Unawareness of conflict among partners: a sociodramatic intervention/El conflicto no reconocido entre los socios: una intervencion socio-dramatica/O nao reconhecido conflito societario: uma intervencao sociodramatica.
de Sa Brito, Jorge Augusto Freitas ; Guenzburger, Heloisa Lessa Rodrigues
1. INTRODUCAO
Na convivencia diaria, o conflito se manifesta no homem, visto como
ser social, e na inter-relacao de suas atuacoes. Apesar de sua
capacidade reflexiva e racional, o homem se mostra paradoxal e
contraditorio, ora construindo e se utilizando de uma solidariedade que
lhe e natural, ora destruindo a si, a natureza e ao proximo,
utilizando-se de agressao e violencia, que tambem lhe sao inerentes.
A complexidade e a ambiguidade advem das caracteristicas unicas de
cada individuo. O proprio individuo, em si mesmo, de acordo com a teoria
freudiana, tem seu psiquismo tripartite, constituido do id, ego e
superego. Essas instancias ja sinalizam a existencia de conflitos e
desarmonias na relacao do individuo consigo mesmo.
Nao ha maneira padronizada de lidar com o conflito. Pode-se
destacar a importancia de um diagnostico para a elaboracao de planos de
acao que visem seu equacionamento por meio da compreensao de seus
componentes, variaveis, natureza e formas de ocorrencia.
Embora o conflito seja um fenomeno presente em todos os tipos de
organizacoes humanas, a presente pesquisa focaliza o conflito em uma
media empresa localizada no Rio de Janeiro. Assim, o objetivo desta
pesquisa e descrever os resultados obtidos atraves de uma intervencao
sociodramatica em uma situacao de conflito entre os oito socios-gerentes
da empresa, com participacao igualitaria de capital, de marco a junho de
2007. A empresa tem perto de 20 anos de existencia. Atualmente, conta com cerca de 140 empregados e, alem da unidade central administrativa,
tem 12 filiais. Fatura aproximadamente 14 milhoes por ano. Seu ramo de
atividade envolve tecnologia de ponta, especializacao profissional e
forte regulamentacao governamental. Os oito socios-gerentes cuidam,
simultaneamente, da gestao estrategica e operacional. O estatuto social
preve a existencia de quatro diretorias, ocupadas por mandatos eletivos
de 2 anos cada, mas nao a existencia do cargo de presidente ou de
executivo-chefe.
No Boletim Estatistico das Micro e Pequenas Empresas do 1[degrees].
semestre de 2005, publicado pelo SEBRAE, consta que, em 2002, no Brasil,
67% dos empregos formais pertenciam ao segmento das micro, pequenas e
medias empresas (PMEs). Dai se depreende a importancia do segmento para
a estabilidade economico- social do Pais. Por outro lado, dados da
pesquisa realizada tambem pelo SEBRAE no primeiro trimestre de 2004
revelam as alarmantes taxas de mortalidade das empresas desse
segmento--cerca de metade delas morre com ate dois anos de existencia, e
por volta de 60% morrem antes de completar quatro anos. Nessa pesquisa,
61,5% das causas citadas pelos empreendedores que fecharam suas portas
referem-se a falta de capital de giro, impostos altos, falta de
clientes, concorrencia e baixo lucro. Ainda de acordo com dados do
SEBRAE (2004), 56% das micro, pequenas e medias empresas sao registradas
com um ou mais socios. No entanto, em nenhum momento as discordancias ou
conflitos entre os socios aparecem como causa de mortalidade das
empresas.
Rahim (2002), entre outros, tem se dedicado a propor quadros de
referencia teoricos e a desenvolver metodologias e processos capazes de
transformar o conflito interpessoal em instrumento de crescimento e
desenvolvimento empresarial. Um dos quadros de referencia teoricos
disponiveis envolve as tecnicas do sociodrama, notadamente a matriz de
identidade e o desenvolvimento da resposta espontanea, lancadas por
Moreno (1983, 1997), e, ainda, a teoria dos papeis, do mesmo autor,
complementada por Bustos (1980). Essas tecnicas podem ser adequadas ao
tratamento e gerenciamento dos conflitos de natureza acima descrita. Os
instrumentos baseados nesses aportes teoricos, reunidos em uma
metodologia especifica--o sociodrama-- , favorecem o desenvolvimento da
conscientizacao e compreensao dos individuos e de suas relacoes consigo
mesmos e com o ambiente que os cerca.
2. REVISAO BIBLIOGRAFICA
2.1. Conflito
O conflito e inerente ao ser humano, pois faz parte da historia do
seu desenvolvimento e de sua evolucao. Existem estudos sobre conflitos
desde a Grecia Antiga, mas somente a partir do seculo XX os estudos
sistematicos sobre o tema tiveram sua importancia realcada. March e
Simon (1981:160) reconhecem a variedade de empregos dados a palavra
"conflito", mas o definem como "um colapso nos mecanismos
decisorios normais, em virtude do qual um individuo ou grupo experimenta
dificuldades na escolha de uma alternativa de acao".
Esses autores classificam os conflitos em tres tipos: individuais
(internos), organizacionais (entre individuos ou grupos participantes de
uma organizacao) e intraorganizacionais (entre organizacoes ou grupos).
Para esses autores, quanto mais escassos forem os recursos, maior sera a
disparidade entre os anseios e a possibilidade de realizacao. Assim, as
possibilidades de conflito aumentam em momentos de crise economica e
decrescem em periodos de bons negocios e resultados.
No que se refere as causas do conflito organizacional, March e
Simon (1981) citam a necessidade de decisoes colegiadas, a
interdependencia tanto nas atividades quanto nos recursos de utilizacao
compartilhada, os diferentes objetivos e metas de cada um, as diferencas
de personalidade, bem como as diferencas de percepcao e de informacoes
recebidas. A ocorrencia de um ciclo de frustracoes, como consequencia de
ma interpretacao ou incompreensao dos interesses ou necessidades das
partes, pode constituir forte fonte de conflito.
Alem disso, convem salientar o vinculo entre aspectos culturais e
conceitos que estao no amago do comportamento individual em situacoes
grupais, como e o caso da assertividade. Sobre ela, Srour (2003:286)
comenta alguns aspectos culturais do povo brasileiro que o "[...]
leva a praticar a nao assertividade 'nao convem falar certas
coisas', que contorna todas as questoes delicadas, coloca panos quentes, ressalta virtudes, omite vicios ou insuficiencias, evita
criticas para nao comprometer as relacoes interpessoais".
Reforcando essas crencas, observa-se que "a nao assertividade nas
relacoes interpessoais, reforcada pela pratica da cooptacao e pela troca
de favores" (SROUR, 2003:250) constitui um importante padrao
limitador para o desenvolvimento da gestao empresarial contemporanea.
Para Bedell e Lennox (1997) existem os comportamentos assertivo,
agressivo e passivo ou nao assertivo. No comportamento assertivo, as
pessoas assumem posicoes que beneficiam ambas as partes, mediante uma
postura de consideracao pelos desejos e interesses dos outros e de si
proprias; falam de forma direta e clara de seus sentimentos, desejos e
expectativas; comportam-se de forma adequada socialmente. No
comportamento agressivo, as pessoas apresentam-se socialmente
inadequadas; falam, quando o fazem, de maneira indireta e ambigua de
seus sentimentos, desejos e expectativas, e preocupam-se apenas com seus
proprios desejos e nem um pouco com os desejos dos outros. No
comportamento passivo, as pessoas abrem mao de seus desejos em prol dos
desejos dos outros e manifestam inadequadamente seus sentimentos,
desejos e expectativas.
E importante diagnosticar o conflito nao somente pela analise de
suas causas, mas tambem pelo nivel de intensidade que ele pode alcancar.
