期刊名称:Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
印刷版ISSN:1809-5909
电子版ISSN:2179-7994
出版年度:2014
卷号:9
期号:33
页码:371-374
语种:Portuguese
出版社:Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)
摘要:Nós, médicos de família e comunidade reunidos no I Seminário Brasileiro de Prevenção Quaternária, trazemos o seguinte manifesto em prol de uma Medicina isenta de conflitos de interesses e imbuída de profissionalismo no seu sentido mais pleno. Estamos baseados nos seguintes pressupostos: Código de Ética Médica 1 II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; IV - Ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina, bem como pelo prestígio e bom conceito da profissão; V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente; IX - A Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio; XIV - O médico empenhar-se-á em melhorar os padrões dos serviços médicos e em assumir sua responsabilidade em relação à saúde pública, à educação sanitária e à legislação referente à saúde; XXIII - Quando envolvido na produção de conhecimento científico, o médico agirá com isenção e independência, visando ao maior benefício para os pacientes e a sociedade; ... É vedado ao médico: Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, ótica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza. ... É vedado ao médico: Art. 104. Deixar de manter independência profissional e científica em relação a financiadores de pesquisa médica, satisfazendo interesse comercial ou obtendo vantagens pessoais. Conceito de profissão enquanto compromisso com valores profissionais Uma profissão é: 1. livre da influência do comércio e do Estado e 2. responsável pela sua própria educação e estrutura de conhecimento 2 E conceito de Prevenção Quaternária 3 “ Ação feita para identificar pacientes em risco de sobremedicalização, para os proteger de mais intervenções em saúde e para lhes sugerir intervenções eticamente aceitáveis” (Adaptado de Jamoulle e Roland, 1995) Portanto, nós, médicos defensores da prevenção quaternária em qualquer nível de atenção à saúde, defendemos os princípios bioéticos em prol do melhor e do mais aceitável para a população: − Não-maleficência: partindo do pressuposto hipocrático de “em primeiro lugar não causar dano” ( primum non nocere ), sempre levaremos em conta o fato de que, quanto maior o risco de causar dano, mais embasado cientificamente e isento de interesses diversos do científico deve ser o procedimento em questão para que este possa ser considerado um ato eticamente aceitável, mesmo que para tal se faça necessário questionar aspectos metodológicos e conflitos de interesses em protocolos e diretrizes (muitas destas tidas como conhecimento inquestionável, porém gerado sob uma perspectiva comercial), sempre pautados na melhor evidência cientifica isenta disponível, e evitando ao máximo a “ Disease Mongering ” (promoção da doença), a transformação de fatores de risco e eventos fisiológicos em doenças, a medicalização desses eventos ou o excesso diagnóstico, que podem por a pessoa em risco de estigmas e danos posteriores. − Beneficência: pensando no melhor para o paciente (do grego pathe – sentimento –, com seus desdobramentos no latim patientem – aquele que sofre –, e pax – paz, paciência), estaremos em busca sempre das melhores e mais adequadas evidências científicas livres de conflitos de interesses para promover a saúde das doenças, com o mínimo de intervenções possíveis. Significa que buscaremos desenvolver ações proativas “para o bem do paciente”, livres de influências externas, lembrando que condutas expectantes ou mesmo a desprescrição também são ações proativas para o benefício das pessoas. E o efeito benéfico envolve também proteger as pessoas de informações inadequadas e reduzir a angústia causada pela Disease Mongering , além de fornecer informações adequadas a essas pessoas para que elas mesmas pesem riscos e benefícios e tomem suas decisões por meio da persuasão puramente profissional-relacional, visando ao melhor resultado possível para aquela pessoa. − Autonomia: a autonomia ou autodeterminação envolve dois aspectos durante o estabelecimento da relação médicopaciente: 1. capacidade para atuar deliberadamente, o que envolve razão e discernimento para decidir entre as alternativas que lhe são apresentadas e 2. liberdade, no sentido de estar livre de qualquer influência controladora para a emissão de um posicionamento. 4 Portanto, é nossa premissa empoderar a população com as informações mais confiáveis possíveis para a tomada de decisão conjunta diagnóstica ou terapêutica, sem manipulação nem coerção, mas com a avaliação correta de riscos e benefícios, em especial naqueles procedimentos onde ainda há fraco embasamento cientifico e onde há fortes influências de indústrias farmacêuticas ou de produtos médicos-hospitalares, e mesmo de corporações com interesses mercantilistas, indo de encontro aos princípios aqui discorridos. É nossa premissa também tornar as pessoas conhecedoras para uma melhor tomada de decisão, já que o conhecimento, e não a desconfiança, é a melhor ferramenta para a prevenção quaternária. 5 − Justiça: também é nossa premissa, enquanto promotores e defensores da prevenção quaternária, a luta pelo acesso equânime, justo e apropriado aos recursos em saúde, denunciando a mercantilização da saúde e o uso do sistema sanitário para finalidades diversas do benefício das pessoas, reforçando que justiça e acesso nem sempre estão relacionados às “últimas novidades tecnológicas em saúde”. Nós não cuidamos de órgãos. Nós não promovemos doenças. Nós não superestimamos fatores de risco. Nós cuidamos de pessoas, e pessoas não são números, escores, fatores de risco e nem meros objetos de intervenções. Nós somos cautelosos com resultados surpreendentes de publicações científicas, pois dados podem ser manipulados para diagnosticar sintomas menores ou fatores de risco e assim reduzir os pontos de corte do diagnóstico de uma doença, bem como para criar “pré-doenças”, aumentar o espectro de medicalização e gerar de forma perniciosa lucros para a indústria farmacêutica. 6 Nós respeitamos o tempo na ciência e respeitamos a linha do tempo da relação médico-paciente, pois o aspecto relacional na atenção em saúde sempre prevalecerá sobre o aspecto populacional. Por todo o exposto, apontaremos sempre as indústrias e corporações mercantilistas da saúde com seus “achados extraordinários”, lutaremos contra a criação de estigmas e rótulos nas pessoas, lutaremos contra o excesso diagnóstico e terapêutico, promovendo hábitos saudáveis pautados na ciência médica, livres de conflitos de interesses e de vieses de publicações puramente deterministas ou causais, mas acima de tudo promovendo uma boa comunicação com as pessoas para que elas possam também aprender a se proteger do excesso de intervenções em saúde. É nosso papel advogar pela legitimidade na relação profissional-paciente, reconhecendo as incertezas inerentes à ciência médica em si. Devemos orientar o cuidado de forma não normativa, apoiando-se em evidências isentas e permitindo o feedback do paciente, de modo que ele possa interpretar e ajustar a decisão para si enquanto protagonista do seu cuidado. Curitiba, novembro de 2013.