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文章基本信息

  • 标题:Unawareness of conflict among partners: a sociodramatic intervention/El conflicto no reconocido entre los socios: una intervencion socio-dramatica/O nao reconhecido conflito societario: uma intervencao sociodramatica.
  • 作者:de Sa Brito, Jorge Augusto Freitas ; Guenzburger, Heloisa Lessa Rodrigues
  • 期刊名称:Revista de Gestao USP
  • 印刷版ISSN:1809-2276
  • 出版年度:2009
  • 期号:July
  • 语种:Spanish
  • 出版社:Faculdade de Economia, Administracao e Contabilidade - FEA-USP
  • 摘要:Na convivencia diaria, o conflito se manifesta no homem, visto como ser social, e na inter-relacao de suas atuacoes. Apesar de sua capacidade reflexiva e racional, o homem se mostra paradoxal e contraditorio, ora construindo e se utilizando de uma solidariedade que lhe e natural, ora destruindo a si, a natureza e ao proximo, utilizando-se de agressao e violencia, que tambem lhe sao inerentes.

Unawareness of conflict among partners: a sociodramatic intervention/El conflicto no reconocido entre los socios: una intervencion socio-dramatica/O nao reconhecido conflito societario: uma intervencao sociodramatica.


de Sa Brito, Jorge Augusto Freitas ; Guenzburger, Heloisa Lessa Rodrigues


1. INTRODUCAO

Na convivencia diaria, o conflito se manifesta no homem, visto como ser social, e na inter-relacao de suas atuacoes. Apesar de sua capacidade reflexiva e racional, o homem se mostra paradoxal e contraditorio, ora construindo e se utilizando de uma solidariedade que lhe e natural, ora destruindo a si, a natureza e ao proximo, utilizando-se de agressao e violencia, que tambem lhe sao inerentes.

A complexidade e a ambiguidade advem das caracteristicas unicas de cada individuo. O proprio individuo, em si mesmo, de acordo com a teoria freudiana, tem seu psiquismo tripartite, constituido do id, ego e superego. Essas instancias ja sinalizam a existencia de conflitos e desarmonias na relacao do individuo consigo mesmo.

Nao ha maneira padronizada de lidar com o conflito. Pode-se destacar a importancia de um diagnostico para a elaboracao de planos de acao que visem seu equacionamento por meio da compreensao de seus componentes, variaveis, natureza e formas de ocorrencia.

Embora o conflito seja um fenomeno presente em todos os tipos de organizacoes humanas, a presente pesquisa focaliza o conflito em uma media empresa localizada no Rio de Janeiro. Assim, o objetivo desta pesquisa e descrever os resultados obtidos atraves de uma intervencao sociodramatica em uma situacao de conflito entre os oito socios-gerentes da empresa, com participacao igualitaria de capital, de marco a junho de 2007. A empresa tem perto de 20 anos de existencia. Atualmente, conta com cerca de 140 empregados e, alem da unidade central administrativa, tem 12 filiais. Fatura aproximadamente 14 milhoes por ano. Seu ramo de atividade envolve tecnologia de ponta, especializacao profissional e forte regulamentacao governamental. Os oito socios-gerentes cuidam, simultaneamente, da gestao estrategica e operacional. O estatuto social preve a existencia de quatro diretorias, ocupadas por mandatos eletivos de 2 anos cada, mas nao a existencia do cargo de presidente ou de executivo-chefe.

No Boletim Estatistico das Micro e Pequenas Empresas do 1[degrees]. semestre de 2005, publicado pelo SEBRAE, consta que, em 2002, no Brasil, 67% dos empregos formais pertenciam ao segmento das micro, pequenas e medias empresas (PMEs). Dai se depreende a importancia do segmento para a estabilidade economico- social do Pais. Por outro lado, dados da pesquisa realizada tambem pelo SEBRAE no primeiro trimestre de 2004 revelam as alarmantes taxas de mortalidade das empresas desse segmento--cerca de metade delas morre com ate dois anos de existencia, e por volta de 60% morrem antes de completar quatro anos. Nessa pesquisa, 61,5% das causas citadas pelos empreendedores que fecharam suas portas referem-se a falta de capital de giro, impostos altos, falta de clientes, concorrencia e baixo lucro. Ainda de acordo com dados do SEBRAE (2004), 56% das micro, pequenas e medias empresas sao registradas com um ou mais socios. No entanto, em nenhum momento as discordancias ou conflitos entre os socios aparecem como causa de mortalidade das empresas.

Rahim (2002), entre outros, tem se dedicado a propor quadros de referencia teoricos e a desenvolver metodologias e processos capazes de transformar o conflito interpessoal em instrumento de crescimento e desenvolvimento empresarial. Um dos quadros de referencia teoricos disponiveis envolve as tecnicas do sociodrama, notadamente a matriz de identidade e o desenvolvimento da resposta espontanea, lancadas por Moreno (1983, 1997), e, ainda, a teoria dos papeis, do mesmo autor, complementada por Bustos (1980). Essas tecnicas podem ser adequadas ao tratamento e gerenciamento dos conflitos de natureza acima descrita. Os instrumentos baseados nesses aportes teoricos, reunidos em uma metodologia especifica--o sociodrama-- , favorecem o desenvolvimento da conscientizacao e compreensao dos individuos e de suas relacoes consigo mesmos e com o ambiente que os cerca.

2. REVISAO BIBLIOGRAFICA

2.1. Conflito

O conflito e inerente ao ser humano, pois faz parte da historia do seu desenvolvimento e de sua evolucao. Existem estudos sobre conflitos desde a Grecia Antiga, mas somente a partir do seculo XX os estudos sistematicos sobre o tema tiveram sua importancia realcada. March e Simon (1981:160) reconhecem a variedade de empregos dados a palavra "conflito", mas o definem como "um colapso nos mecanismos decisorios normais, em virtude do qual um individuo ou grupo experimenta dificuldades na escolha de uma alternativa de acao".

Esses autores classificam os conflitos em tres tipos: individuais (internos), organizacionais (entre individuos ou grupos participantes de uma organizacao) e intraorganizacionais (entre organizacoes ou grupos). Para esses autores, quanto mais escassos forem os recursos, maior sera a disparidade entre os anseios e a possibilidade de realizacao. Assim, as possibilidades de conflito aumentam em momentos de crise economica e decrescem em periodos de bons negocios e resultados.

No que se refere as causas do conflito organizacional, March e Simon (1981) citam a necessidade de decisoes colegiadas, a interdependencia tanto nas atividades quanto nos recursos de utilizacao compartilhada, os diferentes objetivos e metas de cada um, as diferencas de personalidade, bem como as diferencas de percepcao e de informacoes recebidas. A ocorrencia de um ciclo de frustracoes, como consequencia de ma interpretacao ou incompreensao dos interesses ou necessidades das partes, pode constituir forte fonte de conflito.

Alem disso, convem salientar o vinculo entre aspectos culturais e conceitos que estao no amago do comportamento individual em situacoes grupais, como e o caso da assertividade. Sobre ela, Srour (2003:286) comenta alguns aspectos culturais do povo brasileiro que o "[...] leva a praticar a nao assertividade 'nao convem falar certas coisas', que contorna todas as questoes delicadas, coloca panos quentes, ressalta virtudes, omite vicios ou insuficiencias, evita criticas para nao comprometer as relacoes interpessoais". Reforcando essas crencas, observa-se que "a nao assertividade nas relacoes interpessoais, reforcada pela pratica da cooptacao e pela troca de favores" (SROUR, 2003:250) constitui um importante padrao limitador para o desenvolvimento da gestao empresarial contemporanea.

Para Bedell e Lennox (1997) existem os comportamentos assertivo, agressivo e passivo ou nao assertivo. No comportamento assertivo, as pessoas assumem posicoes que beneficiam ambas as partes, mediante uma postura de consideracao pelos desejos e interesses dos outros e de si proprias; falam de forma direta e clara de seus sentimentos, desejos e expectativas; comportam-se de forma adequada socialmente. No comportamento agressivo, as pessoas apresentam-se socialmente inadequadas; falam, quando o fazem, de maneira indireta e ambigua de seus sentimentos, desejos e expectativas, e preocupam-se apenas com seus proprios desejos e nem um pouco com os desejos dos outros. No comportamento passivo, as pessoas abrem mao de seus desejos em prol dos desejos dos outros e manifestam inadequadamente seus sentimentos, desejos e expectativas.

