ajudar uma colega desempregada, oportunizando-a e ajudando-a a
elaborar um plano de carreira foi uma, entre outras, das acoes da
entrevistada E2.
Tinha uma colega nossa que estava desempregada. Eu
vi o perfil dela e achei que valia a pena. Dei uma
oportunidade e falei pra ela: "Vou te dar oportunidade,
mas eu quero que voce se forme nisso e nisso, vai
estudar isso". Ajudei ela a fazer um plano de carreira,
e essa menina deu uma guinada na vida dela. Cresceu
muito profissionalmente, e um ano depois estava em
Sao Paulo. Entao, eu estimulei, mostrei o caminho. Eu
tenho consciencia de que promovi o crescimento de
outras mulheres. Eu gosto, eu sinto prazer em ajudar,
em formar. Eu quero as mulheres no poder e eu acho
que o mundo sera melhor. (E2p12)
Para a gerente E5, estimular o crescimento das pessoas de sua
equipe e um dos seus objetivos. Essa acao reforca a autoconfianca em sua
competencia e a libera para buscar novos espacos de crescimento.
Por exemplo, ha muito tempo atras eu tinha uma
secretaria ... Ela era acima da media das outras
secretarias da empresa ... E eu falei com ela: "Por que
voce nao faz um curso disso, um curso daquilo e tal" ...
Ai ela me disse: "Mas se eu fizer isso, voce vai me
perder, eu vou para outro lugar". Eu falei: "Nao
importa. Eu arrumo outra para por aqui no seu lugar.
Eu quero te ver crescer, eu quero te ver la em cima".
Eu acho que voce tem que aproveitar o potencial das
pessoas. Eu estou fazendo exercicios com a minha
cabeca e eu faco isso mais com mulheres
mesmo ... de ... estimular e fazer as pessoas crescerem.
(E5p11)
Ja a entrevistada E7 entende que faltam networks femininas. Sua
proposta seria criar espacos em que as mulheres pudessem trocar experiencias e conhecimento, alem de discutir a carreira. Nota-se que,
pela capacidade feminina de gerenciar varios assuntos ao mesmo tempo,
nesse espaco a mulher atuaria em multiplos papeis.
E interessante a proposta da gerente, porem ela remete novamente a
ideia de "culpa" das mulheres por estarem ficando menos tempo
com os filhos ou por estarem abandonando o seu "posto" no lar:
Nos falta criar momentos de network extremamente
100% femininos. Eu acho que isso facilitaria a troca
de mercadorias e a troca de conhecimento. Os
modelos seriam diferentes. Quando eu cheguei a
pensar em um evento dessa natureza, eu imaginei um
lugar onde eu pudesse ter uma infraestrutura para
levar os filhos e as babas. Entao, voce continuaria
pensando na sua carreira aqui no meio das mulheres,
mas olhando ... porque a nossa capacidade de
gerenciar.... tambem acontece por outra coisa: voce
esta aqui com o olho la, nao e? Eu acho que talvez
essa nossa habilidade de ter uma atencao difusa e que
nos faz melhores gerentes. (E7p13)
Outra acao poderia ser a realizacao de palestras e workshops para
elevar a autoestima feminina (no sentido de identidade ou reconhecimento
como sujeito no social):
Eu gosto muito de fazer palestras. Entao eu faco
workshop para mulheres, eu elevo a autoestima da
mulher. (E9p10)
4.1.4. Ascensao profissional
Ocupar um cargo gerencial significa mostrar-se competente para
assumir tal posicao. Na area de tecnologia, apesar de as pesquisas
mostrarem que a participacao feminina tem avancado (VIEIRA; SANTOS;
PEREIRA, 2007; MTE, 2006, 2007b), a ascensao profissional das mulheres
ainda e um processo gradativo, pois o espaco gerencial e marcadamente
masculino (MELO, 2002).
A existencia do fenomeno do teto de vidro nas organizacoes e ainda
manifesta, gerando impeditivos para o crescimento profissional feminino.
Ter ascensao profissional, caracterizada como sucesso, alcancando postos
de comando no topo da hierarquia, representa romper com essa segregacao
velada.
No caso das gerentes entrevistadas, um dado interessante e que elas
nao apresentaram estagnacao no cargo e conseguiram ocupar cargo de
gerencia num periodo bem curto das suas carreiras na area de TI.
