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文章基本信息

  • 标题:Counselling letters: a dialogical space for the self's social construction/Cartas de aconselhamento: espaco dialogico da socioconstrucao da imagem de si.
  • 作者:Farias-Marques, Maria do Socorro de Almeida ; Pires, Vera Lucia
  • 期刊名称:Acta Scientiarum. Language and Culture (UEM)
  • 印刷版ISSN:1983-4675
  • 出版年度:2012
  • 期号:July
  • 出版社:Universidade Estadual de Maringa

Counselling letters: a dialogical space for the self's social construction/Cartas de aconselhamento: espaco dialogico da socioconstrucao da imagem de si.


Farias-Marques, Maria do Socorro de Almeida ; Pires, Vera Lucia


Introducao

Nos ultimos anos, a Linguistica Aplicada tem buscado novas possibilidades de teorizar e de fazer linguistica numa perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar, comunicando teorias de campos diversos, que investigam a relacao entre vida e sociedade. As teorias queer, as teorias posestruturalistas, as pos-modernistas, dentre elas os estudos de genero, sao algumas das teorias com que atualmente os linguistas aplicados tem se ocupado.

Moita Lopes (2006) afirma que tal movimento, ou seja, o de pensar linguistica associado aos estudos das ciencias sociais e das humanidades, o levou a defender a presenca de uma Linguistica mestica nos estudos da linguagem. Para ele, a acao de politizar o ato de pesquisar e de pensar alternativas para analisar a vida social e, assim, explicar as mudancas contemporaneas e parte intrinseca dos novos modos de teorizar e fazer Linguistica Aplicada.

Concordamos com Moita Lopes (2006, p. 22) quando ele pontua a preocupacao em investigar o sujeito na sociedade, "[...] seus atravessamentos identitarios construidos pelo discurso" e tambem as maneiras de construir conhecimento sobre esse sujeito (sua classe, seu sexo, sua raca, sua etnia). Temos interesse nas colocacoes desse estudioso da linguagem, pois consideramos que nosso trabalho se filia a essa perspectiva, ja que comunicamos conhecimentos teoricos, metodologicos da Linguistica da Enunciacao, com os estudos sobre ethos discursivo e com os estudos da relacao social de genero e midia.

Este artigo constitui-se de tres partes principais: apresentacao do aporte teorico que calca a nossa investigacao, a analise e discussao dos dados e a reflexao final.

Aporte teorico

Neste espaco, vamos discutir pontos importantes para a realizacao da analise das cartas de aconselhamento, selecionadas para este trabalho. Sendo assim, apresentaremos, num primeiro momento, consideracoes acerca da concepcao de linguagem que norteia este trabalho. Num segundo, teceremos algumas observacoes sobre os generos do discurso e seus constituintes (tema, estilo e composicao). Por fim, discutiremos questoes sobre a construcao da imagem de si e sua relacao com as modalidades enunciativas e com as relacoes sociais de genero e midia.

A Natureza da Linguagem

Os estudos sobre a linguagem, desenvolvidos por Bakhtin e pelo Circulo, apontam para uma analise/teoria dialogica do discurso, que se embasa na relacao indissociavel entre lingua, linguagens, historia e sujeitos. Assim, a concepcao de linguagem, de producao e constituicao de sentidos, nos enunciados e nos generos do discurso, esta calcada nas relacoes discursivas entre sujeitos historicamente situados.

O discurso, isto e, a lingua tomada em sua integridade concreta e viva passa a ser estudado a partir de uma perspectiva dialogica, pois contempla tanto o interno da lingua quanto a exterioridade.

Sobre isso, Bakhtin (1992, p. 183) afirma: As relacoes dialogicas sao extralinguisticas. Ao mesmo tempo, porem, nao podem ser separadas do campo do discurso, ou seja, da lingua enquanto fenomeno integral concreto. A linguagem so vive na comunicacao dialogica que constitui o verdadeiro campo da vida da linguagem. Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a pratica, a cientifica, a artistica, etc.), esta impregnada de relacoes dialogicas.

A linguagem se desenvolve nas relacoes sociais, por isso ela e resultado da atividade humana e esta calcada na comunicacao social vista como interacao. Bakhtin/Voloshinov (1986, p. 123) afirma que a verdadeira substancia da lingua e constituida, [...] pelo fenomeno social da interacao social, realizada atraves da enunciacao ou das enunciacoes. A interacao verbal constitui assim a realidade fundamental da lingua.

Segundo o filosofo, o dialogo compreende tanto o sistema linguistico concreto quanto os aspectos contextuais da situacao de interacao. Sendo assim, o dialogismo nao pode ser descrito apenas no aspecto logico-semantico, porque quando essa relacao se materializa no discurso (enunciado) e tomada por um determinado locutor que mobiliza seu discurso de acordo com as regularidades e especificidades do genero discursivo que utiliza. Por essa razao, cabe salientar o que se entende por genero e seus constituintes.

Generos do discurso

Para Bakhtin (1992), todas as esferas da sociedade, por mais diversas que sejam, possuem como ponto comum o uso da linguagem, que se concretiza por enunciados orais e/ou escritos. Segundo o estudioso, os enunciados refletem tanto as condicoes especificas de cada esfera de atividade humana quanto suas finalidades pelo seu conteudo tematico, pela selecao dos recursos oferecidos pela lingua (estilisticos) e por sua construcao composicional. Esses tres aspectos compoem a totalidade dos enunciados, os quais sao marcados pela especificidade de determinada esfera de comunicacao humana.

Dessa forma, Bakhtin (1992, p. 279) afirma que, [...] qualquer enunciado considerado isoladamente e, claro, individual, mas cada esfera de utilizacao da lingua elabora seus 'tipos relativamente estaveis' de enunciados, sendo isso que denominamos 'generos do discurso'.

Ele chama a atencao dos estudiosos da linguagem para a importancia do estudo da diversidade dos generos do discurso nas diversas esferas de atividade, porque qualquer trabalho concreto com a lingua nao deve ser desvinculado da vida, da sociedade, da ideologia.