E importante diagnosticar o conflito nao somente pela analise de suas causas, mas tambem pelo nivel de intensidade que ele pode alcancar. Hodgson (1996) apresenta nove niveis para descrever os estagios que o conflito pode alcancar: nivel 1: discussao--fase inicial da divergencia, normalmente apresenta-se de forma objetiva e racional; nivel 2: debate--a objetividade e a racionalidade comecam a ser reduzidas e, em geral, as pessoas tentam enquadrar os interlocutores em padroes de comportamento que acreditam ser os corretos; nivel 3: facanhas--fase da perda de confianca, quando o caminho escolhido pela outra parte nao e confiavel; nivel 4: imagens fixas--englobam preconceitos e preconcepcoes relativas a parte adversaria, a objetividade e a racionalidade sao minimas, as posicoes comecam a se mostrar inflexiveis; nivel 5: loss of face--as posicoes comecam a se radicalizar, as pessoas assumem posicoes rigidas e nao se abrem, com medo de ficar "com a cara no chao"; nivel 6: estrategias--aparecem as ameacas, as relacoes se caracterizam por demandas e punicoes, a irracionalidade domina as partes; nivel 7: falta de humanidade--aparecem os comportamentos destrutivos e, consequentemente, a perda de caracteristicas humanitarias; nivel 8: ataque de nervos--o posicionamento ja e de ataque e contra-ataque, as motivacoes incluem autopreservacao e destruicao; nivel 9: ataques generalizados--o unico caminho e a solucao ganha-perde.

2.2. Psicodrama e sociodrama

O psicodrama surgiu em 1921, em Viena, com o trabalho de um medico romeno la radicado, Jacob Levy Moreno. Seu campo experimental eram sessoes publicas, nas quais conduzia um tipo de representacao teatral bastante diferenciado do teatro convencional da epoca. Ele o chamava de teatro da espontaneidade. Nessas sessoes, os atores profissionais improvisavam suas falas, expressoes e atitudes no palco. Cada um recebia, como instrucao, apenas informacoes sobre as caracteristicas principais do personagem e de suas relacoes dramaticas, assim como as linhas gerais dos eventos que constituiriam a cena a ser representada. Nao havia um roteiro detalhado nem um script das falas de cada ator, como acontece no teatro convencional (SOEIRO, 1995). Ou seja, na vivencia dos papeis da cena esbocada (pai, mae, tio, cavalo do vizinho), os atores procuravam experimentar a situacao, representando seus papeis de improviso, com falas e movimentos espontaneos, buscando achar uma solucao para o problema da cena. Apos a vivencia desses papeis, Moreno compartilhava com atores e plateia as sensacoes, sentimentos, emocoes e caracteristicas do desempenho dos personagens participantes da cena.

A partir de varios depoimentos dos atores e da plateia, Moreno percebeu que aquela atividade, vivida daquela forma e naquelas circunstancias, fazia com que os participantes relatassem percepcoes, compreensoes e descobertas sobre si mesmos ate entao desconhecidas. Alem disso, sentiam-se fisicamente revigorados e psicologicamente mais relaxados. Havia, portanto, um efeito terapeutico. A partir dessas observacoes, formulou sua teoria do papel psicodramatico (MORENO, 1997). Papel, porque as pessoas estavam representando uma cena; psicodramatico, porque a psique de cada participante estava ali, em acao (drama). Ele teorizou propondo que o Eu de cada pessoa era formado por um conjunto de papeis que ela representava, sucessiva e cotidianamente, ao longo de sua vida. Esses papeis podiam ser bem ou mal representados, agradaveis ou nao, adequados ou nao. Buscando compreender as causas dessas e de outras dicotomias no desempenho de papeis, Moreno formulou conceitos como os de categoria do momento, tele, possibilidade do encontro e muitos outros. Formulou hipoteses de relacionamento dinamico entre esses conceitos e criou tecnicas de capacitacao para desempenho de papeis (treinamento de papeis).

Em suas discussoes sobre papeis, Moreno se referia a um conglomerado (cluster) de papeis, culturalmente reconhecido e objeto de consenso social (STERNBERG; GARCIA, 2000). Ele tambem afirmou que cada papel era composto de dois componentes de origens diversas: um coletivo, isto e, compartilhado por todos, e um outro exclusivamente pessoal.

O componente coletivo e constituido daqueles aspectos comportamentais que fazem parte inalienavel do papel. Por exemplo, o papel de professor retem algumas caracteristicas de desempenho esperadas de todos os professores, no exercicio de sua profissao: conhecimento da disciplina que ministra, capacidade de transmissao de conteudos para seus alunos, senso de justica na avaliacao dos alunos, etc. Ja o estilo unico de cada professor se apresentar, os recursos pedagogicos que utiliza e o clima afetivo que estabelece com os alunos fazem parte do que Moreno classifica como componente pessoal do papel (STERNBERG; GARCIA, 2000). A partir dessa concepcao original, alem do psicodrama, destinado a tratar dos aspectos ligados ao componente pessoal desses papeis, Moreno criou o sociodrama, indicado para lidar com o componente coletivo e, portanto, social dos papeis.

2.2.1. Espontaneidade e criatividade

A nocao de espontaneidade esta relacionada a maneira pela qual algumas pessoas, em determinadas circunstancias, conseguem se expressar ou agir de maneira adequada ao momento, diferenciada e peculiar. Tal forma de se expressar ou agir transforma a situacao daquele momento sempre em algo melhor, mais produtivo e prazeroso. Moreno percebeu a necessidade de investigar sistematicamente essa nocao, buscando consolidar um conceito capaz de se articular com as outras categorias analiticas. Em sua investigacao, ele chama a atencao para dois aspectos importantes, presentes na nocao de espontaneidade: a possibilidade de exercicio de arbitrio na escolha da acao e a capacidade intuitiva para fazer a melhor escolha, tendo em vista a adequacao dessa acao numa situacao conflituosa.

Moreno sublinhou, tambem, que cada individuo chega ao mundo com um acervo de espontaneidade a sua disposicao, para dar vazao a sua capacidade criativa, e conceitua espontaneidade como: "a resposta adequada a uma nova situacao ou a nova resposta a uma situacao antiga" (MORENO, 1974:58). Depois, circunstancia mais essa nocao, mostrando que toda resposta a uma situacao nova demanda "senso de oportunidade, imaginacao para a escolha adequada e originalidade de impulso proprio em emergencias" (MORENO, 1997:143). Chama de "fator e" ou "funcao e" a esse conjunto de possibilidades e propriedades presentes no estado de espontaneidade.

Moreno observou tambem que, apos fazerem uso desta circunstancia para construir suas obras, os seres humanos tendem a instituir normas estaticas de conduta e expressao, dando origem ao que ele chamou de "conservas culturais" (MENEGAZZO; TOMASINI; ZURETTI, 1995:62). A conserva cultural pode ser vista como o resultado da acao criadora, ou seja, um produto, uma ideia, um conjunto de processos que, depois de criados, permanecem cristalizados durante algum tempo, como um acervo da sociedade onde foi gerado ou apresentado e aceito. Nessa perspectiva, o comportamento moral, a obra de arte ou o paradigma cientifico sao percebidos como conservas culturais, da mesma forma como o sao os papeis sociais que cada ser humano desempenha em sociedade. Essas conservas culturais formam a base de sustentacao da cultura de um povo e sao elas que garantem sua sobrevivencia e sustentabilidade.

Por outro lado, o desenvolvimento das sociedades e das civilizacoes somente se viabiliza quando a espontaneidade humana utiliza suas potencialidades criativas, rearticulando e transformando essas conservas culturais. Moreno reconhece, contudo, que a maior parte dos individuos valoriza mais as conservas culturais do que a espontaneidade, porque elas sao a garantia da estabilidade, da identidade e da certeza sobre a existencia pessoal e social. A preferencia pela conserva relega a espontaneidade a um segundo plano na vida cotidiana. Em alguns casos extremos de desvalorizacao, a espontaneidade pode ser vista como algo inadequado e perigoso para as instituicoes vigentes. Essa desvalorizacao do estado espontaneo decorre, segundo Moreno, do processo de cristalizacao das conservas culturais, que sugerem a perfeicao e a completude do ato criador finalizado.