Considera-se isso um feito relevante, uma vez que 84% das entrevistadas
possuem menos de 50 anos e 58% estao em cargo de gerencia ha menos de 10
anos.
Esse fato remete a consideracoes sobre a propria natureza da area
de TI, que e a necessidade de constante atualizacao em razao das rapidas
mudancas tecnologicas (VIEIRA; SANTOS; PEREIRA, 2007). O quadro
evolutivo da tecnologia, com exigencias de profissionais versateis e que
se adaptem a velocidade das mudancas, tem propiciado o acesso das
mulheres. Tem-lhes oportunizado adentrar mais nesse espaco, a partir de
uma melhor formacao academica, qualificacoes e busca constante de novos
conhecimentos, constituindo-se, dessa forma, em via de empoderamento
para a mulher.
Para a entrevistada E2, as atividades de "trabalhar a carreira
e nao deixar de estudar" tornaram-se constantes na sua vida
profissional. Para ela, nao basta somente chegar a gerencia - e preciso
esforcar-se para manter-se na carreira e continuar crescendo. A
trajetoria da entrevistada foi marcada pelo reconhecimento da empresa
por sua capacidade, o que lhe proporcionou ocupar cargos de grande
relevancia.
E ai foram todas por merecimento tecnico. Eu sempre
trabalhei muito a minha carreira. Nao deixei de
estudar, batalhar, conhecer coisas novas. Eu assumo
hoje uma vice-presidencia. [...] Eu vivenciei muitas
mudancas de gestao, e para minha surpresa em todas
elas eu tive cargos de confianca. (E2p3,4)
A entrevistada E8, hoje ocupando o cargo de superintendente numa
empresa publica, tambem ressalta as oportunidades que teve na empresa e
sua indicacao para ocupar o cargo.
Foi criada uma coordenacao, e o meu nome foi
colocado para ocupar essa coordenacao. [...] Eu estou
hoje num cargo de superintendencia dos gerentes.
(E4p8)
Tambem a entrevistada E11 descreve trajetoria de sucesso.
Atualmente, acumula duas diretorias de TI, em Minas Gerais e em Sao
Paulo. Como expressa a entrevistada, ela foi convidada a assumir o
cargo.
Entao, isso significa que toda a responsabilidade de TI
da [...] faz parte das minhas atribuicoes, seja a area de
desenvolvimento de sistemas, suporte de producao,
todo o desenvolvimento de servicos, porque a gente
chama de servico de valor adicionado. Porque, quando
a empresa lanca um servico no mercado [...], entao
isso ai e TI pura, porque toda a parte de
implementacao e da TI, assim como a cobranca desse
servico. [...] Enfim, tem uma serie de atribuicoes. [...]
E eu fiquei nessa funcao exatamente como diretora de
TI ate [...] e agora estou acumulando duas funcoes, a
diretoria que eu ja tinha, [...], eu fui convidada para
assumir uma das diretorias de TI do Grupo [...] em
Sao Paulo. Entao, eu vou ficar durante um periodo
com a diretoria em Minas Gerais e a diretoria em Sao
Paulo. (E11p2)
Os extratos apresentados sao representativos da trajetoria de
sucesso que as mulheres estao empreendendo na area de tecnologia da
informacao. A ascensao profissional nao e, em si mesma, o objetivo do
empoderamento. Tambem nao significa que, por ter alcancado trajetoria
gerencial bemsucedida, a mulher tenha se empoderado. No entanto, pela
autopercepcao de competencia e pela autoestima elevada, verificadas em
alguns relatos, pode-se dizer que, na maior parte das vezes, a ascensao
profissional da mulher na area de TI pode ser considerada uma expressao
de empoderamento.
4.1.5. Reconhecimento por merito
Conseguir o reconhecimento do seu trabalho por parte da empresa e,
para muitas mulheres, uma das formas de chegar ao cargo gerencial.
Entende-se, porem, que o reconhecimento por si so nao consiste em via de
empoderamento. Necessita-se, por parte das mulheres, como sujeitos
sociais ativos, do desenvolvimento de expressoes proprias que as
impulsionem e motivem a buscar algo mais.
Apresentam-se dois relatos contrastantes do reconhecimento por
merito. O primeiro mostra certa apatia ou omissao da gerente, como se
ela nao quisesse o cargo. Nesse caso, parece nao existir motivacao.