Os generos do discurso sao inumeros, ja que cada esfera social possui seus proprios generos que, pela plasticidade, fluidez e dinamicidade, se diferenciam e se ampliam de acordo com a necessidade da esfera de atividade humana. Como exemplos de generos do discurso, podemos citar a conversa familiar, um telefonema, uma reuniao de negocios, um artigo, uma resenha, uma intimacao judicial, uma carta de conselho, uma receita, uma sentenca judicial, entre outros.

Cada esfera social possui diversos textos de acordo com a atividade de comunicacao humana e seu falante/escritor evoca diversos recursos linguisticos para afirmar, confirmar, expressar o seu posicionamento, a sua atitude avaliativa frente a determinado assunto evocando a construcao da imagem desse locutor.

Segundo o teorico, o discurso se molda a forma do enunciado de um sujeito falante e/ou escritor, assim o tema, a composicao e o conteudo dos enunciados possuem caracteristicas estruturais comuns e fronteiras determinadas pela alternancia dos sujeitos. Sobre isso, Rodrigues (2001, p. 39) aponta que a alternancia dos sujeitos se da "[...] pelo fato de que o falante conclui o que objetivara dizer (dixi conclusivo)", assim o falante termina o seu enunciado concedendo a palavra ao seu interlocutor, presente ou nao, para ceder o lugar a sua resposta. Essa troca de parceiros estabelece tanto a fronteira entre os enunciados como tambem os materializa em algum genero discursivo.

Alem das consideracoes sobre os generos do discurso, o filosofo apresenta, no seu estudo, tres componentes verbais presentes nos generos discursivos, que trataremos na proxima subsecao.

Constituintes verbais dos generos do discurso: tema, estilo e composicao

Os enunciados unicos e individuais apresentam caracteristicas verbais comuns, tais como o tema, o estilo e os aspectos composicionais. Esses componentes identificam os generos do discurso como pertencentes a uma determinada esfera de comunicacao verbal e nao a outra.

Para Bakhtin, o tema, ou seja, o objeto de sentido, varia conforme as esferas de comunicacao e assim carrega a ideologia desse espaco social. Segundo o estudioso, o tema de um enunciado,

[...] recebe um acabamento relativo, em condicoes determinadas, em funcao de uma dada abordagem do problema, e de suas praticas discursivas, do material, dos objetos por atingir (BAKHTIN, 1992, p. 300).

Sendo assim, o tema esta interconectado com o 'intuito definido pelo autor', que vai determinar o genero, no qual os enunciados serao estruturados em uma determinada interacao social. E na interacao que tanto o sujeito quanto o discurso se constituem adquirindo sentido nas praticas sociais.

O tema analisado como elemento do genero perde a sua singularidade, caracteristica do momento da enunciacao e passa a ter um conteudo tematico regular. Esse conteudo tematico do genero e constituido pela esfera de comunicacao discursiva, pela situacao de interacao verbal, pelo todo concreto do enunciado, pela selecao e profundidade dos aspectos do real, que sao expressos na explicacao dos fatos e pela avaliacao social.

Camargo-Grillo (2006, p. 1.828) afirma que a avaliacao social "[...] define todos os aspectos do enunciado, isto e, determina a escolha do conteudo e da forma, e estabelece a relacao entre eles". Em relacao ao todo concreto do enunciado, essa estudiosa afirma que para Bakhtin o tema e composto no todo, na situacao comunicativa concreta e nao na estrutura frasal, em outras palavras, o tema faz parte do discurso e nao das formas linguisticas presentes no genero discursivo.

Sobre o estilo de um genero discursivo, Bakhtin afirma que ele esta ligado ao dialogismo, pois para o estudioso o discurso e dialogico, ou seja, e orientado para outras pessoas. Nas palavras de Rodrigues (2005, p. 160), o discurso "[...] objetiva uma reacaoresposta ativa (imediata ou nao, verbal ou nao, exterior ou interior)".

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin (1986) acrescenta que a circunstancia de comunicacao verbal e os participantes dessa interacao, de uma maneira ou de outra, determinam tanto a forma quanto o estilo da enunciacao. Dessa forma, cada esfera de atividade humana utiliza, nas relacoes sociais, tipos especificos de enunciados, tipos de generos especificos.

Essa tipificacao dos enunciados esta relacionada as regularidades comuns, reconhecidas pelos falantes, que se constituem historicamente nas situacoes diarias de interacao social. Tais regularidades, de acordo com Brait (2005), nao sao estaveis, pois como se inscrevem na lingua e nos usos historicamente situados, podem apresentar variaveis de acordo com o objetivo pretendido. Conforme Brait (2005, p. 95), a relacao estilo e genero "[...] implica em coercoes linguisticas, enunciativas e discursivas, proprias da atividade em que se insere".

Somado a isso, o estilo esta associado ao fato de o genero dirigir-se a alguem, ou seja, o estilo depende da maneira que o locutor percebe seu destinatario. Nas palavras de Bakhtin (1992, p. 321): A quem se dirige o enunciado? Como o locutor (ou o escritor) percebe e imagina seu destinatario? Qual e a forca da influencia deste sobre o enunciado? E disso que depende a composicao, e, sobretudo, o estilo, do enunciado.

Bakhtin (1992) afirma que moldamos a nossa fala as formas do genero utilizado e isso permite que ao ouvirmos a fala do outro, saibamos, nas primeiras palavras, de qual genero se trata.

Quanto ao aspecto composicional dos generos, Bakhtin nao faz referencia apenas a sua estrutura e ao seu acabamento, mas tambem ao papel dos interlocutores na interacao verbal. Portanto, o produtor/autor de um texto leva em consideracao as opinioes, as conviccoes, os preconceitos do destinatario, fatores que permitem uma compreensao responsiva do enunciado.

Ethos: a imagem de si no discurso

Todo ato enunciativo implica na construcao de uma imagem de si. O locutor, ao ativar suas competencias linguisticas e enciclopedicas e a manifestacao ou nao das suas crencas, efetua em seu discurso, pelo seu estilo de escrever e/ou falar, uma representacao de si que e apreendida na interacao.