O equilibrio funcional da relacao entre espontaneidade e conserva cultural cristalizada e uma das metas da teoria e da pratica sociodramaticas.

2.2.2. Matriz de identidade, locus e status nascendi

Das investigacoes realizadas por Moreno, emergiu uma importante nocao psicodramatica conhecida como "categoria do momento". O momento, para ele, acontece quando se dilui a linha que divide o passado do futuro. E nesse intervalo indefinido que emerge e se desenrola o ato criador espontaneo do agente. Ato que inova, modifica e transforma a conserva cultural que o proprio agente contribuiu para formar e cristalizar. No momento moreniano, tudo esta sendo, nada foi ou sera (BUSTOS, 1980). A validade da existencia acontece apenas no momento. Para ter uma boa visao da estrutura de um evento passado, pessoal ou social, e preciso traze-lo para o momento. A partir dessa concepcao da categoria do momento fica mais facil perceber o ponto de vista de onde Moreno se coloca e reconhecer os tres pilares que vao sustentar todo ato ou conceito psicodramatico e sociodramatico. Esses pilares sao: a) a nocao de que tudo no universo tem uma matriz, de onde se originou--a "matriz" identifica, de forma singular, o ator dramatico, bem como todo evento social ou natural, em desenvolvimento; e tambem chamada de matriz de identidade, isto e, a fonte original que permite descrever e caracterizar univocamente a pessoa, a acao ou o evento dramatico; b) a matriz de cada coisa existe em um lugar, reconhecivel pelas condicionantes que o determinam--a esse lugar Moreno chamou de locus; c) o terceiro pilar e a nocao de status nascendi, que denomina um processo de crescimento, de transformacao, de transfiguracao ou evolucao. As acoes espontaneas buscadas no processo terapeutico, individual, organizacional ou pedagogico se estruturam buscando apoio nestes tres pilares: status nascendi, locus e matriz de identidade.

Assim, no ambiente organizacional, a intervencao sociodramatica dedica grande atencao a esses parametros originais. No que se refere aos conflitos, sua analise e avaliacao qualitativa sao fundamentais para sua superacao. As acoes espontaneas serao buscadas e tratadas por meio da investigacao dessas dimensoes (locus, status nascendi e matriz de identidade), em suas circunstancias reais. Fundamentando-se nessas tres dimensoes, Moreno desenvolveu as tecnicas operacionais basicas do psicodrama e do sociodrama, que tem por objetivo o desenvolvimento da matriz de identidade do individuo, da circunstancia ou do evento problematico que precisa ser tratado, administrado ou equacionado.

No desenvolvimento da matriz de identidade ele observa a existencia de cinco fases. Elas sao, entao, condensadas num conjunto de tres estagios diferenciados. A identificacao clara desses estagios e importante para que se possa compreender as caracteristicas ou condicionantes da matriz do problema em estudo. Essa compreensao e a unica garantia de que a aplicacao das tecnicas sociodramaticas sera feira no momento adequado, de sorte a viabilizar a espontaneidade e o conteudo inovador para o grupo e seus participantes. Quando essas condicoes de aplicacao das tecnicas sociodramaticas prevalecem na categoria moreniana do momento, surgem oportunidades, para todos os componentes do grupo, de compreensao, insight e desenvolvimento dos papeis sociais.

No modelo psicodramatico que Moreno utilizou para desenvolver a teoria dos papeis, a primeira fase da matriz de identidade e, tambem, o primeiro estagio. Ele acontece logo apos o nascimento, quando a crianca ainda nao se diferencia da mae ou do resto do mundo. Nessa fase, a crianca depende totalmente dos cuidados de alguem que cumpra, por ela, todas as tarefas que permitem e asseguram sua sobrevivencia. Ela se encontra no caos, sem qualquer possibilidade de distinguir, entender ou, mesmo, conscientizar-se de suas necessidades. Portanto, ela precisa ser alimentada, limpada, cuidada, aquecida, etc. Nesse caso, a mae atua como se fosse um duble de cinema; em razao dessa semelhanca de papeis, Moreno chama essa fase de "estagio do duplo". A crianca precisa ter um duplo--duble--para sobreviver. Moreno deu o nome de duplo a tecnica criada para lidar com essa fase-- ela e realizada durante o desenvolvimento de uma cena, paralelamente ao transcorrer desta. Bustos (1997:28) descreve a tecnica do duplo como a "criacao de um espaco reflexivo, com a finalidade de ajudar o protagonista a dominar aspectos de si mesmo sobre os quais tem poucos e pequenos insights".

A segunda fase e o momento no qual "a crianca concentra sua atencao em outra pessoa e estranha parte de si mesma" (MORENO, 1997:112). Para melhor explicar esse estagio, Goncalves, Wolf e Almeida (1988:61) dizem que "a crianca concentra a atencao no outro, esquecendo-se de si mesma" e relatam uma metafora, na qual a crianca se olha na agua ou no espelho e isso a atrai, mas ela nao compreende que aquela imagem visualizada e a sua propria. Entao, ela comeca a se movimentar, fazer caretas, etc., repetindo isso inumeras vezes, estranhando tudo aquilo e observando a reacao da imagem no espelho ou na agua. Ate que, finalmente, percebe tratar-se de si mesma e, nesse momento, ocorre um importante salto em seu desenvolvimento e em sua percepcao da propria identidade.

Na terceira fase, a crianca faz o movimento contrario e concentra a atencao nela mesma, desprezando o outro. Moreno mesclou as duas fases--a segunda e a terceira-- no segundo estagio de desenvolvimento da matriz, que foi chamado de "estagio do espelho". A tecnica desenvolvida para lidar com esse estagio e a do "espelho", pois, de acordo com Goncalves, Wolf e Almeida (1988:88), "apesar de nao ter um espelho real", o protagonista "ve seu comportamento como num espelho, atraves de um ego auxiliar, que o representa no cenario". Dessa forma, ele assiste ao desempenho do ego auxiliar, que toma seu lugar na dramatizacao, procurando representar o papel do protagonista na cena, tal como ele mesmo o descreveu. Essa tecnica oferece ao protagonista e ao publico grandes possibilidades de insight e compreensao da adequacao dos papeis vivenciados na acao.

Na quarta fase, a crianca ja se reconhece e reconhece o outro concomitantemente, arrisca-se a vivenciar o papel do outro, mas nao admite que o outro possa representar o seu papel. E, finalmente, na quinta fase, ela nao so reconhece mas tambem inverte os papeis--representa o papel do outro e aceita naturalmente que o outro represente o seu papel. As quarta e quinta fases foram condensadas no "terceiro estagio" de desenvolvimento da matriz, que e a fase da "inversao de papeis". Esse estagio fundamenta a tecnica de inversao de papeis, na qual os sujeitos vivenciam um o papel do outro. Assim, os dois podem realmente aprofundar a compreensao um do outro, olhar o outro com o olhar dele e ser olhado pelo outro com o seu proprio olhar, viabilizando o verdadeiro encontro de dois, ou seja, participando de uma forma de relacionamento com empatia reciproca. Moreno chama esse tipo de relacionamento possivel e raro de "tele". Esses tres estagios que Moreno identificou no desenvolvimento do eu infantil estao presentes tambem na teoria que da sustentacao a intervencoes sociodramaticas em grupos sociais.

2.2.3. A teoria dos papeis

A teoria dos papeis representa uma das contribuicoes teoricas mais importantes para a analise e operacionalizacao de processos e tecnicas dramaticas. Para Moreno (1997), o papel e a maneira pela qual um individuo se comporta ou age, em resposta a uma situacao que envolva seu relacionamento com outras pessoas, objetos, simbolos ou situacoes.