Hodgson (1996) apresenta nove niveis para descrever os estagios que o
conflito pode alcancar: nivel 1: discussao--fase inicial da divergencia,
normalmente apresenta-se de forma objetiva e racional; nivel 2:
debate--a objetividade e a racionalidade comecam a ser reduzidas e, em
geral, as pessoas tentam enquadrar os interlocutores em padroes de
comportamento que acreditam ser os corretos; nivel 3: facanhas--fase da
perda de confianca, quando o caminho escolhido pela outra parte nao e
confiavel; nivel 4: imagens fixas--englobam preconceitos e preconcepcoes
relativas a parte adversaria, a objetividade e a racionalidade sao
minimas, as posicoes comecam a se mostrar inflexiveis; nivel 5: loss of
face--as posicoes comecam a se radicalizar, as pessoas assumem posicoes
rigidas e nao se abrem, com medo de ficar "com a cara no
chao"; nivel 6: estrategias--aparecem as ameacas, as relacoes se
caracterizam por demandas e punicoes, a irracionalidade domina as
partes; nivel 7: falta de humanidade--aparecem os comportamentos
destrutivos e, consequentemente, a perda de caracteristicas
humanitarias; nivel 8: ataque de nervos--o posicionamento ja e de ataque
e contra-ataque, as motivacoes incluem autopreservacao e destruicao;
nivel 9: ataques generalizados--o unico caminho e a solucao ganha-perde.
2.2. Psicodrama e sociodrama
O psicodrama surgiu em 1921, em Viena, com o trabalho de um medico romeno la radicado, Jacob Levy Moreno. Seu campo experimental eram
sessoes publicas, nas quais conduzia um tipo de representacao teatral
bastante diferenciado do teatro convencional da epoca. Ele o chamava de
teatro da espontaneidade. Nessas sessoes, os atores profissionais
improvisavam suas falas, expressoes e atitudes no palco. Cada um
recebia, como instrucao, apenas informacoes sobre as caracteristicas
principais do personagem e de suas relacoes dramaticas, assim como as
linhas gerais dos eventos que constituiriam a cena a ser representada.
Nao havia um roteiro detalhado nem um script das falas de cada ator,
como acontece no teatro convencional (SOEIRO, 1995). Ou seja, na
vivencia dos papeis da cena esbocada (pai, mae, tio, cavalo do vizinho),
os atores procuravam experimentar a situacao, representando seus papeis
de improviso, com falas e movimentos espontaneos, buscando achar uma
solucao para o problema da cena. Apos a vivencia desses papeis, Moreno
compartilhava com atores e plateia as sensacoes, sentimentos, emocoes e
caracteristicas do desempenho dos personagens participantes da cena.
A partir de varios depoimentos dos atores e da plateia, Moreno
percebeu que aquela atividade, vivida daquela forma e naquelas
circunstancias, fazia com que os participantes relatassem percepcoes,
compreensoes e descobertas sobre si mesmos ate entao desconhecidas. Alem
disso, sentiam-se fisicamente revigorados e psicologicamente mais
relaxados. Havia, portanto, um efeito terapeutico. A partir dessas
observacoes, formulou sua teoria do papel psicodramatico (MORENO, 1997).
Papel, porque as pessoas estavam representando uma cena; psicodramatico,
porque a psique de cada participante estava ali, em acao (drama). Ele
teorizou propondo que o Eu de cada pessoa era formado por um conjunto de
papeis que ela representava, sucessiva e cotidianamente, ao longo de sua
vida. Esses papeis podiam ser bem ou mal representados, agradaveis ou
nao, adequados ou nao. Buscando compreender as causas dessas e de outras
dicotomias no desempenho de papeis, Moreno formulou conceitos como os de
categoria do momento, tele, possibilidade do encontro e muitos outros.
Formulou hipoteses de relacionamento dinamico entre esses conceitos e
criou tecnicas de capacitacao para desempenho de papeis (treinamento de
papeis).
Em suas discussoes sobre papeis, Moreno se referia a um
conglomerado (cluster) de papeis, culturalmente reconhecido e objeto de
consenso social (STERNBERG; GARCIA, 2000). Ele tambem afirmou que cada
papel era composto de dois componentes de origens diversas: um coletivo,
isto e, compartilhado por todos, e um outro exclusivamente pessoal.
O componente coletivo e constituido daqueles aspectos
comportamentais que fazem parte inalienavel do papel. Por exemplo, o
papel de professor retem algumas caracteristicas de desempenho esperadas
de todos os professores, no exercicio de sua profissao: conhecimento da
disciplina que ministra, capacidade de transmissao de conteudos para
seus alunos, senso de justica na avaliacao dos alunos, etc. Ja o estilo
unico de cada professor se apresentar, os recursos pedagogicos que
utiliza e o clima afetivo que estabelece com os alunos fazem parte do
que Moreno classifica como componente pessoal do papel (STERNBERG;
GARCIA, 2000). A partir dessa concepcao original, alem do psicodrama,
destinado a tratar dos aspectos ligados ao componente pessoal desses
papeis, Moreno criou o sociodrama, indicado para lidar com o componente
coletivo e, portanto, social dos papeis.
2.2.1. Espontaneidade e criatividade
A nocao de espontaneidade esta relacionada a maneira pela qual
algumas pessoas, em determinadas circunstancias, conseguem se expressar
ou agir de maneira adequada ao momento, diferenciada e peculiar. Tal
forma de se expressar ou agir transforma a situacao daquele momento
sempre em algo melhor, mais produtivo e prazeroso. Moreno percebeu a
necessidade de investigar sistematicamente essa nocao, buscando
consolidar um conceito capaz de se articular com as outras categorias
analiticas. Em sua investigacao, ele chama a atencao para dois aspectos
importantes, presentes na nocao de espontaneidade: a possibilidade de
exercicio de arbitrio na escolha da acao e a capacidade intuitiva para
fazer a melhor escolha, tendo em vista a adequacao dessa acao numa
situacao conflituosa.
Moreno sublinhou, tambem, que cada individuo chega ao mundo com um
acervo de espontaneidade a sua disposicao, para dar vazao a sua
capacidade criativa, e conceitua espontaneidade como: "a resposta
adequada a uma nova situacao ou a nova resposta a uma situacao
antiga" (MORENO, 1974:58). Depois, circunstancia mais essa nocao,
mostrando que toda resposta a uma situacao nova demanda "senso de
oportunidade, imaginacao para a escolha adequada e originalidade de
impulso proprio em emergencias" (MORENO, 1997:143). Chama de
"fator e" ou "funcao e" a esse conjunto de
possibilidades e propriedades presentes no estado de espontaneidade.
Moreno observou tambem que, apos fazerem uso desta circunstancia
para construir suas obras, os seres humanos tendem a instituir normas
estaticas de conduta e expressao, dando origem ao que ele chamou de
"conservas culturais" (MENEGAZZO; TOMASINI; ZURETTI, 1995:62).
A conserva cultural pode ser vista como o resultado da acao criadora, ou
seja, um produto, uma ideia, um conjunto de processos que, depois de
criados, permanecem cristalizados durante algum tempo, como um acervo da
sociedade onde foi gerado ou apresentado e aceito. Nessa perspectiva, o
comportamento moral, a obra de arte ou o paradigma cientifico sao
percebidos como conservas culturais, da mesma forma como o sao os papeis
sociais que cada ser humano desempenha em sociedade. Essas conservas
culturais formam a base de sustentacao da cultura de um povo e sao elas
que garantem sua sobrevivencia e sustentabilidade.
Por outro lado, o desenvolvimento das sociedades e das civilizacoes
somente se viabiliza quando a espontaneidade humana utiliza suas
potencialidades criativas, rearticulando e transformando essas conservas
culturais. Moreno reconhece, contudo, que a maior parte dos individuos
valoriza mais as conservas culturais do que a espontaneidade, porque
elas sao a garantia da estabilidade, da identidade e da certeza sobre a
existencia pessoal e social. A preferencia pela conserva relega a
espontaneidade a um segundo plano na vida cotidiana. Em alguns casos
extremos de desvalorizacao, a espontaneidade pode ser vista como algo
inadequado e perigoso para as instituicoes vigentes. Essa desvalorizacao
do estado espontaneo decorre, segundo Moreno, do processo de
cristalizacao das conservas culturais, que sugerem a perfeicao e a
completude do ato criador finalizado.
O equilibrio funcional da relacao entre espontaneidade e conserva
cultural cristalizada e uma das metas da teoria e da pratica
sociodramaticas.
2.2.2. Matriz de identidade, locus e status nascendi
Das investigacoes realizadas por Moreno, emergiu uma importante
nocao psicodramatica conhecida como "categoria do momento". O
momento, para ele, acontece quando se dilui a linha que divide o passado do futuro. E nesse intervalo indefinido que emerge e se desenrola o ato
criador espontaneo do agente. Ato que inova, modifica e transforma a
conserva cultural que o proprio agente contribuiu para formar e
cristalizar. No momento moreniano, tudo esta sendo, nada foi ou sera
(BUSTOS, 1980). A validade da existencia acontece apenas no momento.