Nesse contexto, entendemos que ethos e o termo que designa a imagem de si que se constroi no discurso. Podemos entende-lo como a representacao do locutor que se depreende tanto por quem enuncia quanto pelas modalidades de sua enunciacao, pela sua postura, por seu estilo.

A incorporacao do termo ethos na ciencia da linguagem encontra-se na teoria polifonica da enunciacao de Oswald Ducrot. O estudioso nao desenvolveu um estudo restrito sobre o ethos, mesmo havendo uma zona de convergencia entre a argumentacao, seu campo de estudos, e a nocao de ethos.

Dominique Maingueneau expande esse estudo e busca mostrar que a imagem de si aparece em toda troca verbal. Para esse autor (2005, p. 16), "[...] o enunciador deve se conferir e conferir a seu destinatario certo status para legitimar seu dizer: ele se outorga no discurso uma posicao institucional e marca sua relacao com um saber". De acordo com o estudioso (2001, p. 98), e por meio da enunciacao que se revela "[...] a personalidade do enunciador". O linguista (2001, p. 98) tambem acredita que o "[...] orador enuncia uma informacao e, ao mesmo tempo, diz: eu sou isto, e nao aquilo".

Assim, o modo de dizer contribui para o estabelecimento da inter-relacao entre o locutor e seu interlocutor, alem de permitir a construcao de uma imagem desse locutor quando este a representa a partir dos indices discursivos.

Ethos, segundo Maingueneau (2008, p. 18), implica a maneira de o sujeito ser e estar no espaco social que e identificada pelo destinatario a partir das, [...] representacoes sociais avaliadas positiva ou negativamente, em estereotipos que a enunciacao contribui para confrontar ou transformar: o velho sabio, o jovem executivo, a mocinha romantica.

O enunciador, de acordo com esse estudioso (2005), se expressa desta ou daquela forma de acordo com um quadro interativo, inscrito numa dada configuracao cultural que implica papeis, lugares e momentos de enunciacao legitimos, um suporte material e um modo de circulacao.

Nessa direcao, Amossy (2005) introduz na analise do ethos a nocao de estereotipo. Ela argumenta que tal nocao deve ser considerada para o estabelecimento do ethos porque a imagem de si construida no discurso e reconhecida a partir das representacoes compartilhadas e relacionadas com a cultura de um grupo. A estereotipagem, para Amossy (2005, p. 125), "[...] e a operacao que consiste em pensar o real por meio de uma representacao cultural preexistente, um esquema cristalizado". A comunidade avalia um sujeito e instaura um modelo pre-construido com base no grupo a que pertence, na classe social em que circula, na sua etnia, no posicionamento politico. O locutor produz seu discurso de acordo com o seu destinatario e este antecipa um valor ao locutor de acordo com os estereotipos a ele atribuidos.

Nessa linha, Amossy (2005, p. 27) afirma que, [...] e o conjunto das caracteristicas que se relacionam a pessoa do orador e a situacao na qual esses tracos se manifestam que permitem construir sua imagem.

Considerando os itens relacionados ao estudo sobre o ethos, podemos afirmar, assim como Amossy e Maingueneau, que a construcao da imagem de si esta ligada a enunciacao, consequentemente, para interpreta-la e entende-la, cabe observar a inscricao do locutor e a construcao da sua subjetividade na lingua.

Para analisar essa inscricao do sujeito, tomaremos como base teorica os estudos de Kerbrat-Orecchioni (1986). A autora chama a atencao para a analise do extralinguistico em toda e qualquer manifestacao discursiva, porque afirma ser impossivel descrever adequadamente os comportamentos verbais sem considerar o contexto em que os enunciados sao proferidos, sem considerar a ideologia articulada no momento enunciativo.

Para Kerbrat-Orecchioni (1986), o universo do discurso contempla a situacao de comunicacao e as limitacoes estilistico-tematicas, fatores importantes que contribuem para a construcao da imagem de si. Segundo a autora (1986), o discurso oral/escrito, o espaco de comunicacao, o objeto de reflexao sao fatores que permitem ao sujeito enunciador formar uma imagem de si. De igual importancia para a construcao da imagem de si sao as restricoes tematico-retoricas e a relacao emissor-receptor.

Sobre a relacao emissor-receptor, a estudiosa afirma que,

[...] en la competencia cultural de los miembros de la comunicacion es necesario incorporar la imagen que se forman de ellos mismos, que se hacen del otro y la que se imaginan que el otro hace de ellos: no se habla a un destinatario real, sino a aquello que se cree saber de el, mientras que el destinatario decodifica el mensaje en funcion de lo que el cree saber del emisor (KERBRAT-ORECCHIONI, 1986, p. 36) (1).

Em adicao, a teorica afirma que essa imagem pode mudar no momento da interacao, como argumentam Amossy (2005) e Maingueneau (2005, 2008).

A autora busca identificar e descrever as marcas do ato enunciativo na enunciacao, ou seja, observa os lugares de inscricao dos diferentes constituintes que o compoem. Para ela (1986), os atos enunciativos sao "[...] las huellas linguisticas de la presencia del locutor en el seno de su enunciado, los lugares de inscripcion y las modalidades de existencia de lo que con Benveniste llamamos 'la subjetividad en el lenguaje' (2).

Kerbrat-Orecchioni desenvolveu uma Teoria da Enunciacao que se ocupa em estudar as unidades subjetivas nos enunciados. Podemos entender essas unidades como marcas linguisticas que identificam o emissor no centro de seu enunciado, ou seja, os lugares de 'inscricao' do sujeito e as modalidades da existencia dessa inscricao. Seu estudo esta metodologicamente restrito a problematica dessas marcas (1986).

O emissor, para construir seu discurso, nao busca livremente itens lexicais disponiveis no seu repertorio linguistico, pois ha, segundo a autora, filtros que restringem as possibilidades de escolha. Esses filtros dependem das condicoes concretas da comunicacao (contexto) e da escolha do genero discursivo.

A estudiosa realizou um estudo com substantivos, adjetivos, verbos e adverbios enquanto categorias linguisticas que se identificam como lugares de apreciacao, apresentando tracos de subjetividade cuja significacao e definida no enunciado.