Moreno afirma que o conceito de papel vai muito alem de um script social tacitamente reconhecido pelos membros de uma comunidade. "O papel e conhecido como o fator individual mais importante na determinacao da atmosfera cultural da personalidade" (MORENO, 1974:56). Para cada uma das dimensoes do eu, ou grupo de papeis, ele propoe que se investigue a percepcao que as pessoas tem dos papeis nos quais atuam, a presenca ou ausencia de espontaneidade no desempenho desses papeis e o que existe obrigatoriamente de conserva cultural nos seus scripts. Ou seja, uma das categorias analiticas mais importantes para a avaliacao do desempenho de papeis e a identificacao tanto daqueles papeis que permitem a espontaneidade e a criatividade, quanto da medida em que esses papeis facilitam ou dificultam os processos de mudanca.

Moreno identifica tres fases ou etapas subsequentes na interacao das pessoas com seus papeis. A primeira fase chamou de tomada de papel (role taking), que representa o momento ou periodo de tempo em que o individuo se apropria de um papel estabelecido, no qual ele tem pouca ou nenhuma liberdade para fugir ao script. Numa segunda fase, chamada de jogo de papeis (role playing), ja existe um grau maior de liberdade para fugir ao script. Finalmente, na terceira fase, chamada de criacao de papeis (role creating), o individuo tem um grau de liberdade elevado para interpretar criativamente seus papeis, o que permite que sua espontaneidade natural flua.

2.2.4. O encontro psicodramatico e sociodramatico

Existe um conjunto de procedimentos estruturados que orientam a realizacao de uma sessao, constituido basicamente dos instrumentos e de suas respectivas funcoes, das etapas a serem galgadas e da utilizacao de tecnicas dramaticas.

2.2.4.1. Os instrumentos e suas respectivas funcoes

Os procedimentos dramaticos incluem cinco elementos: o protagonista, a plateia ou publico, o cenario, o ego auxiliar e o diretor.

O termo "protagonista" advem do teatro grego e quer dizer, "etimologicamente, aquele que se oferece a acao em primeiro lugar" (MENEGAZZO; TOMASINI; ZURETTI, 1995:172). O protagonista emerge do grupo espontaneamente. Em torno dele e centralizada a acao dramatica. Ele "traz o tema para desempenhar e, ao mesmo tempo, o desempenha. E, pois, autor e ator" (BERMUDEZ, 1970:21). O protagonista simboliza os sentimentos, anseios, incomodos e preocupacoes presentes no grupo e recebe deste autorizacao para representa-lo.

O segundo instrumento do psicodrama e a plateia, composta dos demais integrantes do grupo. A plateia assiste a cena, observa e se solidariza com o protagonista, vivencia internamente aqueles sentimentos e, depois, no momento do compartilhamento da acao encenada, funciona como uma "caixa de ressonancia ou tornando-se ela mesma o protagonista coletivo" (GONCALVES; WOLF; ALMEIDA, 1988). O terceiro elemento da cena dramatica e o cenario. O cenario ou palco e um espaco real, uma vez que contem objetos fisicos. E tambem um espaco virtual, onde cada um desses objetos fisicos pode vir a ser o que a cena psicodramatica necessitar para sua realizacao. Nesse espaco cada objeto pode ser renomeado e redefinido. Ele pode vir a ser uma pessoa, um objeto fantastico, uma voz ou um sentimento. O cenario onde ocorre a cena dramatica e percebido ao mesmo tempo como objetivo e como subjetivo. O quarto instrumento do psicodrama e o ego auxiliar. Cabe ao ego auxiliar participar da cena dramatica desempenhando duas funcoes claramente definidas: ajudante do diretor da cena e auxiliar do protagonista. O quinto instrumento do psicodrama e o diretor. De acordo com Moreno (1997), ele tem tres funcoes: de produtor, de terapeuta principal e de analista social. 2.2.4.2. As etapas da sessao sociodramatica

Na conducao de uma sessao psicodramatica ou sociodramatica, e possivel perceber tres etapas distintas, sucessivas e de duracao variavel: o aquecimento, a dramatizacao e o compartilhamento.

A etapa de aquecimento tem esse nome por analogia com o necessario aquecimento muscular de um ginasta ou do motor para atingir as condicoes adequadas de operacao continua. E a preparacao do grupo e de seus participantes para entrarem em contato consigo mesmos e com a situacao que precisa emergir para ser trabalhada. O aquecimento costuma ser dividido, conforme sua orientacao, em inespecifico e especifico. Quando o diretor estimula um bom aquecimento inespecifico, emerge o tema do grupo e, a seguir, aparece aquele que vai protagonizar esse tema. O aquecimento especifico e a preparacao do protagonista para dramatizar. Bermudez (1970:26) diz que o aquecimento especifico "corresponde ao conjunto de procedimentos destinados a preparacao do protagonista para que este se encontre nas melhores condicoes para dramatizar".

A segunda etapa da sessao sociodramatica constitui a essencia que caracteriza tanto o psicodrama como o sociodrama. Aqui, no cenario, o protagonista, devidamente preparado, vivencia uma cena que contem o tema do grupo, seus dilemas, duvidas, incertezas, preconceitos, relacoes, sensacoes, sentimentos e intuicoes. O diretor utiliza, nesta etapa, tecnicas apropriadas para estimular o protagonista a elaborar novas compreensoes sobre a cena e liberar sua espontaneidade na solucao dos dilemas. Finalmente, a terceira etapa da sessao dramatica e a do compartilhamento. Ela ocorre apos o encerramento da dramatizacao pelo protagonista. O diretor estimula o protagonista e o publico presente a compartilhar o aprendizado e as compreensoes conseguidas no processo, assim como os sentimentos e emocoes que estiveram presentes, ressaltando aspectos que propiciam o desenvolvimento individual e grupal.

2.2.4.3. As tecnicas sociodramaticas

Sao inumeras as tecnicas utilizadas no psicodrama e no sociodrama. De acordo com Bustos (1997:17), "As tecnicas psicodramaticas tiveram tal grau de expansao que muitas pessoas que as utilizam, ate chegam a desconhecer o autor das mesmas. Isso e um triunfo, ja que a validade de um instrumento e dada pela medida de sua absorcao por outros". As tres tecnicas basicas ja foram descritas acima, no subitem relativo a matriz de identidade: duplo, espelho e inversao de papeis. Elas fundamentam todas as demais, que contem, pelo menos, o principio de alguma delas.

Entre as demais inumeras tecnicas existentes, e importante enfocar a utilizacao de objetos intermediarios, poderoso recurso nas sessoes sociodramaticas. Sua utilizacao tem por objetivo facilitar a comunicacao e a expressao de qualquer participante da sessao. Esse recurso consiste em atribuir a um objeto qualquer, presente no cenario da cena dramatica, uma identidade nova e alguma faculdade humana, como: falar, raciocinar, escutar, sentir, emocionar-se, etc. Quando o diretor da cena percebe que os participantes do grupo ou o proprio protagonista estao posicionados em um campo tenso que dificulta a comunicacao, ele utiliza um objeto intermediario para conseguir um ambiente mais relaxado. Exemplificando, na fase de aquecimento especifico o diretor pode escolher uma das cadeiras da sala para ser entrevistada por ele e solicitar a um dos participantes que seja a "voz" da cadeira, que responda por ela. Schmidt (2006) refere-se a Bermudez como introdutor do termo objeto intermediario e informa que ele propos esse nome por causa de sua possibilidade de intermediar a passagem do estado de alarme, no campo tenso, para o campo relaxado. Assim, o objeto intermediario e qualquer coisa que facilite o contato entre duas ou mais pessoas.

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa objetivou descrever a experiencia de uma intervencao em uma situacao conflituosa entre socios empresariais; portanto, alem da observacao do desenrolar dos eventos, houve participacao ativa no espaco social onde se desenrolaram as acoes. Assim, procurou-se encontrar evidencias qualitativas relevantes que pudessem descrever o evento em estudo. Com base nessas evidencias, foram sugeridas interpretacoes das causas e origens dos problemas, bem como das dificuldades de entendimento sobre determinadas tematicas.

