Maria Alice Rezende de Carvalho: Penso que estamos diante de um dos temas que, por muitos motivos, considero de fronteira nas Ciências Sociais. O primeiro motivo é que o estudo das cidades permite a incorporação de teorias que, até então, a gente não imaginaria que pudessem servir às Ciências Sociais ou a análises contemporâneas. A discussão sobre direitos é uma delas. Sobretudo se pensada a partir da história dos direitos corporativos preservados na Ibéria moderna, e do seu impacto nas cidades coloniais brasileiras. Isso é o que faz Antônio Manuel Hespanha, cujos trabalhos poderiam iluminar a discussão sobre favelas no Rio de Janeiro hoje, em 2010. Então, o primeiro desafio é teórico e diz respeito ao que os vários conhecimentos disciplinares poderiam aportar à agenda de estudos sobre a questão urbana. Mas há também um deslocamento na própria noção de cidade, porque as grandes formações urbanas do mundo estão sob o cerco de um número cada vez maior de pessoas morando em condições degradantes na periferia da urbe. Isso não é um fenômeno brasileiro, é um fenômeno mundial, não diz respeito apenas às grandes cidades pobres do planeta. Isso preocupa a todas as sociedades democráticas. As cidades-acampamento são outro tema importantíssimo para nossa reflexão. Há, hoje, cerca de quarenta milhões de refugiados que, por motivos políticos, guerras civis ou catástrofes climáticas moram em acampamentos. Imaginem isso nos próximos vinte, trinta anos. Quantos milhões de pessoas não estarão representando a cidade a partir de sua experiência em campos de refugiados? E o que significa viver naquelas condições de precariedade e de provisoriedade, muitas vezes sem qualquer background cultural comum? Penso, portanto, que estamos diante de um fenômeno quente, do ponto de vista existencial e teórico. A sociologia tem um conhecimento rotinizado sobre a cidade, mas talvez esteja na hora de caminharmos nessa fronteira mais avançada da discussão sobre a experiência urbana nesse começo de século.