Simplesmente ela ocupou um novo cargo. Ha que questionar ate que ponto
nao houve mobilizacao da entrevistada no sentido de empenhar-se para
ocupar o cargo, pois ha um reconhecimento subentendido de sua
competencia pela empresa.
Bom, eu nao pedi para entrar; fui eleita, fui escolhida.
Quando eu vi, eu estava dentro. (E1p2)
Ja no relato da entrevistada E2, pode-se observar a consciencia e a
mobilizacao. Mas, de alguma forma, ela mesma se considerava digna do
reconhecimento. Seria mais um entre outros reconhecimentos que ela
merecia, oriundos dos resultados apresentados.
Eu sempre fui por merecimento, trabalhando,
mostrando meus resultados. [...] Ai, o presidente
chegou la e me fez um convite para estruturar e
reciclar a area, criando a area como uma area
funcional da empresa, ligada diretamente a
presidencia. Entao, para mim, foi uma honra, foi
muito bom, pois foi um reconhecimento por merito.
(E2p1)
O empoderamento passa, tambem, pela dimensao psicologica. Nao ha
empoderamento sem desejo, sem autopercepcao, sem autorreconhecimento. A
dependencia do reconhecimento externo e uma forma de subordinacao e
espoliacao patriarcal, ainda presente na conduta de algumas mulheres. No
entanto, o desejo ou a vontade sem a acao efetiva, sem mobilizacao, nao
se traduz em empoderamento. Alem do mais, essa vontade e essa acao
precisam ser reconhecidas e legitimadas. Assim, o empoderamento parte do
social, como conscientizacao e construcao da identidade, e volta para o
social como mobilizacao, legitimacao, definicao de espacos e
estruturacao das relacoes de poder.
4.1.6. Participacao nos processos decisorios
Para a mulher, participar nos processos decisorios e atuar
diretamente no topo da hierarquia organizacional pressupoe a superacao
das barreiras e preconceitos que impedem a acessao feminina nas
empresas. O relato da entrevistada E2 evidencia tal superacao.
Eu fiquei la ate novembro do ano passado, quando eu
recebi um convite para trabalhar no governo do
Estado, no projeto Certifica Minas, que tem um
planejamento estrategico ate 2023. [...] fazer uma
insercao de Minas no mercado internacional, com
exportacao de carne, cachaca, todos os produtos de
origem animal e vegetal. (E2p1,2)
De acordo com a entrevistada E11, uma das condicoes que contribuiu
para a sua atuacao nos processos decisorios foi o fato de a area de TI
da empresa ser vista como area estrategica para o desenvolvimento do
negocio da empresa.
Eu participava das reunioes de diretoria com o mesmo
poder de voto dos diversos diretores, seja nas
estrategias de negocios da empresa. [...] Eu sempre
trabalhei nesse nivel e com o mesmo poder das demais
diretorias, e isso ajudou muito no fato de que a TI na
[...] era vista como uma unidade importante para o
desenvolvimento do proprio negocio da empresa, dos
novos produtos. (E11p6)
Segundo Melo, Mageste e Mendes (2006), empoderar-se exige das
mulheres esforcos para o desenvolvimento de aliancas, manobras e
estrategias voltadas para as exigencias organizacionais. Sem esse
posicionamento, dificilmente as mulheres estariam conseguindo superar as
barreiras que ainda existem em muitas empresas e participar de forma
cada vez mais efetiva nos processos decisorios organizacionais.
5. CONSIDERACOES FINAIS
A pesquisa objetivou analisar, a partir dos relatos de mulheres que
exercem cargo de gerencia na area de tecnologia da informacao, algumas
expressoes que evidenciam ou nao o seu empoderamento no espaco
organizacional.
Observou-se nos relatos que algumas gerentes expressam sinais mais
visiveis de empoderamento. Esses sinais se expressam na conscientizacao
e construcao de uma identidade social, com motivacao e mobilizacao de
suas potencialidades para ocupar um cargo gerencial. De modos
diferenciados, todas as entrevistadas exercem influencia nas decisoes
dos diferentes niveis hierarquicos que ocupam.
Deve-se, porem, tomar o devido cuidado para que o empoderamento da
mulher nao se limite a ascensao profissional, ao reconhecimento e a
participacao na tomada de decisoes na empresa. O reconhecimento desse
poder hierarquico tem sido instrumentalizado no processo de
empoderamento. Oakley e Clayton (2003) ressaltam, no entanto, que e
preciso cuidado para que o conceito de empoderamento nao se reduza a
nocao de compartilhamento de poder e de participacao em processos
decisorios organizacionais
exclusivamente. De toda forma, o poder oriundo da posicao
hierarquica pode instrumentalizar a mulher para que ela adquira mais
confianca em si mesma e se fortaleca pessoal e socialmente, favorecendo,
assim, a busca do empoderamento.