Dessa forma, a abordagem escolhida para a realizacao desta pesquisa foi a qualitativa, uma vez que esta permite ao pesquisador a compreensao das perspectivas de uma situacao complexa a partir da visao dos atores envolvidos (GODOY, 1995). O interesse e verificar como determinado fenomeno se manifesta nas atividades, nos procedimentos ou nas interacoes.

A realizacao da pesquisa incluia, necessariamente, acoes programadas, tendo em vista a mudanca requerida, associadas a construcao de conhecimentos sobre os amplos aspectos que definem a situacao estudada. Nesse processo, as partes envolvidas precisavam desenvolver sua compreensao da situacao vivenciada, a fim de que a mudanca pudesse ocorrer da forma desejada. O alcance dos objetivos ficou facilitado pela participacao da pesquisadora, bem como dos agentes sociais foco desta investigacao, tanto na realizacao das acoes como na discussao dos problemas identificados. Alem de qualitativa, esta pesquisa caracteriza-se como descritiva, pois visa descrever como esse evento complexo foi compreendido e tratado.

A situacao que motivou a presente pesquisa foi o pedido de um dos socios da empresa em estudo. Preocupado com a situacao da empresa, ele procurou ajuda com a proposta de que fossem empreendidas acoes organizacionais que pudessem auxilia-los a melhorar os processos de gestao, cujos poucos indicadores economico-financeiros conhecidos pela area estrategica da empresa estavam em declinio. De acordo com seu relato, a situacao de conflito era tal que os socios nao estavam se falando ha algum tempo. Na verdade, nao estavam se reunindo nem para eleger a diretoria, conforme estabelecido no estatuto social. Diversas outras tentativas, internas ou externas, de reuni-los para discutir assuntos relacionados a empresa haviam fracassado antes de serem iniciadas. Diante desse quadro, a fase inicial de levantamento foi planejada e realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com cada um dos oito socios-gerentes.

As entrevistas realizadas buscaram nao somente levantar as evidencias para a analise e o diagnostico da situacao, mas tambem identificar pontos de vista comuns ou convergentes; esses pontos de vista serviriam de base para uma proposta de acao que pudesse ter aceitacao geral. A entrevista iniciava-se com o seguinte pedido: "Por favor, conte a historia da empresa desde quando voce nela ingressou". A partir das respostas, procurava-se direcionar a entrevista para explicitar: a) as caracteristicas da atuacao de cada um deles na empresa; b) como eles se colocavam em relacao a remuneracao que recebem; c) de que forma percebiam a gestao da empresa; d) o relacionamento geral entre todos os socios e entre o entrevistado e cada um dos demais; e) os problemas percebidos e a serem solucionados ou equacionados com a intervencao; f) a expectativa em relacao a possibilidade de solucao dos problemas. Em razao da intensidade do conflito em andamento entre os socios, percebeu-se que nao se poderia desenvolver qualquer trabalho administrativo ou organizacional sem que, antes, fosse trabalhada, com os socios conjuntamente, a possibilidade de abertura inicial de um canal de comunicacao. Dessa forma, foi planejado e realizado o seguinte roteiro: a) reuniao com os oito socios-gerentes para apresentar as evidencias obtidas nas entrevistas, o diagnostico da situacao e as principais recomendacoes para as intervencoes a serem realizadas; b) realizacao de seis encontros, com os oito socios-gerentes em conjunto, para aprofundar a sua compreensao das causas percebidas do conflito e abrir um canal de comunicacao por meio do qual os participantes pudessem discutir efetiva e abertamente os problemas da empresa. Para o tratamento e a analise das evidencias coletadas foram utilizadas as tecnicas sociodramaticas.

4. ANALISE DE RESULTADOS

4.1. Analise das entrevistas e diagnostico para atuacao

Evidenciaram-se duas fontes de conflito: objetivos incompativeis e recompensas escassas. Os objetivos incompativeis transpareceram quando dois dos socios expressaram o desejo de realizar investimentos para o crescimento e desenvolvimento da empresa e acusaram outros de serem "pequenos" e, portanto, nao terem a ambicao de fazer a empresa crescer. Sobre o diretor- financeiro, um dos socios disse: "Contenta-se com pouco e a empresa fica pequena".

As recompensas escassas foram citadas por quase todos os socios, inumeras vezes, alem do fato de a remuneracao ser desproporcional a quantidade de trabalho maior que cada um acredita dedicar a empresa, em relacao aos outros. Isso fica ainda mais claro na declaracao do diretor financeiro sobre as recompensas escassas: "O relacionamento sempre foi e esta muito dificil, principalmente por causa de nossa situacao conjuntural atual, que exige economia e corte de custos". Alem disso, e razoavel supor que tanto a participacao igualitaria quanto a nao consideracao das habilidades complementares na formacao da sociedade contribuiram para o estado conflituoso que os socios, continuadamente, mencionaram em suas entrevistas.

Vale remeter a Hodgson (1996), que aponta a importancia de diagnosticar o conflito nao somente pelas causas, mas tambem pelo nivel de intensidade em que se encontra. Com relacao aos posicionamentos dos socios sobre essa proposta de niveis de intensidade de conflito, alguns deles apontaram os niveis 4 e 5: objetividade e racionalidade minimas, inflexibilidade e inicio de radicalizacao, conforme os repetidos depoimentos sobre o posicionamento: "A empresa e minha". O nivel 6, definido pelo inicio de ameacas, tambem esta presente na frase de um dos socios: "Eu dou porrada nele". Nao foi possivel identificar, nos depoimentos dos socios, vestigios de ocorrencia do nivel 7, falta de humanidade, embora os niveis 8 e 9, ataques de nervos e ataques generalizados, estivessem bem claros. Pode ser citado, sobre o diretor-tecnico: "Quando tira o dia para xingar pelos corredores... Ah! meu Deus". Outros depoimentos sao: "O Alfa e o Gama ja brigaram feio" e "[...] deu uma brigalhada danada por causa de um projeto que todos aceitaram, mas depois dois deles boicotaram".

Conforme mencionado na Introducao, o eventual fracasso empresarial tambem tem sido pouco mencionado como consequencia de discordancias e conflitos entre os socios. O que se encontram, na literatura em geral e no senso comum, sao posicoes como as apresentadas pelos socios da empresa, do tipo: "Precisamos organizar e desenvolver a gerencia; assim acabaremos com os conflitos". Isso pode ser evidenciado nas respostas dadas a pergunta sobre o entendimento de cada um dos socios com relacao a identificacao do problema principal pelo qual estavam passando naquele momento: somente um deles citou o conflito.

Na fase de analise das entrevistas, questionou-se: como efetivar reorganizacoes ou estabelecer estrategias empresariais em uma situacao onde os estrategistas nao conseguem se relacionar com um minimo de racionalidade e objetividade; nao conseguem sequer conversar; trocam acusacoes pelos corredores da empresa; e envolvem os funcionarios em suas divergencias, suscitando um clima generalizado de desconfianca? Cabe mencionar que esses mesmos formuladores das estrategias sao tambem seus executores, pois ocupam posicoes executivas na organizacao. Assim, tudo levou a crer que, neste caso, os problemas empresariais provinham dos conflitos e nao o contrario. Portanto, a forma mais eficaz de buscar solucao para os problemas da empresa seria pela tentativa de equacionamento e superacao das posicoes conflituosas.

Uma das primeiras preocupacoes da pesquisa foi quanto a necessidade de despertar o interesse de todos os socios. Para isso, foram procuradas evidencias positivas que indicassem alguma area de convergencia, na qual os socios pudessem se ver ainda capazes de um entendimento, de uma possibilidade de dialogo. Esta possibilidade lhes permitiria retirar dos ombros a incomoda carga de responsabilidade e impotencia, percebida em afirmacoes do tipo: "Estou muito preocupado com a empresa. Nao suporto mais essa situacao, mas nao sei o que fazer para alterar tudo isso".

As evidencias positivas realcadas para os socios foram: a) 75% deles ainda revelaram esperanca de solucao dos problemas e tinham, vividos, os sonhos iniciais que os levaram a montar a empresa; b) 63% demonstraram grande orgulho de fazer parte da empresa; e c) 50% falaram de virtudes existentes nos outros socios. As evidencias coletadas sobre os sentimentos dos socios em relacao aos demais e a situacao pela qual estavam passando demonstraram, por sua vez, que: a) todos citaram as incompreensoes que havia entre eles; b) 75% deles falaram de falhas na comunicacao e de falta de comprometimento entre eles e com a empresa; e c) magoas, frustracoes, decepcoes foram citadas por 63% deles, bem como o incomodo sentimento de que a empresa estava sendo administrada por feudos.