Para ter uma boa visao da estrutura de um evento passado, pessoal ou
social, e preciso traze-lo para o momento. A partir dessa concepcao da
categoria do momento fica mais facil perceber o ponto de vista de onde
Moreno se coloca e reconhecer os tres pilares que vao sustentar todo ato
ou conceito psicodramatico e sociodramatico. Esses pilares sao: a) a
nocao de que tudo no universo tem uma matriz, de onde se originou--a
"matriz" identifica, de forma singular, o ator dramatico, bem
como todo evento social ou natural, em desenvolvimento; e tambem chamada
de matriz de identidade, isto e, a fonte original que permite descrever
e caracterizar univocamente a pessoa, a acao ou o evento dramatico; b) a
matriz de cada coisa existe em um lugar, reconhecivel pelas
condicionantes que o determinam--a esse lugar Moreno chamou de locus; c)
o terceiro pilar e a nocao de status nascendi, que denomina um processo
de crescimento, de transformacao, de transfiguracao ou evolucao. As
acoes espontaneas buscadas no processo terapeutico, individual,
organizacional ou pedagogico se estruturam buscando apoio nestes tres
pilares: status nascendi, locus e matriz de identidade.
Assim, no ambiente organizacional, a intervencao sociodramatica
dedica grande atencao a esses parametros originais. No que se refere aos
conflitos, sua analise e avaliacao qualitativa sao fundamentais para sua
superacao. As acoes espontaneas serao buscadas e tratadas por meio da
investigacao dessas dimensoes (locus, status nascendi e matriz de
identidade), em suas circunstancias reais. Fundamentando-se nessas tres
dimensoes, Moreno desenvolveu as tecnicas operacionais basicas do
psicodrama e do sociodrama, que tem por objetivo o desenvolvimento da
matriz de identidade do individuo, da circunstancia ou do evento
problematico que precisa ser tratado, administrado ou equacionado.
No desenvolvimento da matriz de identidade ele observa a existencia
de cinco fases. Elas sao, entao, condensadas num conjunto de tres
estagios diferenciados. A identificacao clara desses estagios e
importante para que se possa compreender as caracteristicas ou
condicionantes da matriz do problema em estudo. Essa compreensao e a
unica garantia de que a aplicacao das tecnicas sociodramaticas sera
feira no momento adequado, de sorte a viabilizar a espontaneidade e o
conteudo inovador para o grupo e seus participantes. Quando essas
condicoes de aplicacao das tecnicas sociodramaticas prevalecem na
categoria moreniana do momento, surgem oportunidades, para todos os
componentes do grupo, de compreensao, insight e desenvolvimento dos
papeis sociais.
No modelo psicodramatico que Moreno utilizou para desenvolver a
teoria dos papeis, a primeira fase da matriz de identidade e, tambem, o
primeiro estagio. Ele acontece logo apos o nascimento, quando a crianca
ainda nao se diferencia da mae ou do resto do mundo. Nessa fase, a
crianca depende totalmente dos cuidados de alguem que cumpra, por ela,
todas as tarefas que permitem e asseguram sua sobrevivencia. Ela se
encontra no caos, sem qualquer possibilidade de distinguir, entender ou,
mesmo, conscientizar-se de suas necessidades. Portanto, ela precisa ser
alimentada, limpada, cuidada, aquecida, etc. Nesse caso, a mae atua como
se fosse um duble de cinema; em razao dessa semelhanca de papeis, Moreno
chama essa fase de "estagio do duplo". A crianca precisa ter
um duplo--duble--para sobreviver. Moreno deu o nome de duplo a tecnica
criada para lidar com essa fase-- ela e realizada durante o
desenvolvimento de uma cena, paralelamente ao transcorrer desta. Bustos
(1997:28) descreve a tecnica do duplo como a "criacao de um espaco
reflexivo, com a finalidade de ajudar o protagonista a dominar aspectos
de si mesmo sobre os quais tem poucos e pequenos insights".
A segunda fase e o momento no qual "a crianca concentra sua
atencao em outra pessoa e estranha parte de si mesma" (MORENO,
1997:112). Para melhor explicar esse estagio, Goncalves, Wolf e Almeida
(1988:61) dizem que "a crianca concentra a atencao no outro,
esquecendo-se de si mesma" e relatam uma metafora, na qual a
crianca se olha na agua ou no espelho e isso a atrai, mas ela nao
compreende que aquela imagem visualizada e a sua propria. Entao, ela
comeca a se movimentar, fazer caretas, etc., repetindo isso inumeras
vezes, estranhando tudo aquilo e observando a reacao da imagem no
espelho ou na agua. Ate que, finalmente, percebe tratar-se de si mesma
e, nesse momento, ocorre um importante salto em seu desenvolvimento e em
sua percepcao da propria identidade.
Na terceira fase, a crianca faz o movimento contrario e concentra a
atencao nela mesma, desprezando o outro. Moreno mesclou as duas fases--a
segunda e a terceira-- no segundo estagio de desenvolvimento da matriz,
que foi chamado de "estagio do espelho". A tecnica
desenvolvida para lidar com esse estagio e a do "espelho",
pois, de acordo com Goncalves, Wolf e Almeida (1988:88), "apesar de
nao ter um espelho real", o protagonista "ve seu comportamento
como num espelho, atraves de um ego auxiliar, que o representa no
cenario". Dessa forma, ele assiste ao desempenho do ego auxiliar,
que toma seu lugar na dramatizacao, procurando representar o papel do
protagonista na cena, tal como ele mesmo o descreveu. Essa tecnica
oferece ao protagonista e ao publico grandes possibilidades de insight e
compreensao da adequacao dos papeis vivenciados na acao.
Na quarta fase, a crianca ja se reconhece e reconhece o outro
concomitantemente, arrisca-se a vivenciar o papel do outro, mas nao
admite que o outro possa representar o seu papel. E, finalmente, na
quinta fase, ela nao so reconhece mas tambem inverte os
papeis--representa o papel do outro e aceita naturalmente que o outro
represente o seu papel. As quarta e quinta fases foram condensadas no
"terceiro estagio" de desenvolvimento da matriz, que e a fase
da "inversao de papeis". Esse estagio fundamenta a tecnica de
inversao de papeis, na qual os sujeitos vivenciam um o papel do outro.
Assim, os dois podem realmente aprofundar a compreensao um do outro,
olhar o outro com o olhar dele e ser olhado pelo outro com o seu proprio
olhar, viabilizando o verdadeiro encontro de dois, ou seja, participando
de uma forma de relacionamento com empatia reciproca. Moreno chama esse
tipo de relacionamento possivel e raro de "tele". Esses tres
estagios que Moreno identificou no desenvolvimento do eu infantil estao
presentes tambem na teoria que da sustentacao a intervencoes
sociodramaticas em grupos sociais.
2.2.3. A teoria dos papeis
A teoria dos papeis representa uma das contribuicoes teoricas mais
importantes para a analise e operacionalizacao de processos e tecnicas
dramaticas. Para Moreno (1997), o papel e a maneira pela qual um
individuo se comporta ou age, em resposta a uma situacao que envolva seu
relacionamento com outras pessoas, objetos, simbolos ou situacoes.
Moreno afirma que o conceito de papel vai muito alem de um script
social tacitamente reconhecido pelos membros de uma comunidade. "O
papel e conhecido como o fator individual mais importante na
determinacao da atmosfera cultural da personalidade" (MORENO,
1974:56). Para cada uma das dimensoes do eu, ou grupo de papeis, ele
propoe que se investigue a percepcao que as pessoas tem dos papeis nos
quais atuam, a presenca ou ausencia de espontaneidade no desempenho
desses papeis e o que existe obrigatoriamente de conserva cultural nos
seus scripts. Ou seja, uma das categorias analiticas mais importantes
para a avaliacao do desempenho de papeis e a identificacao tanto
daqueles papeis que permitem a espontaneidade e a criatividade, quanto
da medida em que esses papeis facilitam ou dificultam os processos de
mudanca.