Para Kerbrat-Orecchioni, os substantivos, caracterizados como categoria axiologica, podem sinalizar uma descricao do que esta sendo denotado e tambem podem lancar um juizo avaliativo de apreciacao ou depreciacao sobre o objeto denotado. O locutor ao descrever e/ou qualificar algo e/ou alguem usa certo substantivo a fim de convencer o seu interlocutor sobre a imagem que ele quer passar sobre algo ou alguem.

Sobre os adjetivos, a teorica os divide em duas categorias: adjetivos objetivos e adjetivos subjetivos. Os adjetivos subjetivos dividem-se em adjetivos afetivos e adjetivos avaliativos (nao axiologicos e axiologicos).

Em relacao aos verbos subjetivos, a estudiosa estabelece tres distincoes que se devem considerar quanto a analise dessas categorias. A primeira reside em quem faz o juizo avaliativo, a segunda evidencia o que e avaliado e a terceira se preocupa em saber qual e a natureza de tal juizo (bom/mal; verdadeiro/falso). Kerbrat-Orecchioni se interessa por quem faz o juizo avaliativo e, para estudar os verbos subjetivos, a autora, considerando a natureza dos juizos, divide-os em: A--Verbos ocasionalment B--Verbos intrinsecamente subjetivos subjetivos --verbos de avaliacao boa/ma: --verbos de avaliacao boa/ma. --verbos de sentimentos; --verbos de dizer. --verbos de avaliacao --verbos de avaliacao verdadeira falso/incerto: verdadeira falso/incerto: --verbos de apreensao --verbos de julgamento; perceptiva; --verbos de dizer; --verbos de apreensao --verbos de opiniao. intelectual.

Sobre os adverbios, a linguista afirma que eles oferecem exemplos de todas as unidades subjetivas (termos afetivos e avaliativos, axiologicos e nao axiologicos e modalizadores). A estudiosa nao desenvolve um trabalho detalhado sobre eles, apenas enumera alguns principios, em relacao a modalizacao, a fim de classifica-los em diferentes subclasses.

Tais categorias nos permitem formar uma imagem do nosso interlocutor por aquilo que este fala ou escreve nas diversas esferas de acao humana, por exemplo, nos textos midiaticos ricos em juizos de valores e, alem disso, buscam de uma forma ou de outra perpassar discursivamente imagens de homens e mulheres contemporaneos.

Midia e construcao social de genero

Ao propor um dialogo entre midia e relacao social de genero, cabe registrar neste espaco consideracoes acerca da definicao de genero e, posteriormente, a relacao com a midia. Os trabalhos sobre genero social eclodiram com o surgimento de novas pesquisas, o que levou as estudiosas a buscarem teorias que efetivamente contribuissem com a problematica. Segundo Scott (1995), foi no final do seculo XX que se manifestou uma preocupacao teorica em relacao ao termo genero enquanto categoria analitica, pois era necessario analisar como funcionavam as relacoes sociais e como elas se organizavam na historia e organizavam a historia. Para a estudiosa, a definicao de genero e composta de duas partes:

(1) o genero e um elemento constitutivo de relacoes sociais baseadas nas diferencas percebidas entre os sexos; (2) o genero e uma forma primaria de dar significado as relacoes de poder (SCOTT, 1995, p. 86).

As relacoes sociais de genero sao construidas socialmente em todas as instancias por meio dos discursos, das doutrinas, da midia, da escola. Ser mulher e ser homem e um processo continuo, nao linear e nunca completo, pois tal construcao sofre influencia de diversas instituicoes sociais e praticas sociais. A escritora Simone de Beauvoir sintetiza esse processo com a sua conhecida frase 'Nao se nasce mulher, torna-se mulher'.

Assim sendo, entende-se que a midia contribui diariamente para a construcao progressiva da relacao de genero e reflete em seus discursos e nos que veicula valores tradicionalmente instituidos do que e ser mulher e ser homem em nossa epoca.

Os discursos midiaticos produzem efeitos de sentido na vida social e assim abrigam estrategias que visam a concretizacao de certas acoes sociais mediadas pela linguagem. A midia, pelo seu poder persuasivo, permite as pessoas tomarem certos posicionamentos sobre determinados comportamentos e representacoes sociais, sejam eles conservadores ou nao, o que possibilita a sociedade pensar e repensar sobre a vida moderna/contemporanea e seus valores.

A relacao social de genero e um construto historico e, nesse contexto, a midia e um espaco no qual podemos acompanhar o movimento das mudancas sociais. Ghilardi-Lucena e Barzotto (2002) afirmam que os valores estabelecidos na sociedade passam a ser divulgados pela midia, construindo, desse modo, uma imagem das mulheres ou refletindo uma imagem que elas, os homens e a sociedade fazem da figura feminina.

Ghilardi-Lucena e Barzotto (2002), em adicao, apontam que os discursos da midia movimentam enunciados que aderem ora a comportamentos tradicionais ora aqueles que acompanham a emancipacao das mulheres e a modernidade.

De acordo com as estudiosas (2002), a midia, no final do seculo XX, retratou as principais transformacoes da imagem das mulheres contrapondo a imagem dos homens, ou seja, alguns atributos antes restritos e caracteristicos da imagem deles passaram a ser caracteristicos da nova mulher. As mulheres modernas, segundo a autora, estao mais decididas, mais livres, assim, novos comportamentos foram perpassando no discurso da midia.

Nesta fase, a figura feminina calca-se nos novos comportamentos, os quais estao relacionados com a razao, a inteligencia, a liberdade, a forca de lutar pela igualdade. Desse modo, a figura feminina esta mais independente do homem e aparece com mais ousadia na conquista amorosa. Diante de tantas conquistas e transformacoes, percebe-se que as mulheres nao temem expor seus anseios, seus medos, suas incertezas nem suas conquistas na midia.

Novas relacoes sociais de genero se constituem e, consequentemente, novas identidades, novas imagens de si sao construidas socialmente resultantes da interacao entre 'eu' e o 'outro' e materializadas pela linguagem, pelo discurso.

