摘要:As sociedades contemporâneas têm passado por importantes transformações, especialmente a partir da segunda metade do século XX, com o surgimento de novas conformações sociais e a emergência de problemas políticos, ambientais e sanitários, trazendo à cena o papel da reflexão bioética. No Brasil, o cuidado à saúde — anteriormente entendido e praticado de modo restrito à assistência centrada em práticas hospitalares, de cunho meramente curativo — passou a ser encarado como direito de todo cidadão e dever do Estado, por meio de ações de educação, promoção, prevenção, proteção e recuperação/reabilitação. Isto permitiu a emergência de novas questões morais, em um ethos do Sistema Único de Saúde (SUS) antes praticamente invisível à reflexão bioética: a Atenção Primária à Saúde. O escopo desta dissertação — a primeira defendida no Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva (PPGBIOS), organizado em associação ampla de quatro instituições do Rio de Janeiro: Fiocruz, Uerj, UFF e UFRJ — é a identificação e caracterização inicial das questões bioéticas na Atenção Primária à Saúde no espaço da Estratégia Saúde da Família (ESF), na qual atua uma equipe composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS), em um município da Região Serrana do Rio de Janeiro, Brasil. O resultado do trabalho foi organizado em três artigos inter-relacionados, nos quais (1) contextualizou-se a Bioética, sua origem e seus principais problemas; (2) apresentou-se e discutiu-se a ESF e possíveis fortalezas e fragilidades; (3) descreveu-se a investigação empírica. Nesta última, emergiram duas categorias principais de problemas vivenciados na ESF — referidos aos conflitos éticos/bioéticos entre (i) equipe e usuários e (ii) entre os próprios profissionais — e, igualmente, uma importante dificuldade de reconhecimento, pelos profissionais, das questões bioéticas atinentes ao processo de trabalho. Mediante toda a discussão e fundamentação desenvolvidas no estudo, concluiu-se que a Bioética representa um potente — e necessário — instrumento para equacionar os conflitos inerentes às práticas de saúde na Atenção Primária à Saúde, constatação que deve motivar a criação de espaços de formação bioética nesse nível de atenção do SUS.