Moreno identifica tres fases ou etapas subsequentes na interacao
das pessoas com seus papeis. A primeira fase chamou de tomada de papel
(role taking), que representa o momento ou periodo de tempo em que o
individuo se apropria de um papel estabelecido, no qual ele tem pouca ou
nenhuma liberdade para fugir ao script. Numa segunda fase, chamada de
jogo de papeis (role playing), ja existe um grau maior de liberdade para
fugir ao script. Finalmente, na terceira fase, chamada de criacao de
papeis (role creating), o individuo tem um grau de liberdade elevado
para interpretar criativamente seus papeis, o que permite que sua
espontaneidade natural flua.
2.2.4. O encontro psicodramatico e sociodramatico
Existe um conjunto de procedimentos estruturados que orientam a
realizacao de uma sessao, constituido basicamente dos instrumentos e de
suas respectivas funcoes, das etapas a serem galgadas e da utilizacao de
tecnicas dramaticas.
2.2.4.1. Os instrumentos e suas respectivas funcoes
Os procedimentos dramaticos incluem cinco elementos: o
protagonista, a plateia ou publico, o cenario, o ego auxiliar e o
diretor.
O termo "protagonista" advem do teatro grego e quer
dizer, "etimologicamente, aquele que se oferece a acao em primeiro
lugar" (MENEGAZZO; TOMASINI; ZURETTI, 1995:172). O protagonista
emerge do grupo espontaneamente. Em torno dele e centralizada a acao
dramatica. Ele "traz o tema para desempenhar e, ao mesmo tempo, o
desempenha. E, pois, autor e ator" (BERMUDEZ, 1970:21). O
protagonista simboliza os sentimentos, anseios, incomodos e preocupacoes
presentes no grupo e recebe deste autorizacao para representa-lo.
O segundo instrumento do psicodrama e a plateia, composta dos
demais integrantes do grupo. A plateia assiste a cena, observa e se
solidariza com o protagonista, vivencia internamente aqueles sentimentos
e, depois, no momento do compartilhamento da acao encenada, funciona
como uma "caixa de ressonancia ou tornando-se ela mesma o
protagonista coletivo" (GONCALVES; WOLF; ALMEIDA, 1988). O terceiro
elemento da cena dramatica e o cenario. O cenario ou palco e um espaco
real, uma vez que contem objetos fisicos. E tambem um espaco virtual,
onde cada um desses objetos fisicos pode vir a ser o que a cena
psicodramatica necessitar para sua realizacao. Nesse espaco cada objeto
pode ser renomeado e redefinido. Ele pode vir a ser uma pessoa, um
objeto fantastico, uma voz ou um sentimento. O cenario onde ocorre a
cena dramatica e percebido ao mesmo tempo como objetivo e como
subjetivo. O quarto instrumento do psicodrama e o ego auxiliar. Cabe ao
ego auxiliar participar da cena dramatica desempenhando duas funcoes
claramente definidas: ajudante do diretor da cena e auxiliar do
protagonista. O quinto instrumento do psicodrama e o diretor. De acordo
com Moreno (1997), ele tem tres funcoes: de produtor, de terapeuta
principal e de analista social. 2.2.4.2. As etapas da sessao
sociodramatica
Na conducao de uma sessao psicodramatica ou sociodramatica, e
possivel perceber tres etapas distintas, sucessivas e de duracao
variavel: o aquecimento, a dramatizacao e o compartilhamento.
A etapa de aquecimento tem esse nome por analogia com o necessario
aquecimento muscular de um ginasta ou do motor para atingir as condicoes
adequadas de operacao continua. E a preparacao do grupo e de seus
participantes para entrarem em contato consigo mesmos e com a situacao
que precisa emergir para ser trabalhada. O aquecimento costuma ser
dividido, conforme sua orientacao, em inespecifico e especifico. Quando
o diretor estimula um bom aquecimento inespecifico, emerge o tema do
grupo e, a seguir, aparece aquele que vai protagonizar esse tema. O
aquecimento especifico e a preparacao do protagonista para dramatizar.
Bermudez (1970:26) diz que o aquecimento especifico "corresponde ao
conjunto de procedimentos destinados a preparacao do protagonista para
que este se encontre nas melhores condicoes para dramatizar".
A segunda etapa da sessao sociodramatica constitui a essencia que
caracteriza tanto o psicodrama como o sociodrama. Aqui, no cenario, o
protagonista, devidamente preparado, vivencia uma cena que contem o tema
do grupo, seus dilemas, duvidas, incertezas, preconceitos, relacoes,
sensacoes, sentimentos e intuicoes. O diretor utiliza, nesta etapa,
tecnicas apropriadas para estimular o protagonista a elaborar novas
compreensoes sobre a cena e liberar sua espontaneidade na solucao dos
dilemas. Finalmente, a terceira etapa da sessao dramatica e a do
compartilhamento. Ela ocorre apos o encerramento da dramatizacao pelo
protagonista. O diretor estimula o protagonista e o publico presente a
compartilhar o aprendizado e as compreensoes conseguidas no processo,
assim como os sentimentos e emocoes que estiveram presentes, ressaltando
aspectos que propiciam o desenvolvimento individual e grupal.
2.2.4.3. As tecnicas sociodramaticas
Sao inumeras as tecnicas utilizadas no psicodrama e no sociodrama.
De acordo com Bustos (1997:17), "As tecnicas psicodramaticas
tiveram tal grau de expansao que muitas pessoas que as utilizam, ate
chegam a desconhecer o autor das mesmas. Isso e um triunfo, ja que a
validade de um instrumento e dada pela medida de sua absorcao por
outros". As tres tecnicas basicas ja foram descritas acima, no
subitem relativo a matriz de identidade: duplo, espelho e inversao de
papeis. Elas fundamentam todas as demais, que contem, pelo menos, o
principio de alguma delas.
Entre as demais inumeras tecnicas existentes, e importante enfocar
a utilizacao de objetos intermediarios, poderoso recurso nas sessoes
sociodramaticas. Sua utilizacao tem por objetivo facilitar a comunicacao
e a expressao de qualquer participante da sessao. Esse recurso consiste
em atribuir a um objeto qualquer, presente no cenario da cena dramatica,
uma identidade nova e alguma faculdade humana, como: falar, raciocinar,
escutar, sentir, emocionar-se, etc. Quando o diretor da cena percebe que
os participantes do grupo ou o proprio protagonista estao posicionados
em um campo tenso que dificulta a comunicacao, ele utiliza um objeto
intermediario para conseguir um ambiente mais relaxado. Exemplificando,
na fase de aquecimento especifico o diretor pode escolher uma das
cadeiras da sala para ser entrevistada por ele e solicitar a um dos
participantes que seja a "voz" da cadeira, que responda por
ela. Schmidt (2006) refere-se a Bermudez como introdutor do termo objeto
intermediario e informa que ele propos esse nome por causa de sua
possibilidade de intermediar a passagem do estado de alarme, no campo
tenso, para o campo relaxado. Assim, o objeto intermediario e qualquer
coisa que facilite o contato entre duas ou mais pessoas.
3. METODOLOGIA
Esta pesquisa objetivou descrever a experiencia de uma intervencao
em uma situacao conflituosa entre socios empresariais; portanto, alem da
observacao do desenrolar dos eventos, houve participacao ativa no espaco
social onde se desenrolaram as acoes. Assim, procurou-se encontrar
evidencias qualitativas relevantes que pudessem descrever o evento em
estudo. Com base nessas evidencias, foram sugeridas interpretacoes das
causas e origens dos problemas, bem como das dificuldades de
entendimento sobre determinadas tematicas.
Dessa forma, a abordagem escolhida para a realizacao desta pesquisa
foi a qualitativa, uma vez que esta permite ao pesquisador a compreensao
das perspectivas de uma situacao complexa a partir da visao dos atores
envolvidos (GODOY, 1995). O interesse e verificar como determinado
fenomeno se manifesta nas atividades, nos procedimentos ou nas
interacoes.
A realizacao da pesquisa incluia, necessariamente, acoes
programadas, tendo em vista a mudanca requerida, associadas a construcao
de conhecimentos sobre os amplos aspectos que definem a situacao
estudada. Nesse processo, as partes envolvidas precisavam desenvolver
sua compreensao da situacao vivenciada, a fim de que a mudanca pudesse
ocorrer da forma desejada. O alcance dos objetivos ficou facilitado pela
participacao da pesquisadora, bem como dos agentes sociais foco desta
investigacao, tanto na realizacao das acoes como na discussao dos
problemas identificados. Alem de qualitativa, esta pesquisa
caracteriza-se como descritiva, pois visa descrever como esse evento
complexo foi compreendido e tratado.