Segundo a pesquisadora, e por meio da lingua/linguagem que os discursos naturalizados na sociedade a partir de modos de viver, de pensar e de falar, que determinam, de certa forma, o que deve ou nao ser dito, o que deve ou nao receber um juizo de valor, sao muitas vezes solidificados pela midia. Esta atua tanto na producao quanto na circulacao de discursos que determinam como devemos observar e avaliar a relacao mulher/homem na sociedade, em casa, na vida profissional.

As relacoes sociais de genero sao constituidas a partir da interacao mulher/homem na sociedade e havendo mudancas sociais havera mudancas nessas relacoes. Nas palavras de Ghilardi-Lucena e Oliveira (2008, p. 18), "[...] os papeis sociais de homens e mulheres estao se alterando e o seculo XXI mostrara atitudes e comportamentos bem diferentes daqueles dos seculos passados". Esses papeis sociais, as atitudes e os comportamentos de mulheres e homens contemporaneos sao alvos da midia, que acompanha as mudancas sociais e atinge toda a sociedade pelas revistas, pelos jornais, pela internet, pela televisao.

Marcello (2005) afirma que os meios de comunicacao, ancorados em diversas estrategias de linguagem, mostram-se como o lugar privilegiado da informacao, buscando captar o leitor na sua intimidade, produzindo nele a possibilidade de se reconhecer e/ou reconhecer (supostas) verdades veiculadas na midia. Desse modo, os leitores podem se autoavaliar a partir do apelo dado a exposicao da intimidade, que se torna publica no meio virtual/eletronico.

Atualmente, muitas revistas impressas possuem seu endereco na internet. Nele, alem de algumas materias presentes na forma impressa, publicam colunas que somente podem ser lidas no site. A revista Veja e um exemplo dessas revistas, pois na sua versao impressa ha uma pagina que publica as colunas e as materias que podem ser encontradas no meio virtual/eletronico (blogosfera). Tal espaco pode ser acessado tanto pelos leitores assinantes quanto pelos que nao sao assinantes. A coluna a que nos referimos neste trabalho, Consultorio Sentimental, na epoca do estudo era publicada somente no meio virtual/eletronico.

As revistas sao textos de cultura de massa mais lidos pelas pessoas, afirma Caldas-Coulthard (2005). Elas tem um papel importante na manutencao e inovacao dos valores culturais de genero e da sociedade. Dialogando com essa assertiva, cremos que a ocupacao do meio virtual/eletronico pelas revistas se da para acompanhar uma nova maneira de vida. Acreditamos que foi pela busca por novos atrativos, novas maneiras de chegar ate o leitor e de atrai-lo, que a revista veja.com optou por publicar o genero carta de aconselhamento, tipico de revistas femininas. Alem disso, o novo espaco de circulacao pode-se configurar como uma estrategia para atrair mais leitores, possibilitando a eles o acesso as demais colunas da revista ali publicadas.

Organizacao contextual e textual das cartas de aconselhamento

Retomando o que pontuamos nos pressupostos teoricos, Bakhtin discute a diversidade dos generos do discurso e afirma que cada esfera de comunicacao social possui generos diversos que atendem a determinado objetivo. Sendo assim, cada genero discursivo apresenta peculiaridades que classificam os generos do discurso em uma determinada esfera de comunicacao verbal bem como caracteristicas estruturais verbais (tema, estilo e composicao).

As cartas analisadas, neste estudo, circulam na esfera midiatica, portanto, publica. Elas podem ser entendidas, na perspectiva de Bakhtin, como os generos de carater intimo, sobre os quais o estudioso argumenta que:

[...] os generos e os estilos intimos repousam numa maxima proximidade interior entre locutor e o destinatario da fala. [...] O discurso intimo e impregnado de uma confianca profunda no destinatario, na sua simpatia, na sensibilidade e na boa vontade de sua compreensao responsiva. Nesse clima de profunda confianca, o locutor desvela suas profundezas interiores. E isso que determina a expressividade particular e a franqueza interior desses estilos (BAKHTIN, 1992, p. 323).

A partir da leitura das cartas, podemos afirmar que o locutor seleciona fatos que marcam e/ou marcaram a sua vida e, a partir deles, expoe seu problema e pede uma 'solucao', nao buscando apenas compreender-se, mas tambem compreender as diversas relacoes interpessoais das quais participa. Com isso, a profundidade dos aspectos do real e expressa resumidamente, porque o texto nao deve ser muito extenso devido a estrutura composicional do genero discursivo.

Nas cartas, o discurso problematizador das mulheres direciona o estilo dos enunciados. Assim, elas organizam seu discurso usando marcas linguisticas que as auxiliam a discorrer sobre a sua historia, a sua intimidade, sobre seu problema.

As cartas de aconselhamento, aqui analisadas, apresentam marcas linguisticas que caracterizam seu estilo, como: verbos funcionando como indices de modalizacao, predominancia da narracao no relato do problema do leitor, exposicao da intimidade da leitora, o que pressupoe a confianca depositada na colunista/especialista. O discurso desta tambem apresenta um estilo caracteristico desse genero associado ao seu estilo de escrever, por exemplo: dita seus conselhos seguindo comandos e/ou sugestoes e motiva o leitor para mudar de atitude, usa outras vozes no seu conselho, usa citacoes de obras literarias como um recurso de autoridade.

As cartas configuram-se como espacos de circulacao da intimidade, no qual as mulheres refletem seus anseios, suas duvidas, suas inquietacoes. Nesse discurso, o locutor vai construindo uma imagem de si pelas escolhas linguisticas que faz. Nessa interacao (eu--outro), juizos de valores sao manifestados para avaliar as diferentes condutas de mulheres e homens que estruturam a sociedade.

Neste trabalho, entendemos que as cartas analisadas, produzidas em condicoes sociais especificas, confirmam pelas formas linguisticas nelas impressas (estilo) e pela organizacao do texto (composicao) a existencia de sujeitos que falam de si. Sao autores que criam discursiva e dialogicamente uma imagem de si.