4.2. Analise dos encontros sociodramaticos realizados

O desenvolvimento dos trabalhos ocorreu como planejado, apos a realizacao das entrevistas semiestruturadas, ou seja, houve uma reuniao para apresentar e aprovar, com os socios, o trabalho a ser realizado e 6 encontros sociodramaticos para possibilitar a abertura de um canal de comunicacao que lhes permitisse retornar aos seus papeis de gestores e executivos da empresa.

Tanto a reuniao quanto os seis encontros foram programados de acordo com as fases de desenvolvimento da matriz de identidade. Assim, a reuniao correspondeu a primeira fase, na qual as pessoas ainda nao sabem o que esta para acontecer e reagem a esse desconhecimento de forma caotica. Elas precisam de um "duplo", de uma pessoa que as oriente com informacoes e colocacoes claras e logicas e que exerca as funcoes que, nesse momento, nao estao podendo exercer. Dessa forma, na mencionada reuniao foram apresentadas as conclusoes retiradas das entrevistas semiestruturadas e feitas as sugestoes de acoes para o desenvolvimento do trabalho. Assim foi feito.

Como era de esperar, houve na reuniao uma reacao caotica que precisou ser trabalhada: um dos socios anunciou que estava preparando uma interpelacao extrajudicial a diretoria financeira, buscando esclarecimentos sobre os resultados da empresa. Ao final da leitura da carta, os socios se alteraram, as vozes se elevaram e as acusacoes de ma gestao financeira de seus respectivos mandatos surgiram. Uma pesquisadora, atuando entao como diretora sociodramatica, sentiu que deveria comecar ali mesmo o trabalho de busca de compreensao para a solucao do conflito, sem deixar que a acao fosse adiada para o primeiro encontro de trabalho. Ali estava se configurando o que Moreno chamou de a "categoria do momento", na qual deve ocorrer busca da acao espontanea, que possibilita a revisao e renovacao do que ele define como "conserva cultural". A conserva cultural era a bagagem que o grupo havia acumulado de magoas, decepcoes, desconfiancas e desconfortos reciprocos, durante sua convivencia na empresa.

Os socios foram, entao, estimulados a continuar na acao dramatica da explosao, e eles assim fizeram. Porque estavam extremamente alterados, foi necessario garantir que cada um esperasse o outro terminar suas observacoes. Alem disso, quando havia falta de entendimento ou ma interpretacao das falas por parte dos interlocutores, a pesquisadora intervinha, funcionando como "ponto" da cena, recuperando o sentido do que estava sendo dito por cada um deles e procurando esclarecer alguns aspectos tecnico-institucionais que estavam sendo discutidos. A partir de certo momento, as vozes dos interlocutores foram, espontaneamente, adquirindo um tom mais proximo da conversa e mais distante da briga. Dadas as circunstancias, ainda nao havia clima para exercitar a inversao de papeis no seu sentido pleno: cada um representando ou vivenciando o papel do outro. Era preciso, entretanto, leva-los a alcancar uma maior compreensao do posicionamento do outro, e vice-versa, naquela situacao. Foram estimulados, entao, a se colocar um no lugar do outro, para responder a questionamentos do tipo: "se voce estivesse no lugar dele, o que teria feito"? Apos todas as explicacoes ao longo dessa cena, as acusacoes cessaram. Eles ja conversavam, e dois deles chegaram mesmo a afirmar a confianca de cada um na honestidade do outro.

Quanto aos demais socios, logo nos primeiros momentos o ego auxiliar comecou a explicar-lhes o que estava ocorrendo em termos metodologicos e emocionais. Durante algum tempo eles prestaram muita atencao a cena. Aos poucos, todos eles passaram a apresentar uma postura mais relaxada, comecaram a demonstrar seguranca na atuacao da pesquisadora e do ego auxiliar e achegaram-se aos protagonistas. Uma pequena partilha foi realizada. Dessa experiencia dramatica orientada ficou claro para todos que eles poderiam, em ambiente controlado, discutir e ate se alterar, sem que isso necessariamente significasse que tudo terminaria em raiva, odio e malquerenca. Ou seja, naquela reuniao, embora a cena repetisse as demais--acusacoes, brigas e gritos--, o final poderia ser de entendimento, de conversa e de negociacao.

O primeiro encontro foi programado e ocorreu com o objetivo de permitir a atuacao do grupo na segunda fase da matriz de identidade social do grupo. Trata-se da fase na qual as pessoas devem falar sobre si mesmas.

Para evitar um clima de "estranhamento", foi pedido que cada um escolhesse uma figura que representasse seus sentimentos no momento. Todos escolheram e falaram de seus sentimentos. Alguns trouxeram sua esperanca no trabalho; outros, sua descrenca; outros, as dificuldades, a possibilidade de explosao e os esforcos necessarios. Alfa falou, demonstrando decepcao, desilusao e, ao mesmo tempo, desejo de que tudo mudasse, de que eles pudessem se entender. Disse ele: "Todos conversam, mas ninguem se gosta, ninguem tem amizade ou se relaciona fora daqui". Imediatamente, Epsilon, contrariado com o ar de desilusao do Alfa, manifestou-se dizendo: "Discordo de voce, Alfa, isso nao e verdade. Tem aqui a minha comadre, Omega, que eu amo. Na verdade, eu gosto de todos, eu gosto ate de voce". Alfa, visivelmente alterado e magoado, retrucou: "Ate de voce, por que? Quer dizer que voce gosta ate de mim?". Epsilon tambem ficou alterado, ofendido. Neste ponto, procurou-se perceber se havia surgido uma possibilidade de dramatizacao. Ou seja, se aquele "gostar ou nao" era o tema do grupo no momento. Percebeu-se, entretanto, que nao era possivel levar aquela cena a dramatizacao, ainda em razao da sensibilidade e do medo que todos demonstraram; percebeu-se, tambem, que se deveria voltar a essa cena em um encontro proximo, quando o clima fosse mais favoravel e a situacao estivesse mais controlada.

As atividades foram se desenvolvendo normalmente. Finalmente, foi solicitado aos socios escolher um pais que pudesse representar a empresa do jeito que cada um gostaria que ela fosse no futuro. No compartilhamento da tarefa, verificou-se que, quanto ao pais que representava a empresa no seu momento atual, com apenas uma excecao --a Franca (tradicao, valoriza as pessoas, garra, orgulho) --, todos escolheram paises problematicos--Russia, India, Haiti, Iraque e, tres dos socios, o Brasil. Sobre cada pais, referiram-se a aspectos semelhantes a problemas que percebiam e que os incomodavam na empresa, com expressoes do tipo: "poder comunista, ditatorial"; "sem diretriz"; "cada um puxa para um lado"; "o todo parece bom, mas dentro esta podre"; "diferencas sociais enormes"; "superpopulacao"; "sem planejamento"; "pobreza absoluta"; "o povo e grosseiro"; "nao se organizam"; "um monte de crioulo, rato e barata"; "conflitos e desorganizacao"; "violencia, agressao e fanatismo".

A compreensao que surgiu, no compartilhamento, disse respeito ao momento atual dificil e conflituoso da empresa. No entanto, com relacao ao futuro, dois dos socios foram enfaticos sobre a necessidade de fazer a empresa crescer e quatro deles insistiram em mante-la pequena. De qualquer forma, todos demonstraram muita confusao sobre o que eles realmente desejariam mudar em si mesmos para conseguir mudar a empresa, seja no sentido de aprender a administra-la, seja na perspectiva de se abrirem para a busca de consenso. A sensacao final, relatada na despedida desse encontro, foi de esperanca de melhora.

O segundo encontro foi programado e ocorreu de forma a trabalhar e ultrapassar a terceira fase de desenvolvimento da matriz de identidade social do grupo. Nela, as reacoes das pessoas sao de autoconcentracao e desprezo pelos outros. Elas resistem aos outros e as normas e regras estabelecidas. Ainda e necessario que as pessoas falem de si, alem de escutarem os outros falar delas.