A situacao que motivou a presente pesquisa foi o pedido de um dos
socios da empresa em estudo. Preocupado com a situacao da empresa, ele
procurou ajuda com a proposta de que fossem empreendidas acoes
organizacionais que pudessem auxilia-los a melhorar os processos de
gestao, cujos poucos indicadores economico-financeiros conhecidos pela
area estrategica da empresa estavam em declinio. De acordo com seu
relato, a situacao de conflito era tal que os socios nao estavam se
falando ha algum tempo. Na verdade, nao estavam se reunindo nem para
eleger a diretoria, conforme estabelecido no estatuto social. Diversas
outras tentativas, internas ou externas, de reuni-los para discutir
assuntos relacionados a empresa haviam fracassado antes de serem
iniciadas. Diante desse quadro, a fase inicial de levantamento foi
planejada e realizada por meio de entrevistas semiestruturadas com cada
um dos oito socios-gerentes.
As entrevistas realizadas buscaram nao somente levantar as
evidencias para a analise e o diagnostico da situacao, mas tambem
identificar pontos de vista comuns ou convergentes; esses pontos de
vista serviriam de base para uma proposta de acao que pudesse ter
aceitacao geral. A entrevista iniciava-se com o seguinte pedido:
"Por favor, conte a historia da empresa desde quando voce nela
ingressou". A partir das respostas, procurava-se direcionar a
entrevista para explicitar: a) as caracteristicas da atuacao de cada um
deles na empresa; b) como eles se colocavam em relacao a remuneracao que
recebem; c) de que forma percebiam a gestao da empresa; d) o
relacionamento geral entre todos os socios e entre o entrevistado e cada
um dos demais; e) os problemas percebidos e a serem solucionados ou
equacionados com a intervencao; f) a expectativa em relacao a
possibilidade de solucao dos problemas. Em razao da intensidade do
conflito em andamento entre os socios, percebeu-se que nao se poderia
desenvolver qualquer trabalho administrativo ou organizacional sem que,
antes, fosse trabalhada, com os socios conjuntamente, a possibilidade de
abertura inicial de um canal de comunicacao. Dessa forma, foi planejado
e realizado o seguinte roteiro: a) reuniao com os oito socios-gerentes
para apresentar as evidencias obtidas nas entrevistas, o diagnostico da
situacao e as principais recomendacoes para as intervencoes a serem
realizadas; b) realizacao de seis encontros, com os oito socios-gerentes
em conjunto, para aprofundar a sua compreensao das causas percebidas do
conflito e abrir um canal de comunicacao por meio do qual os
participantes pudessem discutir efetiva e abertamente os problemas da
empresa. Para o tratamento e a analise das evidencias coletadas foram
utilizadas as tecnicas sociodramaticas.
4. ANALISE DE RESULTADOS
4.1. Analise das entrevistas e diagnostico para atuacao
Evidenciaram-se duas fontes de conflito: objetivos incompativeis e
recompensas escassas. Os objetivos incompativeis transpareceram quando
dois dos socios expressaram o desejo de realizar investimentos para o
crescimento e desenvolvimento da empresa e acusaram outros de serem
"pequenos" e, portanto, nao terem a ambicao de fazer a empresa
crescer. Sobre o diretor- financeiro, um dos socios disse:
"Contenta-se com pouco e a empresa fica pequena".
As recompensas escassas foram citadas por quase todos os socios,
inumeras vezes, alem do fato de a remuneracao ser desproporcional a
quantidade de trabalho maior que cada um acredita dedicar a empresa, em
relacao aos outros. Isso fica ainda mais claro na declaracao do diretor
financeiro sobre as recompensas escassas: "O relacionamento sempre
foi e esta muito dificil, principalmente por causa de nossa situacao
conjuntural atual, que exige economia e corte de custos". Alem
disso, e razoavel supor que tanto a participacao igualitaria quanto a
nao consideracao das habilidades complementares na formacao da sociedade
contribuiram para o estado conflituoso que os socios, continuadamente,
mencionaram em suas entrevistas.
Vale remeter a Hodgson (1996), que aponta a importancia de
diagnosticar o conflito nao somente pelas causas, mas tambem pelo nivel
de intensidade em que se encontra. Com relacao aos posicionamentos dos
socios sobre essa proposta de niveis de intensidade de conflito, alguns
deles apontaram os niveis 4 e 5: objetividade e racionalidade minimas,
inflexibilidade e inicio de radicalizacao, conforme os repetidos
depoimentos sobre o posicionamento: "A empresa e minha". O
nivel 6, definido pelo inicio de ameacas, tambem esta presente na frase
de um dos socios: "Eu dou porrada nele". Nao foi possivel
identificar, nos depoimentos dos socios, vestigios de ocorrencia do
nivel 7, falta de humanidade, embora os niveis 8 e 9, ataques de nervos
e ataques generalizados, estivessem bem claros. Pode ser citado, sobre o
diretor-tecnico: "Quando tira o dia para xingar pelos corredores...
Ah! meu Deus". Outros depoimentos sao: "O Alfa e o Gama ja
brigaram feio" e "[...] deu uma brigalhada danada por causa de
um projeto que todos aceitaram, mas depois dois deles boicotaram".
Conforme mencionado na Introducao, o eventual fracasso empresarial
tambem tem sido pouco mencionado como consequencia de discordancias e
conflitos entre os socios. O que se encontram, na literatura em geral e
no senso comum, sao posicoes como as apresentadas pelos socios da
empresa, do tipo: "Precisamos organizar e desenvolver a gerencia;
assim acabaremos com os conflitos". Isso pode ser evidenciado nas
respostas dadas a pergunta sobre o entendimento de cada um dos socios
com relacao a identificacao do problema principal pelo qual estavam
passando naquele momento: somente um deles citou o conflito.
Na fase de analise das entrevistas, questionou-se: como efetivar
reorganizacoes ou estabelecer estrategias empresariais em uma situacao
onde os estrategistas nao conseguem se relacionar com um minimo de
racionalidade e objetividade; nao conseguem sequer conversar; trocam
acusacoes pelos corredores da empresa; e envolvem os funcionarios em
suas divergencias, suscitando um clima generalizado de desconfianca?
Cabe mencionar que esses mesmos formuladores das estrategias sao tambem
seus executores, pois ocupam posicoes executivas na organizacao. Assim,
tudo levou a crer que, neste caso, os problemas empresariais provinham
dos conflitos e nao o contrario. Portanto, a forma mais eficaz de buscar
solucao para os problemas da empresa seria pela tentativa de
equacionamento e superacao das posicoes conflituosas.
Uma das primeiras preocupacoes da pesquisa foi quanto a necessidade
de despertar o interesse de todos os socios. Para isso, foram procuradas
evidencias positivas que indicassem alguma area de convergencia, na qual
os socios pudessem se ver ainda capazes de um entendimento, de uma
possibilidade de dialogo. Esta possibilidade lhes permitiria retirar dos
ombros a incomoda carga de responsabilidade e impotencia, percebida em
afirmacoes do tipo: "Estou muito preocupado com a empresa. Nao
suporto mais essa situacao, mas nao sei o que fazer para alterar tudo
isso".
As evidencias positivas realcadas para os socios foram: a) 75%
deles ainda revelaram esperanca de solucao dos problemas e tinham,
vividos, os sonhos iniciais que os levaram a montar a empresa; b) 63%
demonstraram grande orgulho de fazer parte da empresa; e c) 50% falaram
de virtudes existentes nos outros socios. As evidencias coletadas sobre
os sentimentos dos socios em relacao aos demais e a situacao pela qual
estavam passando demonstraram, por sua vez, que: a) todos citaram as
incompreensoes que havia entre eles; b) 75% deles falaram de falhas na
comunicacao e de falta de comprometimento entre eles e com a empresa; e
c) magoas, frustracoes, decepcoes foram citadas por 63% deles, bem como
o incomodo sentimento de que a empresa estava sendo administrada por
feudos.