Em relacao a composicao, as cartas de aconselhamento dividem-se em duas partes: a carta escrita pela leitora e a carta da colunista, ou seja, estao organizadas em pergunta-resposta, conforme mencionado anteriormente. A primeira parte apresenta caracteristicas narrativas, enquanto a segunda, que representa literalmente a carta de aconselhamento, apresenta uma estrutura exortativa, ja que nela os conselhos e comandos sao ditados pela colunista.

Caldas-Coulthard (2005, p. 129) aponta que as narrativas estao presentes em todas as epocas, em todas as sociedades e em diferentes lugares em forma de fabulas, cartas, mitos, biografias, entre outros. Com base nisso, a autora afirma que,

[...] o texto narrativo e um dos mais atraentes ao representar vividas experiencias humanas, as narrativas em primeira pessoa sao um dos esquemas organizacionais mais usados em revistas de cultura de massa (CALDAS-COULTHARD, 2005, p. 130).

Elas sao caracterizadas por um ponto de interesse, ou seja, um relato instigante para que obtenha exito.

Pereira e Almeida (2002), com base nos estudos de Longacre (1992), afirmam que para o estudioso os textos exortativos tem a funcao de modificar o comportamento dos leitores influenciando-os a fazer ou deixar de fazer algo. As respostas dadas as cartas enviadas pelos leitores podem ser consideradas textos exortativos porque atuam como enunciados que direcionam as atitudes do leitor em relacao a determinado assunto.

Segundo o autor, os textos exortativos sao formados por quatro partes:

[FIGURE 1 OMITTED]

O problema sempre esta presente nos textos exortativos, pois a leitora so escreve porque tem um problema a ser solucionado. A colunista retoma o problema exposto pela leitora antecipando o comando/sugestao, como pode ser observado nos seguintes exemplos:

Carta 1: "Ser mae nao tem nada a ver com escutar as neuras dos filhos adultos" (linha 14).

Carta 2: "Enquanto voce nao sair da posicao subjetiva atual, nao tera como se separar do seu marido"(linha 21).

Depois da apresentacao do problema, o papel da autoridade torna-se fundamental ja que e ela que estabelece os comandos e/ou sugestoes para o seu interlocutor. Neste caso, a autoridade que responde as cartas e a propria colunista, visto que e psicanalista e assim pode responder ao leitor e ditar os comandos e/ou sugestoes com credibilidade.

Pereira e Almeida (2002) apontam que os comandos caracterizam o texto exortativo, pois e nessa etapa que a/o colunista dita passos e/ou ordens com a finalidade de mudar o comportamento do seu interlocutor em relacao ao seu problema. Em nosso corpus, constatamos os seguintes comandos/sugestoes:

Carta 1: "Voce so precisa escutar o suficiente" (linhas 15-16).

Carta 2: "O seu marido nao precisa da sua complacencia e sim de tratamento. Que tal dizer isso a ele na proxima crise de choro?" (linhas 31-32).

O ultimo aspecto do modelo de Longacre e a motivacao. Longacre (1992 apud PEREIRA; ALMEIDA, 2002, p. 253) argumenta que as motivacoes sao "[...] essencialmente ameacas com previsoes de resultados indesejaveis e promessas com previsoes de resultados desejaveis". Nas cartas analisadas, encontramos a motivacao nos seguintes fragmentos:

Carta 1: "Faca o que for necessario a fim de ir para onde a sua liberdade te levar. Quem gosta de voce, sabera te apoiar" (linhas 24-26).

Carta 2: "Do contrario, voce estara sendo cumplice do vicio e ate podera ser responsabilizada. O sentimento e perigoso e, as vezes, malevolo" (linhas 31-33).

Podemos visualizar, nas cartas, as quatro partes dos textos exortativos estudadas por Longacre que serviram de suporte para descrever a organizacao das cartas de aconselhamento.

Analise dos indices de modalizacao e discussao dos dados

Para a analise, selecionamos duas cartas. A primeira e a carta Contrato de mae, publicada no dia 23 de maio de 2007 e a segunda e a carta Atoleiro, publicada no dia 3 de setembro de 2007. As duas cartas versam sobre conflitos familiares e correspondem ao relacionamento interpessoal: mae x marido e filhos; esposa x marido.

Carta 1: Contrato de mae

Estou casada ha mais de 40 anos e nao me lembro se, em algum momento, eu me senti identificada com o meu casamento. Tive quatro filhos, mas sempre sonhei com os meus dias de liberdade. Costumo dizer que mae deveria ter contrato com tempo de duracao. Os meus filhos sao adultos, com familia constituida. Nao quero aturar as suas neuras. Meu marido nao aceita a minha posicao e isso e motivo de muita discussao entre nos. Da vontade de pegar o chapeu e dizer ate logo. Sera que eu sou uma mae terrivel? Cumpri minha obrigacao em relacao a todos quando eram pequenos. Tenho ou nao o direito de ir para onde minha liberdade me levar?

Seu e-mail me surpreendeu. Gostei da frase "mae deveria ter contrato com tempo de duracao". Claro que durante a infancia dos filhos, o tempo de atencao da mae e necessariamente maior. Nesse periodo, ela ate pode adiar os projetos incompativeis com a dedicacao exigida para o desempenho da funcao materna, de cuja importancia ninguem duvida. O futuro da civilizacao depende dos valores que os pais transmitem.

Agora, ser mae obviamente nao tem nada a ver com escutar as neuras dos filhos adultos, que podem consultar um especialista para superar suas dificuldades subjetivas. Voce so precisa escutar o suficiente para saber encaminha-los. Se os seus filhos e o seu marido nao sabem poupar o seu tempo, eles e que nao estao se comportando como devem.

Em A Brevidade da Vida, referindo-se a cegueira do espirito humano, Seneca diz que "Ninguem permite que sua propriedade seja invadida e, havendo discordia quanto aos limites, por menor que seja, os homens pegam em pedras e armas. No entanto, permitem que outros invadam suas vidas ... Nao se encontra ninguem que queira dividir a sua riqueza, mas a vida e distribuida entre muitos! Sao economicos na preservacao do seu patrimonio, mas desperdicam o tempo, a unica coisa que justificaria a avareza".