Verificou-se que, ainda que nao haja por parte de todas as
entrevistadas a consciencia de que vivem um processo de empoderamento,
ha evidencias desse processo. E o que se percebe quando elas afirmam que
o poder hierarquico da funcao gerencial simboliza (e se reveste de) uma
serie de desejos e valores. Esses desejos e valores sao impulsionadores
da acao nos espacos social e organizacional, ao mesmo tempo em que
desses espacos se alimentam e se reforcam. Dentre esses desejos e
valores, destacam-se as seguintes percepcoes: desejo de realizacao
pessoal; busca por uma vida melhor; percepcao e consciencia das suas
potencialidades, investimento na qualificacao gerencial; gosto pelo
desafio de gerenciar; sentimento de bem-estar no trabalho profissional;
discurso positivo e autoconfiante; apoio familiar; exercicio da gerencia
sem aflicoes e sentimento de culpa; e capacidade de criar e manter uma
rede de relacionamentos.
Os extratos apresentados sao representativos da trajetoria
gerencial de sucesso que as mulheres estao empreendendo na area de
tecnologia da informacao e promovem discussoes sobre o empoderamento
feminino nas organizacoes, permitindo que se atingisse a proposta deste
estudo. Naturalmente, estudos mais complexos do empoderamento envolvem
tambem a percepcao de outros segmentos e agentes sociais que estejam
diretamente ligados ao sujeito de analise. Assim, pode-se complementar
estes resultados com o envolvimento de superiores, subordinados e pares.
Sugere-se tambem a continuidade dos estudos sobre empoderamento com
outros grupos, mistos ou nao, e em outras areas de mercado, para
validar, ampliar ou refutar as hipoteses aqui desenvolvidas.
Recebido em: 13/11/2008
Aprovado em: 03/02/2009
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(1) Pode-se associar a busca do bem-estar e do sucesso com a teoria
de Maslow. Para Abraham Maslow, o ser humano e motivado por necessidades
organizadas numa hierarquia de relativa importancia. Isso significa que
uma necessidade de ordem superior surge somente quando a de ordem
inferior foi relativamente satisfeita. Na base da piramide das
necessidades estao as necessidades fisiologicas, seguidas das
necessidades de seguranca. Quando o individuo supera as necessidades de
seguranca, ele busca as necessidades sociais. Superada essa necessidade,
ele busca a autoestima e, depois, volta-se para satisfazer a necessidade
de autorrealizacao. Entende-se que a piramide e ciclica, pois em algum
momento uma das necessidades pode deixar de ser atendida e, neste caso,
o individuo direcionara novamente sua motivacao para ela, no sentido de
supera-la (MASLOW, 2003).
(2) O termo resiliencia adere-se aqui como a capacidade de
adaptacao e flexibilizacao diante dos desafios, como um processo de
construcao, compartilhamento e ressignificacao das experiencias.
Junqueira e Deslandes (2003:234) afirmam que "o conceito de
resiliencia traduz a possibilidade de superacao num sentido dialetico.
Isto e, representando um novo olhar, uma ressignificacao do problema,
mas que nao o elimina, pois constitui parte da historia do
sujeito". Empoderamento envolve essa resiliencia.
(3) Esta pesquisa foi desenvolvida na Dissertacao de Mestrado de
SOUZA, Rosa Maria Borges Cardoso (2008), uma das autoras deste artigo.
(4) A legenda utilizada nos trechos das entrevistas, para a analise
dos dados, foi: "E", acompanhada do numero atribuido a
entrevista, de E1 a E12, seguida pela letra "p" e o numero da
pagina da transcricao em que e encontrado o relato.
Rosa Maria Borges Cardoso de Sousa
Mestre em Administracao pela Faculdade Novos Horizontes
E-mail: rosaborgessousa@gmail.com.
Marlene Catarina de Oliveira Lopes Melo
Doutora em Ciencia das Organizacoes pela Universite Paris IX
Professora e coordenadora do Programa de Mestrado em Administracao
da Faculdade Novos Horizontes
E-mail: lenemelo@unihorizontes.br