Este artigo aborda a importância do pensamento de Canguilhem para transformações nas ciências da vida e também da relação entre ciência e filosofia. Afirma que o conceito de normatividade vital, ao propor valor como uma característica essencial da vida, aponta um problema fundamental do conhecimento biológico. Este conceito é central no pensamento de Canguilhem e acompanha toda a sua obra, como confirma a Conferência sobre Cérebro e Pensamento, realizada em 1980. Sua atualidade é atestada na discussão de questões em aberto nas neurociências e na definição de vida. Não há uma definição de vida que seja curta, universal e igualmente aceita como definição padrão entre as ciências. A definição de vida como posição inconsciente de valor não se coaduna com a perspectiva quantitativa das ciências da natureza. O que poderia ser valor como definição do que é vida? Constituintes metabólicos poderiam apresentar uma dimensão que se considera inaugurada pela vida humana? Para equacionar essas interrogações, seriam necessárias mudanças na concepção do que é o homem e da sua relação com o conhecimento. Finalmente, é apresentada a afinidade entre o conceito de normatividade vital e o de vontade de poder, de Nietzsche. O conceito de normatividade vital encontra o de vontade de poder como uma potência que realiza a própria vida orgânica. Considerar que valor é anterior ao homem é afirmar a realidade biológica do pensamento, da qual o humano é um desdobramento que realiza o sentido da própria experiência vital.
This paper examines the relevance of Canguilhem's thought regarding changes in the life sciences, and the relationship between science and philosophy. It shows that the concept of vital normality, and its focus on value as essential trait of life, reveals, in biology, a basic problem of knowledge. A nuclear concept in Canguilhem's thought, present in all of his work - as made clear, in 1980, by his contribution at the Conference on the Brain and Thought - it's still actual in present-day discussion of unanswered questions in the neurosciences and in definitions of life. No brief, universal definition of life is generally accepted, in the sciences, as standard definition. To define life as unconscious position of value is not in accordance with the quantitative perspective of natural science. What is value as definition of life ? Can metabolic components present a dimension shown to be inaugurated by human life ? Such questions may only be equations after indispensable changes in the concepts of man and his relationship with knowledge. In the final part, affinity is established between Canguilhem's concept of vital normality and the will to power of Nietzsche. The concept of vital normality links to the will to power as organic life-creating force. To postulate value as previous to man is to uphold the biological reality of thought, from which develops humanity, fulfilling with meaning the experience of life.