Voce sera terrivel consigo mesma se nao for avara em relacao ao seu tempo. Faca o que for necessario a fim de ir para onde a sua liberdade te levar. Quem gosta de voce, sabera te apoiar.

Texto da leitora

A autora da carta 5 apresenta-se pelos anos de casamento "Estou casada ha mais de 40 anos" (linha 1) e, nesse momento, ja expoe a sua inquietacao "[...] nao me lembro se, em algum momento, eu me senti identificada com o meu casamento. Tive quatro filhos, mas sempre sonhei com os meus dias de liberdade" (linhas 1-3) Percebe-se que a autora dessa carta vive em conflito com o seu papel de esposa-mae.

Apesar de ter constituido familia, o que poderia ser uma alegria, quando enuncia "[...] sempre sonhei com meus dias de liberdade" (linha 3), fica pressuposto que ela nunca foi feliz vivendo como esposa e mae. Acrescenta que 'Nao quero aturar as suas neuras' (a dos filhos) (linhas 4-5). Perpassa no seu discurso um descontentamento com os filhos e com o marido ja que ele 'nao aceita' a sua posicao.

Observamos que a presenca dos adverbios e expressoes 'se algum momento', 'sempre sonhei' sinalizam a sua decepcao e a sua esperanca de mudanca em relacao a condicao que ocupa. Os verbos 'nao me lembro', 'nao quero' mostram os seus sentimentos.

A autora termina a carta perguntando "Tenho ou nao o direito de ir para onde a minha liberdade me levar?" (linha 8) Fica explicito que a autora tenta formar uma imagem de uma mulher que se sente aprisionada ao casamento, aos filhos, e almeja pelos dias de liberdade.

Texto da colunista

A colunista avalia a autora como um sujeito que deve lutar pela sua liberdade, ja que esta presa ao lar e infeliz nessa situacao. Desse modo, exorta a leitora a mudar de atitude, como podemos verificar nos seguintes enunciados:

"Voce sera terrivel consigo mesma se nao for avara em relacao ao seu tempo. Faca o que for necessario a fim de ir para onde a sua liberdade te levar" (linhas 24-26).

Carta 2: Atoleiro

Tenho 29 anos, trabalho e sou formada em Letras. O que eu vivo e uma tortura. Ao longo dos cinco anos de casamento, meu marido foi se tornando cada vez mais assustador. Comecou a beber com frequencia. Depois, foi trabalhar no turno da noite e passou a consumir cocaina vez ou outra. Agora, faz isso com frequencia, principalmente quando bebe. O pior e que nem para o meu psiquiatra eu contei pois, apesar de toda a infelicidade, nao consigo me separar em definitivo. Sempre que tentei, ele se desesperou, teve crises de choro, jurou que nunca mais se drogaria. Acabei voltando. Tomo antidepressivo para controlar o mal-estar. Como me livrar desse casamento que so tem feito mal a mim e a minha filha? Como ir embora sem me sentir culpada?

Voce nao conta para o psiquiatra. Vai ve-lo para que ele receite o antidepressivo com o qual voce controla o mal-estar. Ou seja, vai para manter o status quo. Faz do psiquiatra um uso contrario a voce mesma. Isso e mais frequente do que se imagina.

Sua posicao e masoquista e me faz pensar numa entrevista dada por Francoise Giroud, que alem de jornalista foi secretaria da Condicao Feminina na Franca. A entrevista data do lancamento do best seller que ela escreveu com Bernard Henri Levy, em 1996, Homens e Mulheres. Giroud entao disse: "O masoquismo feminino e um traco adquirido, resultado de uma longa educacao, em particular da educacao crista, que ensinou as mulheres a serem resignadas, a aceitar tudo". A isso, no entanto, ela acrescentou: "elas estao deixando de ser masoquistas. A prova e a dificuldade existente hoje de recrutar enfermeiras".

Enquanto voce nao sair da posicao subjetiva atual, nao tera como se separar do seu marido. Ficara no mesmo atoleiro. O antidepressivo talvez seja necessario, porem nao propicia a nova consciencia de si que voce precisa. Quanto antes voce for procurar alguem que seja digno da sua confianca e saiba escutar, melhor para voce, sua filha e seu marido.

Na verdade, voce e ele sao o espelho um do outro. Ele faz de voce o uso que voce faz do psiquiatra: um mau uso. Ele se destroi e voce tambem. Seu casamento poderia ter inspirado o poema Destruicao de Carlos Drummond de Andrade: "Os amantes se amam cruelmente/e com se amarem tanto nao se veem/Um se beija no outro, refletido/Dois amantes que sao? Dois inimigos".

O seu marido nao precisa da sua eterna complacencia e sim de tratamento. Que tal dizer isso a ele na proxima crise de choro? Ou mesmo antes disso. Do contrario, voce estara sendo cumplice do vicio e ate podera ser responsabilizada. O sentimentalismo e perigoso e, as vezes, malevolo.

Texto da leitora

Nesta carta, a autora identifica-se pela idade e pela formacao academica. Em seguida, apresenta o seu problema "O que vivo e uma tortura" (linha 1), o qual ja aponta a sua situacao e relata o porque de viver assim: "[...] meu marido foi se tornando cada vez mais assustador. Comecou a beber com frequencia [...] passou a consumir cocaina" (linhas 2-3). A grande magoa em que vive a deixa muito infeliz. A leitora forma, no seu discurso, a imagem de uma mulher aflita e talvez envergonhada pela situacao em que vive, pois relata que nao contou para o psiquiatra o que se passa no seu lar.

Esse sentimento aumenta quando afirma que, "[...] apesar de toda a infelicidade, nao consigo me separar em definitivo" (linha 6). Ela ja tentou se separar, o que podemos confirmar com a expressao 'nao consigo', porem ha algo que a prende ao casamento, ao marido: ele "[...] jurou que nunca mais se drogaria" (linha 7) e diante dessa condicao, ela permanece submissa a ele.

