摘要:Escrito nos anos vinte do século XX e publicado a partir da organização da crítica literária Miranda Klix na obra Cuentistas argentinos de hoy (1929), o conto “Desdicha”, do escritor argentino Leónidas Barletta, apresenta ao leitor o improvável diálogo entre um zelador de um zoológico e os animais enjaulados, vítimas do seu exotismo, calados pelo seu próprio destino. Ao mesmo tempo em que o narrador conduz a história a partir da insólita conversa entre um trabalhador e um leão ferido, a narrativa permite um desenho do cenário de modernização protagonizado por Buenos Aires, sobretudo para aqueles que não faziam parte da aspiração do ideal de civilização. Por meio da construção de imagens, metáforas e uma descrição sinestésica, a prosa de Barletta permite que o leitor descortine as outras fronteiras da realidade da nação argentina, dando ênfase ao que está às margens, ao que menosprezado e, por fim, à própria ideia de cultura. Dessa maneira, é possível acessar um conceito de cultura que não é estável, mas híbrido (GARCÍA CANCLINI, 2001). Ao resgatar a história de um mais um imigrante e, ao mesmo tempo, compará-la com a solidão de um animal, o conto exemplifica o caráter de mescla (SARLO, 2010) que caracteriza não somente a população da Argentina, mas também de muitos países que receberam europeus nas ondas migratórias do século XIX e XX. Tomando todas essas características, o presente trabalho propõe relatar experiências didáticas de trabalho nas aulas de espanhol como língua estrangeira (ELE), valorizando a dinâmica de leitura do conto literário a partir das experiências e interesses dos próprios alunos (PENNAC, 1996). Para isso, a reflexão estabelece como eixo teórico a problematização do conceito de cultura como uma ferramenta de contato e transformação constante e, fundamentalmente, na perspectiva da interculturalidade para entender que nenhuma sociedade pode se compreender por si mesma, reforçando o social através de deslocamentos, fronteiras, choques e interações (GRIMSON, 2011). O conceito de distância estrutural, desenvolvido por Evans-Pritchard nos anos 40 e resgatado por Alejandro Grimson, se transforma também como outra chave de leitura possível para o conto, exemplificando como grupos sociais diferentes, ainda que fisicamente no mesmo espaço, podem não fazer parte do mesmo espaço cultural e simbólico. Temos, assim, uma oportunidade para encarar no infortúnio, na desdicha, uma oportunidade para problematizar os sujeitos pós-modernos.