4.2. Analise dos encontros sociodramaticos realizados
O desenvolvimento dos trabalhos ocorreu como planejado, apos a
realizacao das entrevistas semiestruturadas, ou seja, houve uma reuniao
para apresentar e aprovar, com os socios, o trabalho a ser realizado e 6
encontros sociodramaticos para possibilitar a abertura de um canal de
comunicacao que lhes permitisse retornar aos seus papeis de gestores e
executivos da empresa.
Tanto a reuniao quanto os seis encontros foram programados de
acordo com as fases de desenvolvimento da matriz de identidade. Assim, a
reuniao correspondeu a primeira fase, na qual as pessoas ainda nao sabem
o que esta para acontecer e reagem a esse desconhecimento de forma
caotica. Elas precisam de um "duplo", de uma pessoa que as
oriente com informacoes e colocacoes claras e logicas e que exerca as
funcoes que, nesse momento, nao estao podendo exercer. Dessa forma, na
mencionada reuniao foram apresentadas as conclusoes retiradas das
entrevistas semiestruturadas e feitas as sugestoes de acoes para o
desenvolvimento do trabalho. Assim foi feito.
Como era de esperar, houve na reuniao uma reacao caotica que
precisou ser trabalhada: um dos socios anunciou que estava preparando
uma interpelacao extrajudicial a diretoria financeira, buscando
esclarecimentos sobre os resultados da empresa. Ao final da leitura da
carta, os socios se alteraram, as vozes se elevaram e as acusacoes de ma
gestao financeira de seus respectivos mandatos surgiram. Uma
pesquisadora, atuando entao como diretora sociodramatica, sentiu que
deveria comecar ali mesmo o trabalho de busca de compreensao para a
solucao do conflito, sem deixar que a acao fosse adiada para o primeiro
encontro de trabalho. Ali estava se configurando o que Moreno chamou de
a "categoria do momento", na qual deve ocorrer busca da acao
espontanea, que possibilita a revisao e renovacao do que ele define como
"conserva cultural". A conserva cultural era a bagagem que o
grupo havia acumulado de magoas, decepcoes, desconfiancas e desconfortos
reciprocos, durante sua convivencia na empresa.
Os socios foram, entao, estimulados a continuar na acao dramatica
da explosao, e eles assim fizeram. Porque estavam extremamente
alterados, foi necessario garantir que cada um esperasse o outro
terminar suas observacoes. Alem disso, quando havia falta de
entendimento ou ma interpretacao das falas por parte dos interlocutores,
a pesquisadora intervinha, funcionando como "ponto" da cena,
recuperando o sentido do que estava sendo dito por cada um deles e
procurando esclarecer alguns aspectos tecnico-institucionais que estavam
sendo discutidos. A partir de certo momento, as vozes dos interlocutores
foram, espontaneamente, adquirindo um tom mais proximo da conversa e
mais distante da briga. Dadas as circunstancias, ainda nao havia clima
para exercitar a inversao de papeis no seu sentido pleno: cada um
representando ou vivenciando o papel do outro. Era preciso, entretanto,
leva-los a alcancar uma maior compreensao do posicionamento do outro, e
vice-versa, naquela situacao. Foram estimulados, entao, a se colocar um
no lugar do outro, para responder a questionamentos do tipo: "se
voce estivesse no lugar dele, o que teria feito"? Apos todas as
explicacoes ao longo dessa cena, as acusacoes cessaram. Eles ja
conversavam, e dois deles chegaram mesmo a afirmar a confianca de cada
um na honestidade do outro.
Quanto aos demais socios, logo nos primeiros momentos o ego
auxiliar comecou a explicar-lhes o que estava ocorrendo em termos
metodologicos e emocionais. Durante algum tempo eles prestaram muita
atencao a cena. Aos poucos, todos eles passaram a apresentar uma postura
mais relaxada, comecaram a demonstrar seguranca na atuacao da
pesquisadora e do ego auxiliar e achegaram-se aos protagonistas. Uma
pequena partilha foi realizada. Dessa experiencia dramatica orientada
ficou claro para todos que eles poderiam, em ambiente controlado,
discutir e ate se alterar, sem que isso necessariamente significasse que
tudo terminaria em raiva, odio e malquerenca. Ou seja, naquela reuniao,
embora a cena repetisse as demais--acusacoes, brigas e gritos--, o final
poderia ser de entendimento, de conversa e de negociacao.
O primeiro encontro foi programado e ocorreu com o objetivo de
permitir a atuacao do grupo na segunda fase da matriz de identidade
social do grupo. Trata-se da fase na qual as pessoas devem falar sobre
si mesmas.
Para evitar um clima de "estranhamento", foi pedido que
cada um escolhesse uma figura que representasse seus sentimentos no
momento. Todos escolheram e falaram de seus sentimentos. Alguns
trouxeram sua esperanca no trabalho; outros, sua descrenca; outros, as
dificuldades, a possibilidade de explosao e os esforcos necessarios.
Alfa falou, demonstrando decepcao, desilusao e, ao mesmo tempo, desejo
de que tudo mudasse, de que eles pudessem se entender. Disse ele:
"Todos conversam, mas ninguem se gosta, ninguem tem amizade ou se
relaciona fora daqui". Imediatamente, Epsilon, contrariado com o ar
de desilusao do Alfa, manifestou-se dizendo: "Discordo de voce,
Alfa, isso nao e verdade. Tem aqui a minha comadre, Omega, que eu amo.
Na verdade, eu gosto de todos, eu gosto ate de voce". Alfa,
visivelmente alterado e magoado, retrucou: "Ate de voce, por que?
Quer dizer que voce gosta ate de mim?". Epsilon tambem ficou
alterado, ofendido. Neste ponto, procurou-se perceber se havia surgido
uma possibilidade de dramatizacao. Ou seja, se aquele "gostar ou
nao" era o tema do grupo no momento. Percebeu-se, entretanto, que
nao era possivel levar aquela cena a dramatizacao, ainda em razao da
sensibilidade e do medo que todos demonstraram; percebeu-se, tambem, que
se deveria voltar a essa cena em um encontro proximo, quando o clima
fosse mais favoravel e a situacao estivesse mais controlada.
As atividades foram se desenvolvendo normalmente. Finalmente, foi
solicitado aos socios escolher um pais que pudesse representar a empresa
do jeito que cada um gostaria que ela fosse no futuro. No
compartilhamento da tarefa, verificou-se que, quanto ao pais que
representava a empresa no seu momento atual, com apenas uma excecao --a
Franca (tradicao, valoriza as pessoas, garra, orgulho) --, todos
escolheram paises problematicos--Russia, India, Haiti, Iraque e, tres
dos socios, o Brasil. Sobre cada pais, referiram-se a aspectos
semelhantes a problemas que percebiam e que os incomodavam na empresa,
com expressoes do tipo: "poder comunista, ditatorial";
"sem diretriz"; "cada um puxa para um lado"; "o
todo parece bom, mas dentro esta podre"; "diferencas sociais
enormes"; "superpopulacao"; "sem planejamento";
"pobreza absoluta"; "o povo e grosseiro"; "nao
se organizam"; "um monte de crioulo, rato e barata";
"conflitos e desorganizacao"; "violencia, agressao e
fanatismo".
A compreensao que surgiu, no compartilhamento, disse respeito ao
momento atual dificil e conflituoso da empresa. No entanto, com relacao
ao futuro, dois dos socios foram enfaticos sobre a necessidade de fazer
a empresa crescer e quatro deles insistiram em mante-la pequena. De
qualquer forma, todos demonstraram muita confusao sobre o que eles
realmente desejariam mudar em si mesmos para conseguir mudar a empresa,
seja no sentido de aprender a administra-la, seja na perspectiva de se
abrirem para a busca de consenso. A sensacao final, relatada na
despedida desse encontro, foi de esperanca de melhora.
O segundo encontro foi programado e ocorreu de forma a trabalhar e
ultrapassar a terceira fase de desenvolvimento da matriz de identidade
social do grupo. Nela, as reacoes das pessoas sao de autoconcentracao e
desprezo pelos outros. Elas resistem aos outros e as normas e regras
estabelecidas. Ainda e necessario que as pessoas falem de si, alem de
escutarem os outros falar delas.