Por fim, pergunta "Como me livrar desse casamento que so tem feito mal a mim e a minha filha? Como ir embora sem me sentir culpada?" (linha 8-10) A leitora constroi, no seu discurso, a imagem de uma mulher sentimentalista, sofredora, esposa-mae que esta num verdadeiro 'atoleiro', porem, mesmo sabendo qual atitude deve tomar, nao quer se sentir culpada por abandonar seu marido.

Texto da colunista

A colunista define a leitora como masoquista, "[...] sua posicao e masoquista" (linha 14) e cita Giroud, que refere: "O masoquismo feminino e um traco adquirido, resultado de uma_longa educacao, em particular da educacao crista, que ensinou as mulheres a serem resignadas, a aceitar tudo" (linhas 17-18).

A essa imagem de mulher masoquista, a especialista argumenta "Enquanto voce nao sair da posicao subjetiva atual, nao tera como se separar do seu marido" (linha 21).

Por fim, a colunista exorta a leitora a mudar de atitude em relacao ao seu marido: "[...] o seu marido nao precisa da sua eterna complacencia e sim de tratamento. Que tal dizer isso a ele na proxima crise de choro? Ou antes disso" (linhas 19-20).

A nossa analise nos permitiu observar que, nas cartas, temos historias diferentes: as mulheres que traem seus maridos, as que nao querem assumir a diferenca de idade e aquelas divididas entre o papel de esposa-mae.

Diante das diferentes historias, ha semelhancas entre elas: todas as mulheres sao movidas pela duvida, pelo medo, o que as leva a contar suas experiencias em troca de um conselho que solucione os seus problemas. Problemas esses comuns para muitas mulheres, porque quem nunca ouviu uma historia semelhante a essas nas rodas de conversa, na casa da vizinha, ou mesmo de uma amiga intima?

Tornadas publicas essas experiencias, podemos afirmar que a midia projeta tanto mudancas quanto a permanencia de comportamentos cristalizados que sinalizam para uma determinada imagem feminina.

Com base nos dados das cartas, (re)elaboramos um quadro comparativo, ancorado na pesquisa de Ghilardi-Lucena e Barzotto (2002), que pode ser visto na Figura 2.

Constatamos, no recorte analisado, a permanencia da imagem da dependencia, da submissao, da fragilidade, da aceitacao, da dedicacao ao lar e da necessidade de 'ser igual'. A mudanca esta na imagem da mulher que quer liberdade, da que tem forca psicologica, da decisiva, da mulher que se dedica a si propria e da mulher que busca ser 'diferente'.

Os indices de modalizacao utilizados pelas autoras das cartas, tais como os verbos querer, dever, ter, culpar, conseguir, lembrar; os adverbios nao, nunca, sempre; os adjetivos terrivel, culpada, masoquista; os substantivos liberdade, tortura, para citar alguns, parecem funcionar como usos linguisticos que interferem na construcao da imagem de si (ethos).

Os verbos mais frequentes que encontramos nesse recorte foram os verbos de sentimento o que talvez justifique as duvidas sentimentais, as crises identitarias porque estao passando essas leitoras. Isso as leva a expor publicamente um problema porque esperam, provavelmente, justificativas e/ou solucoes para a atitude que querem tomar, com o consentimento de uma profissional. Elas procuram uma 'amiga' que concorde com elas e a colunista e a profissional e amiga que as aconselha.

Consideracoes finais

Verificamos que ha mudancas na construcao da imagem dessas mulheres, mas elas nao aparecem claramente nos discursos das leitoras como se essas estivessem inseguras diante das novas situacoes que estao vivendo.

Por meio da analise, constatamos que as leitoras que escrevem pedindo conselhos esperam uma justificativa para o que querem ou para o que estao fazendo. Elas querem tomar certas atitudes cientes do consentimento de um profissional, visto como um amigo que pode vir a concordar com elas. De certa forma, sao submissas a opiniao alheia.

A revista esta disposta a ajuda-las e e sensivel a situacao porque elas passam. Essas leitoras precisam de quem lhes de apoio imparcial, que se sensibilize com a situacao/problema que estao vivendo. E como se a revista fosse solidaria com o problema que elas vivenciam/enfrentam.

Desse modo, constata-se que as leitoras estao procurando uma opiniao de quem nao pertence ao circulo intimo delas e que a revista esta disposta a ouvi-las e apresentar-lhes solucoes rapidas para os seus dilemas.

A nossa pesquisa nao pretende ditar como unica a analise realizada, pois temos a conviccao de que diferentes possibilidades de analise podem obter diferentes resultados.

Por fim, esperamos que este trabalho, de alguma forma, possa contribuir para os estudiosos da linguagem, que atuam no ensino superior, medio e fundamental, os quais se preocupam com questoes de midia, genero, genero discursivo, ethos e enunciacao e discutem-nas na sala de aula.

Doi: 10.4025/actascilangcult.v34i2.15076

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Received on October 19, 2011.

Accepted on July 19, 2012.

(1) "Na competencia cultural dos membros da comunicacao, e necessario incorporar a imagem que se forma deles mesmos, que fazem do outro e a que se imaginam que o outro faz deles: nao se fala a um destinatario real, mas sim aquilo que se acredita saber sobre ele, enquanto que o destinatario decodifica a mensagem em funcao do que ele acredita saber sobre o emissor" (traducao nossa).

(2) "As marcas linguisticas do locutor no centro de seu enunciado, os lugares de inscricao e as modalidades de existencia do que com Benveniste chamamos 'a subjetividade na linguagem'" (traducao nossa).

Maria do Socorro de Almeida Farias-Marques (1) * e Vera Lucia Pires (2)

(1) Universidade Federal do Pampa, Rua Conselheiro Diana, 650, 96300-000, Jaguarao, Rio Grande do Sul, Brasil. (2) Centro Universitario Ritter dos Reis. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. * Autor para correspondencia. E-mail: marisocorrof@yahoo.com.br Figura 2. Quadro comparativo das mudancas e permanencias da imagem feminina. TRADICAO MODERNIDADE Dependencia Submissao Liberdade Fragilidade Forca psicologica Aceitacao Decisao Dedicada ao lar Dedicacao a si propria Ser "igual" Ser 'diferente'
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