Na "retirada do estranhamento", cada um falou de seu estado de animo, de seus sentimentos. Quase todos se colocaram como esperancosos com os resultados do trabalho, e um deles ja havia comecado a notar algum tipo de diferenca no relacionamento deles.

As atividades foram se desenvolvendo normalmente, buscando o conhecimento e a compreensao das diferencas individuais, ate que se percebeu que deveria ser trazida a tona a cena nao vivenciada no primeiro encontro, quando Epsilon havia dito a Alfa: "Eu gosto ate de voce", e Alfa havia ficado muito magoado. Para trazer de volta a cena, a pesquisadora decidiu que ela e o ego auxiliar deveriam representa-la dramaticamente, utilizando a tecnica do "espelho". Explicou o que estava para acontecer. Os socios ficaram atentos e curiosos sobre o desenrolar da cena. Estavam totalmente envolvidos no momento. O nivel emocional se elevou sobremaneira.

Apos a representacao da cena, foi pedido a Epsilon e a Alfa que se levantassem, ficassem frente a frente e continuassem aquela conversa. Alfa gostaria de perguntar alguma coisa a Epsilon e vice-versa? Alfa olhou para Epsilon e perguntou: "Por que voce disse gosto ate de voce?" Epsilon respondeu: "Porque no dia da comemoracao de cinco anos da empresa, nos estavamos num restaurante. Parecia que tudo era alegria. De repente, nao sei por que, voce se levantou, foi perto de mim e disse que nao gostava de mim. Eu tinha bebido e ate hoje nao sei o que eu fiz pra voce me dizer aquilo". Epsilon, muito emocionado, continuava a falar aos outros sobre o dia em questao. Alfa disse, entao, que nao se lembrava de nada disso, que nao guardava rancores.

Apos falarem tudo o que podiam sobre o que ocorreu, foi perguntado a Alfa se ele gostaria de dizer alguma coisa a Epsilon, agora que conhecia a sua magoa de 15 anos. Alfa disse que sim. Gostaria de dizer que lamentava muito mesmo e que, na verdade, ele gostava de Epsilon. O fato de terem se permitido falar durante a cena sobre o assunto, mesmo que superficialmente, contribuiu para melhorar seu relacionamento a partir dai. Pelo menos, pode-se perceber que as tensoes arrefeceram. O final da dramatizacao culminou com o final do encontro. Todos foram estimulados a dizer, em uma palavra, como estavam se sentindo. A palavra "aliviado" foi a mais pronunciada. Notou-se a existencia de um estado mais alegre em todos os participantes.

O terceiro encontro representa a quarta fase de desenvolvimento da matriz de identidade social. As pessoas ja reduziram suas resistencias maiores. Ja aceitam vivenciar--compreender--o papel do outro, mas ainda nao admitem que o outro possa vivenciar o seu papel.

Embora houvesse resistencia de dois dos socios, um dos quais havia faltado, o encontro seguiu seu ritmo normal, conforme planejado. A atividade principal do encontro era conscientiza-los sobre suas possibilidades de trabalhar entrosados, integrados e complementando-se mutuamente.

Tratava-se de separa-los em duplas e cada dupla tinha que desenhar uma parte de um corpo humano--cabeca, tronco, membros inferiores e membros superiores. Cada dupla foi para um lugar diferente, a fim de receber as instrucoes e realizar a atividade. Eles nao sabiam que o desenho final seria um corpo humano. Uma dupla nao sabia o que a outra estava desenhando. Psi e Alfa ficaram juntos para desenhar o tronco; Omega e Epsilon deviam desenhar os bracos; Delta e Gama assumiram o desenho das pernas; e Teta, o desenho da cabeca. Foi entregue a cada dupla uma folha de papel A4, sem qualquer indicacao do tamanho que cada parte teria. Ao final do exercicio, foi-lhes dito que deveriam recortar suas respectivas partes. Quando se uniram de novo, na sala dos trabalhos, tiveram que colar suas partes num so papel e formar o desenho de um ser humano. Ao juntarem as partes do desenho ficaram impressionados, pois as proporcoes combinavam quase 100 %. Apenas a cabeca que Teta desenhou era maior que o desenho global, mas o pescoco se encaixava e ela nao chegou a destoar.

Para surpresa da pesquisadora e do ego auxiliar, eles haviam levado um filme para ver no DVD da empresa, juntos, uma vez que aquele dia era feriado.

O quarto encontro foi programado e ocorreu de forma a trabalhar e ultrapassar a quinta fase de desenvolvimento da matriz de identidade social do grupo. E a fase da inversao de papeis, na qual as pessoas/o grupo ja podem atingir niveis mais elevados de compreensao umas das outras.

Apos as atividades normais de aquecimento, a atividade principal tinha o objetivo de conscientiza-los da visao positiva que tinham de si mesmos e de cada um dos demais socios. Para isso, eles deveriam escolher um dos desenhos oferecidos, representando os componentes de uma arvore: raiz, tronco e folha. Apos as escolhas, o ego auxiliar expos a importancia da representacao da arvore para a vida, bem como de cada um daqueles componentes para a sobrevivencia da arvore. Estava-se, dessa forma, utilizando-se da metafora da arvore-empresa como uma visao empresarial sistemica preliminar. A conscientizacao dos socios de que cada componente- pessoa tinha uma funcao vital para a arvore-empresa e de que essa funcao era diferenciada das demais foi imediata.

Pediu-se que os socios escrevessem seus nomes nos desenhos escolhidos. Ao lado do desenho, escreveram a mais importante qualidade que julgavam ter. No partilhar, responderam as seguintes perguntas: (a) Em que momentos essa qualidade e mais presente na sua vida?; (b) Voce tem esta qualidade desde quando?; e (c) O que esta qualidade tem trazido para voce? Imediatamente apos as respostas, cada um deles passou a ouvir as respostas dos demais socios a seguinte pergunta: Voce ja usufruiu, profissionalmente, dessa qualidade do colega? Como e quando?

A maioria deles trouxe a memoria momentos de luta e uniao entre eles; momentos bons e fortes foram relembrados; momentos de admiracao reciproca foram relatados. Embora tenham sido registradas algumas leves criticas e desacordos, o clima emocional atingiu niveis altos. Alguns se permitiram chorar com essas doces lembrancas. O encontro terminou dessa forma.

O quinto encontro foi programado e ocorreu de forma que reforcasse a fase de inversao de papeis da matriz de identidade social do grupo, para que os socios pudessem aprofundar os niveis de entendimento e compreensao um do outro.

Na atividade principal, o ego auxiliar leu a selecao previa que havia feito dos comentarios elogiosos que cada um recebeu de feedback em todos os encontros ate entao. Apos a leitura, foi-lhes perguntado sobre suas lembrancas desses comentarios. Disseram que lembravam, sim, e ate os contextualizaram, rememorando as situacoes e as palavras exatas. O ego auxiliar comentou que era muito bom eles se lembrarem, ate com detalhes, dos comentarios elogiosos, mas era tambem muito importante que se lembrassem das criticas e do que precisava ser trabalhado e melhorado. Passou a ler a selecao previa de comentarios nao elogiosos e criticos de uns sobre outros, que apontavam erros e defeitos levantados nos encontros anteriores. Ao terminar a leitura, perguntou se havia lembranca daqueles comentarios. Os socios mostraram-se surpresos, pois nao se lembravam. Alguns perguntaram: "Tem certeza de que dissemos essas coisas"? Foi explicada a questao da "resistencia" e foi dito que o importante era ter consciencia das resistencias. Um deles disse que o fato de terem esquecido foi um acaso. Em resposta, observou-se que ninguem esqueceu os elogios, mas todos se esqueceram das criticas, e perguntou-se se ele nao ficava pelo menos desconfiado de que nao tinha sido um acaso. Ele concordou, cabisbaixo.