Na "retirada do estranhamento", cada um falou de seu
estado de animo, de seus sentimentos. Quase todos se colocaram como
esperancosos com os resultados do trabalho, e um deles ja havia comecado
a notar algum tipo de diferenca no relacionamento deles.
As atividades foram se desenvolvendo normalmente, buscando o
conhecimento e a compreensao das diferencas individuais, ate que se
percebeu que deveria ser trazida a tona a cena nao vivenciada no
primeiro encontro, quando Epsilon havia dito a Alfa: "Eu gosto ate
de voce", e Alfa havia ficado muito magoado. Para trazer de volta a
cena, a pesquisadora decidiu que ela e o ego auxiliar deveriam
representa-la dramaticamente, utilizando a tecnica do
"espelho". Explicou o que estava para acontecer. Os socios
ficaram atentos e curiosos sobre o desenrolar da cena. Estavam
totalmente envolvidos no momento. O nivel emocional se elevou
sobremaneira.
Apos a representacao da cena, foi pedido a Epsilon e a Alfa que se
levantassem, ficassem frente a frente e continuassem aquela conversa.
Alfa gostaria de perguntar alguma coisa a Epsilon e vice-versa? Alfa
olhou para Epsilon e perguntou: "Por que voce disse gosto ate de
voce?" Epsilon respondeu: "Porque no dia da comemoracao de
cinco anos da empresa, nos estavamos num restaurante. Parecia que tudo
era alegria. De repente, nao sei por que, voce se levantou, foi perto de
mim e disse que nao gostava de mim. Eu tinha bebido e ate hoje nao sei o
que eu fiz pra voce me dizer aquilo". Epsilon, muito emocionado,
continuava a falar aos outros sobre o dia em questao. Alfa disse, entao,
que nao se lembrava de nada disso, que nao guardava rancores.
Apos falarem tudo o que podiam sobre o que ocorreu, foi perguntado
a Alfa se ele gostaria de dizer alguma coisa a Epsilon, agora que
conhecia a sua magoa de 15 anos. Alfa disse que sim. Gostaria de dizer
que lamentava muito mesmo e que, na verdade, ele gostava de Epsilon. O
fato de terem se permitido falar durante a cena sobre o assunto, mesmo
que superficialmente, contribuiu para melhorar seu relacionamento a
partir dai. Pelo menos, pode-se perceber que as tensoes arrefeceram. O
final da dramatizacao culminou com o final do encontro. Todos foram
estimulados a dizer, em uma palavra, como estavam se sentindo. A palavra
"aliviado" foi a mais pronunciada. Notou-se a existencia de um
estado mais alegre em todos os participantes.
O terceiro encontro representa a quarta fase de desenvolvimento da
matriz de identidade social. As pessoas ja reduziram suas resistencias
maiores. Ja aceitam vivenciar--compreender--o papel do outro, mas ainda
nao admitem que o outro possa vivenciar o seu papel.
Embora houvesse resistencia de dois dos socios, um dos quais havia
faltado, o encontro seguiu seu ritmo normal, conforme planejado. A
atividade principal do encontro era conscientiza-los sobre suas
possibilidades de trabalhar entrosados, integrados e complementando-se
mutuamente.
Tratava-se de separa-los em duplas e cada dupla tinha que desenhar
uma parte de um corpo humano--cabeca, tronco, membros inferiores e
membros superiores. Cada dupla foi para um lugar diferente, a fim de
receber as instrucoes e realizar a atividade. Eles nao sabiam que o
desenho final seria um corpo humano. Uma dupla nao sabia o que a outra
estava desenhando. Psi e Alfa ficaram juntos para desenhar o tronco;
Omega e Epsilon deviam desenhar os bracos; Delta e Gama assumiram o
desenho das pernas; e Teta, o desenho da cabeca. Foi entregue a cada
dupla uma folha de papel A4, sem qualquer indicacao do tamanho que cada
parte teria. Ao final do exercicio, foi-lhes dito que deveriam recortar
suas respectivas partes. Quando se uniram de novo, na sala dos
trabalhos, tiveram que colar suas partes num so papel e formar o desenho
de um ser humano. Ao juntarem as partes do desenho ficaram
impressionados, pois as proporcoes combinavam quase 100 %. Apenas a
cabeca que Teta desenhou era maior que o desenho global, mas o pescoco
se encaixava e ela nao chegou a destoar.
Para surpresa da pesquisadora e do ego auxiliar, eles haviam levado
um filme para ver no DVD da empresa, juntos, uma vez que aquele dia era
feriado.
O quarto encontro foi programado e ocorreu de forma a trabalhar e
ultrapassar a quinta fase de desenvolvimento da matriz de identidade
social do grupo. E a fase da inversao de papeis, na qual as pessoas/o
grupo ja podem atingir niveis mais elevados de compreensao umas das
outras.
Apos as atividades normais de aquecimento, a atividade principal
tinha o objetivo de conscientiza-los da visao positiva que tinham de si
mesmos e de cada um dos demais socios. Para isso, eles deveriam escolher
um dos desenhos oferecidos, representando os componentes de uma arvore:
raiz, tronco e folha. Apos as escolhas, o ego auxiliar expos a
importancia da representacao da arvore para a vida, bem como de cada um
daqueles componentes para a sobrevivencia da arvore. Estava-se, dessa
forma, utilizando-se da metafora da arvore-empresa como uma visao
empresarial sistemica preliminar. A conscientizacao dos socios de que
cada componente- pessoa tinha uma funcao vital para a arvore-empresa e
de que essa funcao era diferenciada das demais foi imediata.
Pediu-se que os socios escrevessem seus nomes nos desenhos
escolhidos. Ao lado do desenho, escreveram a mais importante qualidade
que julgavam ter. No partilhar, responderam as seguintes perguntas: (a)
Em que momentos essa qualidade e mais presente na sua vida?; (b) Voce
tem esta qualidade desde quando?; e (c) O que esta qualidade tem trazido
para voce? Imediatamente apos as respostas, cada um deles passou a ouvir
as respostas dos demais socios a seguinte pergunta: Voce ja usufruiu,
profissionalmente, dessa qualidade do colega? Como e quando?
A maioria deles trouxe a memoria momentos de luta e uniao entre
eles; momentos bons e fortes foram relembrados; momentos de admiracao
reciproca foram relatados. Embora tenham sido registradas algumas leves
criticas e desacordos, o clima emocional atingiu niveis altos. Alguns se
permitiram chorar com essas doces lembrancas. O encontro terminou dessa
forma.
O quinto encontro foi programado e ocorreu de forma que reforcasse
a fase de inversao de papeis da matriz de identidade social do grupo,
para que os socios pudessem aprofundar os niveis de entendimento e
compreensao um do outro.
Na atividade principal, o ego auxiliar leu a selecao previa que
havia feito dos comentarios elogiosos que cada um recebeu de feedback em
todos os encontros ate entao. Apos a leitura, foi-lhes perguntado sobre
suas lembrancas desses comentarios. Disseram que lembravam, sim, e ate
os contextualizaram, rememorando as situacoes e as palavras exatas. O
ego auxiliar comentou que era muito bom eles se lembrarem, ate com
detalhes, dos comentarios elogiosos, mas era tambem muito importante que
se lembrassem das criticas e do que precisava ser trabalhado e
melhorado. Passou a ler a selecao previa de comentarios nao elogiosos e
criticos de uns sobre outros, que apontavam erros e defeitos levantados
nos encontros anteriores. Ao terminar a leitura, perguntou se havia
lembranca daqueles comentarios. Os socios mostraram-se surpresos, pois
nao se lembravam. Alguns perguntaram: "Tem certeza de que dissemos
essas coisas"? Foi explicada a questao da "resistencia" e
foi dito que o importante era ter consciencia das resistencias. Um deles
disse que o fato de terem esquecido foi um acaso. Em resposta,
observou-se que ninguem esqueceu os elogios, mas todos se esqueceram das
criticas, e perguntou-se se ele nao ficava pelo menos desconfiado de que
nao tinha sido um acaso. Ele concordou, cabisbaixo.
Depois, falou-se sobre a zona de conforto, pois prestar atencao as
criticas implica ter trabalho, desejar mudancas, perguntar em que se
deve mudar. Todos comecaram a falar ao mesmo tempo, impactados com o que
havia sido dito. Mais uma vez iniciou-se uma longa discussao sobre a
dificuldade do outro de se comprometer com a empresa, de ter agenda para
realizar as reunioes.
