期刊名称:E-topia : Revista Electrónica de Estudos sobre a Utopia
电子版ISSN:1645-958X
出版年度:2011
期号:12
出版社:Universidade do Porto
摘要:Subitamente a biblioteca começou a murmurar e nem sempre era possível identificar a origem da voz. Leitura em prece no templo do livro, no tempo de uma promessa. Eram muitos os leitores espalhados nos vários andares da biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. No vão vertical da biblioteca, fragmentos literários escolhidos e compartilhados em um coro inaudível, expostos como cicatrizes do texto. Murmúrio – música – linguagem encontrando-se aleatoriamente e exigindo um esforço de tradução. Uma ou outra palavra saltava da litania literária como um convite à leitura. No centro da sala, uma mesa de trabalho que dava ao lugar uma atmosfera entre a sala de marcenaria e um galpão de lavoura: madeira, furadeira, parafusos, sementes, terra, regador, adubo. Alquimia literária, invenção artística, buscando sempre o nome que falta. Cada leitor, depois de ler seu texto, arrancava a página lida e a jogava no chão. A literatura como um resto precioso apontando para o que Samuel Beckett instaura como o Inominável. A violência da folha rasgada, contudo, não implicava ali em uma destruição da obra, pelo contrário, recuperava na simbologia do gesto a transformação do texto. Como se estivéssemos diante de um teorema que demonstra o poder de navalha da palavra. Toda a criação implica um corte no tecido da vida abrindo novas imagens até então inéditas: utopias? O jovem grupo de artistas Projectos Vivos e o grupo de teatro Bisturi reagiam assim ao anúncio pessimista de Rilke que abre seu célebre poema de juventude Notas sobre a melodia das coisas com o seguinte verso: “Com mil e um sonhos atrás de nós e sem ato” (cf. Rilke 2008). De um dos andares caiem retalhos de folhas guilhotinadas geometricamente por uma máquina de corte. Chuva branca de meteoritos literários que se perderam da órbita dos livros para ingressarem na desordem do mundo. Estes fragmentos eram recolhidos em um grande livro de páginas brancas e colados ao acaso, lembrando uma longa série de pinturas suprematistas. Novas composições, novas leituras em uma demonstração precisa do que vem a ser, em ultima instância, uma leitura.