Depois, falou-se sobre a zona de conforto, pois prestar atencao as criticas implica ter trabalho, desejar mudancas, perguntar em que se deve mudar. Todos comecaram a falar ao mesmo tempo, impactados com o que havia sido dito. Mais uma vez iniciou-se uma longa discussao sobre a dificuldade do outro de se comprometer com a empresa, de ter agenda para realizar as reunioes.

Acalmados, conseguiram marcar reunioes mensais regulares (todas as primeiras sextas-feiras de cada mes) de diretoria. Alem disso, marcaram uma reuniao semanal para tratar de aspectos operacionais da empresa. Percebeu-se que o canal de comunicacao almejado ja havia sido criado.

O sexto encontro objetivou aprofundar o comprometimento dos socios com a realizacao periodica de reunioes nas quais eles pudessem estar tracando e decidindo os destinos da empresa.

O encontro foi iniciado com a pergunta de sempre: como estao se sentindo? Todos reafirmaram sua satisfacao com o trabalho, mencionando sempre a necessidade de trabalhar, agora, "o pratico, o administrativo". Um dos socios mencionou, contente, o fato de ser a primeira reuniao deles num sabado, em 20 anos.

Havia uma plena conscientizacao de que eles precisavam aprofundar-se nos conceitos e tecnicas de gestao, pois nao sabiam, por exemplo, analisar um relatorio financeiro, nem avaliar um projeto de investimento, etc. Foram solicitadas sugestoes de assuntos gerenciais que cada um deles gostaria de tratar, em primeiro lugar, na possivel contratacao de um trabalho de desenvolvimento gerencial. Eles sugeriram alguns aspectos que desejavam esclarecer. Houve uma votacao e ficou decidido que o proximo passo a ser dado seria a contratacao de encontros que visassem a aprendizagem de "leitura" e entendimento dos relatorios economicofinanceiros da empresa, a analise de investimentos, a analise mercadologica, etc.

5. CONSIDERACOES FINAIS

Desde o primeiro contato com os participantes deste estudo, o conflito societario revelou-se generalizado, intenso e profundo. Os socios haviam se envolvido nessa situacao, alimentada por pouco conteudo real--porque nao havia, na verdade, seria disputa por patrimonio--, mas inflamada por lembrancas permanentemente requentadas de magoas, raivas, medos, incompreensoes e vingancas.

Um aspecto cultural presente nas estruturas societarias, e que transparece neste trabalho, e a dificuldade que socios empreendedores tem para perceber a importancia causal do conflito na ineficiencia administrativa e, mesmo, no insucesso empresarial. Esse fator e lugar comum no Brasil, principalmente em empresas com apenas dois socios, e se reproduziu neste caso em que oito socios tem igual participacao. Trata-se de circunstancia marcante e digna de registro, pois, mesmo tendo a percepcao da magnitude desse conflito e do potencial explosivo de suas consequencias, o grupo insistia na posicao de nao se permitir percebe-lo como gerador dos riscos crescentes que se acercavam da empresa.

De qualquer forma, embora com lucros decrescentes, a empresa ainda nao apresentava sinais de efetiva deterioracao economico-financeira. Esse e um aspecto interessante, considerando-se a situacao conflituosa em que seus gestores tem convivido ao longo de todos esses anos, e se explica pela profundidade e forca do sonho inicial, experimentado por todos os socios no momento da constituicao da empresa. Esse sonho ainda esta vivido em suas emocoes, constituindo-se em forca motriz para o comportamento empresarial.

A causa primordial da situacao conflituosa ora estudada encontra-se no reconhecido traco cultural brasileiro da nao assertividade. O brasileiro e, normalmente, amistoso, sociavel e gregario. Receia o sofrimento da solidao, pois teme perder a possibilidade de estar sempre cercado de amigos, inclusive nos negocios. Por isso, os socios fugiram do comportamento assertivo; fugiram do conflito que, nas suas crencas, a assertividade poderia gerar. Para tal, assumiram uma postura passiva.

Entretanto, nessa fuga pela passividade acabaram desviando-se para a agressividade e o conflito exacerbou- se. A fuga da assertividade pode ate garantir o desvio do conflito no curto prazo, mas ira sempre exacerba-lo no longo prazo. Seja no comportamento passivo, seja no agressivo, os socios nao manifestaram espontaneidade em suas acoes, nos termos preconizados pela teoria sociodramatica.

A metodologia utilizada--o sociodrama--mostrou-se pertinente na criacao de um importante canal de comunicacao para muitos socios em conflito de intensidade elevada e inexistencia de lideranca formal ou informal estabelecida, como era o caso. A utilizacao dessa teoria para analise e conducao dos trabalhos possibilitou trazer, para um campo relaxado, ludico e controlado, as situacoes tensas vivenciadas. Os socios permitiram-se trabalhar suas questoes nos planos simbolico, fantastico e real. Tiveram, assim, a oportunidade de reexperimentar e reviver situacoes que lhes deixaram magoas e, dessa forma, conscientiza-las, tornando-as reais. A partir dai, passaram a experimentar uma nova forma de contato e de comunicacao com o outro e com eles mesmos. Sendo assim, uma das contribuicoes relevantes desta pesquisa e a utilizacao do sociodrama como mais uma alternativa a disposicao das empresas para gerenciamento/equacionamento de problemas similares.

Na proposta de pesquisa apresentada aos socios foi destacada a necessidade de levar o grupo a instituir um canal de comunicacao valido para que os objetivos e estrategias de acao pudessem ser discutidos e, eventualmente, aceitos por todos mediante um dialogo racional. Em razao do prazo disponivel para realizacao do trabalho, nao seria recomendavel nem factivel propor a identificacao e compreensao das causas mais profundas do conflito societario. De qualquer forma, eles iniciaram o trabalho no estagio do role taking--a tomada de papeis - e evoluiram ate o inicio do estagio do role playing--o jogo de papeis--, quando comecaram suas reunioes periodicas em prol da tomada de decisoes empresariais. Nesse ponto, ja reassumiram o script basico de seu papel profissional, demonstrando que o canal de comunicacao aberto permitiu um novo estagio de possibilidade relacional.

Os resultados confirmaram a decisao de nao ousar no aprofundamento sociodramatico, no que se refere a dramatizar as cenas que deram origem aos conflitos dos socios, mas em focar a utilizacao de objetos intermediarios no desenvolvimento dos trabalhos. Esse e um cuidado que se deve tomar quando se utilizam intervencoes sociodramaticas em empresas. Deve-se iniciar a dramatizacao apos um periodo preliminar de aceitacao da metodologia e de aprofundamento da confianca dos participantes nos facilitadores do processo.

Ao longo do desenvolvimento dos trabalhos, principalmente na fase de analise das evidencias, sentiu- se falta de maior quantidade de pesquisas na area de conflitos societarios. Recomenda-se, entao, que a academia se preocupe em fomentar estudos que privilegiem: a) o levantamento das relacoes diretas entre a tipologia de organizacao societaria e as condicoes de sucesso e fracasso dessas empresas; b) o desenvolvimento de metodologias alternativas que estimulem os empreendedores cujas iniciativas nao tenham sido bem-sucedidas a explicitar os aspectos de relacionamentos dos socios que vivenciaram o fracasso; c) o exame do conflito societario nas organizacoes de varios socios com igual participacao societaria, no contexto dos setores primario ou secundario da economia; d) estudos para comparar, no contexto da globalizacao, manifestacoes de conflito societario entre diferentes culturas nacionais.

Recebido em: 3/7/2009

Aprovado em: 15/8/2009

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Jorge Augusto de Sa Brito e Freitas

Doutor em Administracao pela Pontificia Universidade Catolica do Rio de Janeiro(PUC-Rio). Professor Adjunto III e Coordenador de Pesquisa do Programa de Mestrado em Administracao e Desenvolvimento Empresarial (MADE) da Universidade Estacio de Sa (UNESA)

E-mail: jasbfreitas@globo.com.br

Heloisa Lessa Rodrigues Guenzburger

Mestre em Administracao e Desenvolvimento Empresarial pela Universidade Estacio de Sa (UNESA). Professora convidada de cursos de pos-graduacao lato sensu da Fundacao Getulio Vargas (FGV) e da Universidade Catolica de Petropolis (UCP). Consultora

E-mail: gegcam@globo.com.br
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