Acalmados, conseguiram marcar reunioes mensais regulares (todas as
primeiras sextas-feiras de cada mes) de diretoria. Alem disso, marcaram
uma reuniao semanal para tratar de aspectos operacionais da empresa.
Percebeu-se que o canal de comunicacao almejado ja havia sido criado.
O sexto encontro objetivou aprofundar o comprometimento dos socios
com a realizacao periodica de reunioes nas quais eles pudessem estar
tracando e decidindo os destinos da empresa.
O encontro foi iniciado com a pergunta de sempre: como estao se
sentindo? Todos reafirmaram sua satisfacao com o trabalho, mencionando
sempre a necessidade de trabalhar, agora, "o pratico, o
administrativo". Um dos socios mencionou, contente, o fato de ser a
primeira reuniao deles num sabado, em 20 anos.
Havia uma plena conscientizacao de que eles precisavam
aprofundar-se nos conceitos e tecnicas de gestao, pois nao sabiam, por
exemplo, analisar um relatorio financeiro, nem avaliar um projeto de
investimento, etc. Foram solicitadas sugestoes de assuntos gerenciais
que cada um deles gostaria de tratar, em primeiro lugar, na possivel
contratacao de um trabalho de desenvolvimento gerencial. Eles sugeriram
alguns aspectos que desejavam esclarecer. Houve uma votacao e ficou
decidido que o proximo passo a ser dado seria a contratacao de encontros
que visassem a aprendizagem de "leitura" e entendimento dos
relatorios economicofinanceiros da empresa, a analise de investimentos,
a analise mercadologica, etc.
5. CONSIDERACOES FINAIS
Desde o primeiro contato com os participantes deste estudo, o
conflito societario revelou-se generalizado, intenso e profundo. Os
socios haviam se envolvido nessa situacao, alimentada por pouco conteudo
real--porque nao havia, na verdade, seria disputa por patrimonio--, mas
inflamada por lembrancas permanentemente requentadas de magoas, raivas,
medos, incompreensoes e vingancas.
Um aspecto cultural presente nas estruturas societarias, e que
transparece neste trabalho, e a dificuldade que socios empreendedores
tem para perceber a importancia causal do conflito na ineficiencia
administrativa e, mesmo, no insucesso empresarial. Esse fator e lugar
comum no Brasil, principalmente em empresas com apenas dois socios, e se
reproduziu neste caso em que oito socios tem igual participacao.
Trata-se de circunstancia marcante e digna de registro, pois, mesmo
tendo a percepcao da magnitude desse conflito e do potencial explosivo
de suas consequencias, o grupo insistia na posicao de nao se permitir
percebe-lo como gerador dos riscos crescentes que se acercavam da
empresa.
De qualquer forma, embora com lucros decrescentes, a empresa ainda
nao apresentava sinais de efetiva deterioracao economico-financeira.
Esse e um aspecto interessante, considerando-se a situacao conflituosa
em que seus gestores tem convivido ao longo de todos esses anos, e se
explica pela profundidade e forca do sonho inicial, experimentado por
todos os socios no momento da constituicao da empresa. Esse sonho ainda
esta vivido em suas emocoes, constituindo-se em forca motriz para o
comportamento empresarial.
A causa primordial da situacao conflituosa ora estudada encontra-se
no reconhecido traco cultural brasileiro da nao assertividade. O
brasileiro e, normalmente, amistoso, sociavel e gregario. Receia o
sofrimento da solidao, pois teme perder a possibilidade de estar sempre
cercado de amigos, inclusive nos negocios. Por isso, os socios fugiram
do comportamento assertivo; fugiram do conflito que, nas suas crencas, a
assertividade poderia gerar. Para tal, assumiram uma postura passiva.
Entretanto, nessa fuga pela passividade acabaram desviando-se para
a agressividade e o conflito exacerbou- se. A fuga da assertividade pode
ate garantir o desvio do conflito no curto prazo, mas ira sempre
exacerba-lo no longo prazo. Seja no comportamento passivo, seja no
agressivo, os socios nao manifestaram espontaneidade em suas acoes, nos
termos preconizados pela teoria sociodramatica.
A metodologia utilizada--o sociodrama--mostrou-se pertinente na
criacao de um importante canal de comunicacao para muitos socios em
conflito de intensidade elevada e inexistencia de lideranca formal ou
informal estabelecida, como era o caso. A utilizacao dessa teoria para
analise e conducao dos trabalhos possibilitou trazer, para um campo
relaxado, ludico e controlado, as situacoes tensas vivenciadas. Os
socios permitiram-se trabalhar suas questoes nos planos simbolico,
fantastico e real. Tiveram, assim, a oportunidade de reexperimentar e
reviver situacoes que lhes deixaram magoas e, dessa forma,
conscientiza-las, tornando-as reais. A partir dai, passaram a
experimentar uma nova forma de contato e de comunicacao com o outro e
com eles mesmos. Sendo assim, uma das contribuicoes relevantes desta
pesquisa e a utilizacao do sociodrama como mais uma alternativa a
disposicao das empresas para gerenciamento/equacionamento de problemas
similares.
Na proposta de pesquisa apresentada aos socios foi destacada a
necessidade de levar o grupo a instituir um canal de comunicacao valido
para que os objetivos e estrategias de acao pudessem ser discutidos e,
eventualmente, aceitos por todos mediante um dialogo racional. Em razao
do prazo disponivel para realizacao do trabalho, nao seria recomendavel
nem factivel propor a identificacao e compreensao das causas mais
profundas do conflito societario. De qualquer forma, eles iniciaram o
trabalho no estagio do role taking--a tomada de papeis - e evoluiram ate
o inicio do estagio do role playing--o jogo de papeis--, quando
comecaram suas reunioes periodicas em prol da tomada de decisoes
empresariais. Nesse ponto, ja reassumiram o script basico de seu papel
profissional, demonstrando que o canal de comunicacao aberto permitiu um
novo estagio de possibilidade relacional.
Os resultados confirmaram a decisao de nao ousar no aprofundamento
sociodramatico, no que se refere a dramatizar as cenas que deram origem
aos conflitos dos socios, mas em focar a utilizacao de objetos
intermediarios no desenvolvimento dos trabalhos. Esse e um cuidado que
se deve tomar quando se utilizam intervencoes sociodramaticas em
empresas. Deve-se iniciar a dramatizacao apos um periodo preliminar de
aceitacao da metodologia e de aprofundamento da confianca dos
participantes nos facilitadores do processo.
Ao longo do desenvolvimento dos trabalhos, principalmente na fase
de analise das evidencias, sentiu- se falta de maior quantidade de
pesquisas na area de conflitos societarios. Recomenda-se, entao, que a
academia se preocupe em fomentar estudos que privilegiem: a) o
levantamento das relacoes diretas entre a tipologia de organizacao
societaria e as condicoes de sucesso e fracasso dessas empresas; b) o
desenvolvimento de metodologias alternativas que estimulem os
empreendedores cujas iniciativas nao tenham sido bem-sucedidas a
explicitar os aspectos de relacionamentos dos socios que vivenciaram o
fracasso; c) o exame do conflito societario nas organizacoes de varios
socios com igual participacao societaria, no contexto dos setores
primario ou secundario da economia; d) estudos para comparar, no
contexto da globalizacao, manifestacoes de conflito societario entre
diferentes culturas nacionais.
Recebido em: 3/7/2009
Aprovado em: 15/8/2009
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Jorge Augusto de Sa Brito e Freitas
Doutor em Administracao pela Pontificia Universidade Catolica do
Rio de Janeiro(PUC-Rio). Professor Adjunto III e Coordenador de Pesquisa
do Programa de Mestrado em Administracao e Desenvolvimento Empresarial
(MADE) da Universidade Estacio de Sa (UNESA)
E-mail: jasbfreitas@globo.com.br
Heloisa Lessa Rodrigues Guenzburger
Mestre em Administracao e Desenvolvimento Empresarial pela
Universidade Estacio de Sa (UNESA). Professora convidada de cursos de
pos-graduacao lato sensu da Fundacao Getulio Vargas (FGV) e da
Universidade Catolica de Petropolis (UCP). Consultora
E-mail: gegcam@globo.com.br